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Revista Nutrícias

versão On-line ISSN 2182-7230

Nutrícias  no.22 Porto set. 2014

 

CIENTIFICIDADES - ARTIGO DE REVISÃO


Dieta Cetogénica - Abordagem Nutricional

Ketogenic Diet - Nutritional Approach

 

Marta Rola1; Carla Vasconcelos2

1Nutricionista
2Nutricionista da Unidade de Nutrição e Dietética do Centro Hospitalar de São João, Alameda Professor Hernâni Monteiro, 4200-319 Porto, Portugal

Endereço para correspondência

 

RESUMO


A dieta cetogénica, proposta por Wilder em 1921, é um tratamento não farmacológico utilizado na epilepsia refratária à terapêutica anti-epiléptica em indivíduos com esta patologia, essencialmente crianças. Caracteriza-se por uma dieta rica em gordura e pobre em hidratos de carbono, com o fim de simular o estado de jejum prolongado. O seu mecanismo de acção não está completamente desvendado, porém são evidentes os efeitos anti-epilépticos observados. Cerca de um terço a metade dos doentes tratados com esta dieta apresentam marcada redução das crises epilépticas ou mesmo a sua cessação.
Actualmente, a dieta cetogénica é indicada para o tratamento de vários síndromes epilépticos e outras patologias, sendo considerada como terapêutica de primeira linha na deficiência do transportador de glicose tipo 1 e na deficiência de desidrogénase do piruvato.
Tal como noutras terapias, a dieta cetogénica não é isenta de efeitos laterais. Desidratação, hipoglicemia, obstipação, recusa alimentar, litíase renal, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, atraso de crescimento, entre outros, são alguns dos efeitos laterais observados. Contudo, na maioria dos casos não é necessário interromper o tratamento.
Desde o surgimento da dieta cetogénica clássica, têm surgido outras alternativas à mesma, com o objectivo de a tornar menos restritiva, mais fácil de implementar e cumprir. O aparecimento da dieta cetogénica suplementada com triglicerídeos de cadeia média, da dieta modificada de Atkins e da dieta com baixo índice glicémico são exemplos dessas alternativas.
Apesar de haver ainda algumas lacunas sobre a sua forma de actuação, esta pode ser, em alguns casos, eficaz, devendo ser considerada como hipótese no tratamento da epilepsia refratária a outras terapêuticas.

Palavras-Chave:Corpos cetónicos, Dieta cetogénica, Epilepsia

 


 

ABSTRACT

The ketogenic diet is a nonpharmacologic treatment for intractable epilepsy, proposed by Wilder in 1921. It is a diet based on high fat and low carbohydrate, which mimic the metabolism of fasting. The mechanism of action of the ketogenic diet has not been fully elucidated. However, the antiepileptic effects are evident. About one third to half of the patients treated with the ketogenic diet appeared to have had a marked reduction or cessation of their epileptic crisis.
Currently, the ketogenic diet is indicated for the treatment of several epilepsy syndromes and other childhood disorders. This diet is an appropriate first line therapy for patients with glucose transporter deficiency syndrome type 1 and pyruvate dehydrogenase deficiency.
There are adverse effects present in this treatment, as well as in others. Dehydration, hypoglycemia, constipation, refusal to eat, kidney stones, hypercholesterolemia, hypertriglyceridemia, growth retardation are some of the side effects reported. Nevertheless, the interruption of the treatment is not necessary in most of the cases.
There are new alternatives to the classic ketogenic diet that are less restrictive and easier to implement and maintain. Some of the examples of these alternatives are the medium-chain triglyceride ketogenic therapy, the modified Atkins diet and the low glycemic index treatment.
Although there are some gaps on its form of actuation, in some cases this treatment can be efficient and must be considered as an hypothesis in the treatment of intractable childhood epilepsy, as well as in other disorders.

keywords: Ketone bodies, Ketogenic diet, Epilepsy

 


