Introdução
O desenvolvimento dos cuidados paliativos em Portugal tem sido visto como uma prioridade para a melhoria da qualidade dos cuidados de saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS). 1 Os cuidados paliativos são atualmente considerados essenciais a um SNS de qualidade e devem ser prestados na continuidade dos cuidados de saúde, em resposta às necessidades expressas por todas as pessoas com doenças graves e/ou avançadas e progressivas que deles necessitem, qualquer que seja o seu diagnóstico, idade e onde quer que se encontrem. 2 Contudo, a falta de conhecimentos e os mitos ainda existentes são frequentemente considerados barreiras à referenciação e prestação destes cuidados.
Os cuidadores informais têm um papel muito importante no tratamento e recuperação dos doentes, pelo que o grau de compreensão da informação facultada ao longo do processo assistencial é crucial para atingir bons resultados em saúde. 3 Os conhecimentos em relação à morte, ao processo de morrer e às opções de fim de vida, muitas vezes fruto das experiências pessoais, constituem uma mais-valia na prestação de cuidados.
A literacia em cuidados paliativos afigura-se, assim, como uma vertente à qual deve ser dada particular atenção, face à crescente necessidade deste tipo de cuidados de saúde. Ao capacitar as pessoas e ao criar ambientes favoráveis à aprendizagem e aquisição de competências em cuidados paliativos, estará a ser promovida a equidade na acessibilidade aos cuidados de saúde. Com efeito, a capacitação das famílias, cuidadores e das comunidades auxiliará a que possam recorrer e utilizar de forma mais eficaz os mecanismos de suporte, resolver problemas, tomar decisões, comunicar e atuar mais adequadamente em situações de fim de vida. 4
Através da avaliação da literacia em indivíduos com atividade profissional fora da área da saúde, aqui designados por não profissionais de saúde, este trabalho pretende identificar lacunas ao nível de conhecimentos que posteriormente permitam sinalizar áreas de intervenção junto da população geral e, consequentemente, contribuir para melhorar o conhecimento sobre cuidados paliativos.
Os objetivos primários do presente estudo foram avaliar os níveis de literacia em cuidados paliativos em não profissionais de saúde e determinar se fatores demográficos, académicos e profissionais interferem nos mesmos. Como objetivos secundários procurou-se construir um instrumento para avaliar a literacia em não profissionais de saúde e determinar as características psicométricas do instrumento proposto.
Métodos
Tipo de estudo
Observacional transversal.
Amostra
Sendo a população-alvo do presente estudo indivíduos de nacionalidade portuguesa cuja profissão não estivesse relacionada com a prestação de cuidados de saúde e considerando que um dos objetivos foi o desenvolvimento de um questionário para avaliar a literacia em cuidados paliativos em não profissionais de saúde calculou-se um número mínimo de 250 participantes, tendo em conta que devem ser incluídos entre cinco a dez indivíduos por cada item do questionário a validar. 5 Depois de aplicados os critérios de exclusão (ter idade inferior a 18 anos, ser profissional de saúde e não aceitação de consentimento informado) obteve-se uma amostra de 560 participantes.
Procedimentos prévios à recolha de dados
Construiu-se um questionário numa plataforma digital (Google Forms ® ), partilhado por email e pelas redes sociais pelos autores e através dos serviços de comunicação de instituições de ensino básico, secundário e superior, seguindo o método de bola de neve.
O questionário foi elaborado com base noutros já existentes e tendo por base as recomendações nacionais1-2 e internacionais, 6-9 sendo constituído por duas partes.
A primeira foi dedicada aos dados sociodemográficos, académicos e profissionais e incluiu os seguintes parâmetros: idade, sexo, nacionalidade, estado civil, profissão, habilitações literárias, existência de familiar a receber cuidados paliativos, existência de familiares internados em cuidados paliativos, autoperceção do nível de conhecimentos sobre cuidados paliativos, conhecimento das tipologias de serviços de cuidados paliativos portugueses e a autoperceção de necessidades paliativas em Portugal.
A segunda parte incidiu sobre a literacia em cuidados paliativos, para a qual se definiram três dimensões: «Foco de cuidados», «Processos de cuidar» e «Conceptualização». A dimensão «Foco de cuidados» aborda a população a que se destinam os cuidados paliativos; a dimensão «Processos de cuidar» diz respeito à prestação de cuidados e gestão de sintomas; e a dimensão «Conceptualização» incide nos objetivos dos cuidados paliativos. A versão inicial era composta por 50 itens, com três opções de resposta cada: verdadeiro/falso/não sei.
