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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.40 no.3 Lisboa jun. 2024  Epub 30-Jun-2024

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v40i3.13539 

Relatos de caso

Complicações micro e macrovasculares e farmacoterapia da diabetes mellitus: um relato de caso

Microvascular and macrovascular complications and pharmacotherapy of diabetes mellitus: a case report

Gabriel Silvério de Souza1 
http://orcid.org/0000-0002-3254-3267

Daniela Frizon Alfieri2 

Telma Regina Fares Gianjacomo3 

Edmarlon Girotto4 

1. Farmacêutico. Universidade Estadual de Londrina. Londrina-Paraná, Brasil.

2. Departamento de Ciências Farmacêuticas. Universidade Estadual de Londrina. Londrina-Paraná, Brasil.

3. Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva. Universidade Estadual de Londrina. Londrina-Paraná, Brasil.

4. Departamento de Ciências Farmacêuticas. Universidade Estadual de Londrina. Londrina-Paraná, Brasil.


Resumo

Introdução:

As complicações micro e macrovasculares da diabetes são resultado de um processo de caráter longo sobre a falta dos cuidados da diabetes, de que resultam problemas cardiovasculares, oftalmológicos e neuropáticos, requerendo por essas questões elevada atenção no tratamento.

Descrição do caso:

Apresenta-se o relato de caso de um paciente adulto de meia-idade, ex-fumador, com diagnóstico de diabetes mellitus, além da hipertensão e obesidade. A sua alimentação não saudável ao longo dos anos, sedentarismo e altos níveis de estresse resultou num quadro de isquemia vascular periférica, que intensificou as complicações da diabetes, ou seja, problemas micro e macrovasculares, entre eles, a retinopatia e a neuropatia. Por esse histórico, a farmacoterapia do paciente resultou entre as insulinas (regular e NPH), antiagregante plaquetátio, estatina, fibratos, psicotrópicos e os anti-hipertensores. Além disso, detetou-se que seus níveis glicémicos e hemoglobina glicada estão elevados. Ainda se verificaram alterações na lipoproteína de alta densidade (HDL) e triglicéridos. Algumas queixas do paciente no período noturno, como boca seca, tontura e sonolência, são problemas que podem estar relacionados com a terapia concomitante de venlafaxina, gabapentina e amitriptilina.

Comentários:

De forma geral, recomenda-se a este paciente a prática de exercício físico, como caminhada, por exemplo, diminuição do consumo de hidratos de carbono e sódio, além de algumas alterações na farmacoterapia do paciente.

Palavras-chave: Diabetes mellitus; Complicações da diabetes; Farmacoterapia; Condutas saudáveis

Abstract

Introduction:

The micro and macrovascular complications of diabetes are the result of a long process of the lack of diabetes care, which results in cardiovascular, ophthalmological, and neuropathic problems, and for these reasons requires high attention in treatment.

Case description:

This article presents a case report of a middle-aged adult patient, ex-smoker, diagnosed with diabetes mellitus, in addition to hypertension and obesity. Their unhealthy diet over the years, sedentary lifestyle, and high levels of stress resulted in peripheral vascular ischemia, which intensified the complications of diabetes, that is, micro and macrovascular problems, including retinopathy and neuropathy. Due to this history, the patient’s pharmacotherapy resulted in insulins (regular and NPH), antiplatelet agents, statins, fibrates, psychotropics, and antihypertensives. In addition, his blood glucose levels and glycated hemoglobin were found to be elevated. Furthermore, alterations were observed in high-density lipoprotein (HDL) and triglycerides. Some patient complaints at night, such as dry mouth, dizziness, and drowsiness, are problems that may be related to concomitant therapy with venlafaxine, gabapentin, and amitriptyline.

Comments:

In general, this patient is recommended to practice physical exercises, such as walking, for example, reducing the consumption of carbohydrates and sodium, in addition to some changes in the patient’s pharmacotherapy.

