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Revista Crítica de Ciências Sociais
versão On-line ISSN 2182-7435
Revista Crítica de Ciências Sociais no.117 Coimbra dez. 2018
https://doi.org/10.4000/rccs.8216
ARTIGO
Crítica da razão populista*
Critique of Populist Reason
Critique de la raison populiste
Gonçalo Marcelo
Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra | Católica Porto Business School Largo da Porta Férrea, Faculdade de Letras, 3004-530 Coimbra, Portugal goncalomarcelo@gmail.com
RESUMO
Neste artigo, coloca-se a questão da atualidade da crítica, analisando igualmente, de forma mais circunscrita, um fenómeno específico – o do “populismo”. Mostra-se como o populismo tem aparecido de forma pejorativa no espaço público e defende-se, com Laclau (2005), que este fenómeno não deve ser rejeitado em bloco, uma vez que apresenta uma racionalidade específica, importante para o processo democrático, mas que, no entanto, deve ser submetida a uma crítica. Assim, avançando aquilo a que no artigo se chama uma “crítica da razão populista”, pretende-se contribuir não só para uma reavaliação do que significa a razão nos dias que correm, mas também se avançam critérios para distinguir aquilo que de produtivo ou nocivo pode existir no fenómeno do populismo, através de uma análise das narrativas e valores que cada discurso “populista” transmite.
Palavras-chave: democracia, populismo, razão, teoria crítica, tolerância
ABSTRACT
This paper poses the question of the present state of criticism while also analyzing, in a more circumscribed manner, the specific phenomenon of “populism”. It shows the way in which populism as appeared in the public space mainly in a pejorative sense, and it suggests, along with Laclau (2005), that this phenomenon must not be rejected as such, insofar as it contains a specific rationality that is important for the democratic process but that must also be submitted to critical scrutiny. Thus, putting forward what the article calls a “critique of populist reason”, not only does it aim at reassessing what reason means today, but it also tries to distinguish the productive from the pernicious uses of populism by analyzing the narratives and values that each “populist” discourse mobilizes.
Keywords: critical theory, democracy, populism, reason, tolerance
RÉSUMÉ
Cet article pose la question de l’actualité de la critique et il analyse aussi, d’une façon plus restreinte, le phénomène spécifique du “populisme”. L’article montre comment le populisme apparaît dans un sens péjoratif dans l’espace public et soutient, avec Laclau (2005) que ce phénomène ne doit pas être rejeté en bloc car il fait preuve d’une rationalité spécifique qui est importante pour le processus démocratique mais doit aussi passer au crible de la critique. L’article propose donc ce qu’il appelle une “critique de la raison populiste” et contribue ainsi non seulement à réévaluer ce que “raison” veut dire aujourd’hui, mais aussi à avancer des critères pour distinguer ce qui de productif ou de nocif peut faire surface dans le phénomène du populisme, par le biais d’une analyse des récits et des valeurs que chaque discours “populiste” met en avant.
Mots-clés: démocratie, populisme, raison, théorie critique, tolérance
Introdução
Qual o papel da crítica, hoje? Em 1937, quando Max Horkheimer escreveu o texto fundador “Traditional and Critical Theory” (Horkheimer, 2002 (1937)), com a ameaça do nazismo em pano de fundo, ainda parecia possível conceber um esforço crítico que de alguma forma mitigasse a distância entre a teoria e a práxis; que, tendo em conta os critérios avançados pela própria teoria, visasse analisar a sociedade, nela detetando fenómenos perniciosos eventualmente escondidos e, em virtude dessa mesma crítica, tentasse ultrapassá-los. Oito décadas depois, será possível dizer o mesmo? A tarefa não se afigura fácil, por várias ordens de razões. Em primeiro lugar, porque a crítica – incluindo a crítica da “sociedade de massas” celebrizada por Adorno – inclui obviamente uma reflexão sobre os modos de reprodução material assegurados pelo sistema económico e não deixa de ser verdade, até certo ponto, que o sucesso do capitalismo e a ausência de alternativa palpável levou, como diagnosticaram Boltanski e Chiapello (1999), a um certo “silenciamento da crítica”, na medida em que os atores económicos nele têm colaborado de forma mais ou menos pacífica (com exceção, é claro, da mobilização coletiva que se viu em alguns países após a crise de 2007-2008). Em segundo lugar, porque o tipo de critérios fortes que a Teoria Crítica tendia a emitir – isto é, critérios que assumiam que o “teórico”, armado com o poder da crítica, de alguma forma via “mais longe” do que quem estava afetado pelo fenómeno ideológico e que, por isso, a crítica poderia assumir um estatuto de validade quase universal – são hoje mais difíceis de defender (Honneth, 2009), dada a prevalência daquilo a que se poderia chamar um relativismo cultural mais ou menos dominante. E a consequência disso é, chamemos-lhe assim, o desprestígio da crítica ou mesmo a suspeita da sua inutilidade social, muitas vezes acusada de ser arrogante, ou mesmo ilegítima, uma vez que se afigura difícil advogar qualquer tipo de superioridade política ou moral quando a força epistémica dessa asserção é cortada pela base porque tudo é suposto equivaler a tudo o resto.