O questionário foi analisado por um grupo de sete especialistas na área dos cuidados paliativos, com experiência na construção de instrumentos de medição e na validação do seu conteúdo. Estes analisaram a pertinência dos itens, a clareza da redação e a adequação da linguagem ao público a que se destinava e a formulação frásica em relação ao modo gramatical correto. Além disso, foram solicitados a dar sugestões para melhorar a adequação dos itens que eram percebidos como inadequados. O nível de concordância entre os especialistas variou entre 95% e 100%. Aplicou-se, depois, um pré-teste junto da população-alvo (20 indivíduos), não tendo sido identificadas dificuldades de preenchimento ou tendências de resposta.
A aplicação do questionário decorreu entre 21/setembro/2020 e 06/outubro/2020.
De forma a realizar a análise dos dados adquiridos pela aplicação do questionário, e relativamente à segunda parte, que incide nos conhecimentos sobre cuidados paliativos, a opção de resposta «Não sei» foi considerada incorreta.
Aspetos éticos
Solicitou-se parecer às comissões de ética da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (n.º 031/2020), ARS Centro (n.º 10/2020) e Centro Hospitalar de Leiria, com parecer positivo de todas as entidades. Em todos os procedimentos foram cumpridos os princípios da Declaração de Helsínquia. Previamente ao preenchimento do questionário, todos os participantes assinaram o consentimento informado para a participação no presente estudo e foi garantida a anonimização dos dados recolhidos.
Análise estatística
Os dados recolhidos foram analisados com recurso a técnicas de estatística descritiva: frequências (absolutas e relativas), medidas de tendência central (médias aritméticas e medianas) e medidas de dispersão e variabilidade (desvio-padrão). Para o teste de hipóteses aplicaram-se os testes paramétricos (t-student e a correlação de Pearson) e não paramétricos (U de Mann Whitney e Kruskall Wallis). A estatística paramétrica foi utilizada recorrendo ao Teorema do Limite Central, em virtude de as variáveis em estudo não apresentarem distribuição normal (teste de Kolmogorov-Smirnof) nem homogeneidade de variância (teste de Levene). Para o estudo das propriedades psicométricas estabeleceram-se as correlações de cada item com o total (excluindo o respetivo item) e o alfa de Cronbach foi aplicado como medida de fidelidade interna dos instrumentos. Utilizaram-se ainda os procedimentos da validade discriminante do item e a concorrente, através de uma questão de autoperceção do nível de conhecimento.
Resultados
Foram analisados 560 questionários, correspondentes ao tamanho da amostra.
A maioria dos inquiridos era do sexo feminino (72,7%), com média de idades de 42,5±13,6 (mínima 18, máxima 80 anos). Relativamente ao estado civil, a maioria dos participantes era casada (48%) ou solteira (41,3%) e a maioria era detentora de um grau académico igual ou superior a licenciatura (75%) (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição da amostra quanto às questões que constituem a primeira parte do questionário (características sociodemográficas, académicas e profissionais, experiência familiar e conhecimento das tipologias e oferta de cuidados paliativos em Portugal)
Quando questionados se já teriam tido familiares a receber cuidados paliativos, 36,8% responderam que sim e 27,1% disseram já ter tido familiares internados em cuidados paliativos. Relativamente à organização dos cuidados paliativos em Portugal, 32,5% dos inquiridos afirmaram não conhecer nenhuma das tipologias e apenas 5,7% conhecia as três tipologias apresentadas. Entre os participantes no estudo, 39,5% discordaram de que os recursos nacionais em cuidados paliativos sejam suficientes para as necessidades da população e 26,1% disseram desconhecer a realidade (Tabela 1).
No que diz respeito à segunda parte do questionário, a fiabilidade de cada uma das dimensões estudadas foi verificada através da análise da consistência interna pelo coeficiente de alfa de Cronbach. Para cálculo da homogeneidade foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson (r). A dimensão designada como «Foco de cuidados» obteve um valor de alfa de Cronbach de 0,744; a dimensão «Processos de cuidar» de 0,794 e a dimensão «Conceptualização» um valor de 0,764. Foram retiradas do questionário final as afirmações que apresentavam um valor de alfa de Cronbach superior ao alfa de Cronbach global das dimensões em que se encontravam e as afirmações que apresentavam r muito inferior a 0,20 e em que o valor de p não era significativo quando relacionado com o total corrigido. Assim, a dimensão «Foco de cuidados» ficou constituída por 13 afirmações; a dimensão «Processos de cuidar» por 20 afirmações e a dimensão «Conceptualização» por 13 afirmações.
