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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.134 Coimbra jun. 2024  Epub 30-Set-2024

https://doi.org/10.4000/12g0q 

Artigos

Panorama da ação política da CUT (2012-2022) e desafios de revitalização sindical

Overview of CUT Political Action (2012 to 2022) and Challenges to Trade Union Revitalization

Aperçu de l’action politique de la CUT (2012-2022) et défis de la revitalisation syndicale

Fernanda Forte de Carvalho1 
http://orcid.org/0000-0002-7662-8502

1 Programa de Pós-graduação em Sociologia, Departamento de Ciências Sociais, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Brasil, fernandaforte@uel.br


Resumo

Neste artigo, apresentamos um panorama da ação política do sindicalismo ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Brasil, compreendendo o período de 2012 a 2022, refletindo acerca da mudança de posicionamento dessa central, passando da cooperação com os governos petistas para uma ação de confrontação aos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, em um momento de acentuada crise sindical e de busca por proposição de iniciativas de reforço dos poderes sindicais. Nas considerações finais, apontamos alguns desafios de revitalização sindical dirigidos ao sindicalismo brasileiro.

Palavras-chave: ação política; Brasil; Central Única dos Trabalhadores (CUT); sindicalismo

Abstract

In this article, we present an overview of the political action of trade unionism linked to the Central Única dos Trabalhadores - CUT [Unified Workers, Central] in Brazil, covering the period of 2012 to 2022 and reflecting upon the change in position of this trade union, moving from cooperation with Partido dos Trabalhadores governments to confrontational action with the Temer and Bolsonaro governments, against the backdrop of an acute trade union crisis and a search for initiatives to reinforce trade union powers. In the final considerations, we point out some challenges of union revitalization directed at Brazilian trade unionism.

Keywords: Brazil; Central Única dos Trabalhadores (CUT); political action; syndicalism

Résumé

Dans cet article, nous présentons un aperçu de l’action politique du syndicalisme lié à la Central Única dos Trabalhadores - CUT [Centrale unique des travailleurs] au Brésil, couvrant la période de 2012 à 2022, en réfléchissant au changement de positionnement de cette centrale, qui est passée de la coopération avec les gouvernements du Partido dos Trabalhadores à la confrontation avec les gouvernements de Michel Temer et de Jair Bolsonaro, dans une période de crise syndicale accentuée et de recherche d’initiatives pour renforcer les pouvoirs syndicaux. Dans nos remarques finales, nous soulignons certains des défis auxquels le syndicalisme brésilien est confronté en termes de revitalisation syndicale.

Mots-clés: action politique; Brésil; Central Única dos Trabalhadores (CUT); syndicalisme

Introdução

O avanço lento, mas consistente, de setores progressistas no interior da estrutura sindical criada no Brasil no período do Estado Novo1 não pode ser desprezado, sendo exemplos dessa resistência as greves de Contagem e Osasco (Ladosky & Oliveira, 2014), que representaram “o nosso 1968 operário” (Rodrigues & Santana, 2018, p. 3). Em suma, a nova perspectiva de ação sindical que se esboçava consolidou-se uma década depois com a entrada do novo sindicalismo na cena política do país, com destaque para a ação do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo que, sob a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva junto às oposições sindicais e com os novos movimentos sociais, contrapôs-se à ditadura militar, politizando espaços antes silenciados na esfera privada e fundando o Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980 e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1983 (Antunes, 1995; Sader, 1988/2001).

Desde a sua origem que a CUT defende a organização sindical por ramo de atividade econômica, representando a união entre os sindicatos, a federação e a confederação. De forma concomitante, desde 2012, essa central vem buscando consolidar a organização desses ramos por macrossetores (indústria; comércio, serviços e logística; rural; serviço público). Além disso, nos dias atuais, ainda consta em seu estatuto e regimento interno motes como a defesa da liberdade e autonomia sindical, a organização no local de trabalho, a democratização das relações de trabalho e mudanças na estrutura sindical, visando alterar aspectos da prática sindical corporativista e dependente do Estado, etc., por meio de um programa de lutas que reúne demandas de caráter trabalhista com outras de reforma social mais radical em direção a alguma forma de socialismo (Antunes, 1995; Rodrigues, 1990).

Contudo, desde a década de 1990 há uma certa acomodação da CUT à estrutura sindical reformada (Rodrigues, 1997). Esse quadro, associado aos processos de renovação do capitalismo que, desde o final dos anos 1960, fomenta a transferência do emprego para o setor de serviços, “quebra” segmentos tradicionalmente sindicalizados, precariza as relações de trabalho, desencadeia constantes alterações nos modos de representação e nas formas de gestão da força de trabalho (Boltanski & Chiapello, 2020), possibilita que poucas empresas - principalmente por meio de plataformas - gerenciem multidões de trabalhadores just-in-time que padecem da escravidão digital (Abílio et al., 2021; Antunes, 2020; Soeiro et al., 2022). No Brasil essa realidade está sendo agravada pelos efeitos da reforma trabalhista que, desde a sua aprovação em 2017, vem impondo uma nova legislação, ampliando a precariedade laboral, enfraquecendo os sindicatos e a Justiça do Trabalho, instituindo um padrão de regulação social do trabalho de viés liberal (DIEESE, 2017; Galvão et al., 2017; Krein, 2018).

Dessa forma, de acordo com Costa et al. (2020), cresce a percepção de crise de sindicalismos (no plural), afetando a organização sindical em nível global, porém em intensidade variável consoante a posição do país no sistema mundial e os seus modelos de regulação das relações de trabalho. Essa percepção de crise também está associada ao enfraquecimento da capacidade de regulação dos sindicalismos no plano nacional, nas economias do Norte e do Sul global (Fichter et al., 2018), introduzindo desafios particulares ao sindicalismo de base industrial e urbana pois, com o declínio dos antigos arranjos corporativistas e das parcerias com empregadores (em geral, circunscritas ao espaço nacional), vê-se que os sindicatos já não constituem um mecanismo viável para defender os interesses dos trabalhadores a nível local e global (Munck, 2010).