 

INTRODUÇÃO
A dieta cetogénica (DC) é um tratamento não farmacológico para a epilepsia refratária, caracterizado por uma dieta rica em gordura e pobre em hidratos de carbono (1).
A epilepsia afecta um grande número de indivíduos, sendo um dos distúrbios neurológicos mais frequentes e graves em idade pediátrica (2). Caracteriza-se por distúrbios paroxísticos da função cerebral, decorrentes de descargas neuronais excessivas, súbitas e temporais, com manifestação clínica heterogénea e com várias etiologias (3). Cerca de 20 a 30% dos indivíduos com epilepsia desenvolvem crises convulsivas refratárias à administração de fármacos (1), crises que não são controladas por doses máximas toleradas de 2 ou 3 fármacos anti-epilépticos (2). As crises epilépticas refratárias representam uma ameaça para a criança, devido ao aumento do risco de acidentes e mortalidade, malnutrição secundária, com consequente atraso no desenvolvimento físico e cognitivo, decorrente da doença e da terapêutica, cuja eficácia não é a pretendida (4).
Uma das opções de tratamento não farmacológico da epilepsia refratária é a DC (2), que se tem revelado eficaz na redução da frequência de crises epilépticas em crianças com esta patologia (4).
Indicações e Contra-indicações da Dieta Cetogénica
Na última década, a DC tem vindo a ser cada vez mais utilizada no tratamento da epilepsia refratária (1). Estão descritos vários síndromes epilépticos e outras patologias em que a DC pode ser particularmente benéfica. De destacar a importância desta dieta na terapêutica de primeira linha no tratamento de duas doenças metabólicas: deficiência do transportador da glicose tipo 1 e deficiência de desidrogénase do piruvato (5).
A DC também demonstrou ser útil na epilepsia mioclónica, nomeadamente no Síndrome de Dravet e no Síndrome de Doose, na esclerose tuberosa complexa, no Síndrome de Rett e nos espasmos infantis. Estudos realizados também referiram que a DC poderá ter efeitos benéficos na doença de Lafora, na panencefalite subaguda esclerosante, no Síndrome de Landau-Kleffner, na glicogenose tipo V e em doenças da cadeia respiratória mitocondrial (1).
Antes de iniciar a DC é de extrema importância a avaliação do doente para excluir a presença de qualquer patologia em que seja contra-indicado este tratamento. Na Tabela 1 estão descritas as contra-indicações para o uso desta dieta. Na DC a principal fonte de energia provém dos lípidos e, por essa razão, o doente não poderá ter qualquer patologia relacionada com o transporte ou com a oxidação dos ácidos gordos. Este tratamento também está contra-indicado na deficiência de carboxílase do piruvato e em porfirias (1).
Prescrição da Dieta Cetogénica
Antes de iniciar a DC é importante identificar o tipo de crises, efectuar uma avaliação laboratorial e nutricional, excluir a existência de contra-indicações, e avaliar possíveis factores que possam dificultar o sucesso da dieta (litíase renal, dislipidemia, doença hepática, acidose metabólica crónica, entre outros)(1, 6). De igual modo, a discussão de questões psicossociais e a avaliação do ambiente familiar são de extrema importância para o sucesso da DC (1, 7). Os pais e/ ou cuidadores da criança devem compreender perfeitamente a aplicação da dieta, a necessidade do seu cumprimento rigoroso, os cuidados a ter e os efeitos secundários que podem ocorrer (1, 7).
