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Revista Nutrícias
versão On-line ISSN 2182-7230
Nutrícias no.17 Porto jun. 2013
ARTIGO PROFISSIONAL
Consenso sobre Aspectos Técnicos, Pedagógicos e Éticos da Formação na Área da Política Nutricional para as Ciências da Nutrição em Portugal
Consensus on Technical, Pedagogical and Ethical Aspects of Education in Nutrition Policy for Nutritionists in Portugal
Pedro Graça1; Maria João Gregório1; Ana Gomes2; Tim Hogg2; Andreia Oliveira3; Nelson Tavares4; Hugo de Sousa Lopes5; Ana Valente6; Helena Ávila M.7
1Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto
2Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica
3Universidade Fernando Pessoa
4Universidade Lusófona
5Instituto Superior de Ciências da Saúde – Norte
6Universidade
7Associação Portuguesa dos Nutricionistas
RESUMO
Os Nutricionistas são profissionais de saúde chamados, cada vez mais, a desenvolver e implementar estratégias integradas de prevenção e redução dos riscos das doenças associadas à alimentação. A construção de estratégias intersectoriais, capazes de actuar sobre os conhecimentos e atitudes dos cidadãos e, ao mesmo tempo, modificar ambientes e a disponibilidade de alimentos, exige um tipo de conhecimento próprio virado para a intervenção sobre a comunidade. O conhecimento das dimensões social, económica e política das acções do cidadão para com os alimentos e de como estas dimensões “políticas” interferem na acção do Nutricionista torna esta a área disciplinar imperativa nos actuais curricula base das licenciaturas em Ciências da Nutrição. A credibilidade numa área disciplinar tão recente e de crescimento tão rápido, necessita de consensos permanentes e alargados entre os profissionais que nela operam. Assim, este documento que agora se apresenta, reflecte um primeiro consenso sobre aspectos técnicos, pedagógicos e éticos desta área disciplinar que se pretende evolutivo e aberto à discussão permanente dos interessados.
Palavras-Chave: Política alimentar, Política nutricional, Consenso, Pedagogia, Nutricionistas
ABSTRACT
Nutritionists are health professionals increasingly called upon to develop and implement integrated strategies to prevent and reduce the risks of diseases associated with food. The construction of inter-sectoral strategies, able to act on the knowledge and attitudes of the citizens and at the same time change environments and food availability requires a kind of knowledge adapted for community intervention. Knowledge of social, economic and political actions of citizens on food and how these dimensions influence the action of a Nutritionist makes this an important technical area to be included in the current curricula of Nutritional Sciences graduation. Credibility in such a recent teaching area that is growing so fast needs permanent and broad consensus between those operating in it. Thus, the document now produced reflects an initial consensus on technical, ethical and pedagogic aspects. It is intended to be upgradeable and open to ongoing discussion of stakeholders.
keywords: Food policy, Nutrition policy, Consensus, Pedagogy, Nutritionists
INTRODUÇÃO
O ensino da Política Nutricional e a sua integração na formação dos Nutricionistas em Portugal é muito recente. Iniciou-se no final da década de 90 na Universidade do Porto e estendeu-se progressivamente aos novos planos curriculares de outras instituições de ensino privadas responsáveis pela formação de licenciados em Ciências da Nutrição. Apesar de recente, a importância desta área disciplinar para a consolidação da intervenção de qualidade do Nutricionista na sociedade ganhou um rápido apoio e desenvolvimento, tanto a nível nacional como internacional (1).
A formação nesta área é entendida como importante pelas instituições de ensino, pelas associações profissionais e pelos próprios estudantes. Contudo, a credibilidade de uma área disciplinar tão recente necessita de consensos permanentes e alargados entre os docentes e investigadores que nela operam. O diálogo frequente e organizado sobre aspectos técnicos, pedagógicos e éticos desta área disciplinar iniciou-se pela primeira vez a 17 de Maio de 2013 sob os auspícios da Associação Portuguesa dos Nutricionistas (APN).
