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Revista Crítica de Ciências Sociais
versão On-line ISSN 2182-7435
Revista Crítica de Ciências Sociais no.107 Coimbra set. 2015
RECENSÕES
Gregório, Vitor Marcos (2012), Uma face de Jano: A navegação do rio Amazonas e a formação do Estado brasileiro (1838-1867)
Luiz Felipe Barboza Lacerda*, Reginaldo Conceição da Silva**
* Centro de Estudos Superiores de Tabatinga, Universidade do Estado do Amazonas, Avenida da Amizade, n. 74 - Centro – Tabatinga, Amazonas, Código Postal: 69640-000 – Brasil E-mail: luizpsico@hotmail.com
** Centro de Estudos Superiores de Tabatinga, Universidade do Estado do Amazonas, Avenida da Amizade, n. 74 - Centro – Tabatinga, Amazonas, Código Postal: 69640-000 – Brasil E-mail: reginho.obi@hotmail.com
Gregório, Vitor Marcos (2012), Uma face de Jano: A navegação do rio Amazonas e a formação do Estado brasileiro (1838-1867). Prefácio de Miriam Dolhnikoff. São Paulo: Annablume/FAPESP, 356 pp.
A obra Uma face de Jano: A navegação do Rio Amazonas e a formação do Estado brasileiro (1838-1867), de Vitor Marcos Gregório, veio preencher uma lacuna na literatura sobre o Amazonas e sua aproximação com a história da formação do Estado brasileiro, em especial o uso do rio Amazonas para a navegação comercial. A obra possibilita uma incursão aos bastidores político e econômico aos quais a história ensinada sobre o rio Amazonas nas escolas e nas universidades não faz menção.
A obra está assim organizada em duas partes. A primeira – Projetos para a Amazônia – é constituída por cinco capítulos. No primeiro, o autor nos apresenta as discussões parlamentares de 1840 e 1864, ocorridas na Câmara dos Deputados e no Senado, “onde alguns empresários se propunham a navegar com barcos a vapor os rios Amazonas, Tocantins, Solimões, Negro e todos os seus afluentes, mediante a concessão de alguns favores por parte do governo central” (p. 33), tendo os deputados, segundo o autor, prontamente reconhecido o projeto como de “grande utilidade para o desenvolvimento não somente da região amazônica, mas de todo o país” (p. 33).
Os debates de 1853 no parlamento são o foco do segundo capítulo. Neste, a abertura dos rios para a navegação, em escala mundial, é apresentada como forma de contextualizar o leitor para o facto de que a navegabilidade dos rios era algo debatido em outras nações. O autor cita a proposta, apresentada ao Congresso de Viena de 1815, de aproveitamento do rio Reno para esta modalidade de exploração comercial, inspirando a mobilização de interesses pela abertura da Amazônia ao mundo. É o caso de uma figura como Cândido Mendes de Almeida, que surge como um dos primeiros defensores da importância econômica que a Amazônia representaria nos cenários internacionais. Neste capítulo recebe melhor atenção o acordo com o Peru, para navegação dos rios amazônicos, algo que despertou interesses de outras nações em explorar economicamente a navegação, ao mesmo tempo em que os deputados, preocupados com a soberania nacional, já denunciavam a tentativa de militarização desta região pelos franceses.
Neste sentido, salienta o autor que “a ocupação da Amazônia configura-se, portanto, como uma questão de soberania nacional, bem como da colonização de suas margens, o que teria sido estratégia do governo imperial para resolver os problemas criados com a pressão internacional para a abertura da navegação daquele rio” (p. 78).
Neste cenário de incertezas, a navegação do Amazonas mobiliza todo o Império. Temores internos e externos sobre a possibilidade de manter e consolidar a posse sobre a porção norte do território nacional suscitavam calorosos debates e tênues articulações políticas com as nações amigas. A ideia era “navegar para desenvolver”, e para este desenvolvimento, a colonização foi algo inevitável e acrescida à proposta política de uso do rio Amazonas e suas margens, disponível desde 1850.
No terceiro capítulo, conflagrando a reforma contratual de 1857, Gregório nos apresenta desdobramentos da concessão de navegação. Agora com a possibilidade, requerida por Irineu Evangelista, de revisão contratual junto ao governo imperial, dada a baixa rentabilidade e difícil execução da colonização prevista em contrato. Toda essa agitação contratual estava de acordo com parte dos senadores e deputados.
A colonização como estratégia é outro aspecto apontado pelo autor. Para ele, “esta era uma preocupação constante. A questão da navegação a vapor e como adoção de políticas de desenvolvimento da região amazônica passa a ser uma constante nos relatórios do ministério do Império” (p. 164).