O cálculo da dieta é realizado de forma personalizada. Tradicionalmente, o valor energético total diário deverá ser de 80 a 90% das necessidades energéticas diárias recomendadas para a idade, de forma a garantir que a obtenção de energia seja feita a partir do metabolismo dos lípidos (1). A DC clássica é calculada através de uma razão entre a quantidade de gordura, em gramas, e o somatório das quantidades de proteínas e hidratos de carbono, também em gramas (1). As razões normalmente utilizadas são de 3:1 e de 4:1, ou seja 3 ou 4 gramas de gordura, para 1 grama de proteínas e hidratos de carbono, respectivamente. Habitualmente, em crianças dos 2 aos 11 anos inicia-se a DC com uma razão de 4:1, e em crianças com menos de 2 anos ou clinicamente frágeis inicia-se com uma razão de 3:1 a 3,5:1 (permitindo uma maior quantidade de proteínas), bem como em crianças com mais de 11 anos ou que apresentem valores de índice de massa corporal (IMC) para a idade iguais ou superiores ao percentil 95 (7).
A quantidade de proteína é calculada de acordo com as necessidades do indivíduo, de forma a permitir o seu crescimento adequado. A gordura e os hidratos de carbono são calculados tendo em conta a razão estipulada (8), sendo que a quantidade de hidratos de carbono deverá ser no mínimo de 10g/dia (9). Na Tabela 2 encontra-se a distribuição do valor energético total pelos diferentes macronutrientes numa DC clássica com uma razão de 4:1, bem como noutras dietas cetogénicas (10). Normalmente, na DC são realizadas 3 a 4 refeições por dia, em que cada uma deverá conter a razão estipulada correcta. As refeições realizadas na DC clássica deverão incluir alimentos ricos em proteína de alto valor biológico, baixa quantidade de frutas e vegetais e grande quantidade de gordura. Um dos alimentos base da dieta são as natas, que podem fornecer, aproximadamente, cerca de 50% do total de lípidos calculado (7). Também são utilizados alimentos como manteiga, óleos, maionese, carne e peixe gordos (11). Assim, a DC clássica é constituída maioritariamente por triglicerídeos de cadeia longa (12). Todos os alimentos deverão ser pesados e as refeições são tendencialmente pequenas (1).
O método tradicional de iniciação da DC envolve um período de jejum, no qual o doente apenas poderá ingerir água ou bebidas não açucaradas, ainda que com restrição (1, 13, 14). Este jejum tem como finalidade promover um estado de cetose no doente. O jejum deverá ter uma duração entre 12h a 72h no máximo, durante o qual a glicemia deve ser monitorizada (1, 14). O estado de cetose é confirmado através do valor de corpos cetónicos urinários, que deverá estar entre 60-80mg/dL (4).
A necessidade de jejum inicial para a eficácia da DC tem sido posta em causa. Tem-se verificado que o tempo necessário para o estabelecimento do estado de cetose é semelhante ao observado nos protocolos em que é feito jejum inicial ou não (15). Por outro lado, a ausência de jejum tem menos efeitos adversos, nomeadamente, hipoglicemia, acidose, perda de peso, e a DC é melhor tolerada (1, 16). Alguns centros continuam a iniciar a DC com jejum, pois parece que o tempo necessário para a diminuição do número de crises epiléticas é mais curto (17). A restrição de fluidos inicial também parece não ser obrigatória para o sucesso da DC (18).
Após o período de jejum, a DC é introduzida gradualmente, em intervalos de 1/3 até o valor calórico total das refeições ser tolerado. Outra abordagem realizada consiste em iniciar a DC com o valor calórico total, mas aumentar gradualmente a razão de 1:1; 2:1; 3:1 a 4:1, permitindo que o doente se adapte à quantidade de gordura (1).
Todo o processo inicial de administração da DC é realizado habitualmente em internamento. O internamento, com uma duração de cerca de 5 dias, constitui um período importante na aprendizagem por parte dos pais e/ou cuidadores sobre a DC, o cálculo das refeições, a pesagem dos alimentos, a leitura de rótulos dos alimentos e os cuidados a ter no caso de surgimento de infecções (14). Porém, a necessidade de internamento inicial tem sido questionada. Já foi demonstrado ser possível iniciar a DC sem internamento obtendo igualmente melhoria das crises epilépticas (15, 19). O início do tratamento em ambulatório permite garantir um ambiente mais calmo para o doente e a redução dos custos com a hospitalização (1). Contudo, mais estudos são necessários, de preferência prospectivos, para confirmar estes dados (19).