Todavia, há debates que indicam que as mudanças no sistema capitalista, e o crescimento da flexibilização em processos de produção e de serviços conectados em rede, podem criar novos espaços de resistência desde que o sindicalismo avance em direção à redescoberta democrática do trabalho, cumprindo a condição de reinventar-se e de tornar o trabalho um pilar de sustentação da cidadania (Santos, 2002). Nessa perspectiva alinham-se os estudos sobre as estratégias de revitalização sindical que, em geral, buscam respostas sindicais inovadoras do nível local ao global, visando o fortalecimento dos poderes sindicais (Costa et al., 2020; Frege & Kelly, 2004; Gumbrell-McCormick & Hyman, 2013; Schmalz et al., 2018) como forma de potencializar ações que confrontem o capitalismo do século xxi e funcionem como janelas de oportunidades (Fichter et al., 2018) no sentido de assegurar a participação ativa do sindicalismo no atual mundo do trabalho.

A abordagem dos poderes sindicais remete à capacidade estratégica dos sindicatos em transcender as crises e reinventar modos de mobilização através do reforço do: poder estrutural, que está ligado à capacidade de restringir a valorização do capital, emergindo da posição que os trabalhadores ocupam no mercado de trabalho ou no processo produtivo; poder associativo, relacionado com a eficiência organizativa, participação, coesão interna, filiação de novas organizações e membros com vistas a diversificação da composição social; poder institucional, associado à capacidade de representação dos trabalhadores de influenciar nas negociações coletivas e nas estratégias de ação dos atores políticos, sendo particularmente sensível as condições econômicas e ao quadro jurídico vigente (existência de legislação laboral reconhecida quer por estruturas de cogestão, quer por acordos coletivos); poder societal, que remete à cooperação com outros grupos sociais e organizações (poder colaborativo) e se relaciona com a capacidade dos sindicatos fornecerem padrões de interpretação em torno de questões controversas influenciando com êxito o discurso público e agendas estratégicas. Esse conjunto de poderes em exercício visa redinamizar o poder abalado dos sindicatos e renovar a confiança nessas instituições (Costa et al., 2020).

Em complemento a vários estudos que refletiram acerca do sindicalismo na “era Lula” (Carvalho & Costa, 2018; Krein & Dias, 2018; Ladosky, 2009; Ladosky & Rodrigues, 2018; Oliveira et al., 2014) e visando traçar um panorama da atuação política do sindicalismo ligado à CUT de 2012 a 2022, neste artigo a estratégia metodológica apoia-se na recolha de dados preexistentes (em ampla medida disponibilizados online pelo Centro de Documentação da CUT). Nesse sentido, recorremos aos cadernos de resoluções de congressos e plenárias que são momentos decisórios da política nacional dessa central sindical, e analisamos os relatórios das pesquisas sobre o perfil dos dirigentes sindicais eleitos delegados ao 11.º (2012), 12.º (2015) e 13.º (2019) Congressos Nacionais da CUT (CONCUT). As pesquisas foram realizadas pelo Instituto Observatório Social, o Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho e a Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista. Além disso, detemo-nos na análise de materiais das Secretarias da CUT em temas de interesse, tais como a agenda pelo desenvolvimento e a organização sindical.

Na primeira seção que se segue recuperamos os principais aspectos da ação política dessa central sindical entre 2012 e 2015, período do seu reconhecimento legal com acesso ao imposto sindical e marcado por estratégias sindicais “pró-governo” do PT (Carvalho & Costa, 2018), ainda que por vezes marcadas por dinâmicas de cooperação conflitiva (Rodrigues, 1995) e atravessadas por dilemas tanto em relação à busca pelo crescimento em espaços extrassindicais e à própria estrutura sindical vigente (Carvalho, 2013). Na segunda seção mostramos a mudança de posicionamento da CUT após o golpe parlamentar de abril de 2016 (Avritzer, 2019; Santos, 2017), refletindo acerca da crise do sindicalismo com o fim dos governos do PT e sobre a tentativa de reforço de estratégias confrontacionistas (Rodrigues, 1995) e dos poderes sindicais (Costa et al., 2020) frente à ascensão dos governos de Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2019-2022). Por fim, na conclusão, lançamos alguns desafios de revitalização sindical com ênfase no caso da CUT.

1. A ação sindical “cidadã” da CUT (2012-2015)

Na CUT a busca por cidadania teve como reforço o novo arranjo jurídico-político, consumado com a Constituição de 1988 e a aprovação de um novo Estatuto nesse mesmo ano durante o 3.º CONCUT em Belo Horizonte, Minas Gerais. A partir daí criaram-se as bases para o exercício de uma prática sindical menos movimentista e mais institucional (Rodrigues, 1997). Assim, na década de 1990, a postura sindical se expressava de uma forma menos conflitiva ou confrontacionista em relação aos empresários e governos (Oliveira, 2002; Rodrigues, 1995) a partir da afirmação do conceito de Sindicato Cidadão (Nascimento, 1998; Oliveira, 2002), que propugnava um tipo de sindicalismo que visava extrapolar os marcos do corporativismo.

Entretanto, frente a algumas resistências internas derivadas da própria diversidade social e política da CUT, a prática sindical cidadã foi gradativamente se afirmando. Isto ocorreu sob forte influência da ação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que já sentia os efeitos da reconversão industrial e da Articulação Sindical (agrupamento político majoritário) em favor da sua atuação em agendas relacionadas a direitos sociais, a economia solidária, ao desenvolvimento solidário e sustentável, etc., avançando em campos políticos antes não inclusos na agenda prioritária da CUT (Nascimento, 1998; Oliveira, 2002).