Desta reunião inédita em Portugal, para a qual foram convidados todos os responsáveis por esta área disciplinar nas diferentes instituições de ensino público e privado, resultou este primeiro documento que se pretende evolutivo e aberto à discussão permanente dos interessados por este tema.
Este consenso entre especialistas não substitui as orientações científicas e pedagógicas das diferentes instituições de ensino. Sendo um documento de base, não pretende limitar a especificidade que as diferentes instituições pretendam imprimir às suas unidades curriculares. Trata-se somente de um contributo para a qualidade da discussão, do ensino e qualificação dos docentes e investigadores que operam nesta área em Portugal.
Importância do Ensino nesta Área
Os Nutricionistas são profissionais de saúde com competências para desenvolver e implementar estratégias integradas de prevenção e redução dos riscos das doenças associadas à alimentação, promovendo a melhoria do estado nutricional de uma população.
As competências adquiridas deverão permitir actuar em sistemas de saúde cada vez mais complexos e interdependentes, através de uma abordagem de intervenção intersectorial, integrando e liderando grupos de trabalho multidisciplinares.
As intervenções de sucesso a este nível exigem um conhecimento dos sistemas alimentares, desde a produção ao consumo, mas também capacidade de análise e pensamento crítico do ambiente social, económico, ambiental, legislativo e político, tanto a nível local como global (2,3).
A capacidade de intervir com qualidade e modificar comportamentos na área da alimentação exige o conhecimento de estratégias capazes de actuar sobre os conhecimentos e atitudes das populações mas também sobre a modificação dos ambientes e disponibilidade de alimentos, recorrendo a estratégias pedagógicas, comunicacionais, tecnológicas e legislativas que necessitam, em ultima instância, de legitimação da sociedade e dos diferentes actores que nela actuam, ou seja de legitimidade política (4,5,6).
O conhecimento das dimensões social, económica e política das acções do cidadão para com os alimentos e de como estas dimensões interferem na acção do Nutricionista torna esta área disciplinar imperativa.
Uma das críticas centrais feitas ao ensino das ciências da saúde nos últimos anos é a incapacidade de formar profissionais com sentido de liderança e de intervenção pública na sociedade, em particular nas áreas que determinam e condicionam o estado de saúde das populações. Esta oferta formativa pretende contribuir para preencher esta lacuna (7,8).
Objectivos de Ensino/Competências
Os licenciados em Ciências da Nutrição, deverão adquirir competências de gestão e liderança que lhes permitam desenvolver e implementar um conjunto concertado e transversal de acções destinadas a garantir e incentivar a disponibilidade e o acesso a determinado tipo de alimentos tendo como objectivo a melhoria do estado nutricional e a promoção da saúde da população.
Uma Unidade Curricular (UC) de Política Nutricional deve proporcionar aos estudantes competências base nas seguintes áreas:
- Recolha e sistematização de informação de modo a que seja possível fazer um diagnóstico da situação alimentar/nutricional e de saúde de uma população e dos diversos sistemas que podem influenciar o comportamento de consumo, nomeadamente o sistema produtivo agro-industrial, de distribuição e regulamentar;
- Análise do sistema político e das condicionantes políticas que influenciam a tomada de decisões ao nível das políticas de nutrição e alimentação, local e globalmente;
- Formulação de estratégias concertadas e sustentáveis que integrem as várias áreas e actores do sistema alimentar capazes de condicionar o comportamento alimentar, promovendo as parcerias multi-
stakeholder e a alocação de recursos;
- Formulação de estratégias concertadas e sustentáveis que integrem as especificidades sociais, demográficas e económicas das populações a que se destinam, e que sejam capazes de modificar o comportamento alimentar;
- Formulação de estratégias concertadas e sustentáveis, que envolvam as dimensões equidade, cidadania, bem-estar, desenvolvimento sustentável, redução do desperdício, redução das disparidades e coesão social;
- Desenvolvimento e implementação de mecanismos de gestão, monitorização e de avaliação do impacto de políticas nutricionais;
- Integração de aspectos éticos na formulação de políticas na área alimentar.