Contudo, neste artigo, gostaria de recuperar não só a importância da crítica e de argumentar a favor da sua relevância social e política como também de analisar, de forma mais circunscrita, um fenómeno específico, o do “populismo”, visto sob o ângulo da crítica. Para mais, fá-lo-ei recorrendo a outra noção mais ou menos suspeita nos dias que correm, a de “razão”, com isso recuperando uma tradição pelo menos tão antiga quanto a da filosofia kantiana, a da crítica da razão (Kant, 2008 (1781, 1787)). É claro que aquilo que aqui designo como a “crítica da razão populista”, servindo-me para isso das análises de Ernesto Laclau (2005), não é senão um aspeto daquilo que a razão pode significar ou do âmbito que uma “crítica da razão” escrita em termos contemporâneos poderia abranger. Porém, pelo facto de ser um fenómeno especificamente social e especialmente preocupante no momento atual, e não esquecendo que o esforço da crítica social passa precisamente por tentar levar a cabo uma “história do presente” (Foucault, 1972: 35), parece-me que é um aspeto no qual a importância das “ciências sociais críticas” se torna evidente; por conseguinte, ao operar, ainda que de forma necessariamente sucinta dadas as limitações de espaço, uma tal “crítica da razão populista”, espero estar, mesmo se modestamente, a contribuir para a revalorização dessa função crítica, tantas vezes desvalorizada.
Assim sendo, na primeira secção deste artigo, relembrarei a forma como o conceito de populismo tem aparecido no espaço público em tempos recentes de forma não só vaga (o que, como se verá, talvez seja uma das suas características inerentes), mas tendencialmente pejorativa, tornando-se uma espécie de conceito tão plástico que as suas fronteiras praticamente se dissolvem e cujo único elemento comum parece ser a condenação. Na segunda secção, a finalidade é mostrar, com Laclau, que o funcionamento do populismo requer um tipo específico de razão, uma “racionalidade”, e elencar algumas das suas características. Ao longo destas duas secções, um dos objetivos é mostrar que, no fundo, não se deve atacar o “populismo” em bloco, desvelando a razão de ser da sua existência, e argumentar que uma arte da distinção é necessária para o analisar. Na terceira secção, consubstancia-se essa distinção ao atacar as formas inaceitáveis de populismo, caracterizando-as como “patologias da razão”, uma noção tomada à teoria crítica da Escola de Frankfurt. Finalmente, na breve conclusão, tento fornecer algumas indicações relativas à forma como as democracias ocidentais liberais devem tentar lidar com as diversas formas de populismo.
I. O espectro do populismo
Um espectro assola a Europa – o espectro do comunismo. Marx e Engels (1997 (1848))
A frase inaugural do Manifesto do Partido Comunista, escrito em 1848 por Marx e Engels, poderia hoje ser reescrita com duas alterações de pormenor. Substitua-se “comunismo” por “populismo” e, com apenas um pouco de exagero, “Europa” por “mundo ocidental” e talvez a frase reflita bem o espírito da época. Tudo se passa como se, hoje em dia, fosse de facto o espectro do populismo a assombrar-nos. E, no entanto, talvez consigamos pronunciar uma tal frase com o mesmo toque de leve ironia com que Marx e Engels abriram o manifesto. Com efeito, o ano de 2016 alterou aquela que seria a ordem previsível dos eventos políticos à escala internacional, sobretudo no eixo do Atlântico Norte; entre a vitória do Brexit, a 24 de junho, e a de Trump, a 10 de novembro, todos os factos pareceram conjugar-se para mostrar que, afinal Fukuyama (1992) não tinha razão: a história não acabou e os processos de globalização não resultaram necessariamente numa ordem liberal internacional sem resto. Por um lado, existe a tendência clara do recrudescimento dos velhos nacionalismos, embora, curiosamente, favorecida por um espírito de colaboração transnacional à qual se poderia chamar, passe o oxímoro, uma “internacional nacionalista” e que tem agregado figuras como Nigel Farage, Marine Le Pen, Donald Trump ou Geert Wilders. Por outro, a verdade é que um levantamento dos conceitos mobilizados mais frequentemente no espaço público, em termos da análise política destes eventos recentes, provavelmente revelaria o populismo como o conceito-chave usado de forma mais pejorativa; uma espécie de conceito bode expiatório que, através de uma série de deslizes semânticos, se torna a justificação de todas as derivas que, de uma ou de outra forma, são denunciadas pelo discurso “normal” ou “normalizado” da lógica política tradicional.