A ação sindical cidadã foi alargada, principalmente, no período dos governos do PT, por meio da participação na governança pública e das amplas relações com a sociedade civil, realidade que veio a reforçar a luta pela ampliação de direitos (Antunes & Silva, 2015; Carvalho, 2013; Krein & Dias, 2018; Ladosky & Rodrigues, 2018), por exemplo, em espaços de negociação de caráter tripartite (conselhos gestores, comissões nacionais etc.), e culminando no investimento da CUT na elaboração de agendas pelo desenvolvimento. Como exemplos podemos citar as Plataformas da Classe Trabalhadora (2008, 2010, 2012, 2014) e o Compromisso pelo Desenvolvimento (2015). Documentos que projetam uma abertura do campo sindical não só para as outras centrais sindicais2, mas sobretudo alargando os espaços de atuação sindical.

Essa perspectiva de ação política foi em grande medida favorecida pelo reconhecimento das centrais como parte integrante da estrutura sindical. A partir daí as centrais obtiveram o direito à participação formal em espaços de diálogo social3 e passaram a receber 10% dos recursos do imposto sindical4 conforme a política de aferição do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Em específico, no caso da CUT, havia o desafio de fazer uma ação política com um certo grau de autonomia em relação aos governos do PT. Nesse sentido, verificamos que a cooperação conflitiva (Rodrigues, 1995) foi uma estratégia de pressão frequentemente acionada pela CUT, principalmente na relação com o MTE que era o principal “canal” de negociação e resolução dos conflitos entre as centrais e o governo. Um exemplo dessa prática política foram as marchas pela valorização do salário mínimo, organizadas de 2004 a 2015, em Brasília.

Daí a origem sindical e petista de muitos ministros do Trabalho no período dos governos do PT, como por exemplo: Jacques Vagner, Ricardo Berzoini, Luiz Marinho (ex-presidente da CUT) e Miguel Rossetto. Recorde-se que as proposições presentes nas agendas das centrais tiveram origem nos grupos de trabalho do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, reforçando a proximidade que havia entre as cúpulas sindicais (direções) e os governos do PT, constituindo uma linguagem homogênea e a aplicação de uma política cuja orientação foi marcada pela unidade entre as centrais sindicais e os governos (Carvalho, 2013). Em síntese, se trata do dilema da autonomia dos sindicatos como atores econômicos e políticos, ou seja, é uma relação complexa e, por vezes, contraditória que varia consoante os países, os governos e ao longo do tempo (Bernaciak et al., 2014).

A ampla participação nacional em conselhos gestores em tese facilitaria a propagação e negociação dessa agenda pelo desenvolvimento. Contudo, os dirigentes da CUT atuantes em cargos de direção nos estados indicavam estar exauridos pelas pautas trabalhistas, logo, tinham pouca disponibilidade ou interesse em participar desses espaços de discussão de políticas públicas. Além disso, citaram a insuficiente formação técnica e política, as dificuldades na relação com as centrais e a falta de infraestrutura para atuar fora das grandes cidades como sendo fatores que os limitaram a intervir de forma qualificada nesses espaços de diálogo social e a dar continuidade à agenda pelo desenvolvimento (CUT, 2013a). De modo que, nos governos do PT, em uma conjuntura relativamente favorável aos trabalhadores, mesmo tendo a CUT logrado êxito em sua agenda trabalhista, aliando a demanda sindical com a expectativa governamental, ainda assim não conseguiu alcançar mudanças estruturais capazes de redefinir o modelo de desenvolvimento do país e um novo padrão de regulação do trabalho (Krein & Dias, 2018; Ladosky & Rodrigues, 2018).

De acordo com Carvalho (2013), para os dirigentes sindicais da CUT das cinco regiões do país, o imposto sindical devia ser utilizado como forma de luta numa situação de concorrência com as demais centrais sindicais. A acomodação a esse recurso pode ser constatada nas pesquisas aplicadas no 11.º e 12.º CONCUT, saltando de 7,8% para 17,5% o número de respondentes favoráveis à manutenção do imposto sindical (CUT, 2013b, 2016a). A utilização do imposto como parte das receitas é uma ação que se contrapõe ao que historicamente a CUT sempre defendeu, ou seja, é o dilema da autonomia em relação a quaisquer tipos de financiamentos oriundos de forma compulsória, sendo o Estado (no caso, o MTE) a fonte gerenciadora desse recurso distribuído anualmente pelas direções das centrais.

No interior da CUT, no sentido de evitar que o imposto se tornasse uma espécie de “moeda de troca” e dirimir as disputas pelo acesso ao recurso, a central sindical incentivava as suas representações nos estados e ramos de atividade econômica a apresentarem planos com ações focadas na qualificação de dirigentes e funcionários, na sindicalização (novos sócios) e na filiação (novos sindicatos). A aprovação dos planos era o que garantiria o acesso ao recurso compulsório. Entretanto, os efeitos mais imediatos foram a ampliação e manutenção da estrutura física e funcional (aquisição de carros, imóveis, contratação de funcionários, etc.), criação de novas secretarias e novos cargos para dirigentes sindicais com fraco diálogo e representatividade em suas bases sindicais (Carvalho & Costa, 2018). Esses efeitos contribuíram para impulsionar um tipo de reorganização institucional cujos elementos organizativos apontam para uma robustez da máquina sindical do topo até à base sem a necessária ampliação do poder associativo da CUT, e vale acrescentar que a taxa de sindicalização de 2003 até meados de 2016 manteve-se em aproximadamente 30% (CUT, 2017a), incluindo sócios de sindicatos com e sem registro sindical.