Relativamente à validade discriminante do item, as afirmações apresentavam um maior peso (loading) nas dimensões a que se destinavam. Verificaram-se ainda correlações positivas, moderadas e muito significativas entre a autoperceção do nível de conhecimento sobre cuidados paliativos e as três dimensões do questionário: «Foco de cuidados» (r=0,373; p<0,001); «Processos de cuidar» (r=0,410; p<0,001); «Conceptualização» (r=0,328; p<0,328).
A versão final do questionário ficou então constituída por 46 afirmações referentes à literacia em cuidados paliativos (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição das respostas aos itens da segunda parte do questionário de avaliação de conhecimentos em cuidados paliativos quanto a conceitos, foco e processo de cuidar
Na análise dos dados referentes à segunda parte do questionário, focada na literacia em cuidados paliativos, verificou-se que os inquiridos apresentaram um número médio de respostas corretas superior ao valor da mediana para cada uma das dimensões, o que indica existir um bom nível de conhecimentos. As respostas com maior taxa de insucesso, com mais de 50% da população a responder de forma incorreta, foram as números 2 (“Em cuidados paliativos trata-se a dor com medicamentos que causam dependência”); 15 (“Os cuidados paliativos estão focados apenas no processo de morte”); 18 (“Só o médico pode encaminhar [referenciar] para cuidados paliativos”); 21 (“Para ter acesso aos cuidados paliativos, o doente não pode estar a fazer outros tratamentos”); 24 (“Os cuidados paliativos atrasam a morte”); 26 (“Se o doente não conseguir comer deve ser colocada uma sonda para alimentação”); 27 (“O oxigénio alivia a falta de ar e aumenta a esperança de vida dos doentes”); 28 (“A dor consegue ser aliviada em casa, da mesma forma que no hospital”); 29 (“Os tratamentos em casa são menos eficazes do que os tratamentos no hospital”); 34 (“Os doentes podem receber cuidados paliativos em qualquer momento da doença”); 41 (“Os cuidados paliativos oferecem apoio à família durante o processo de luto”); 45 (“As equipas de cuidados paliativos terminam a sua atuação quando o doente morre”). Estas 12 questões encontram-se distribuídas pelas três dimensões, com um predomínio da dimensão «Processos de cuidar» com oito afirmações (Tabela 2).
Relativamente ao nível de conhecimentos sobre cuidados paliativos, avaliado com recurso a uma escala Likert, de 0 a 10, observou-se que os participantes consideraram ter um baixo nível de conhecimentos sobre cuidados paliativos (4,38±2,17).
Na avaliação global do questionário de avaliação desses conhecimentos constatou-se que a dimensão onde se obteve uma maior taxa de respostas corretas foi na dimensão da «Conceptualização» (em média 9,39±2,82 respostas corretas, para um máximo de 13 respostas corretas), seguida da dimensão «Foco de cuidados» (em média 8,86±3,03 respostas corretas, para um máximo de 13 respostas corretas) e, por último, a dimensão «Processos de cuidar» (em média 10,54±3,83 respostas corretas, para um máximo de 20 respostas corretas).
Quanto à relação entre a idade e o nível de literacia em cuidados paliativos é de salientar que apenas se verificou diferença estatisticamente significativa na dimensão «Foco de cuidados» (r=0,226; p<0,001).
Pela aplicação do teste estatístico adequado (t-student) verificou-se que os níveis de literacia em cuidados paliativos não pareciam estar relacionados nem com o sexo dos inquiridos nem com o facto de terem tido familiares a receber cuidados paliativos ou terem tido familiares internados em cuidados paliativos (p>0,05).
No que diz respeito à autoperceção dos participantes sobre se, a nível nacional, os cuidados paliativos são suficientes para as necessidades da população, houve necessidade de reagrupar em três níveis: concordo/discordo/desconheço. Para avaliação da significância estatística foi usado o teste Kruskal-Wallis (χ2), uma vez que não constava um número mínimo de 30 inquiridos em cada opção de resposta e as variáveis não tinham distribuição normal. Existem diferenças com significado estatístico (p<0,001) nos níveis de literacia nas três dimensões, consoante a opinião dos inquiridos. A fim de determinar entre que grupos de participantes existiam diferenças foi aplicado o teste U de Mann Whitney, tendo-se verificado que, em todas as dimensões, as pessoas que admitiram discordar apresentaram um maior número de respostas certas do que as que disseram desconhecer, com diferença estatisticamente significativa (p<0,001). Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre os que disseram concordar e os que admitiram desconhecer ou discordar.