Tanto assim é que se torna extremamente difícil fazer uma tipologia dos populismos, das suas causas e características. É que não é só às figuras que acabámos de elencar que a etiqueta “populista” se cola. Pelo contrário, do outro lado do espectro político, fenómenos como o Syriza, o Podemos e até mesmo Bernie Sanders (não esquecendo o Movimento 5 Estrelas, mais difícil de caracterizar do ponto de vista ideológico) foram, também eles, sistematicamente desacreditados perante a opinião pública, acusados de ter um discurso ora irrealista e utópico, ora manipulador, precisamente por ser, alegadamente, populista. Ao mesmo tempo, a operação de denúncia e de redução explicativa acaba por servir como uma espécie de legitimação ao contrário; se todo o discurso ou opção política que escapa aos trâmites do “normal” ou do “instituído” é, eo ipso, populista e se, nesta linha argumentativa, o populismo nada mais é do que “manipulação” ou “distorção” dos factos (e, logo, algo a evitar), então tudo se passa como se o statu quo não tivesse, de facto, alternativa credível. Tese que, convenhamos, no óbvio jogo de poder que pauta a lógica política enquanto tal, é conveniente para as formas político-partidárias e as opções já constituídas, sejam lá elas quais forem.
Relembremos as razões da exclusão do populismo do panteão dos conceitos política e filosoficamente dignos. Como relembra Ernesto Laclau em On Populist Reason, as ciências sociais sempre tenderam a remeter o populismo para o domínio do irracional, do não pensável (Laclau, 2005: 19), como se a sua lógica não pudesse aspirar a um estatuto de racionalidade plena. Quer isto dizer que, a maior parte das vezes, o próprio uso do termo é instrumento de exercício de violência simbólica, como diria Bourdieu. Para Laclau, esta exclusão do populismo do domínio do pensável equivale à negação da própria política enquanto tal e à “asserção de que a lógica da comunidade é da responsabilidade de um poder administrativo cuja fonte de legitimidade é um conhecimento adequado daquilo que uma ‘boa’ comunidade é” (ibidem: x) – ou seja, aquilo que se opõe ao populismo é uma visão meramente tecnocrática da gestão da “coisa pública”.
O resultado, segundo Laclau (2005: 17), é que o populismo passa a ser considerado um mero epifenómeno. Analisam-se os conteúdos sociais (interesses de classe ou de outros grupos sociais) a que ele supostamente dá voz, mas não se começa sequer a considerar a possibilidade de que, talvez, algumas alternativas políticas eventualmente desejáveis só possam ser atingidas por meio da operação da lógica populista. Mas será que, então, o fenómeno populista pode ser considerado um fenómeno totalmente irracional, ou meramente negativo e a evitar? A minha hipótese, sobretudo apoiada nas reflexões de Laclau, é que não. Mas para isso teremos de entender qual o tipo de racionalidade a que corresponde e qual a lógica a que preside.
II. A razão populista
Para Laclau (2005: 117), o populismo tem uma lógica política específica e, portanto, a sua própria razão, no duplo sentido de lógica imanente de funcionamento interno e de razão de ser, ou seja, de justificação da sua existência. Para ele, aquilo que caracteriza a operação populista é que ela visa, passe a redundância, a constituição de um “povo”, isto é, de uma vontade coletiva, expressa através de um conjunto de reivindicações que são unificadas e que tentam transformar a ordem social através do uso de mecanismos retóricos e mobilização dos afetos. Esta lógica é parcialmente agonística, procede através da identificação de um adversário, um “outro”. Porém, esse adversário é quase sempre o sistema institucional vigente tal como está constituído. E isso explica, para Laclau, parte do seu poder mobilizador:
como qualquer tipo de sistema institucional é inevitavelmente, e pelo menos parcialmente, limitador e frustrante, existe algo de apelativo em qualquer figura que o desafie, sejam quais forem as formas desse desafio. Existe, em qualquer sociedade, um reservatório de sentimentos anti-statu quo que se cristalizam em alguns símbolos de modo bastante independente das formas da sua articulação política e é a presença deles que intuitivamente percebemos quando chamamos “populista” a um discurso ou mobilização. (Laclau, 2005: 123; itálicos no original)1
Isto é, o desafio populista radica, em parte, na recusa de reificação das opções políticas à disposição em dado momento. E, diga-se de passagem, o mesmo se aplica, mutatis mutandis, aos usos normativamente aceites (ou impostos) da linguagem na qual habitamos. Isso explica, até certo ponto, a associação de discursos populistas, sobretudo os de direita ou extrema-direita à crítica do alegadamente “politicamente correto”. Entenda-se, aquilo que está em causa nesta observação não é atacar os limites de um discurso que recuse o inaceitável (discursos de ódio, racismo, xenofobia, etc.). Esses limites existem e por boas razões. Na próxima secção, ver-se-á como parte da operação judicativa de separar o trigo do joio em matéria de populismo passa por esta distinção. Contudo, parte da operação populista muitas vezes está associada a um determinado tipo de recusa da fixação de determinadas normas, opções ou usos (políticos, da linguagem, etc.). Daí a tendência para o ataque ao “instituído”, com tudo o de bom, e mau, que isso pode ter.
