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Tourism & Management Studies

versão impressa ISSN 2182-8458

TMStudies vol.9 no.2 Faro jul. 2013

 

Gestão de circo: um campo de atuação profissional (des)conhecido?

Management of circuses: an (un)known professional field?

Magnus Luiz Emmendoerfer1, Bárbara Calçado Lopes Martins2

Universidade Federal de Viçosa, Departamento de Administração e Contabilidade, Grupo de Pesquisa em Gestão e Desenvolvimento de Territórios Criativos, Av. P.H. Rolfs, s/n. Campus Universitário, CEP 36570-000, Viçosa, MG, Brasil, 1magnus@ufv.br; 2barbara.martins@ufv.br

 

RESUMO

O objetivo desta pesquisa é compreender a gestão de organizações circenses (circos) no Brasil. Para alcança-lo foram realizadas entrevistas e aplicaram-se questionários com proprietários e artistas de circos, cujos dados foram tratados pela técnica de análise de conteúdo. Como conclusões, observou-se que a estrutura organizacional e as práticas de educação para competências circenses são importantes para se pensar na preservação do conteúdo artístico dos circos, mesmo quando são necessárias mudanças em sua organização, que é envolvida por singularidades de cada tipo de circo: o tradicional e o não tradicional. Verificou-se que, apesar das leis e políticas existentes no Brasil, o capital circense se mantém “vivo”, principalmente, pela gestão relativamente simples conduzida pelo agrupamento familiar e pelos artistas circenses. Conclui-se que é importante deslocar o centro das discussões sobre gestão para organizações periféricas, como os circos, no contexto da economia criativa para torná-lo um efetivo campo de trabalho para profissionais das áreas de Administração e Contabilidade.

Palavras-chave: Gestão estratégica, empresa familiar, economia criativa, negócio criativo, entretenimento.

 

ABSTRACT

The main purpose of this research is to understand the management of circuses in Brazil. Interviews and questionnaires were applied to circus owners and artists, and the data were analyzed using the content analysis technique. The results show that the organizational structure and practices of education for circus skills are important for the preservation of the artistic content of the circus, even when changes are needed in the organization, despite its traditional or not traditional singularities. t was found that despite the existing laws and policies in Brazil, the circus remains "alive" mainly due to its relatively simple management by the family groups and the circus artists. Finally, it is important to shift the center of discussions on management towards peripheral organizations, such as the circus, in the creative economy context to make it an effective field of work for professionals in management and accounting.

Keywords: Strategic management, family firm, creative economy, creative business, entertainment.

 

1. Introdução

Este trabalho surgiu como um desdobramento de uma pesquisa iniciada durante o primeiro semestre de 2009, sendo um estudo de caso exploratório-descritivo em um circo em trânsito no município de Viçosa, Minas Gerais, Brasil. Seu objetivo foi descrever o sistema de gestão de uma organização circense na perspectiva da Economia Criativa (Florida, 2002), no qual, por meio de aplicação de questionários e entrevistas com diversos artistas e circenses, foram analisados o modo de vida e a gestão de um circo. Além disso, foi possível obter relatos de desafios relacionados à inadequação entre as políticas públicas existentes e as singularidades apresentadas pela organização estudada. Os resultados obtidos no estudo de caso exploratório instigaram-nos a ampliar o escopo de pesquisa para o nível estadual e nos possibilitaram questionar sobre o capital cultural circense no Brasil, além de como a gestão, o treinamento em suas diversas formas e as políticas públicas contribuem para a preservação deste.

O interesse em realizar esta pesquisa surgiu do pressuposto da possível marginalização dos circos no campo cultural e até da desconsideração da prática circense como atividade da economia criativa e do patrimônio cultural brasileiro pelas organizações públicas.

O governo inglês, que possui um Ministério da Indústria Criativa, classifica como um dos campos dessa Indústria, o das artes performáticas, no qual está inserido o circo, que é o objeto desta pesquisa. No Brasil, desde 2011, existe uma secretaria em estruturação no Ministério da Cultura, responsável pelas ações relacionadas à economia criativa e que não utiliza o termo Indústria Criativa, mas sim Negócios e Campos Criativos, sendo um deles o campo das artes do espetáculo, no qual o circo está inserido (Brasil, 2011).

O atual modelo de circo surgiu no século XVIII e se consolidou no século XIX. O que existia, até então, era uma arte de cavalaria desenvolvida nos quartéis ingleses. Diante de uma nova sociedade comercial e mercantil, essa forma de apresentação estava perto do fim, juntamente com as artes dos saltimbancos. Desse modo, esses grupos se aliaram e as exibições equestres se uniram aos saltadores e acrobatas em um espaço fechado onde antes eram as feiras de rua e, assim, passaram a cobrar ingressos (Bolognesi, 2001).