A DC não é uma dieta equilibrada por implicar limitações na alimentação. Os grandes fornecedores de vitaminas e minerais, como a fruta, os hortícolas e os cereais, bem como os alimentos ricos em cálcio, são exemplos de alimentos com menor representação nesta dieta. Por essa razão, é essencial a suplementação de vitaminas do complexo B e cálcio (1), bem como de vitamina D, não só pela alimentação, mas também pela tendência a valores baixos de vitamina D que crianças com epilepsia apresentam (20). Todos os suplementos vitamínicos e minerais têm de ser isentos de hidratos de carbono, com o objectivo de manter o estado de cetose (1). Na prática, recorre-se geralmente a um suplemento polivitamínico com minerais, de forma a cobrir todas as necessidades em micronutrientes (11, 21).
Mecanismo da Dieta Cetogénica
Apesar da DC ser utilizada no tratamento da epilepsia há mais de 80 anos, o mecanismo subjacente à sua eficácia ainda não é totalmente conhecido (22). Vários estudos têm sido realizados no sentido de descobrir qual o mecanismo subjacente ao efeito anti-epiléptico da dieta. Algumas hipóteses têm sido colocadas, nomeadamente: mudanças no pH cerebral; alterações no balanço hidroelectrolítico; efeito inibitório directo dos ácidos gordos, nomeadamente dos ácidos gordos polinsaturados; alterações de neurotransmissores; mudanças no metabolismo energético, relacionadas, em parte, com a produção e metabolismo de corpos cetónicos (6). O mecanismo de actuação dos corpos cetónicos ainda não está esclarecido (12, 23). Estes poderão ter uma actividade antiepiléptica directa ou actuarem de forma a estabilizar as membranas neuronais, atenuando a actividade eléctrica anormal (12). Por outro lado, os ácidos gordos polinsaturados parecem regular a excitabilidade das membranas neuronais através do bloqueio dos canais de cálcio ou dos canais de sódio dependentes de voltagem. Contudo, alguns estudos contrariam esta hipótese (12).
Dadas as alterações metabólicas, fisiológicas e hormonais que ocorrem nesta dieta, parece que não é um único mecanismo que explicará todos os efeitos clínicos da DC, mas sim um conjunto de mecanismos que actuam paralelamente e possivelmente de forma sinérgica (6).
Efeitos Laterais da Dieta Cetogénica
A ideia de que a DC é um tratamento “natural”, e como tal não tem efeitos adversos, comparando com os fármacos anti-epilépticos, deve ser desmistificada (24).
As complicações iniciais, mais frequentes, ainda durante o tempo de hospitalização são: desidratação, hipoglicemia, vómitos, diarreia, obstipação e recusa alimentar (1, 25, 26). De entre as complicações a longo prazo destacam-se a litíase renal (27), infecções recorrentes, acidose, hiperuricemia, hipocalcemia, hipoproteinemia, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, irritabilidade, letargia, recusa alimentar/ anorexia e também já foram descritos casos de cardiomiopatia (1, 25, 26). O atraso de crescimento é outra potencial complicação. Aparentemente a DC fornece os nutrientes necessários à manutenção do crescimento dentro dos parâmetros normais, especialmente em crianças mais velhas (28), porém, é possível ocorrer atraso de crescimento em algumas crianças (29). O conteúdo mineral ósseo também parece estar diminuído, sobretudo em crianças mais novas e com um IMC mais baixo (30). Desta forma, a monitorização do crescimento em crianças com DC reveste-se de extrema importância, bem como o ajuste das necessidades energéticas e proteicas, de forma a permitir o seu crescimento e ao mesmo tempo manter o controlo das crises epilépticas (28, 29, 31).