Discussão
Os inquiridos apresentaram um número médio de respostas corretas superior ao valor da mediana para cada uma das dimensões, o que revela que a amostra apresentou resultados positivos em literacia em cuidados paliativos. Os bons resultados evidenciados na amostra não são concordantes com os de outros estudos na área, que mostram níveis reduzidos de literacia em saúde em Portugal. 10-11 A bibliografia existente nesta área mostra que o aumento do nível de escolaridade se faz acompanhar por um aumento da literacia em cuidados paliativos. 12 Assim, a elevada taxa de inquiridos com um grau académico igual ou superior a licenciatura pode justificar esta diferença. Outra possível explicação pode associar-se à utilização do método de bola de neve para o processo de recrutamento dos participantes. Este método, ao estar dependente de conexões pessoais, pode levar a uma maior homogeneidade da população estudada e implicar um viés de seleção.
Contudo, na dimensão «Processos de cuidar», a média aproxima-se da mediana. Esta dimensão, que aborda as questões relativas à prestação de cuidados e gestão de sintomas, foi a que apresentou uma maior taxa de insucesso, com oito das vinte afirmações a obter mais de 50% de respostas erradas. Isto poderá, por um lado, indicar a escassez de conhecimentos na prestação de cuidados a doentes paliativos e, por outro, constituir uma possível área de oportunidade de intervenção.
Apenas 5,7% dos inquiridos conhecem as três tipologias de organização dos cuidados paliativos que foram apresentadas, o que pode evidenciar uma lacuna no conhecimento sobre a organização da Rede Nacional de Cuidados Paliativos.
Contrariamente aos dados apresentados noutros estudos, 13 os níveis de literacia não mostraram ser superiores em pessoas que já tiveram familiares a receber cuidados paliativos ou que já tiveram familiares internados em cuidados paliativos. Este facto pode ser justificado pela carência de iniciativas que promovam a maior envolvência e capacitação dos familiares na prestação e gestão dos cuidados.
Os inquiridos que discordaram do facto de existir oferta adequada de cuidados paliativos para as necessidades da população parecem apresentar níveis mais altos de literacia do que os que responderam desconhecer. Esta relação poderá dever-se a uma maior consciencialização para a temática por parte dos que admitem discordar.
Um dos constrangimentos na referenciação para os cuidados paliativos prende-se com a associação entre os cuidados paliativos e a morte. No inquérito realizado mais de 50% dos inquiridos concordaram com as afirmações “Os cuidados paliativos estão focados apenas no processo de morte”, “Para ter acesso aos cuidados paliativos o doente não pode estar a fazer outros tratamentos” e “Os cuidados paliativos atrasam a morte”, assim como consideraram falsa a afirmação “Os doentes podem receber cuidados paliativos em qualquer momento da doença”. Um dos principais obstáculos à prestação deste tipo de cuidados parece prender-se com a falta de compreensão do papel atual dos cuidados paliativos. Atualmente pretende-se que o doente seja acompanhado ao longo de todo o percurso da doença com o intuito de promover a qualidade de vida, ao invés da sua aplicação num estádio final. Nos últimos anos, a reorganização e o crescimento dos cuidados paliativos tem-se focado nos benefícios associados a uma integração precoce na gestão de doenças crónicas e na promoção da qualidade de vida como principal eixo condutor. 14 Assim, afigura-se de particular importância readaptar os termos usados em cuidados paliativos e o seu significado para a população geral.
Uma elevada percentagem dos inquiridos discordou da afirmação “Os cuidados paliativos oferecem apoio à família durante o processo de luto” e, por outro lado, tendencialmente concordaram com a afirmação “As equipas de cuidados paliativos terminam a sua atuação quando o doente morre”. Parece haver, portanto, por parte da população geral, uma lacuna do conhecimento sobre o funcionamento destas equipas. A Organização Mundial da Saúde contempla, na sua definição de cuidados paliativos, o trabalho em equipa orientado para as necessidades dos doentes e das suas famílias, incluindo o seguimento no processo de luto. Por outro lado, também a Rede Nacional de Cuidados Paliativos apresenta, na sua estratégia de operacionalização, o suporte à família e aos cuidadores informais, nomeadamente durante o luto. 2 Aumentar a divulgação do papel das equipas no apoio, não só ao doente como aos cuidadores, poderá ser uma estratégia importante para a ampliação de cuidados.