Para Laclau, de facto, a lógica política tem que ver com a própria instituição do social. E esta instituição recorre sempre, pelo menos de forma parcial, à imaginação, ao domínio simbólico, àquilo a que Cornelius Castoriadis (1975) chamava a “imaginação instituinte”. Mas isto significa que todas as lógicas políticas são parcialmente contingentes. No mundo ocidental, ao longo das últimas décadas, a lógica prevalente foi, com a ajuda da globalização, a articulação entre a democracia representativa e o pensamento liberal, sobretudo alimentada por aquilo que se veio a designar, de forma pejorativa, o neoliberalismo económico. Porém, aquilo que as formas de populismo têm vindo a mostrar é que existe, para o bem ou para o mal (ou mesmo para o pior), uma possibilidade real de quebrar a lógica desse consenso. O que é o mesmo que dizer que as fronteiras do político (e daquilo que é pensável como forma do político) são móveis – e Laclau (2005: 153) invoca, a propósito do rompimento desta lógica de consenso, a noção gramsciana de “guerra de posição”. Para Laclau trata-se, portanto, de mostrar que há uma pluralidade de diferentes maneiras de formar uma subjetividade popular democrática. E isso inclui, obviamente, o recurso a formas de democracia mais direta.
Colocar a questão nestes termos tem um potencial chocante porque desafia, até certo ponto, e como diria Rawls (1971), todas as nossas “convicções ponderadas” comummente aceites sobre a nossa forma de exercício da democracia e o seu funcionamento. Acontece é que esse funcionamento, e todo o aparato teórico que o suporta, também têm os seus pressupostos específicos, e esses pressupostos têm de ser pensados. São importantes, a esse respeito, as críticas de Chantal Mouffe:
O fracasso da teoria democrática contemporânea em tratar de modo adequado a questão da cidadania é consequência do facto de operar com uma conceção do sujeito que pensa os indivíduos como existindo antes da sociedade, e como sendo portadores de direitos naturais, ou maximizadores de utilidade ou sujeitos racionais. Eles são, portanto, abstraídos de todas as relações sociais, todas as relações de poder, linguagem e cultura, e de todo o conjunto de práticas que tornam possível a agência. Assim, aquilo que é escondido por estas abordagens racionais é a própria questão das condições de existência de um sujeito democrático. (Mouffe apud Laclau, 2005: 166)
Estas observações de Mouffe são importantes por vários motivos. Não é só por revelarem um dos graves problemas da corrente dominante da filosofia política contemporânea, a saber, a do seu afastamento de uma análise social concreta, isto é, a renúncia à tentativa de procurar conhecer as sociedades como elas realmente são, em vez de se fixar em princípios normativos puramente abstratos (Honneth, 2014: 1). É também porque ataca de frente as consequências da conceção de razão dominante para a forma como concebemos os agentes individuais e as suas motivações, maneira de agir e opções (incluindo políticas) à sua disposição. Em certo sentido, quer a teoria económica dominante – aquilo a que se veio a chamar a economia neoclássica e, sobretudo, a teoria da escolha racional –, quer a filosofia política liberal (no sentido de Rawls) partem deste pressuposto de um indivíduo autónomo e intrinsecamente racional, sendo esta racionalidade equivalente ao interesse próprio (ou, em versões mais sofisticadas, à maximização da utilidade esperada e respetiva modelização). Em ambos os casos, é excluída a possibilidade de qualquer coisa como a inversão da ordem de prioridade entre a subjetividade e a subjetivação, no sentido de Foucault (2001). É que a subjetividade não é um dado. Os indivíduos não nascem “todos feitos”; e, em certo sentido, o processo de socialização é também um processo de subjetivação, de criação daquilo que a filosofia reflexiva designa como um “si-mesmo”. E desse processo não estão excluídas as relações de poder nas relações intersubjetivas, nem nas relações dos indivíduos com as ordens normativas vigentes, ou as narrativas que refletem as suas identidades pessoais e coletivas (Butler, 2005). E é óbvio que reformular o conceito de razão que temos disponível, afiná-lo por comparação com o comportamento real dos agentes e as dinâmicas sociais que os envolvem – abrindo-o, por exemplo, à possibilidade de uma “razão populista” mesmo que ela implique uma crítica –, será parte do trabalho de compreensão dos mecanismos que temos à disposição para pensar a construção da subjetividade.
Ora, para Laclau, é a construção desta subjetividade que é essencial para o funcionamento da democracia. Mas isso implica, necessariamente, a contestação e a alteração de uma ordem prévia:
O populismo apresenta-se não só como subvertendo o estado de coisas existente mas também como o ponto de partida para uma reconstrução mais ou menos radical de uma nova ordem, sempre que a ordem anterior tenha sido abalada. Por conseguinte, o sistema institucional tem de ser (mais ou menos) quebrado para que o apelo populista seja efetivo. (Laclau, 2005: 177)
Significa isto que o populismo é vetor de mudança; ou, como Laclau (ibidem) também o expressa: “algum grau de crise da antiga estrutura é uma precondição necessária do populismo”. E os exemplos que dá são elucidativos. Sem a Grande Depressão da década de 1930, Hitler mais não teria sido do que um vociferante líder de um movimento político marginal; sem a crise da IV
República francesa e a guerra da Argélia, De Gaulle não se teria conseguido afirmar; sem a erosão do sistema oligárquico na Argentina da década de 1930, a ascensão de Perón teria sido impensável (Laclau, 2005: 177).