Relativamente a complicações graves, estas parecem ser raras (24). Ballaban-Gil et al reportaram que num conjunto de 52 crianças a fazer DC, cinco desenvolveram complicações graves, nomeadamente hipoproteinemia, Síndrome de Fanconi e alterações hepáticas, sendo que apenas uma criança teve de interromper a dieta (25).
A DC pode causar diversas complicações, mas na maioria das situações estas podem ser resolvidas sem necessidade de a interromper. Contudo, é importante evitar ao máximo as complicações graves que possam levar à sua interrupção, como algumas infecções, pneumonia lipóide devido a aspiração, cardiomiopatias, entre outras que põem a vida em risco. Assim, é importante a detecção prévia de doenças graves e uma intervenção activa, bem como um suporte nutricional adequado (26).
Monitorização
Após a alta hospitalar ou o início da DC em ambulatório é de extrema importância o seguimento do doente para garantir o possível controlo das crises epilépticas, um bom estado nutricional e de saúde. Para além da equipa multidisciplinar, constituída por Médico, Nutricionista, Enfermeiro e outros profissionais de saúde, a família é um elemento chave para o sucesso do tratamento (7).
Inicialmente, o doente deverá ser visto a cada 3 meses. Após um ano a cumprir esta dieta, o seguimento deverá ser realizado a cada 6 meses (1). Em cada visita deverá ser efectuada a avaliação do crescimento, da frequência das crises epilépticas, de parâmetros laboratoriais e de alterações do trânsito intestinal (nomeadamente, obstipação e esteatorreia) (7). Entre as visitas, os pais e/ou cuidadores deverão vigiar os corpos cetónicos urinários várias vezes por semana (1), medidos através da imersão de tiras teste na urina (32). O resultado de cetose urinária necessária, mas não forçosamente suficiente, para atingir um controlo óptimo das crises, será de 3+ a 4+ (80-160mmol/L)(33). Também deverão registar o número de crises epilépticas.
Duração e Eficácia da Dieta Cetogénica
A duração da dieta não é igual em todos os casos, nem o método de descontinuação. É aconselhado que a criança permaneça na DC pelo menos durante 3 meses (1). Se não se observar diminuição do número crises epilépticas até este momento, a dieta deverá ser descontinuada. Se se obtiver uma redução da frequência das crises epilépticas superior a 50%, a dieta poderá ser interrompida após 2 anos (1), porém, já foram relatados casos em que a DC foi realizada durante 6 a 12 anos (34). Martinez et al observaram que em crianças sem crises epilépticas durante a DC, cerca de 80% permaneceram sem crises após suspenderem o tratamento (35), demonstrando que poderá haver continuação da ausência das crises. A interrupção da DC deverá ser gradual, durante 2 a 3 meses, diminuindo a razão de 4:1, para 3:1 e para 2:1; mantendo-se de seguida a ingestão de alimentos cetogénicos, aumentando-se as calorias e os fluidos sem restrições. Na ausência de cetose urinária, o doente reinicia uma alimentação sem limitações (1).
Diversos estudos têm sido realizados com o intuito de avaliar a eficácia da DC no tratamento da epilepsia refratária. A maioria destes são retrospectivos e começaram a surgir na década de 20 e 30 do século anterior. De uma forma geral, cerca de um terço a metade dos doentes parecem ter uma boa resposta à DC, ocorrendo cessação ou marcada redução da frequência das crises epilépticas (4). Vining et al, num estudo prospectivo não randomizado, relataram a eficácia da DC na redução da frequência das crises, e tendo em conta que cerca de 40% das crianças tiveram uma redução de mais de 50% do número de crises após 1 ano de tratamento, excluíram o efeito placebo, evidenciando assim o possível efeito terapêutico da DC (14). Noutro estudo prospectivo, Freeman et al, relataram uma diminuição do número de crises superior a 50% em 59% dos casos ao fim de 3 meses com DC, sendo esta mais eficaz do que vários fármacos anti-epilépticos recentes (36). Apesar dos vários estudos já realizados, não existe muita evidência baseada em estudos randomizados. Porém, um estudo prospectivo randomizado recente, concluiu a eficácia da DC no tratamento da epilepsia refratária em crianças (37).