Keywords: Diabetes mellitus; Diabetes complications; Pharmacotherapy; Micro and macrovascular complications; Healthy lifestyle

Introdução

A diabetes mellitus (DM) ou diabetes é uma doença de caráter crónico, que consiste principalmente na hiperglicemia, decorrente do aumento da resistência periférica à insulina ou pela falta ou insuficiência da secreção desta hormona, sendo que dentre as classificações da DM as que se destacam são diabetes mellitus I e diabetes mellitus tipo II.1-2

A DM tipo I é uma doença genética, autoimune, em que os anticorpos próprios atacam as células beta pancreáticas que produzem a hormona insulina, resultando na diminuição da insulina. O tipo II pode ser genético, assim como ocasionado por fatores ambientais, sendo este o mais prevalente. 2-3

A diabetes gera complicações microvasculares (artérias de menores calibres e capilares) devido a hiperglicemia crónica, sendo estas responsáveis pela retinopatia, nefropatia e neuropatia, e macrovasculares (artérias de grandes calibres e vasos), que se refletem na aterosclerose. 2,4

Partindo desta premissa, pessoas com dislipidemia e hipertensas têm maiores hipóteses de ter aterosclerose, já que a dislipidemia aumenta o nível de lipoproteína de baixa densidade (LDL) plasmática e a hipertensão que, quando não controlada, produz lesões importantes nas paredes das artérias e/ou veias. 5-6

Destaque-se a pandemia da COVID-19, que contribuiu para a redução do autocuidado, diminuição da prática de exercício físico, aumento na ingestão de alimentos de risco, descontrolo glicémico e a redução da procura de medicamentos junto do Sistema Único de Saúde (SUS). 7

Diante dessas questões, os farmacêuticos são fundamentais para a atenção farmacêutica dessa população. 8 Portanto, o presente estudo teve como objetivo relatar um caso de DM e outras comorbidades, identificar a fisiopatologia e a farmacoterapia do paciente e as possíveis intervenções farmacológicas necessárias para abordar os problemas relacionados aos medicamentos.

Descrição do caso

Paciente E.S.S., sexo masculino, 57 anos, aposentado por invalidez, 1,70 m de altura e 87 kg, ex-fumador (cessou há aproximadamente 25 anos), que apresenta como principal problema de saúde a DM. Além disso, tem hipertensão, aterosclerose e obesidade de grau I, conforme o IMC (Índice de Massa Corporal). 9

A descoberta da diabetes no paciente foi durante a sua fase adulta jovem (aos 33 anos, em 1997); relata que vivia sob estresse e levava uma vida sedentária, com alimentação inadequada. Em 2015, o paciente apresentou isquemia vascular periférica, necessitando de angioplastia na perna esquerda; porém, não obteve sucesso na desobstrução da artéria ilíaca, sendo necessário fazer o procedimento da ponte de safena.

Além disso, houve amputação de dois dedos (o segundo e o terceiro metatarso do pé direito), sendo que no pé esquerdo ocorreu o encurvamento do segundo dedo, o qual levou ao chamado de dedo de martelo, ambos os problemas decorrentes da evolução da diabetes, além de ter ulcerações nos pés e queixar-se pelas pontadas e queimação.

Com esse quadro, o paciente utiliza diversos medicamentos (Tabela 1). Ainda se queixa de que sente sonolência, tontura e boca seca quando utiliza os medicamentos do período noturno. Os resultados de exames realizados ambulatorialmente estão descritos nas Tabelas 2, 3 e 4 referentes ao mês de outubro/2021. O controlo da diabetes e da hipertensão arterial podem ser observados nas Tabelas 5 e 6.

Tabela 1 Esquema terapêutico dos medicamentos com dose e horários 

Tabela 2 Descrição dos resultados de exames bioquímicos realizados pelo paciente (outubro/2021) 

Tabela 3 Descrição dos resultados de exame de urina I realizado pelo paciente (outubro/2021) 

Tabela 4 Descrição dos resultados de exames hematológicos realizados pelo paciente (outubro/2021) 

Tabela 5 Descrição dos resultados da aferição da glicemia realizados pelo paciente (outubro/2021) 

Tabela 6 Descrição dos resultados da aferição da pressão arterial realizados pelo paciente (setembro/2021) 

Nos dias atuais, o paciente não pratica exercício físico com frequência, devido às complicações da diabetes. A única atividade realizada é a caminhada leve, em torno de 15 minutos por dia, no quintal de casa, acompanhada de sua esposa. Em relação à sua alimentação apresentou alterações depois das complicações, ou seja, não ingere hidratos de carbono em excesso, assim como doces; entretanto, apesar dessa mudança, o paciente repete sistematicamente suas refeições.