Dessa forma, dentre os tipos de Indústria Criativa, existem as artes performáticas, no qual o circo está inserido. Este é uma empresa antiga e tradicional, geralmente de origem familiar que conserva, segundo Costa (2000), características pré-industriais, como as corporativas e familiares, e as pós-industriais, como a forma organizacional e as práticas administrativas. Desde a década de 70, existe uma tendência a novas modalidades circenses, como em vídeos, palcos de teatro e festas descoladas, tornando-se uma opção de atuação e carreira profissional para a classe média (Nogueira, 2004). O espetáculo do circo é produto da junção entre conhecimentos e talento individual do artista e a tecnologia empregada nas apresentações. No Brasil, o Ministério da Cultura considera o circo, em suas políticas e ações públicas, inserido no campo das artes de espetáculo no contexto da economia criativa.

O contexto desta pesquisa é o do circo, no qual seus indivíduos (artistas circenses) possuem a criatividade como base do processo produtivo de seus serviços (atrações e espetáculos) que são interligados em dimensão simbólica. Neste processo o valor é agregado pelos consumidores, ao contrário de outras formas de negócios no mercado que embutem em seus produtos elementos chave como preferências, estilos de vida, status (prestígio), padrões de consumo e outras (Martins & Emmendoerfer, 2012). Assim sendo, segundo esses autores, os circos, como organizações inseridas no campo da economia criativa por meio de seus produtos, não seriam somente valorizadas pela sua utilidade prática, materialidade ou manifestação, como ocorre com os bens ou serviços produzidos pelas indústrias tradicionais. A valoração ocorre pela interpretação subjetiva de um significado por parte do consumidor ou usuário no momento de sua fruição dos espetáculos e atrações circenses.

Apesar da marginalização, os circos se mantêm “vivos” até hoje devido, principalmente, a três fatores, que são: a) o modo de vida e gerenciamento diferenciados, que são passados de geração em geração; b) o Treinamento e Desenvolvimento (T&D) de atividades circenses, que são importantes tanto como elemento dessa cultura, como uma forma de divulgá-la; c) as políticas públicas existentes no Brasil voltadas para os circos. Dessa forma, para que haja uma melhor compreensão desses fatores, dividiremos o trabalho em três tópicos, que serão detalhados, após a apresentação dos procedimentos metodológicos.

2.     Procedimentos metodológicos da pesquisa

Este estudo é de caráter qualitativo e do tipo longitudinal, ocorrido no período de 2009 a 2012. Apresenta-se como uma forma adequada para o alcance dos objetivos propostos, que possibilitam descobrir relações que não seriam encontradas através de outros procedimentos, propiciando, assim, maior riqueza e diversidade de informações acerca do objeto em estudo.

O tipo de pesquisa delineado possui um caráter exploratório-descritivo, pois se pretende trazer à tona características específicas da organização circense. É exploratório, porque não se tem conhecimento explicitado e organizado sobre os fatores apresentados na introdução acerca da realidade dos circos. E é descritivo, porque intenciona conhecer a natureza, a composição e os processos que fazem parte do problema de pesquisa, os quais o constituem ou nele se realizam para permitir a descrição de suas características (Selltiz, Wrightsman & Cook, 1987).

Assim, em termos metodológicos, a presente pesquisa é essencialmente do tipo descritiva, sendo as principais fontes de dados:

a)   revisão da literatura sobre o tema circo, que concluiu-se ser bastante escassa, principalmente na presente área de pesquisa;

b) análise de documentos públicos e privados, nos quais buscam-se leis e projetos que abrangem a organização circense, além de outros estudos relacionados aos resultados alcançados por algumas delas;

c) entrevistas semiestruturadas presenciais e eletrônicas, com gestores e artistas engajados com as escolas circenses, treinamento e desenvolvimento dos profissionais da área;

d)  entrevistas semiestruturadas presenciais e eletrônicas, com profissionais de dois circos visitados, além de outros presentes nas reuniões mensais no Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões de Minas Gerais (SATED/MG) e  de outras áreas, envolvidos com a cultura circense e engajados com a questão das políticas públicas;

e) entrevistas semiestruturadas, presenciais, com pessoas envolvidas com aulas de atividades circenses que não são voltadas para a profissionalização.

O percurso desta pesquisa envolveu várias fases. Na primeira, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas em dois circos visitados, que se deram por meio da elaboração de dois conjuntos de perguntas: um para ser utilizado com os profissionais envolvidos com a gestão, e outro para os profissionais que não estavam, devendo-se levar em consideração que no primeiro circo visitado os membros responsáveis pelo gerenciamento também desempenhavam outras funções na organização; dessa forma, optou-se por utilizar ambos os grupos de perguntas para essas pessoas. No primeiro circo visitado (Circo A), foram entrevistados três profissionais responsáveis pela gestão e por outras atividades, e três funcionários que não atuam na administração. Já no segundo circo visitado (Circo B), os profissionais responsáveis pela gerência não desempenham outras atividades, portanto, nesse caso só foi utilizado o conjunto de perguntas relacionadas à gestão da organização. No Circo B, não foi permitida a gravação de entrevistas com os dois responsáveis pela gestão, os quais se dispuseram a responder as perguntas, e nem foi possível entrevistar diretamente os demais profissionais. Assim, as perguntas foram repassadas para os gestores, que escolheram dois colaboradores para respondê-las.