Nos governos de Dilma Rousseff (2011-2016) ocorreram mudanças na condução da agenda entre o governo e as centrais, de modo que a articulação política que contava com Lula e a sua liderança carismática (Weber, 2009) passou a ser gradativamente substituída por técnicos da Secretaria Geral da Presidência, gerando insatisfação no interior do sindicalismo, especialmente no setor público da CUT que também reprovava a incorporação do discurso e de práticas do setor privado na gestão pública (Carvalho, 2013). Em 2014, após a reeleição de Dilma Rousseff, em meio a denúncias de corrupção envolvendo a Petrobrás e políticos brasileiros, a então presidente aplicou uma política econômica mais ortodoxa e medidas de desconstrução de direitos, como mudanças no seguro-desemprego, no abono salarial, no auxílio-doença, etc., desagradando as bases das centrais. Associam-se a esse cenário os avanços na regulamentação da terceirização, acentuando posicionamentos políticos díspares entre as centrais, o que convergiu para acentuar a crise sindical e afetar negativamente a base de sustentação dos governos petistas.

Na CUT, por meio de um projeto em 20155 cujo foco era identificar estratégias sindicais internacionais inovadoras, verificou-se uma tentativa de buscar respostas para a crise em curso, visando reorientar a ação sindical no sentido de revitalizá-la de modo a ativar os poderes sindicais, mas esta ação não teve continuidade. Cabe mencionar que a única atividade realizada ocorreu na ocasião do 12.º CONCUT, momento em que as 73 entidades sindicais presentes no evento - 32 eram da América, 14 da África, 20 da Europa e sete da Ásia - responderam a um questionário sobre práticas de revitalização sindical. Os resultados a uma das perguntas mostraram que 71,2% afirmaram adotar essas práticas, 12,3% não adotavam, 5,5% não sabiam e 11% não responderam (CUT, 2017b). Entre as organizações internacionais que afirmaram desenvolver práticas de revitalização, 70% representavam trabalhadores formais e associavam o termo revitalização à disposição “clássica” do sindicalismo em momentos de crise, ou seja, racionalizar recursos, ampliar a base sindical (sócios), fortalecer a intervenção nas políticas públicas e na negociação coletiva (CUT, 2017b). Na seção seguinte, apresentaremos as principais estratégias desenvolvidas pela CUT a partir de 2016, refletindo acerca dos poderes sindicais aplicados por essa central nos governos de Temer e de Bolsonaro.

2. Estratégias da CUT e poderes sindicais em prática (2016 a 2022)

Nas lutas pré-impeachment entre as centrais sindicais via-se, por um lado, que a CUT, a CTB e os movimentos sociais atuantes nas Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, junto com partidos da base de apoio ao governo - a exemplo do PT e do Partido Comunista do Brasil -, conformaram uma estratégia de defesa do governo de Dilma Rousseff através de protestos com os lemas “#NãoVaiTerGolpe”, “Fica Dilma”, “#ForaCunha”, “Contra o impeachment e o ajuste fiscal” e, além disso, reivindicavam mais participação nas decisões do governo que teria se tornado muito burocrático na gestão de Dilma Rousseff (Carvalho, 2013). Por outro lado, cresciam as mobilizações nas redes sociais e nas ruas pedindo “Fora Dilma” e “Fora PT”, com a participação de lideranças das demais centrais sindicais.

Nesse contexto, com o intuito de fortalecer a relação social fechada nessa instituição (Weber, 2009), entre 2016 e 2017, a CUT organizou o ciclo de debates6 “Democracia e fortalecimento da organização sindical” que ocorreu no Distrito Federal e em 25 estados do Brasil (ficando apenas excluído o estado do Rio de Janeiro). Esse ciclo foi mais uma tentativa da CUT de fortalecer os poderes associativo e institucional (Costa et al., 2020), possibilitando aos sindicatos da central acesso à assessoria técnica, visando a regularização junto ao MTE bem como o reforço da institucionalização (Panebianco, 2005) por meio da incorporação dos princípios políticos da CUT nos seus sindicatos. A ação ocorreu em meio a um contexto de regressão social e de ataques à democracia que desafiava as instituições sindicais a sobreviverem (Marcelino & Galvão, 2020) e, podemos acrescentar, a instituírem práticas de revitalização sindical.

As propostas aprovadas foram pouco inovadoras e sem uma estratégia alargada voltada para a potencialização dos poderes sindicais com o objetivo de revitalização sindical. Como exemplos dessas propostas tivemos: 1) reproduzir o ciclo de debates em cidades do interior, incluindo temas sobre a organização de mulheres, jovens e combate ao racismo; 2) investir em formação voltada à preparação de eleições e de gestão da atividade sindical; 3) investir em comunicação sindical “direta” com materiais que mostrem “Quem é a CUT” e “para que serve”; 4) descentralizar as ações da CUT das capitais para o interior e obter a liberação integral de mais dirigentes para a atividade sindical; 5) incentivar a solidariedade interna e evitar a resolução dos conflitos na justiça; 6) debater sobre a organização de mototaxistas, pescadores, rodoviários, comerciários, domésticas, trabalhadores rurais, municipais, de asseio e conservação, e da Uber; 7) conquistar novos sindicatos e regularizar sindicatos junto ao MTE; 8) criar estratégias de organização no local de trabalho e de aproximação com a sociedade e com movimentos sociais (CUT, 2016b).