Quanto à sua adesão aos medicamentos, o paciente mostrou-se assíduo, o qual, devido aos problemas e às consequências da diabetes, relata que não se esquece de tomar seus medicamentos e que apesar da sua cegueira, sua esposa, que é a cuidadora do paciente, aplica as insulinas e administra os medicamentos. A esposa explica que as agulhas são utilizadas uma por dia, que faz as rotações das aplicações e armazena as insulinas no frigorífico, embaixo das gavetas onde coloca os legumes. Segundo ela, recebeu estas orientações pelo farmacêutico da Unidade Básica de Saúde, na qual retira a insulina. Quanto aos outros medicamentos são entregues diretamente na residência do paciente pelo Hospital das Clínicas de São Paulo. Além deste, também é retirada no Hospital das Clínicas a pomada à base de óleo de girassol que é aplicada nos pés.

Comentário

Progressão das comorbidades e a relação com os exames clínicos

O paciente apresenta condições de saúde que o caracterizam com presença de síndroma metabólica (SM), devido à pressão arterial elevada, altos níveis de glicemia, baixo nível da lipoproteína de alta densidade (HDL) e altas concentrações de triglicéridos (TG). 5,10 Logo, o paciente apresenta importantes fatores de risco de doença cardíaca, diabetes e obesidade. 11-13

O sedentarismo, identificado no relato, também está associado ao desenvolvimento de maiores riscos da síndroma metabólica, 13 pois a inatividade física reduz a circulação sanguínea e as contrações musculares e o retorno venoso fica comprometido, resultando na formação de trombos e outros problemas cardíacos. 11 Esse processo pode ainda ocasionar resistência à insulina, resultando no aumento de glicose, o que pode resultar, especialmente em pacientes diabéticos, em problemas microvasculares, como a retinopatia, a nefropatia e a neuropatia. 12

A retinopatia, do ponto de vista fisiológico, forma novos vasos (neovascularização), assim comprometendo a região da retina e demonstra um estágio mais avançado da DM no paciente. 14-15 Já a nefropatia, que também tem caráter crónico, progressivo e lento, além da hipertensão, pode resultar numa hipertrofia renal. 16 No caso deste paciente não se observou a presença de insuficiência renal crónica; apesar de o resultado da proteinúria (albuminúria) estar acima dos valores de referência, a relação proteinúria/creatinina (0,12 g/g creatinina) encontra-se dentro do valor de referência (0,06 a 0,35 g/g de creatinina). Destaque-se que o valor exclusivo da proteinúria não demonstra que o paciente tem quadro grave de lesão renal, assim precisando da creatinina para corrigir esse valor, sendo considerado padrão-ouro. 17

Outrora, a neuropatia diabética, que lesiona as fibras nervosas do sistema nervoso periférico, gera dores, queimação e pontadas nos pés, além de poder provocar ulcerações e amputação dos membros inferiores, 16,18-21 situações que foram identificadas no relato apresentado. Além disso, a neuropatia diabética pode favorecer processos de ulceração e amputação dos membros inferiores, pois com a perda de sensibilidade em concomitância de traumas na região, especialmente nos pés, há maior risco de infeção, o que pode gerar o denominado pé diabético. Destaque-se que essa é a causa mais comum de amputações em indivíduos com diabetes. 16,18

Ademais, note-se que a hemoglobina glicada (HbA1c) está acima dos valores de referência e, por isso, se entende que o paciente não tenha um adequado controlo da glicemia durante os últimos 60 a 120 dias antes da realização do exame, pois a hemoglobina, além de ter como função o transporte de oxigénio para os tecidos, quando há alta concentração de glicose no sangue, esse açúcar liga-se à hemoglobina A1c. 22

Farmacoterapia do paciente

Nota-se que a glicemia do paciente está equilibrada na maior parte dos dias, mas apresentou no dia 14/10 um evento levemente hipoglicémico (68 mg/dL) e no dia 15/10 uma hiperglicemia mais significativa (265 mg/dL). No cômputo geral, em mais de 50% dos dias em que a glicemia capilar foi aferida os níveis glicémicos apresentaram níveis superiores aos recomendados pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) (<100 mg/dL). Estes valores vão ao encontro do nível de hemoglobina glicada do paciente, com valor de 7,7%, também superior ao recomendado pela SBD (<7,0%) para adultos.2

Na maioria das vezes, a hipoglicemia ocorre mais frequentemente em paciente com diabetes do tipo 1 do que diabetes do tipo 2, em uso exclusivo de insulinas, podendo então indicar que a baixa glicemia deste paciente foi gerada por antidiabéticos orais e/ou insulina e a falta de alimentação, para a qual os sintomas são boca seca, náusea, tontura e visão turva. 23 Nesse caso, chama a atenção o episódio de hiperglicemia importante ocorrer no dia seguinte à possível hipoglicemia e sugere que o paciente pode, por conta própria ou não, ter deixado de fazer o uso dos medicamentos neste (14/10) e no dia seguinte (15/10), devido ao seu entendimento dos riscos da hipoglicemia e com isso houve aumento da glicemia no dia posterior. Isso reforça a importância de uma orientação durante o processo de uso dos antidiabéticos e no controlo da glicemia para não haver problemas na adesão ao tratamento.