A noção de que as opções terapêuticas para o controlo sintomático em ambulatório não são tão eficazes como as opções disponíveis em meio hospitalar parece estar enraizada na população, o que se reflete na baixa taxa de respostas corretas às afirmações “A dor consegue ser aliviada em casa, da mesma forma que no hospital” e “Os tratamentos em casa são menos eficazes do que os tratamentos no hospital”. Tendo em consideração que um estudo português15 relevou que a maioria da população portuguesa, se pudesse, escolheria morrer em sua casa, urge desmistificar esta temática e permitir a uma maior percentagem da população a acessibilidade a cuidados de qualidade no domicílio, nomeadamente através da criação de um maior número de equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos.
Relativamente à fiabilidade do questionário, este apresenta boa consistência interna por apresentar valores de coeficiente de alfa de Cronbach para cada uma das afirmações perto, mas inferior, ao valor global da dimensão a que pertencem, e boa homogeneidade por apresentar valores de coeficiente de correlação de Pearson corrigidos superiores a 0,2. Isto mostra que o questionário desenvolvido tem boa robustez e pode ser utilizado na determinação dos níveis de literacia em cuidados paliativos para não profissionais de saúde e de áreas de intervenção em populações específicas.
Os resultados encontrados neste trabalho procuram refletir a literacia em saúde em Portugal. Estes dados, em conjunto com a ferramenta desenvolvida, podem ser uma mais-valia no planeamento estratégico de políticas de saúde e na avaliação da sua aplicação no nosso país.
Conclusão
A literacia em saúde tem sido, nas últimas décadas, identificada como um caminho para a melhoria dos cuidados de saúde e é assumida como uma preocupação na definição de políticas de saúde. 16 Poucos estudos têm sido desenvolvidos na área da literacia em cuidados paliativos, pelo que se considerou relevante a realização deste trabalho, que procurou diagnosticar conhecimentos e que poderá conduzir à criação de escalas que permitam desenvolvê-los e aprofundá-los.
Apesar de o grupo alvo de estudo aparentar ter uma literacia em cuidados paliativos superior à de outras populações estudadas, verifica-se que ainda existem marcadas lacunas nos conceitos inerentes. A associação da prestação de cuidados paliativos à morte e aos cuidados de fim de vida mantém-se prevalente na maioria dos inquiridos, o que reflete uma dissonância em relação ao atual papel dos cuidados paliativos, que se afirmam como uma valência que acompanha o doente e família em todo o processo de doença, permitindo manter uma melhor qualidade de vida.
A validação de instrumentos capazes de avaliar os níveis de literacia da população na área dos cuidados paliativos reveste-se, pois, de particular importância para o futuro da investigação e formação na área, por permitir identificar as lacunas formativas que motivam uma intervenção mais urgente, contribuindo, desse modo, para a definição de um plano de educação especializada e, consequentemente, para a melhoria na prestação dos cuidados. 17 Assim, este questionário, fiável e de fácil aplicação, surge como a primeira ferramenta aplicada à população portuguesa que poderá permitir uma alocação de recursos mais eficiente.
De salientar que o desenho original desta investigação se baseava na aplicação dos questionários a utentes de consulta externa hospitalar e de consulta nos cuidados de saúde primários. No entanto, a necessidade de adaptação do modelo de estudo para inquérito online, utilizando o método bola de neve, em contexto de limitações das interações interpessoais aquando da pandemia COVID-19, poderá representar um viés de seleção no estudo.
Desta forma, o presente trabalho apresenta-se como o primeiro passo na validação de um questionário de avaliação de literacia em cuidados paliativos em não profissionais de saúde, que poderá ainda necessitar de aperfeiçoamento antes de ser aplicado transversalmente em Portugal, mas que se configurará como uma ferramenta de referência útil no desenvolvimento de outros trabalhos na área da literacia em cuidados paliativos e na avaliação da eficiência e eficácia de intervenções tanto ao nível de políticas de saúde nacionais como em iniciativas locais.
Contributo dos autores
Conceptualização, MC, MAD e MD; metodologia, MC, MAD e MD; software, MC e MAD; validação, MC, MAD, PNT e MD; análise formal, MC, MAD, PNT e MD; investigação, MC, MAD, PNT e MD; redação do draft original, MC, MAD, PNT e MD; revisão, validação e edição do texto final, MC e PNT; visualização, MC e PNT; supervisão, MC, MAD, PNT e MD; administração do projeto, MC, MAD, PNT e MD.