Após o impeachment, o sindicalismo brasileiro foi atravessado pelos efeitos da agenda denominada “Uma ponte para o futuro” (do Movimento Democrático Brasileiro), que tinha como finalidade a contraposição às políticas dos governos do PT quanto à retirada de direitos e à redução da proteção social, angariando o apoio da elite econômica ao programa ultraliberal liderado por Temer (Krein, 2018). No que tange à relação social da CUT com a sociedade, entre 2016 e 2022 verificou-se uma tentativa de reforço do poder societal a partir da busca por vocalizar as suas pautas em parceria com segmentos sociais não representados pela central por meio de ações de caráter contestatório e, em geral, em parceria com os movimentos sociais. Assim, a CUT elevou o tom confrontacionista e se posicionou contra a Emenda Constitucional n.º 957 e o congelamento dos gastos públicos; organizou uma greve geral em 2017 “Contra a reforma da Previdência” e “Contra a reforma trabalhista”; defendeu o “Impeachment já, fora Bolsonaro” e encampou a campanha “Lula livre”, priorizando uma agenda em defesa do ex-presidente, logrando êxito com a libertação de Lula no fim de 2019 e posterior vitória à presidência da República em 2022.

A reforma trabalhista decretou o fim do imposto sindical e, quando se compara a arrecadação da contribuição sindical do mês de abril de 2018 a de abril de 2017, nota-se uma queda de 90% entre as centrais sindicais e a ocorrência de mais de 8,3 mil demissões no conjunto das entidades sindicais (DIEESE, 2018). No caso da CUT, esta buscou reduzir de imediato o custeio da máquina sindical a partir do corte de recursos para mobilizações e demissões de funcionários (CUT, 2020a). Desde então, as fragilidades do sindicalismo vêm sendo mais expostas e, sob a ótica dos delegados no 13.º CONCUT (decorrido em 2019), os principais problemas eram: 1) perda de receita financeira (68,6%); 2) aumento da precarização (46,6%); 3) perda de filiados (44,6%); 4) maior dificuldade em concluir acordos e convenções coletivas (31,9%); 5) queda nas homologações acompanhadas pelo sindicato (30%) (CUT, 2020a).

Nesse sentido, quando questionados sobre quais as principais políticas que o sindicato está utilizando para superar a atual conjuntura (nessa altura ainda não havia despontado a pandemia de covid-19), os delegados do 13.º CONCUT responderam: 1) campanhas visando esclarecer os trabalhadores (92,6%); 2) atividades conjuntas com outros sindicatos e centrais (69,6%); 3) ações junto a outros movimentos sociais (52,1%); 4) pressionar políticos/parlamentares (47,3%); 5) greves e paralisações (46,9%); 6) participação em espaços tripartites (33%); 7) lutar contra o desemprego (27,9%); 8) negociar com os governos (24,1%); 9) ações com o movimento sindical internacional (19,4%); 10) denúncias junto da Organização Internacional do Trabalho e da Organização dos Estados Americanos (14,8%); 11) organização dos trabalhadores precários (14,0%); 12) lutar por mudanças na estrutura sindical/fim da unicidade (7,9%) (CUT, 2020a).

As respostas dão sinais de que as lutas ofensivas de outrora - orientadas para novas conquistas e novos direitos negociados principalmente na relação direta com os governos petistas, cederam espaço às lutas defensivas voltadas para a recuperação da perda de direitos (Carvalho & Costa, 2018). Daí o porquê de nas três primeiras posições os dirigentes se mostrarem mais favoráveis a desenvolver ações em articulação com a categoria profissional, centrais e movimentos sociais numa tentativa de reforço dos poderes associativo, institucional e societal. Já nas quatro últimas posições, depreende-se que para os sindicatos da CUT é ainda um desafio construir uma identidade transnacional (Costa, 2008) e aproveitar as brechas da estrutura sindical para organizar e representar os trabalhadores precários.

Estes resultados também podem ser associados ao perfil auferido em congressos da CUT que, comparativamente ao período 2009-2019, revela-se estável e é composto principalmente por funcionários públicos com estabilidade profissional ou assalariados do setor privado com contratos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho por tempo indeterminado, em ambos os casos com pessoas com alta escolaridade, bom tempo de permanência em cargos sindicais e que, considerando o viés antissindical do governo, optaram por uma atuação defensiva e ainda pouco afeita a estratégias de fundo voltadas para a revitalização sindical (Carvalho & Bicev, 2021). Contudo, quanto à distribuição dos dirigentes por gênero nota-se algum avanço, e isso pode ser um efeito da aprovação da paridade de gênero em 2012, pois o número de delegadas saltou de cerca de 38% em 2009 para 46% em 2019 e, nesse mesmo período, a delegação masculina passou de cerca de 62% para 54% (CUT, 2010, 2020a). Esses resultados demonstram que uma “elite” sindical que representa uma parcela da classe trabalhadora que atua em setores “protegidos” participa nos congressos da CUT, setores nos quais a organização sindical acabou por fazer diferença durante a pandemia, construindo alternativas para assegurar as condições básicas de trabalho e garantir a não exposição à contaminação, preservando a renda dos trabalhadores nos acordos de redução de jornada e de isolamento social, assegurando condições para o exercício do teletrabalho/home office, etc. (Bridi, 2020).

A ação sindical cidadã e o reforço do poder societal foi possível nas ocasiões em que os sindicatos da CUT, em unidade com as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, entregaram cestas básicas, máscaras, medicamentos, etc., para famílias em situação de vulnerabilidade social na fase mais aguda da pandemia. É importante destacar que, além dessa ação de caráter assistencial e pontual, a lacuna no âmbito da participação social gerada pela extinção nos conselhos de políticas públicas não previstos em lei, por meio do Decreto n.º 9.7598 sancionado em 2019, foi preenchida pela participação da CUT em fóruns de debates por região. Cabe mencionar as iniciativas das representações da CUT nos estados do Nordeste que, entre 2018 e 2022, contaram com os apoios de quatro governadores do PT e cinco governadores alinhados a esse partido. Nesses fóruns, principalmente durante a pandemia de covid-19, a ação da CUT em favor de uma agenda pelo desenvolvimento cedeu lugar a defesa de ações emergenciais voltadas para o enfrentamento da pandemia no campo e na cidade.

