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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.110 Coimbra set. 2016

 

RECENSÃO

Duque, Eduardo (2014), Mudanças culturais, mudanças religiosas – Perfis e tendências da religiosidade em Portugal numa perspetiva comparada

 

Paulo Reis Mourão

Departamento de Economia, Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho. Campus de Gualtar, 4700-015 Braga, Portugal paulom@eeg.uminho.pt

 

Duque, Eduardo (2014), Mudanças culturais, mudanças religiosas – Perfis e tendências da religiosidade em Portugal numa perspetiva comparada. Vila Nova de Famalicão: Editora Húmus, 338 pp.

 

Joseph Schumpeter, em Capitalisme, socialisme et democratie (1990 [1942]),1 foi dos primeiros autores a referir que as mudanças económicas – refira-se, as grandes mudanças económicas – ultrapassam as contingências dos ciclos estruturais e são desencadeadas sobretudo pelas mudanças de valores que os agentes expressam. Eduardo Duque, em Mudanças culturais, mudanças religiosas – Perfis e tendências da religiosidade em Portugal numa perspetiva comparada, estuda sobretudo a mudança dos nossos valores, enquanto europeus e enquanto cidadãos que expressam (ou não) atitudes religiosas. Estudando o “Índice” (pp. 337-338), podemos perceber nesta estrutura um esforço de aproximação de espaços (e de dimensões). Portanto, encontramo-nos perante uma obra de fronteira metodológica e de fronteira disciplinar.

O capítulo introdutório (pp. 7-16), além de enunciar o plano geral da investigação, tem uma atenção meritória sobre a revisão das tensões político-religiosas em Portugal, desde o período da Monarquia Constitucional até estes primeiros dez anos do século xxi. Esta é uma revisão suportada nas leituras de Oliveira (1994)2 ou Ramos (1983)3 que, na análise da integridade da obra, se compreende essencial para lançar o quadro de modernidade – ou melhor, de complexidade – que o investigador Eduardo Duque encontrou na análise dos dados do European Values Survey, nomeadamente na edição mais recente (datada de 2008).4

O segundo capítulo (“Enquadramento Teórico da obra”, pp. 17-54) começa por colocar ao leitor uma pergunta desafiadora: “Tem o sociólogo um método para estudar a Religião mais adequado do que o do teólogo, filósofo ou psicólogo?” (p.17). Entende-se que a elencagem destas quatro expressões de cientista social não é restritiva do leque de outras expressões, onde cabe o economista, o gestor ou o politólogo (Kumar, 2009).5 O capítulo progride para uma discussão detalhada sobre a “emancipação da Razão”, alcançando uma discussão muito estimulante sobre a Crítica da Racionalidade Instrumental (pp. 29-30), recheada de observações pertinentes de reflexão metodológica transversal às Ciências Sociais.

Este capítulo apresenta ainda uma discussão sobre a secularização/dessacralização das figuras do Divino (pp. 30-38). Enquanto na esteira da Epístola de Tiago poderíamos considerar o Próximo como o Sacrário do Deus Cristão, as novas “multiculturalidades religiosas” (pp. 36-37) caminham para uma religiosidade de fragmentos (onde o Ócio ou o Prazer, partilhados ou não, se afiguram, também, como espécies substitutas de Deus). Duque (2014) termina o capítulo II com uma discussão sobre os Centros de Galtung (pp. 50-54). Percebemos a relevância desta referência a Galtung (1971),6 na medida em que a dinâmica dos centros (por definição, os espaços de concentração dos pontos referenciais) leva a que os agentes oscilem numa tensão permanente entre centro(s) e periferia(s).