Em última instância, Laclau desenvolve toda uma teoria dos afetos, da linguagem, e da estratégia política para explicar a “razão populista”. Não interessa entrar aqui em todos os detalhes desta teoria, o que seria fastidioso. Será talvez suficiente invocar, em resumo, que é concebida uma estratégia agonística na qual, na luta hegemónica e contra-hegemónica, se visa a tal construção da vontade coletiva, democrática, consubstanciada no “povo” e nas suas reivindicações coletivas; sendo que o populismo é compreendido como necessariamente vago e, claro, tendo em conta a mobilização dos afetos em política. No esquema de Laclau, o populismo requer a identificação com um “significante vazio” que funciona como mecanismo de representação. Para ele, as identidades populares têm uma estrutura interna que é representativa (ibidem: 163) ou, se se quiser, “simbólica”. Mas, como o significante é “vazio”, pode ser ocupado por diferentes formas de constituição da “objetividade social”, por diferentes interesses ou tentativas de construção hegemónica.
Parte da conclusão de Laclau, contra Lefort, é que a ligação entre democracia e liberalismo é meramente contingente (ibidem: 167) e que, portanto, existem outras articulações possíveis, também elas contingentes. Isto é: nenhum regime político é autorreferencial e, portanto, em tese, é possível a existência de formas de democracia que não são devedoras do imaginário simbólico liberal (ibidem). O que resulta desta análise é que existe uma pluralidade de práticas e de imaginários diferentes que podem refundar aquilo que o conteúdo de uma democracia pode vir a ser; e uma visão da razão que não ignora a produção de subjetividade e de vontade democrática enquanto processo, nem a contingência dos imaginários e das opções políticas, nem o papel dos afetos políticos como motor de transformação.
Talvez o percurso desta secção, que foi feito sobretudo com Laclau, tenha sido mais ou menos suficiente para mostrar não só que o populismo tem uma “razão” como também uma “razão de ser” que equivale, se não, obviamente, a uma justificação de todas as suas instanciações, pelo menos a uma lógica política específica que de facto existe. Portanto, não faz sentido rejeitá-lo “em bloco”, até porque fazê-lo acaba por poder não ser mais do que uma espécie de justificação automática do “dado”, do já existente, da ordem de coisas, simbólica e prática, tal como ela está constituída. Assim, perceber a razão populista equivale, por um lado, a renunciar à perspetiva de uma sociedade totalmente reconciliada (porque o elemento agonístico é constitutivo da lógica política enquanto tal) e, por outro, como já se viu, à redução da política a uma mera gestão tecnocrática (Laclau, 2005: 225). Porém, como é óbvio, o diabo está nos detalhes. É que, se o significante é vazio, como Laclau argumenta, e se há uma heterogeneidade que se constitui como excesso e sobredeterminação (ibidem: 223), diferentes estratégias hegemónicas podem ser tentadas e, como é óbvio, algumas serão melhores do que outras. Por exemplo, argumenta Laclau, não se consegue prever a priori se a constituição de determinada identidade coletiva formada por meio da razão populista se tornará ou não nacionalista (ibidem: 227) uma vez que o elemento de contingência radical associado ao significante vazio pode ser ocupado por diferentes formas. Porém, na prática, parece-me que isso não nos deixa alternativa a não ser – afastada que está a hipótese fácil mas pouco rigorosa de afastar o populismo tout court enquanto alegadamente irracional – proceder a uma operação de separação e depuração. Quais são os movimentos políticos que, escapando ao alegado statu quo e, por isso, podendo ser denominados “populistas” (ainda que, como se viu, a maior parte das vezes, a partir de fora e de forma pejorativa – veja-se como raramente um movimento reivindica o epíteto “populista”; normalmente o populista, como o “terrorista” é sempre o “outro”), podem ser considerados aceitáveis, e quais devem ser rejeitados?