Em 2021, a CUT organizou a sua 16.ª Plenária Nacional totalmente “virtual”. Nos moldes organizativos da atividade prevaleceu o uso das tecnologias de comunicação digital, o que em tese abre uma oportunidade de revitalização sindical, sendo fundamental para isto que o sindicalismo digital converta o engajamento online em mobilização offline (Carneiro & Costa, 2020) já numa fase pós-pandemia. Nessa plenária online cuja temática geral era a “Defesa da vida, dos direitos, da democracia e da soberania”, a CUT elevou o tom confrontacionista e reforçou a sua posição contra o governo “genocida de Bolsonaro” (CUT, 2021). Além disso, a plenária objetivou refletir sobre os efeitos da pandemia na organização sindical da CUT. Nesse último ponto, o texto final da Direção, que por regra deve apresentar propostas consensuais entre os agrupamentos políticos dessa central sindical, culminou sem o apoio da própria base sindical.

Como exemplo dessa divisão interna, citamos a proposta de criação de entidades em conjunto outras centrais sindicais (ação que já havia sido refutada no 11.º CONCUT, em 2012) e a defesa da Proposta de Emenda à Constituição PEC 196/2019,9 que visa a regulamentação das relações de trabalho a partir da criação de um Conselho Nacional de Organização Sindical, de caráter bipartite e paritário, envolvendo representações do empresariado e de trabalhadores (CUT, 2021), e substituir funções que até então eram prerrogativas de órgãos do Estado. Vale dizer que, até o momento da escrita deste artigo, não houve registros oficiais do texto final sobre as mudanças no seu modelo de organização sindical. Aliás, o debate sobre estratégias organizativas continua ligado aos desafios de revitalização da sua composição social.

Os óbices em relação à introdução de práticas de revitalização sindical no interior da CUT podem ser associados a fatores externos, tais como a queda na taxa de sindicalização de 14,2% em 2017 (ano de aprovação da reforma trabalhista) para 9,2% em 2022 (PNADC-IBGE) e a instituição de uma agenda de confronto aberto contra “todos os ativismos” no governo de Bolsonaro (Romão et al., 2020, p. 2). No âmbito interno, o retrato do perfil dos dirigentes mostra que mesmo após a reforma trabalhista, que deveria exigir um esforço no sentido de renovar as práticas sindicais, verificamos que prevalece a tendência de manutenção do statu quo no âmbito da sua organização, o que pode ser auferido, por exemplo, pelas próprias regras que definem a participação dos dirigentes nos congressos. Na CUT as regras não mudaram e acabam por privilegiar sempre os sindicatos com mais recursos de poder. Logo, são os sindicatos maiores, com mais poder financeiro, que podem participar desses eventos com maior número de delegados (dirigentes com poder de voto), alçando-se aos cargos diretivos de maior relevo nessa instituição. Nesse sentido, após a reforma trabalhista foi reforçado o protagonismo da representação sindical do estado de São Paulo, que é o mais rico do país e “concentrou quase ¼ do total de delegados (23,3%) do 13.º CONCUT” (CUT, 2020a, pp. 3-4).

Numa tentativa de superação da crise sindical, não pela via de um grande projeto de revitalização sindical internacional mas no cotidiano de atuação do sindicalismo filiado à CUT, a criação em 2012 dos macrossetores indústria, comércio, serviços e logística, serviço público e rural é, a nosso ver, um esboço de uma nova estratégia organizativa que visa a recuperação do poder sindical. A pesquisa aplicada no 13.º CONCUT revelou que 36% dos delegados conheciam a proposta de organização por macrossetor, contra 64% que corresponde a soma dos delegados que afirmaram não conhecer, não saber responder ou que optaram por não responder à pergunta (CUT, 2020a). Portanto, é provável que, no cotidiano dos sindicatos, fatores como as disputas políticas, desconfiança com relação à possiblidade de fusão de entidades sindicais pela CUT à revelia das direções dos sindicatos, o desconhecimento dessa proposta organizativa, etc., tenham influenciado as opiniões dos delegados.

Contudo, destacamos que entre os delegados que conheciam a proposta, 90,2% concordavam com a política de organização sindical por macrossetor (CUT, 2020a). É inclusivamente no macrossetor da indústria (MSI) que o sindicalismo vem perdendo participação nos congressos da CUT, passando de 24,2% em 1988 (Rodrigues, 1990) para 12,6% do total de participantes em 2019 (CUT, 2020a). É no MSI que há indícios de uma prática sindical que tenta se revitalizar a partir do impulso à realização de ações sindicais unitárias. Desde 2012 que esse macrossetor vem reunindo os ramos vestuário, químico, metalúrgico, alimentação, construção e urbanitários da CUT no estado de São Paulo (não existindo ainda um acordo nacional a respeito do ingresso da totalidade do ramo urbanitário).

Na prática, essa experiência mais avançada no âmbito do sindicalismo de base industrial pode revelar alguma capacidade de transformar ameaças em oportunidades (Kloosterboer, 2008). Essa percepção é corroborada pelo fato de que é no setor privado (onde se localiza o grosso do segmento industrial da CUT) que encontramos o maior número de respostas favoráveis à realização de fusões, como se verifica no setor privado (29,7%), no setor rural (17,6%) e no setor público (9,5%) (CUT, 2020a). Contudo, não podemos descartar que essa resposta sindical também pode corresponder a uma tentativa de resposta ao cenário de desindustrialização precoce que, desde 2014 com o início da Operação Lava Jato,10 destruiu parte significativa do setor produtivo e empregador nacional “desmontando o ineditismo da atuação do capital estatal no formato transnacional” (Pochmann, 2022, p. 86).