Os capítulos III e IV (pp. 57-158) são, claramente, capítulos de análise empírica. Desde logo, principiam por uma atenção crítica sobre os métodos de recolha, amostragem e compilação do European Values Survey (pp. 58-60) ou de fontes complementares (como o Anuário Católico, os Censos da Prática Dominical, ou a Base de Dados do Instituto Nacional de Estatística). Posteriormente, avançamos para a explicitação dos instrumentos de análise comparativa que Duque (2014) vai usar, sempre numa base comparativa (2008 face a 1990): distribuição das frequências de resposta (complementadas com uma discussão dos coeficientes de contingência), análise de componentes principais, análise da consistência interna dos fatores, correlação entre constructos e esboço de regressões bivariadas. Duque (2014) observa aqui um largo conjunto dimensional: a autoidentificação religiosa; a assistência aos serviços religiosos; e a dimensão religiosa e institucional. Algumas observações empíricas merecem ser destacadas. Dada a extensão dos desafios emergentes, permito-me destacar três: a crise de fé na população sénior, a forte correlação entre a importância atribuída ao Divino e ao Outro, e a relação interinstitucional.

Os capítulos V e VI detalham um conjunto de evidências complementares, especialmente a diminuição entre a priorização das preocupações materialistas (“manter a ordem no país” e “combater a subida de preços”) e as preocupações pós-materialistas (capacitação política e proteção da liberdade de expressão). Nomeadamente, o gráfico 5.4 intitulado “Pós-materialismo, no conjunto, segundo as gerações (Diferenças de percentagens)” (p. 167), mostra a diminuição das diferenças de percentagens entre os dados de pós-materialistas recolhidos em 2008, face aos recolhidos em 1990 (sobretudo para os indivíduos nascidos em 1971 ou em 1981). Explicação que converge com a explicação clássica de Inglehart (1977: 33) sobre a dinâmica das diferenças percecionadas nos valores de grupos de diferentes idades.7 Outra evidência relevante surge com o gráfico 6.1, intitulado “Posição religiosa, segundo índices” (p. 194), no qual as confissões não católicas em Portugal são identificadas como mais conservadoras do que no resto da Europa.

Com o capítulo conclusivo, reconhecemos que estamos perante uma obra que prima desde logo por uma qualidade académica: a humildade. A polidez do texto também pode ser identificada como mais uma das forças da obra. Percebe-se o foco no lado da procura de religiosidade (foco naqueles que procuram serviços ou expressões organizadas do religioso) e não tanto o foco da oferta de religiosidade (igrejas, confissões, instituições religiosas). A exploração deste supply-side do religioso deve ficar como uma motivação/ um desafio para a continuação da investigação das mudanças religiosas dos europeus (na esteira de Mourão, 20118 ou Bezjak, 20129).

Outro desafio possível emerge da noção matemática do complemento do conjunto fechado – ao definirmos (isto é, ao fecharmos) o conceito de “religiosidade” temos consciência de que existe um espaço conceptual da não religiosidade? Quais as fronteiras do que é não religioso? Quais os pontos internos deste espaço não religioso? São questões que emergem naturalmente da riqueza derivada das discussões inerentes a esta obra de Eduardo Duque.

 

NOTAS

1 Schumpeter, Joseph (1990), Capitalisme, socialisme et démocratie. Paris: Payot [ed. orig. 1942].         [ Links ]

2 Oliveira, Miguel (1994), História eclesiástica de Portugal. Mem Martins: Publicações Europa-América.         [ Links ]

3 Ramos, António Jesus (1983), “A Igreja e a I República: a reação católica em Portugal às leis persecutórias de 1910-1911”, Didaskalia, 13, 251-302.

4 GESIS (2008), European Values Study. Consultado a 30.06.2013, em http://www.europeanvaluesstudy.eu/page/survey-2008.html.

5 Kumar, Vikas (2009), “Law, Economics, and Religion”, Indira Gandhi Institute of Development and Research. Consultado a 15.09.2015, em http://works.bepress.com/vikas_kumar/36.

6 Galtung, Johan (1971), “A Structural Theory of Imperialism”, Journal of Peace Research, 8(1), 81-118.

7 Inglehart, Ronald (1977), “The Silent Revolution in Europe: Intergenerational Change in Post-industrial Societies”, American Political Sciences Review, 65, 991-1017.

8 Mourão, Paulo Reis (2011), “Determinants of the Number of Catholic Priests to Catholics in Europe – An Economic Explanation”, Review of Religious Research, 52(4), 427-438.

9 Bezjak, Sonja (2012), “Catholic Women Religious Vocations in the Twentieth Century: The Slovenian Case”, Review of Religious Research, 54(2), 157-174.

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