Publicado em março de 2021, The Fight against Platform Capitalism: An Inquiry into the Global Struggles of the Gig Economy, de Jamie Woodcock, traz consigo o impulso de tentar compreender as alternativas encontradas pelos trabalhadores para resistir e se organizar no contexto do capitalismo de plataforma. O autor busca adaptar o operaísmo italiano ao contexto digital, através de uma investigação destes trabalhadores a partir da composição de classe e as potenciais formas de resistência possíveis nessa conjuntura. Woodcock argumenta que as plataformas, ao invés de destruir a agência dos trabalhadores, os muniram com o aparato técnico que permitiria a emergência de novas lutas globais contra o capitalismo.
O movimento designado por operaísmo surge no contexto do pós-Segunda Guerra Mundial, em Itália. Nesse momento, o país passava por uma onda de industrialização que alterou profundamente o seu quadro social e econômico. A busca de saídas para a crise no trabalho era pensada no âmbito da sociologia industrial1 e as análises tinham também em consideração as experiências de luta dos trabalhadores. Daí a importância dada ao operaísmo, que procurava entender as lutas cotidianas da classe trabalhadora diretamente do chão da fábrica.
Dois elementos são importantes para entender o movimento: a recuperação metodológica de “A Worker’s Inquiry”, formulado por Marx, e o desenvolvimento da noção de composição de classe. Esta última consiste na junção da composição técnica - a organização do trabalho, a dinâmica interna e a colaboração entre os trabalhadores - e da composição política dos operários. A incorporação da componente política é compartilhada com a Tendência Johnson-Forest, que compreendia que havia vida proletária para além da fábrica, e que ela era importante e deveria ser trazida para dentro do espaço de compreensão da cooperação fabril.2
Hoje, no contexto do capitalismo de plataforma, busca-se compreender os impactos das novas técnicas de gestão, da gamificação, da plataformização e da dificuldade de se aplicar as legislações trabalhistas existentes. As plataformas também aprofundam formas atomizadas de trabalho, com remuneração variável e flexibilidade. E é no seio dessas mudanças que emergem novas formas de sociabilidades, organizações coletivas e lutas.
No capítulo 2, Woodcock propõe revisitar os métodos de pesquisa feitos a partir da investigação com trabalhadores e também as teorias da composição de classes do operaísmo como se fosse um framework. O objetivo é compreender as novas subjetividades nas lutas contra o capital que surgem nesse contexto digital. Percebe-se que o livro tenta se afastar do fetichismo tecnológico e propõe uma aproximação com a atividade dos trabalhadores e com o facto de as suas realidades laborais poderem convergir e fomentar a possibilidade de resistências. A obra tenta também expor o facto de que, apesar da importância das novas formas de organização do trabalho, estas não são totalizantes e não determinam uma aceitação passiva por parte dos indivíduos.
A partir de pesquisa realizada na África do Sul, nos Estados Unidos na Índia e no Reino Unido, os capítulos 3 e 4 abordam respetivamente os trabalhadores de transporte on-demand (entregadores e motoristas) e os trabalhadores online (freelancers e crowdworkers) e suas lutas concretas. Aqui cabe uma diferenciação entre esses dois grupos: enquanto os primeiros têm uma rotina de trabalho localizada num determinado espaço geográfico, os últimos podem trabalhar de forma deslocalizada e não precisam de estar fisicamente presentes no local onde a demanda de trabalho se realiza. Estes dois capítulos abordam as composições técnica, social e política desses trabalhadores, bem como a forma como as lutas e as resistências se organizam nesse contexto. A contribuição do livro nessa área é justamente a incorporação da composição social, que era inexistente na formulação original do operaísmo. De acordo com a obra, para utilizar a composição de classe no século xxi seria necessário adaptá-la, e a incorporação do elemento social é entendida como importante para atingir esse objetivo. Os trabalhadores trazem para a sua ocupação profissional as relações sociais já estabelecidas e a forma como ocupam o tempo livre.
No capítulo 5, Woodcock argumenta que a resistência dos trabalhadores ocorre desde o primeiro dia em que passam a trabalhar nas plataformas bem como no dia a dia nas lutas na rotina de trabalho. Essa ampliação no entendimento das formas de resistência pode envolver incivilidade, sabotagem, desativação intencional do aplicativo ou qualquer outro tipo de comportamento que não seja aquele esperado no ambiente de trabalho. Para o autor, esses tipos de atitudes individuais são muitas vezes a origem da organização coletiva e de resistência. São nas más condições de trabalho, no gerenciamento despótico do algoritmo, na baixa remuneração, nos bloqueios injustificados e em diversas outras situações e dificuldades que nasce uma solidariedade geral que pode resultar em uma ação coletiva.
O livro apresenta três respostas empíricas sobre como o operaísmo digital pode ajudar a entender melhor a economia de plataforma e as resistências que lhe estão associadas. A primeira é a respeito do uso generalizado da aplicação WhatsApp como meio de comunicação entre os trabalhadores - na investigação de Woodcock foi possível perceber que a categoria dos trabalhadores se informa, faz queixas, demonstra solidariedade e organiza mobilizações a partir dessa ferramenta. Na percepção do autor, esses grupos criados no WhatsApp pavimentam o caminho para uma luta mais ampla. Na segunda, Woodcock demonstra que existe uma propensão natural desses trabalhadores em se engajar em greves, justamente pela falta de vínculo formal com o empregador - o que os coloca em uma situação onde não são limitados com restrições legais à greve (existentes em determinados países, como é o caso no Reino Unido). A terceira resposta é a de que o capitalismo de plataforma criou um espaço para uma solidariedade transnacional que permite, a partir das redes sociais, uma maior aproximação e um maior engajamento no que toca às lutas dos trabalhadores.
Na sequência do capítulo 5, salientamos algumas considerações. Em relação aos grupos de WhatsApp, é necessário pensar, a despeito da sua óbvia importância, o quão dependente se pode ficar de tecnologias que fazem parte desse ecossistema de plataforma e o quão vulneráveis estão essas comunicações nessas redes. Por exemplo, pode-se refletir acerca da dificuldade de acesso à internet em algumas situações, como no caso de trabalhadores que têm um plano de dados limitado e que não conseguem se manter conectados constantemente. Sobre a propensão dos trabalhadores a fazerem greve, podem existir algumas dificuldades, como potenciais represálias para quem participou nas mesmas, seja por exemplo a redução no número de demandas ou o bloqueio injustificado.
O livro é um importante contributo no entendimento da nova forma de organização coletiva dos trabalhadores de plataforma. Revela-se uma alternativa essencial à grande ênfase que é dada aos estudos das novas formas de gerenciamento algorítmico e ao uso das tecnologias em detrimento do estudo a partir dos próprios trabalhadores e como estes se relacionam com essas novas condições de trabalho. A utilização dos métodos do operaísmo italiano revelam-se ferramentas importantes nesse objetivo. Trata-se, portanto, de uma leitura oportuna na constituição de um arcabouço que coloque o trabalhador como centro das discussões da nova morfologia do mundo do trabalho.