No quarto capítulo, no entanto, os fatos apresentados tratam das discussões pela abertura da navegação no Amazonas, tal como no rio Negro. Citando ainda os rios Purus, Iça, Xingu, Madeira e Tapajós, os parlamentares da época consideravam que “abrir o rio Amazonas seria desenvolver sua região e isso jamais traria prejuízos para o Brasil” (p. 214). Neste capítulo, de forma muito apropriada, o autor aponta diversos debates que aconteceram em torno da navegação no Amazonas, tanto de natureza política, quanto econômica, colonialista e desenvolvimentista. O ano de 1864 entra na história da navegação do Amazonas, pois marca o encerramento dos debates. Assim, Gregório faz um chamado de alerta sobre a opção entre impor condições versus negociar tratados. Como poderão navegar o Amazonas? A exposição aqui se divide entre o aspecto nacional e internacional, mesclado com o da natureza regionalista de desenvolvimento econômico do norte do Brasil.
Encerrando a primeira parte da obra, o quinto capítulo trata das medidas do poder executivo na década de 1860. O autor apresenta uma explanação pontual dos acordos políticos da época. A navegação do Amazonas é, enfim, autorizada pelo imperador sem mais debates entre Câmara e Senado. O decreto número 3920, de junho de 1864, fixa a regulamentação que havia sido acordada sobre essa navegação. Nas palavras do autor: “terminava assim, de forma festiva, um longo processo em que estava em jogo a soberania nacional e a integração ao império de uma região cheia de potencialidades” (p. 257).
A segunda parte da obra assume como tema os esforços provinciais para navegar o Amazonas, abordando em dois capítulos a política do governo do Grão-Pará sobre a navegação do rio Amazonas e as negociações para navegação do Araguaia/Tocantins. Nestes, Vitor Marcos Gregório faz uma análise minuciosa e inovadora das medidas que levaram à abertura do rio Amazonas para navegação, de forma a considerar os aspectos políticos e econômicos da época, com os desdobramentos das negociações sobre as províncias já existentes.
Em “O governo do Grão-Pará e a navegação do rio Amazonas”, o autor discorre sobre fatos que datam de antes da criação da província do Amazonas, sobretudo no período de 1828 a 1850, onde já havia registros de tentativas em navegar tais águas. “Uma das primeiras preocupações do governo provincial era o estabelecimento de comunicações mais fáceis com as localidades do interior, no intuito de facilitar seu governo e de tornar mais efetivo seu controle” (p. 267). Com isso, as discussões na Assembleia Provincial foram retomadas, no intuito de fazer fluir a navegação e o projeto de colonização. O governo central, neste cenário, criou mecanismos legais que tornaram possíveis as navegações entre os anos de 1840 e 1850.
A criação da Província do Amazonas em 1850, dando corpo a um projeto que vinha desde 1820, foi um marco na abertura da navegação. Em meados de 1840 o governo imperial, por medida provisória, financiou a abertura de portos, mas apenas em 1853 a navegação foi iniciada entre Belém e Barra (posteriormente Manaus), em uma embarcação de nome Marajó. “Desenvolver a região Amazônica: este era o ponto central para os deputados defensores da criação desta nova província” (p. 294).
O autor aborda ainda neste capítulo vários aspectos de relevante importância ao entendimento da questão central da obra: a cabanagem; a exploração do látex; a falta de mão de obra qualificada; as instabilidades externas, sobretudo a presença dos Estados Unidos nesta região; a criação de gado bovino; a necessidade de o governo provincial realizar obras nos canais para permitir a navegação comercial a vapor na província do Amazonas.
No segundo e último capítulo intitulado “As negociações para navegação do Araguaia/Tocantins” o autor apresenta, de forma breve, as interpretações da historiografia brasileira sobre o regime político do Império, convocando para isto, Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro, Ilmar Rohloff de Matos, Roderik Barman e José Murilo de Carvalho, historiadores consagrados pela vasta literatura acerca do Brasil Império. Apesar de fortes vínculos ao escopo da obra, a interpretação historiográfica proposta não é profunda. O conteúdo é retomado com as estratégias para navegar o Tocantins/Araguaia, evidenciando a participação do governo da província de Goiás, preocupado com as relações comerciais entre províncias.
Assim, o autor evidencia as articulações entre as províncias do Rio de Janeiro, Goiás e Pará para pressionar o governo central com vistas à integração econômica da região amazônica. Porém “a comunicação entre as províncias do Pará e de Goiás por via fluvial só foi alcançada em 1866” (p. 337), com o aval do governo de Belém, que acabou por financiar o projeto com recursos próprios.
Enriquecida por uma ampla e diversificada literatura, guiada por premissas claras e bem articuladas, a obra de Vitor Marcos Gregório representa uma valiosa fonte de informação histórica, política e econômica da região norte do país, que oferece aos estudiosos da questão Amazónica um enquadramento histórico-espacial apto a deixar entender muitas das manifestações atuais dessa questão.