Ou seja, em princípio, a ação sindical que se revitaliza a partir do MSI é mais uma tentativa de conter a perda de direitos e empregos num momento em que há um aprofundamento da digitalização do trabalho associada ao crescimento das empresas que se organizam em plataformas ou aplicativos e às inovações tecnológicas da indústria 4.0 (ou manufatura avançada). Estas inovações automatizam processos, aproximam objetos físicos e virtuais e integram em rede as etapas de produção, comércio e serviços, cruzando-se direta ou indiretamente com a legislação trabalhista reformada e as suas consequências - como a hipersegmentação do mercado de trabalho, o aumento do trabalho temporário nas mais variadas e extremas formas, e o trabalho intermitente e descontínuo do salário por peça (Antunes et al., 2023; Arbix et al., 2017). Realidade que desafia o sindicalismo de base industrial a reforçar os seus poderes sindicais de modo a conseguir influenciar os rumos da política industrial, superar as discussões ideológicas gerais e avançar no conhecimento do processo de trabalho pela base, antecipando problemas e negociando soluções de forma contínua (Salerno, 2022).

O fato é que, antes da pandemia, mas já em meio à crise financeira dos sindicatos, as propostas de ação com maior potencial de revitalização sindical estavam, num primeiro momento, centradas no MSI, visando principalmente o reforço dos poderes associativo, estrutural e institucional (Costa et al., 2020) e demarcando uma agenda e um espaço político próprio que se materializou, por exemplo, na coesão interna entre os representantes dos segmentos da indústria e em ações organizadas pelo Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento - TID Brasil que, desde a sua criação em 2017, mantém como estratégia a realização de seminários sobre organização sindical e política industrial.

Esses debates culminaram na elaboração do Plano Indústria 10+ e na aprovação da criação da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria da CUT no 13.º CONCUT, objetivando representar a “classe trabalhadora que não é organizada e representada pela CUT por conta da diversificação e precarização, como também possibilitar a ampliação da representação em bases de outras centrais ou não” (CUT, 2019, p. 32). Durante a pandemia o MSI manteve encontros online, abrangendo sindicalistas de norte a sul do país e visando a produção de diagnósticos sobre a situação da indústria brasileira por região. Além disso, ensaiou debates sobre a reinvenção do sindicalismo ao defender nesses encontros: a abertura dos sindicatos para a sociedade; a renovação dos quadros dirigentes; a organização de atividades presenciais fora do local de trabalho visando “chegar no trabalhador”; a aproximação dos sindicatos dos pequenos empreendedores e dos trabalhadores informais, assim como das associações de moradores; a sindicalização dos trabalhadores altamente qualificados; a regulamentação e sindicalização dos trabalhadores em home office, etc. (CUT, 2020b).

Essas propostas, no fundo, correspondem ao ponto médio das concepções políticas do conjunto das organizações que integram o MSI. Vale destacar que os metalúrgicos do ABC exerceram um protagonismo na articulação política e direcionamento das ações desse macrossetor dentro e fora da CUT. Esse resultado é fruto da sua experiência no enfrentamento dos processos de reconversão industrial desde a década de 1980 e da contínua elaboração de estratégias para manter as plantas industriais em funcionamento e preservar empregos, combinando trocas de experiências internacionais com organização no local de trabalho (comissões de fábricas) e articulações tripartites - sendo a negociação da unidade de produção 4.0 na planta da Mercedes Benz de São Bernardo um bom exemplo das características de um sindicalismo 4.0 (Costa, 2022).

O lançamento da IndustriALL-Brasil, em 17 de novembro de 2020 por transmissão em direto na internet, é, a nosso ver, mais uma tentativa de sobrevivência ativa dessas entidades sindicais, se deslocando de um discurso político de confronto ao governo e às demais centrais sindicais e indo em direção a uma prática sindical que se pauta pelo reforço da ação sindical cidadã propagada pelo sindicalismo metalúrgico do ABC. Ao fim, a constituição e consolidação de uma nova organização envolvendo a CUT e a Força Sindical poderá aproximar essas entidades sindicais nacionais dos objetivos do IndustriALL Global Union,11 que defende a superação da fragmentação em nível setorial através da unidade entre os afiliados e de estratégias como fusões, alianças e criação de conselhos nacionais, promovendo a filiação de novos sindicatos (IndustriALL Global Union, s.d.).

Conforme já assinalamos, a 16.ª Plenária Nacional da CUT (2021) espelhou as divisões ideológicas e os receios de ampliação do poder metalúrgico dessa central sindical. Contudo, podemos considerar que esse projeto organizativo unitário é uma experiência inovadora, porém, restrita ao MSI, e cujo êxito no futuro pode depender do equilíbrio de poder na relação social da CUT - principalmente com a Força Sindical. Logo, embora ainda incipiente no sentido de propor ações de revitalização sindical, denota o vigor do sindicalismo de base industrial em disseminar debates e perspectivas de mudanças na organização sindical, desafiando o sindicalismo brasileiro a repensar as suas estratégias, e a reforçar e pôr em prática os seus poderes sindicais.

Conclusão

A partir do golpe parlamentar de 2016, da reforma trabalhista de viés liberal, das políticas de austeridade e do “desmonte” dos espaços de participação social, o sindicalismo nas gestões de Temer e Bolsonaro foi perdendo a sua capacidade de influenciar os rumos da política econômica e setorial. A análise de alguns aspectos do perfil dos delegados sindicais indica que, após a reforma trabalhista nas regiões onde a CUT e os seus sindicatos detêm mais recursos de poder, foi possível alcançar maior participação nos congressos e, posteriormente, alcançar mais cargos políticos de relevo, com destaque para o protagonismo político e sindical do estado de São Paulo.