Em relação à pressão arterial percebe-se que o controlo da pressão não se apresenta dentro dos parâmetros. Por ser um paciente com alto risco cardiovascular sugere-se que a pressão arterial se mantenha sempre abaixo de 130 mmHg x 80 mmHg. 2,24-27 A dose e uso dos anti-hipertensores estão corretos, podendo então a alta ingestão de sódio ser o motivo do não controlo da pressão arterial, além de outros fatores não-farmacológicos, como sedentarismo, por exemplo. Destaque para o facto de o paciente já utilizar terapia dupla para o tratamento da hipertensão arterial (losartan e atenolol), com alto risco de eventos cardiovasculares. 26 Caso não haja controlo adequado com terapia dupla e melhoria dos hábitos de vida pode ser necessária a terapia tripla ou quádrupla, conforme orientações das Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial - 2020. 26

O uso da amitriptilina e gabapentina, quando concomitantes, pode aumentar os efeitos colaterais da gabapentina (tontura, boca seca e sonolência), sendo estes mencionados pelo paciente. Logo, é necessário reduzir a dose ou aumentar o intervalo de tempo de uma droga para outra. Neste caso, o mais adequado é alterar a dose de gabapentina (de 400 mg para 300 mg), pois a amitriptilina já está na dose inicial recomendada (25 mg). 28 Com essas mudanças pode haver diminuição das queixas que o paciente sente ao usar os medicamentos noturnos. Deve-se destacar que o uso de tricíclicos IRSN (venlafaxina) e anticonvulsivantes (gabapentina) são essenciais para o tratamento da dor neuropática periférica, pois estes medicamentos atuam no sistema nervoso central na redução da libertação dos neurotransmissores que conduzem à dor, sendo estes primeira linha para o tratamento. 29

O omeprazol tem sido muito comum em pacientes polimedicados, pois existe o senso comum que a sua utilização alivia os sintomas gástricos associados ao uso excessivo de medicamentos como consequência da polifármácia. 30-31 Entretanto, não há benefícios nesse contexto para a utilização de inibidores da bomba de protões e, apesar dos benefícios em proteger a parede estomacal em algumas circunstâncias, o seu uso crónico pode levar ao efeito rebote ou hipergastrinemia, que é o aumento rápido da acidez gástrica, o que faz com que os pacientes fiquem dependentes desse fármaco. 32 Sendo assim, cabe rever o uso do omeprazol e aplicar estratégias de desprescrição, se oportuno.

A neuropatia autonómica, causada pela neuropatia, retarda a motilidade gástrica, causando náuseas e vómitos, também chamada de gastroparesia diabética, logo, se utiliza a domperidona. 33-34 De destacar que medicamentos como a amitriptilina e a venlafaxina bloqueiam a recaptura das catecolaminas, gerando alta carga colinérgica, o que pode resultar em tonturas e xerostomia, relatadas pelo paciente. Como a amitriptilina tem importante carga anticolinérgica, somada à domperidona e venlafaxina, que também possui atividade anticolinérgica, 35-37 o paciente pode ter o risco aumentado de apresentar tonturas e xerostomia (boca seca).

Nota-se que a utilização da insulina NPH é de três vezes ao dia (manhã e noite), sendo que essa posologia é mais comum em pacientes hospitalizados. Portanto, como este paciente utiliza 90 Unidades da insulina NPH, divididas em três doses, pode-se sugerir a utilização de 60 Unidades no período da manhã e 30 Unidades à noite. 2

Além disso, a SBD também mostra que o uso da aplicação das insulinas deve ser realizado em rotação, ou seja, aplicar em diferentes locais do corpo, assim evitando danos nos tecidos e no descontrolo glicémico. 2 Conforme foi relatado pela sua esposa, cuidadora, a mesma faz a aplicação das insulinas corretamente, o que minimiza os riscos.