Conteúdos Programáticos de Base
Para se atingirem as competências desejadas propõem-se os seguintes conteúdos na formação base:
- Definição de conceitos base em política nutricional;
- Análise crítica dos fundamentos teóricos da teoria política que estão na base da construção de políticas nutricionais;
- Análise de políticas nutricionais no contexto Europeu e Não-Europeu;
- Planeamento e implementação de sistemas de informação que apoiem a tomada de decisões no âmbito de uma política nutricional;
- Elaboração de políticas nutricionais intersectoriais, tendo em atenção condições agrícolas, ambientais, sociais, económicas, de saúde e políticas relacionadas;
- Planeamento, implementação, gestão, monitorização e avaliação de políticas nutricionais ao nível regional, nacional e internacional;
- Conhecer os princípios éticos em política nutricional.
Aspectos-chave para a Consolidação da Formação nesta Área Disciplinar
Entende-se importante que esta área curricular:
- Seja leccionada de forma autónoma de outras áreas curriculares mas com a colaboração de áreas afins, nomeadamente das áreas agrícola, ambiental, social, económica, de saúde e da ciência política;
- Seja idealmente leccionada no último ano da formação pré-graduada integrando conhecimentos adquiridos em anos anteriores e capaz de potenciar a capacidade de intervenção do futuro Nutricionista na sociedade;
- Apresente a designação da UC uniformizada, por ex.: Política nutricional ou Política alimentar e nutricional;
- Apresente propostas pedagógicas em articulação com as propostas técnicas ou políticas nacionais e internacionais para este sector, que permitam ao estudante compreender como intervir e participar publicamente;
- Tenha em atenção a consciencialização do estudante para a ética política associada aos deveres éticos e deontológicos da profissão e para a política como dever de cidadania;
- Apresente ao estudante um conjunto de apoios bibliográficos de base consolidados, embora não restringindo a total liberdade e autonomia do docente e instituição na escolha definitiva dos materiais e métodos de apoio pedagógico ao estudante.
CONCLUSÕES
O ensino das Ciências da Nutrição em Portugal apresenta actualmente um grande dinamismo e diversidade. Para o crescimento qualificado da oferta formativa e resposta às necessidades da sociedade é necessária uma discussão sistemática e permanente entre os vários intervenientes do processo educativo a este nível.
O modelo testado para a área curricular da Política Nutricional, e que dá início a esta discussão em Portugal ao nível de docentes e investigadores, permitiu consensualizar competências e conteúdos formativos de base. O sucesso da iniciativa e o espaço de progressão identificado entre os intervenientes, sugere a possibilidade de novas iniciativas deste género e a continuação deste diálogo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Caraher M, Coveney J. Public health nutrition and food policy. Public Health Nutrition, 2004; 7(5), 591–598
2. [ Links ] Gonçalves Ferreira FA. Política Alimentar e de Nutrição em Portugal. Rev CEN, 1978; 2(1):3-28
3. [ Links ] Amorim Cruz JA, Pereira AA, Miguel JP. Contribuição para uma Política Alimentar e Nutricional em Portugal. Situação Alimentar e Nutricional Portuguesa e Recomendações do CNAN para a melhoria da situação. Lisboa: Conselho Nacional de Alimentação e Nutrição 1989
4. World Health Organization. 2008 - 2013 Action Plan for the Global Strategy for the Prevention and Control of Noncommunicable Diseases. Geneva, Switzerland; 2008
5. [ Links ] World Health Organization. Adelaide Statement on Health in All Policies moving towards a shared governance for health and well-being. Report from the International Meeting on Health in All Policies. Adelaide; 2010
6. Direção-Geral da Saúde. Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. Orientações programáticas. 2012
7. Hughes R. Competencies for effective public health nutrition practice: a developing consensus. Public Health Nutrition, 2004; 7(5), 683–691
8. [ Links ] Hughes R. Time for leadership development interventions in the public health nutrition workforce. Public Health Nutrition, 2009; 12(8), 1029 [ Links ]
Endereço para correspondência
Pedro Graça
Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto
Rua Dr. Roberto Frias, s/n, 4200-465 Porto
pedrograca@fcna.up.pt
Recebido a 20 de Maio de 2013
Aceite a 19 de Junho de 2013