A obra em análise1 é uma homenagem a João Cunha Serra, sindicalista e professor (aposentado) do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa. Coordenada por André Carmo, ele próprio sindicalista e professor universitário assim como camarada do homenageado no Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL) - organização filiada na Federação Nacional dos Professores (FENPROF) - que financia a edição, esta obra foi editada em Maio de 2023 pela Outro Modo, uma cooperativa cultural que o homenageado ajudou a fundar e que tem trazido a lume livros sobre a actualidade política e económico-social onde o trabalho é possivelmente o tema mais recorrente.
A obra, com 200 páginas, está estruturada em três partes distintas: a primeira é composta por dois textos de carácter histórico e teórico que fornecem uma visão global do contexto do ensino superior, das lutas sindicais e da identidade profissional do docente do ensino superior ao longo do período democrático em Portugal; a segunda parte apresenta 53 testemunhos de gerações, instituições e quadrantes políticos distintos, de alunos, colegas de faculdade e de profissão, sindicalistas, reitores, ministros, entre outros, que em textos curtos realçam competências e valores, relatam experiências marcantes, mencionam aprendizagens, admiração e até o incentivo que o homenageado lhes deu para se tornarem sindicalistas; a terceira parte é uma selecção de fotografias do arquivo do SPGL que retratam João Cunha Serra entre 1990 e 2023.
Esta homenagem merece uma leitura atenta dos interessados pelo mundo do trabalho e pelas relações laborais em particular, antes de mais porque é a celebração da vida de um sindicalista. O trabalho sindical não será dos mais apreciados pelo grande público e é sabido que é indissociável da defesa de interesses colectivos, pelo que não é habitual que os indivíduos sobressaiam. No entanto, a “lei social” leva a que alguns sindicalistas tenham, na prática, um papel fundamental na mobilização e defesa desses interesses colectivos. Esta obra tira, pois, da “sombra” o envolvimento de um sindicalista, de resto ainda no activo, que foi determinante para a existência de representação sindical no sector do ensino superior.
Uma segunda razão para nos debruçarmos sobre esta obra é a oportunidade de reflectir sobre o sector do ensino superior, a participação dos seus profissionais e o seu sindicalismo através do percurso de um homem que atravessa todo o período democrático e que esteve envolvido quer na preparação do quadro normativo quer na reestruturação universitária em Lisboa. Destacamos o primeiro capítulo, da autoria do historiador João Pedro Santos e do sociólogo José Nuno Matos, por abordar a emergência das principais estruturas sindicais do sector e a relação que foram estabelecendo entre si. Poder-se-ia dizer que este capítulo apresenta um aparente paradoxo, confirmado em diversos momentos da obra: a fraca participação sindical de docentes e investigadores não demoveu a criação de novas estruturas sindicais.
Esta obra apresenta um caso paradigmático de fraco envolvimento na acção colectiva e de fragmentação sindical, traços característicos do nosso sistema de relações laborais - no caso concreto com pontuais convergências, como aquando da criação da Plataforma Reivindicativa Comum em 1995. E fornece evidência da falsidade de um pressuposto frequente, a de que os sindicatos representam a totalidade dos trabalhadores.2 De facto, vários testemunhos reunidos, desde logo o de João Cunha Serra, mostram como o departamento de ensino superior do SPGL é e foi secundarizado face aos outros graus de ensino dentro do sindicato. Este é sem dúvida um dos desafios internos que os sindicatos enfrentam: a gestão de interesses conflituantes no seu seio.
Ganha, deste modo, maior força a homenagem a quem manteve o departamento do ensino superior dentro do que será o maior sindicato português da educação e graças a quem os interesses colectivos de docentes e investigadores do ensino superior têm tido “voz”.