Portanto, como intervenções farmacêuticas há a necessidade de aplicar uma estratégia de mudança no seu estilo de vida, já que o paciente apresenta um perfil lipídico acima dos valores de referência. Logo, este paciente deve ser aconselhado quanto à realização de atividade física leve, como a caminhada, acompanhado de sua esposa, além de uma alimentação equilibrada, sem repetição das principais refeições e, de preferência, com baixo consumo de hidratos de carbono e poucas fibras para evitar os sintomas da gastroparesia, diminuição do consumo de sódio e a utilização de calçado antiderrapante, não apertado e com palmilhas, que protege quanto ao aparecimento de lesões nos pés.

Além disso, uma possibilidade real é a mudança do esquema terapêutico da insulina NPH para duas vezes ao dia, sendo 60 Unidades aplicadas no período da manhã e 30 Unidades no período da noite, com reforço para o baixo consumo de açúcar, o que poderá melhorar o controlo da glicemia, bem como reduzir o risco de hipoglicemia, além da própria hemoglobina glicada. Caso as medidas não farmacológicas e farmacológicas (alteração da forma de uso de insulina) não sejam suficientes talvez sejam necessárias alterações das doses de insulinas (NPH e/ou regular) e, neste caso, a intervenção deve ser realizada diretamente com o profissional prescritor, intermediado pelo paciente.

Em relação às reações adversas referidas pelo paciente será analisado que opção é mais adequada para a diminuição dessas reações, seja pela diminuição da dose dos medicamentos ou no espaçamento do intervalo de tempo de um medicamento para o outro, como no caso da amitriptilina e gabapentina. Ainda, rever, junto com o prescritor, a desprescrição, ainda que adequada para a neuropatia periférica, de amitriptilina, devido à sua elevada carga colinérgica, que pode ser maximizada com o uso de domperidona e venlafaxina. São situações delicadas, pois são medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde e as suas alternativas certamente implicariam em custos financeiros excessivos para o paciente. Sendo assim, todo o processo deve, além de considerar os aspetos clínicos e terapêuticos, também considerar os aspetos humanísticos e económicos do paciente.

Além disso, conforme o relato, o paciente não esquece de tomar seus medicamentos devido aos percursos que a diabetes lhe causou. Nota-se, então, que quanto maiores as implicações que a doença tem na vida do indivíduo maior a possibilidade de se conhecer mais profundamente o seu problema, o que tende a favorecer a maior adesão ao tratamento. 38 Entretanto, não só o processo histórico da doença influencia as ações do paciente, mas o apoio familiar e social auxilia o paciente a ter uma maior adesão, pois o incentivo vindo por parte das pessoas do seu convívio faz com que o paciente possa ter um melhor autocuidado, ainda que estas relações não influenciem quanto à mudança no estilo de vida dos pacientes. 39

E, conforme o relato, sua cuidadora afirma que segue as orientações da insulinoterapia, ou seja, as quantidades das doses de insulina que serão aplicadas ao longo do dia, de acordo com a prescrição médica, assim como na questão do seu armazenamento, seguindo as orientações do profissional farmacêutico. Logo, demonstra a importância deste profissional, pois suas instruções, assim como as intervenções farmacêuticas, fazem com que o paciente possa ter um melhor uso racional do medicamento e adesão e a melhoria do seu quadro clínico, além de que em pacientes que usam muitos medicamentos, como é o caso do presente paciente, existe um maior risco de reações adversas e de interação medicamentosa, resultando, assim, numa baixa eficácia do tratamento. 40

Conclusões

Conclui-se que o paciente, por apresentar problemas micro e macrovasculares, decorrentes da diabetes, necessita de importantes modificações no estilo de vida, com caminhadas matutinas diárias e refeições leves, sem repeti-las. Além disso, nota-se que a farmacoterapia do paciente não se apresenta muito adequada, pois o paciente apresenta queixas de sentir boca seca, sonolência e tontura, podendo considerar-se a diminuição da dosagem para dosagem inicial da amitriptilina e gabapentina ou espaçar o intervalo de tempo do uso entre os dois medicamentos, bem como a possiblidade de alternativas terapêuticas aos medicamentos em uso. Em adição deve-se rever o esquema terapêutico da insulina NPH e recomendar fortemente a redução do consumo de hidratos de carbono e, se necessário, aumentar a dose diária das insulinas.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Contributo dos autores

Conceptualização, GSS e EG; redação do draft original; GSS e EG; revisão, validação e edição do texto final, DFA E TRFG. Todos os autores contribuíram para a elaboração e revisão do manuscrito e aprovaram a versão final do artigo submetido.

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Recebido: 26 de Agosto de 2022; Aceito: 13 de Setembro de 2023

Endereço para correspondência Gabriel Silvério de Souza E-mail: gabriel17silverio@hotmail.com

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