III. Será o populismo uma patologia da razão?
A questão que acaba de ser invocada na secção precedente não é anódina porque, pelo menos a fazer fé em Laclau, não é só a denúncia do populismo que, como se viu na primeira secção, está na ordem do dia. É que é o próprio populismo que tende a aumentar de forma estrutural porque, segundo Laclau (2005: 230), a nossa condição histórica é testemunha de uma proliferação de “pontos heterogéneos de rutura e antagonismos (que) requerem cada vez mais formas políticas de reagregação”. E, segundo ele, a causa disso reside no capitalismo global, entendido enquanto
um complexo no qual determinações económicas, políticas, militares, tecnológicas e outras – cada uma com a sua própria lógica e uma certa autonomia – entra na determinação do movimento do todo. Por outras palavras, a heterogeneidade pertence à essência do capitalismo, cujas estabilizações parciais são por natureza hegemónicas. (ibidem)
É curioso notar que Laclau não atribui à globalização do capitalismo uma tendência de homogeneização mas, pelo contrário, nela descobre a fonte da heterogeneidade. Porém, o que é importante sublinhar é que, neste caldo de tensões que é a ordem capitalista global, o autor argentino vê uma causa estrutural do acentuar da própria operação populista. E isto porque, em parte, a construção discursiva da divisão social é exacerbada por este processo. Para Laclau, a lógica antagónica é inerente à operação populista. Contudo, nestas condições estruturais, a “identidade do inimigo” torna-se “mais instável” (Laclau, 2005: 231). Por outras palavras, há uma lógica de proliferação dos inimigos e de aprofundamento da operação populista, não necessariamente no melhor dos sentidos. E, para mais, como se percebe pela passagem destacada acima, estes antagonismos tornam-se nem só económicos, nem só políticos, mas ambos, numa complexidade de fatores que nem sempre são possíveis de discernir. Dir-se-ia, então, que a sobredeterminação tem os seus perigos específicos.
Mas toda esta problemática obriga, até certo ponto, a mudar o foco da análise. Laclau reconhece que a lógica que preside às reivindicações que mais tarde se podem tornar populistas é baseada na heterogeneidade. E dá o exemplo de uma reivindicação de salários mais elevados: essa lógica não é puramente “capitalista”, recorrendo antes a uma gramática diferente, que é a do “discurso da justiça” (Laclau, 2005: 232). A minha hipótese é a de que distinguir aquilo que há de aceitável ou mesmo necessário no populismo daquilo que nele há de inaceitável passa por mudar o nível da análise, abandonando o nível de ontologia social que foi adotado na secção anterior e colocando o foco simplesmente numa distinção entre diferentes formas de populismo consoante os valores que defendem, as narrativas que promovem e as consequências a que podem levar. E isto significa, por outro lado, que, embora reconhecendo a existência de algo como a “razão populista”, a crítica da mesma ainda deve poder rejeitar as formas perniciosas de populismo. Isto equivale, mutatis mutandis, a renovar o gesto crítico de Kant na Crítica da razão pura, sobretudo quando, no prefácio à 2.ª edição, menciona a dupla valência da crítica (Kant, 2008 (1787): Bxxiii-xxiv). Para Kant a crítica é simultaneamente negativa e positiva. O seu lado negativo consiste, obviamente, na denúncia dos usos ilegítimos da razão; porém, ao depurar a razão destes usos, o lado positivo aparece: o de libertá-la para um uso legítimo, impondo-lhe o mais adequadamente possível os seus limites.
Uma das hipóteses que gostaria de explorar aqui é a de a razão populista ser especialmente atreita a uma lógica de exacerbação dos antagonismos que se torna excludente e atentatória dos valores das sociedades liberais que, embora contingentes na sua formulação específica, como Laclau assinala, são as nossas. E, para o fazer, adotarei a terminologia da Teoria Crítica, recuperando as análises de Axel Honneth. Segundo Honneth (2009), podem entender-se as críticas de alguns dos autores mais importantes da Escola de Frankfurt (a saber: Horkheimer, Adorno, Marcuse e Habermas) como estando ancoradas na identificação de distorções no processo de desenvolvimento da razão na sociedade. Como é óbvio, também Honneth se reconhece nesta descrição, embora admita a necessidade de adaptar este quadro teórico aos fenómenos contemporâneos. A patologia, neste caso, consiste na distância que vai entre o “potencial da razão” e a forma como este potencial falha muitas vezes em ser instanciado. Um exemplo claro aqui poderia ser a discrepância entre aquilo a que nominalmente aderimos e aceitamos como fazendo parte do núcleo essencial de valores a que aderimos enquanto sociedade, e a forma como depois, na prática, esses valores não são respeitados. Este fenómeno, nos termos de Honneth (2009), seria claramente uma patologia social e, na medida em que pressupõe uma instanciação falhada de um objetivo que seria, em si, racional, configuraria igualmente uma patologia da razão.
De forma mais específica, Honneth atribui a este conjunto de autores que denunciam as patologias da razão um alvo de crítica comum, a saber, a forma específica como a racionalidade moderna se deixou influenciar, em termos teóricos e sociais, pelo desenvolvimento do capitalismo. Um exemplo claro é a denúncia da reificação que é feita por Lukács, e que depois teve influência significativa em Adorno e Horkheimer: o sistema objetivo de troca e de busca de lucro e manipulação de bens promovido pelo capitalismo tende a desenvolver nos indivíduos uma mentalidade estratégica na qual, em última instância, não são só os bens que são tratados como objetos de troca, são também as pessoas que acabam por ser consideradas como “coisas” e submetidas a um tratamento instrumental.
