Introdução
Apesar do carcinoma espinocelular (CEC) subungueal ser uma entidade rara, é o tumor maligno subungueal mais comum.1 Clinicamente apresenta-se de forma extremamente variada, podendo mimetizar diversas patologias benignas, como a onicomicose ou verruga vulgar, levando frequentemente a um diagnóstico tardio.1-3 Cerca de 75% dos CEC periungueais estão associados ao vírus do papiloma humano.4 Dada a dificuldade do diagnóstico diferencial, é essencial um elevado índice de suspeição perante lesões subungueais sem melhoria clínica após tratamento antifúngico. Nestes casos, é essencial a realização de biópsia para confirmação do diagnóstico.1-2,5
O objetivo do presente artigo é relatar o caso de uma paciente com CEC subungueal, que apresentava uma lesão ungueal com longa evolução temporal e alertar para a importância de valorizar a sintomatologia e realizar biópsia precoce para confirmação diagnóstica e respetivo tratamento.
Descrição do caso
Utente do sexo feminino, 51 anos, antecedentes pessoais de hipertensão arterial medicada com ramipril 5 mg e controlada. Sem antecedentes pessoais e familiares oncológicos. Negava hábitos tabágicos e alcoólicos. Apresentava uma lesão da unha do quarto dedo da mão direita de crescimento lento durante doze anos, descrita inicialmente como verruga e, posteriormente, como onicomicose (Figura 1). Esta lesão era indolor e resultou em onicólise, revelando região do leito ungueal com coloração eritemato-vinhosa e friável (Figura 2). Após vários ciclos de tratamento com antifúngicos, tópicos e orais, a utente apresentava unha de coloração amarelada, descolada do leito, que mantinha coloração eritemato-vinhosa. Por esse motivo foi referenciada para consulta de dermatologia do hospital da área de residência, com fotografia da lesão em anexo. Dada a suspeita de lesão tumoral, esta consulta foi realizada num curto espaço de tempo. Foi submetida a biópsia da lesão, tendo a avaliação macroscópica descrito um fragmento cutâneo acral, com superfície parcialmente ulcerada, contendo proliferação epitelial constituída por queratinócitos atípicos e, na superfície, extensas áreas de acantólise. O exame anatomopatológico confirmou o diagnóstico de CEC in situ, também conhecido por doença de Bowen. Posteriormente foi realizada excisão radical da lesão, com amputação ao nível da segunda falange do quarto dedo, tendo o exame anatomopatológico descrito uma lesão acastanhada com cerca de 6 mm de diâmetro, junto ao bordo distal da unha, não se identificando neoplasia invasora. As margens cirúrgicas estavam livres de lesão. Após o diagnóstico, a doente realizou ecografia axilar direita e TC toracoabdominopélvica de estadiamento, que não mostraram doença à distância.
Algumas semanas após a intervenção, a doente foi reavaliada em consulta presencial, apresentando bom estado geral e encontrando-se bem-adaptada à condição. A ferida cirúrgica apresentava-se bem cicatrizada e sem sinais de recidiva da lesão (Figura 3). Ao recordar todo o processo de aparecimento da lesão, a utente reconhece que já há cerca de cinco anos consultou um dermatologista a título particular, tendo realizado uma radiografia da mão e sido aconselhada a fazer biópsia da unha. Uma vez que a radiografia não apresentou alterações, a utente decidiu não avançar com mais exames complementares, inclusive a biópsia. Na Figura 4 encontra-se representada a evolução temporal do caso clínico descrito.

Figura 3 Dois meses pós-cirurgia - excisão radical da lesão, com amputação ao nível da segunda falange do 4.º dedo.
A utente assinou consentimento informado para publicação de informação clínica e fotografias relevantes para o caso.
Comentário
O CEC é a segunda neoplasia cutânea não melanoma mais frequente e o tumor maligno subungueal mais comum.6 A sua prevalência varia entre 0,0012% e 0,028% e acomete mais frequentemente homens, numa proporção de 2:1, em relação ao sexo feminino. A idade de pico de incidência situa-se entre os 50 e 69 anos, mas o tumor pode ocorrer em qualquer idade. Embora o caso relatado não se enquadre no sexo mais comum, está na faixa etária mais frequente.7-8
Os principais fatores de risco descritos para o seu desenvolvimento são a exposição a radiação, arsénio e radiação solar, infeção por vírus do papiloma humano de alto risco, trauma crónico e imunossupressão, não se tendo verificado nenhum deles na utente apresentada.5,8
Geralmente o CEC acomete apenas uma unha, em 44% dos casos do dedo polegar e, em apenas 16% dos casos, está localizado nas unhas dos pés.
Clinicamente, esta patologia apresenta-se como uma lesão eritematosa, papulosa, descamativa e ulcerada, podendo acometer, de forma mais frequente, o leito ungueal e condicionar descolamento lateral (onicólise), uma faixa longitudinal de melanoníquia e erosão do leito ungueal.9 Caracteriza-se por um crescimento lento e alguns doentes descrevem dor, friabilidade e hemorragia.1-2 A apresentação clínica inicial pode mimetizar outros diagnósticos, como a onicomicose, verruga subungueal, granuloma piogénico, paroníquia, queratoacantoma, lesões traumáticas ou melanoma.9 No caso apresentado, a lesão era assintomática, apenas condicionando onicólise, tendo sido desvalorizada durante vários anos e tratada com diversos ciclos de antifúngicos, sem melhoria.
Dada a sua apresentação inespecífica, o diagnóstico desta entidade é tardio, daí a importância da realização de biópsia de lesões crónicas do leito ungueal para confirmação anatomopatológica.1
O tratamento de eleição é a excisão cirúrgica ou a cirurgia de Mohs. Para lesões invasivas pode realizar-se excisão completa da unidade ungueal.5 O CEC subungueal é considerado menos agressivo que o CEC que surge noutras localizações; apesar disso, apresenta uma recorrência superior. A radiografia do dedo está indicada nos tumores invasivos, considerando que a invasão óssea se verifica em 16 a 66% dos casos.2-3 O envolvimento linfático está relatado em apenas 2% dos doentes.2
O presente caso ilustra o desafio do diagnóstico do CEC subungueal e a necessidade de um elevado índice de suspeição perante lesões na região subungueal com crescimento lento e progressivo, que são tratadas como benignas e não respondem à terapêutica convencional.
Contributo dos autores
Conceptualização, AF e MLC; metodologia, AF e MLC; validação, AF; análise formal, AF; investigação, AF; recursos, AF; curadoria de dados, AF; redação do draft original, AF e MLC; revisão, validação e edição do texto final, AF, MLC e PM; supervisão, PM. Todos os autores leram e concordaram com a versão final do manuscrito.

