Uma revisão sistemática relatou que apesar de faltarem estudos controlados, existe evidência suficiente para determinar que a DC é eficaz na redução da frequência das crises em crianças com epilepsia refratária (38). Mais recentemente, outra revisão sistemática relatou que cerca de 15,6% dos doentes tratados com DC demonstraram ausência de crises epilépticas e que cerca de 33% teve uma redução superior a 50% do número de crises (39).
Em Portugal apenas um estudo foi ainda publicado relatando a experiência de um serviço de Pediatria no tratamento de crianças com epilepsia refratária com DC, tendo os resultados apoiado a utilização da mesma (40).
Alternativas à Dieta Cetogénica Clássica
A DC por si só exige uma alteração drástica da alimentação e, normalmente, pode não ser muito bem tolerada no início. Por outro lado, é um regime alimentar muito exigente, uma vez que é necessária a quantificação dos vários alimentos com vista a controlar as crises epilépticas. Ao longo do tempo têm surgido outras alternativas à DC tradicional, com vista a aumentar a qualidade de vida do doente e da família. Estas são mais liberais, mas com efeito semelhante no controlo das crises. Uma das primeiras alternativas à DC tradicional foi a DC suplementada com triglicerídeos de cadeia média, que têm um efeito mais cetogénico que os de cadeia longa, presentes na DC clássica (1, 41). A dieta modificada de Atkins foi criada com o intuito de ser menos restritiva e aumentar a palatibilidade, especialmente para crianças com problemas comportamentais e adolescentes em que os pais e neurologistas estão relutantes em iniciar a DC (42). Esta pode ser iniciada em casa sem jejum, nem restrição calórica e hídrica (11). Neste caso, os hidratos de carbono são restritos a 10g/dia em crianças e 20g/dia em adultos, sendo que o consumo de gordura é encorajado, de forma a manter o estado de cetose (11). Por último, a dieta de baixo índice glicémico é outra alternativa apresentada, que permite uma maior liberalização da quantidade total de hidratos de carbono, mas restrita a alimentos com baixo índice glicémico (inferior a 50), de forma a manter níveis glicémicos estáveis (11, 43). Esta alternativa também poderá ser iniciada em casa, sem o jejum inicial (11). Na Tabela 2 encontra-se a distribuição energética pelos diferentes macronutrientes nas três alternativas à DC clássica anteriormente referidas.

ANÁLISE CRÍTICA
A DC é a prova de que a alimentação pode ser utilizada como forma terapêutica, por vezes com melhores resultados que os fármacos convencionais.
Os efeitos laterais que podem advir da DC poderão ser muito menores, quando comparados com os efeitos provocados por crises múltiplas diárias e pela multiterapia farmacológica.
A DC surge como uma opção não farmacológica no tratamento da epilepsia refratária. A aplicação desta dieta é extremamente exigente tanto para o doente, como para a família, pois implica uma mudança radical nos hábitos alimentares.
Embora a DC exista há quase um século e apesar dos muitos estudos realizados, muito ainda está por decifrar relativamente aos mecanismos, eficácia, indicações e contra-indicações, efeitos laterais, entre outros. Mesmo assim, a DC deve surgir como uma boa opção terapêutica no tratamento da epilepsia refratária, sendo necessárias equipas multidisciplinares preparadas para a implementação deste tratamento.

 

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Endereço para correspondência
Marta Rola
Rua Lourenço Marques, nº50 – 2ºesq, 4445-498 Ermesinde, Portugal
pocao.rola@hotmail.com


Recebido a 21 de Setembro de 2014
Aceite a 7 de Outubro de 2014

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