Honneth também considera que estas patologias causam aquilo a que chama “sofrimento social”, isto é, um tipo de sofrimento que atinge diferentes indivíduos nas suas vidas pessoais mas que, em última instância, tem causas que são endémicas às próprias sociedades; e, finalmente, relembra que a especificidade da Teoria Crítica é a de procurar, por assim dizer, um alívio destes sintomas, uma emancipação em relação às condições sociais patológicas que, se bem-sucedida, seria igualmente um avanço da razão no sentido certo, uma correção da sua instanciação, que deixaria portanto de ser patológica. Cabe igualmente lembrar que a noção de razão é polissémica, e que parte das consequências patológicas do seu exercício pode derivar de uma compreensão inadequada das suas potencialidades. Daí a necessidade da crítica. Em resumo, pode dizer-se que tal esforço crítico, a ser bem-sucedido, deve passar por uma vigilância permanente que, mais do que aplicar uma esquematização categorial preconcebida à realidade social, tem de apontar hic et nunc os fenómenos patológicos. De um diagnóstico correto dos usos abusivos, injustos ou reificados de razão, inclusive nos seus possíveis efeitos perniciosos a um nível ético e político, é que poderá decorrer uma conceção de razão mais justa.
E é neste ponto que é possível perceber a ligação com o populismo. É que, se a razão pode ser emancipatória, também pode ser violenta e persecutória, como a primeira geração da Escola de Frankfurt bem percebeu. O percurso feito até aqui com Laclau permitiu a perceção de como uma lógica antagónica, agonística, está na base do próprio processo democrático. Porém, ocupar o significante vazio com uma panóplia de inimigos é, em si mesmo, uma ameaça à democracia. Por outro lado, a lógica representacional e simbólica que forma o horizonte de funcionamento das nossas sociedades – ou, como Castoriadis (1975) diria, a relação entre o instituinte e o instituído – tem uma consubstanciação muito prática nos quadros normativos pelos quais nos regemos e nas narrativas que suportam as nossas opções políticas e enformam, até certo ponto, as nossas identidades coletivas (e, logo, ajudam a desenvolver os processos de subjetivação que foram relembrados acima).
Neste sentido, a lógica política populista pode ser importantíssima na quebra da “tirania do dado”. E isto porque existem vantagens na perceção do carácter eminentemente contingente de qualquer ordem política. Pensar na radical novidade e fragilidade da ação humana implica a desnaturalização do statu quo, com todas as consequências que isso pode ter. Por um lado, qualquer ordem vigente que se pretenda sem alternativa é ideológica, em sentido patológico, como mostra Ricœur (1986). Assim sendo, a contestação, mesmo aquela que assume a forma populista, pode pelo menos ter a virtude de chamar a atenção para os pontos cegos da situação atual e ajudar a evitar a reprodução social de situações que, muitas vezes, podem ser injustas – embora se possa igualmente dizer, de passagem, que alterar a ordem anterior também não é necessariamente desejável, sobretudo se isso implicar destruir frágeis conquistas.
Porém, o sentimento anti-establishment pode muitas vezes ser capitalizado por um tipo de populismo ao qual se pode de facto chamar patológico, que capitaliza um sentimento que muitas vezes é legítimo. Pense-se agora a partir de um exemplo concreto. Como é sabido, a globalização económica, com a sua conjunção muito específica de mercados e sociedades abertas, teve um impacto brutal na redistribuição da riqueza pelo mundo. E se reduziu, como é óbvio, imenso a pobreza absoluta à escala global também é verdade que gerou os seus deserdados e fomentou, sobretudo nos países com economias mais desenvolvidas (pense-se no eixo transatlântico) um aumento das desigualdades. O triunfo de Trump entre o operariado branco da chamada “cintura de ferrugem” americana ou a popularidade da Frente Nacional em França não se conseguem compreender sem este fator. E à capacidade de mobilização que têm tido não é alheia a dificuldade de os partidos de esquerda produzirem um discurso para as classes trabalhadoras que faziam parte do seu eleitorado tradicional. De facto, não é preciso procurar com muito afinco para, na ressaca da crise do subprime e das dívidas soberanas, encontrar discursos de enfado ou mesmo de revolta perante “os burocratas”, seja em Bruxelas ou em Washington, alguns não eleitos e por isso com défice de legitimidade democrática, outros eleitos mas sem que isso esconda algum grau de descontentamento com uma democracia meramente formal onde se exerce o direito de voto para em seguida se perceber que a capacidade real de mudança é severamente limitada. É nesse pano de fundo que o discurso populista, feliz ou infelizmente, muitas vezes faz sentido, tem razão de ser. O que não quer dizer, por outro lado, que seja desejável ou esteja correto.