Além disso, verificamos que há uma crescente distância dos delegados sindicais do perfil da maioria dos trabalhadores brasileiros - caracterizados pela elevada rotatividade, baixa sindicalização e precarização acentuada pela ampliação da plataformização do trabalho, sem nenhum tipo de regulação protetiva. Contudo, no atual momento, é possível que o poder institucional do sindicalismo brasileiro seja reforçado principalmente em função do reestabelecimento de algumas competências do MTE que conta novamente com a liderança de Luiz Marinho, metalúrgico do ABC e ex-presidente da CUT.

No sentido de contribuir para consolidar o sindicalismo brasileiro (neste caso, a CUT) como protagonista nas decisões que envolvem o seu futuro e o das relações de trabalho no Brasil, e considerando alguns dos poderes sindicais, apresentamos algumas “pistas” sobre os desafios de revitalização sindical na atualidade.

Em relação ao poder estrutural: ampliar o número de experiências como a estratégia organizativa do MSI, privilegiada por contar com a participação de categorias com mais força política e “elos” com o sindicalismo internacional, o que poderá resultar em uma melhor organização dentro e ao longo de cadeias globais com maior poder para organizar e negociar acordos coletivos (Fichter, 2015). Para isso é importante reforçar a solidariedade interna e fortalecer as ações sindicais integradas em rede como um meio de “disputa pela hegemonia da mudança societal e laboral” (Costa et al., 2020, p. 39).

Quanto ao poder societal: direcionar a ação sindical para além das estratégias clássicas de mobilização no local de trabalho, buscando melhor combinar as lutas corporativas e as lutas gerais, retomando a “discussão sobre um projeto de sistema democrático de relações de trabalho, concebido como parte de um projeto mais amplo de desenvolvimento sustentável e com justiça social para o país” (Oliveira, 2020, p. 12). Ou seja, está posto o desafio de atuar em agendas nacionais estratégicas, não prescindindo do objetivo de mobilizar setores precarizados da classe trabalhadora e de integrá-los nas bases sindicais da CUT.

Por último, relativamente ao poder associativo: diversificar e reforçar a composição social dos sindicatos da CUT, conferindo maior abertura a jovens, a migrantes, a membros da comunidade LGBTQIA+, a trabalhadores plataformizados, etc. Para isso, é preciso revisar os critérios de participação de dirigentes nos congressos nacionais com vista a ampliar a democracia interna e as possibilidades de renovar os quadros dessa central sindical. Ao lado disso, é preciso seguir investindo em campanhas de sindicalização e de comunicação, aperfeiçoando a ação nas redes sociais por meio de uma comunicação que una o “topo” e as “bases” dessa central, revitalizando-a e mostrando que a instituição sindical ainda é fundamental nas lutas por direitos e na organização dos trabalhadores.

Declaração de conflitos de interesse

A autora declara não existir quaisquer conflitos de interesse.

Financiamento

A autora não recebeu apoio financeiro para a investigação, autoria e/ou publicação deste artigo.

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1 Entre 1930 e 1945 foram instituídos os pilares dessa estrutura: unicidade (que veda a criação de mais de um sindicato na mesma base territorial), imposto sindical e reconhecimento concedido pelo Estado. Excetuando-se o imposto que foi extinto pela reforma trabalhista em 2017, as demais regras permanecem vigentes.

2Referimo-nos prioritariamente às centrais reconhecidas juridicamente e com as quais a CUT estabeleceu uma relação regular nesse período, a saber: Força Sindical - FS, União Geral dos Trabalhadores - UGT, Central dos Sindicatos Brasileiros - CSB, Nova Central Sindical de Trabalhadores - NCST, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil - CTB e Central Geral dos Trabalhadores do Brasil - CGTB. Vale mencionar que essa última central foi unificada a CTB em 2021.

3Em 2013 a CUT participava de 22 Conselhos Nacionais, dentre os quais de Segurança Alimentar, de Saúde, de Juventude, dos Direitos da Mulher, de Promoção de Igualdade Racial, de Relações de Trabalho, dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, de Cidades, etc. (CUT, 2013a).

4O imposto era dividido em 5% para as confederações, 10% para a central sindical, 15% para as federações, 60% para os sindicatos, 10% para a Conta Especial Emprego e Salário.

5O nome do projeto era “Sindicalismo no século xxi: desafios e experiências de revitalização sindical”, tendo sido coordenado pela CUT em parceria com o Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho - CESIT/UNICAMP, o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra - CES/UC, o Solidarity Center da AFL-CIO no Brasil, a Fundação Friedrich Ebert - FES Brasil e o Instituto Observatório Social - IOS.

6A ação envolveu, até dezembro de 2016, 546 entidades sindicais e 1518 dirigentes sindicais (excluindo os estados de Goiás, de São Paulo e do Rio Grande do Sul, que realizaram os debates em 2017) (CUT, 2016b).

10A Operação Lava Jato custou 4,4 milhões de empregos e 3,6% do PIB, afetando diretamente os setores da indústria voltados para a extração de petróleo e gás e para a construção civil (CUT Brasil & DIEESE, 2021).

11A base sindical do IndustriALL no Brasil é composta por: Confederação Nacional dos Trabalhadores/as do Ramo Vestuário - CNTRV (CUT), Confederação Nacional dos Metalúrgicos - CNM (CUT), Confederação Nacional dos Químicos - CNQ (CUT), Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos - CNTM (Força Sindical), e Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias do Setor Têxtil, Vestuário, Couro e Calçados - CONACCOVEST.

Recebido: 13 de Julho de 2023; Aceito: 14 de Maio de 2024

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