Aquilo que me parece fulcral enfatizar é que é importante que não nos enganemos de adversário. Reunir, na mesma etiqueta, Bernie Sanders e Donald Trump, o Podemos e Marine Le Pen não revela apenas falta de rigor; é também, até certo ponto, intelectualmente desonesto, porque tende a emanar de um tipo de posição que parece ter interesse na manutenção de uma ordem de coisas exatamente como está constituída, elidindo assim qualquer hipótese de alternativa racional, atirando-a para fora das margens do pensável e, logo, do legítimo. Mas não haverá uma diferença incomensurável entre, por um lado, agendas progressistas, que se pautem por discursos e propostas inclusivas, de crítica ao sistema atual mas que, ao mesmo tempo, visam a melhoria real de condições de vida de todos, isto é, do “povo” em geral e o alargamento da esfera de direitos universais e, por outro, o discurso xenófobo, racista e autoritário que exacerba, precisamente, a figura do inimigo e, logo, a operação de exclusão? E não será que este segundo fenómeno tem de ser denunciado, e rejeitado, com muito mais força do que o primeiro, por corresponder precisamente a uma patologia e, se se quiser, uma “patologia da razão”?
Parece-me, por conseguinte, que a verdadeira ameaça não é o “populismo”, como se se pudesse opor um conhecimento político alegadamente especializado – e que, na cabeça dos apoiantes destes movimentos, não é só arrogante como também paternalista e, logo, passível de gerar revolta – às alternativas discursivas e políticas que tentam falar às grandes camadas de população descontentes com o rumo que as coisas levam. A verdadeira ameaça é, isso sim, o tipo de populismo autoritário de direita que é atentatório dos princípios inclusivos que fundam as nossas sociedades democráticas. Porque é este o tipo de populismo que multiplica os inimigos por toda a parte e é ele que ameaça a inclusão nas nossas sociedades democráticas. Entendamo-nos: não é que uma sociedade totalmente reconciliada seja possível, como Laclau mostra. Não é que sejamos impermeáveis à influência da esfera do económico sobre o político, obviamente não o somos, e a escolha democrática é sempre mais ou menos coartada por influências que são extrapolíticas. Mas a forma como se lida ou não com este problema é que faz a diferença. Construir narrativas que encontrem bodes expiatórios – as minorias, o “outro” racial, sexual, ou estrangeiro –, multiplicando as metáforas de exclusão e levando, como consequência, a uma possível regressão nos direitos e conquistas sociais, isso, sim, é uma patologia da razão que ameaça a democracia. E coloca um dos desafios mais sérios, hoje em dia, não só às ciências sociais críticas (que devem contribuir para a denunciar) como à democracia em geral. Contudo, hoje, como há 80 anos, talvez possamos estar à altura de o enfrentar.
Conclusão
No termo desta breve reflexão, espero ter conseguido demonstrar que o populismo não é um fenómeno que deva ser remetido para o domínio do irracional e que, pelo contrário, é preciso compreender a sua racionalidade específica, a “razão populista”, em sentido próprio para, em seguida, compreender a sua razão de ser e a legitimidade da existência de tipos de discurso “populista” bem fundados – como os discursos progressistas de um Bernie Sanders, por exemplo – e, por outro lado, em nome de valores como a tolerância e a inclusão nas sociedades democráticas, rejeitar os discursos populistas patológicos (como os que estão normalmente associados ao populismo de extrema-direita) que, obviamente, não passam o teste do paradoxo da tolerância – em democracia, tolera-se tudo, menos o que é intolerável, isto é, aquilo que precisamente exclui, oprime e é instrumento de violência, simbólica ou real.
O que fazer para ajudar a prevenir este fenómeno? Habermas (2016) advoga que, para combater este tipo de populismo é necessário que os partidos tradicionais voltem a ter programas políticos suficientemente diferenciados entre si e não tenham medo de enfrentar as questões decisivas. Por exemplo, como conseguir reformular a globalização e a regulação financeira num contexto em que a tendência para o nacionalismo, o isolacionismo e, quem sabe, o protecionismo, ressurgem com força. De forma complementar, parece-me também que aquilo de que precisamos é de uma renovada pedagogia democrática que permita, na medida do possível, que todos consigam exercer um exame crítico das alternativas que se lhes deparam, sejam elas mais tradicionais ou mais inovadoras, mais “elitistas” ou mais “populistas”. Uma prática mais substancial da democracia como exercício da escolha do bem comum, tal como é defendida por Charles Taylor (apud Rothman, 2016).
Isso significa não temer necessariamente o populismo, mas compreendê-lo e confrontar as suas causas. Deixar que ele nos leve a alterar o que deve ser alterado sem que com isso se perca o que deve ser protegido e estimado. Separar, como disse no início, o trigo do joio. Saibamos nós contribuir para esse exercício de análise crítica, e metade do nosso trabalho estará feito.
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Artigo recebido a 31.07.2017 Aprovado para publicação a 17.07.2018
NOTAS
* Este artigo foi desenvolvido com o apoio concedido pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito da Bolsa de pós-doutoramento com a referência SFRH/BPD/102949/2014.
1 Todas as traduções são do autor.documents online.