As principais perguntas elaboradas para a primeira fase do trabalho envolviam, na área da gestão, o planejamento das viagens (levando em consideração que o circo é uma organização itinerante), a montagem dos shows, as características do trabalho de um circo, informações gerais sobre os contratados - como origem (se faziam parte de escolas de circo ou de outros circos, ou até mesmo sem experiência com as atividades da área) e escolaridade - informações sobre o processo criativo e gestão e, por fim, informações sobre políticas públicas voltadas para a organização circense.

Na segunda fase do trabalho, foram feitas entrevistas semiestruturadas com dois profissionais: um responsável pelo “Prêmio Cena Minas” e outro, pela área circense do SATED/MG, que mantém contato constante com diversos circos de Minas Gerais e possui conhecimento dessa realidade. Foram elaborados dois grupos de perguntas voltadas para cada um dos indivíduos; o primeiro grupo tinha como objetivo conhecer o “Prêmio Cena Minas” e outras ações voltadas para a preservação do capital cultural circense; o segundo, conhecer a realidade dos circos de Minas Gerais, as implicações e possíveis deficiências das políticas voltadas para essas entidades, além de discutir dados obtidos nos dois circos visitados. Nesse contexto, foram abertos espaços para que os dois profissionais respondessem e discutissem sobre os dois grupos de perguntas. Na terceira fase, foram feitas mais entrevistas com circenses membros do SATED/MG durante as reuniões mensais, foram obtidos relatos diretos de problemas com as políticas e as dificuldades decorrentes do estranhamento por parte da sociedade em relação aos circenses.

Na quarta, foram feitas entrevistas com um dos responsáveis por uma escola de circo (Entrevistado A) e com uma profissional que ministra aulas de técnicas circenses em um curso superior de Educação Física, visando a formação de professores que trabalhem com essa atividade em escolas  (Entrevistado B).

Entre os meses de abril e junho de 2012 (quase três anos após o início da pesquisa), ocorreu a quinta fase por meio de uma visita a um terceiro circo (Circo C). Foi utilizado o mesmo roteiro de perguntas feitas aos outros entrevistados dos Circos A e B, somado a alguns questionamentos sobre:

a)  a relação entre circos e escolas circenses;

b) a descaracterização dos circos tradicionais perante o surgimento dos contemporâneos, também chamados como não tradicionais;

c)   a capacidade dos responsáveis pelos circos em aproveitar as oportunidades oferecidas a eles, principalmente em relação às políticas públicas.

Com isso, finalizou-se o levantamento de dados e iniciou-se a etapa de análise, buscando confrontar as informações obtidas com a literatura exposta nos fundamentos teóricos sobre o tema deste projeto.

3. Gestão e cotidiano nos circos estudados

O Circo A possui como principais características a itinerância e a gestão familiar, exercida pelo proprietário, sua esposa e seus filhos, que cuidam da parte administrativa como um todo, sem especializações e departamentalizações claramente definidas, com a concentração do poder de decisão na figura dos mais velhos. Todos os filhos, além de exercerem papéis gerenciais, também participam da apresentação do espetáculo, juntamente com os netos, tornando-se, da mesma forma como outros profissionais do circo, responsáveis por outras atividades, polivalentes.

Além da família proprietária do circo, outras também vivem e trabalham na organização, sejam vindas de outros circos ou parentes indicados pelos indivíduos que já fazem parte da instituição. É permitido aos integrantes da família do Circo A continuarem ou não trabalhando dentro do circo no futuro e, apesar da relutância em deixar a organização, ocorre investimento na educação das crianças para que elas tenham oportunidade de seguir carreira em outras áreas.

Foi afirmado por todos os entrevistados que não há problemas no circo. Observa-se uma flexibilidade e rapidez para resolver os problemas. Os gerentes do Circo A não contratam profissionais de escolas de circo, justificando que estes não possuem formação voltada para os circos tradicionais. De tal maneira, são contratados em outros circos por meio da avaliação do número do profissional e posterior proposta de emprego. Afirmou-se, ainda, que essa troca é comum entre essas organizações. Por fim, foi comentado sobre a falta de políticas públicas específicas que abrangessem as singularidades das organizações circenses.

O segundo circo estudado, Circo B, possui semelhanças e diferenças em relação ao Circo A. Como semelhanças, destacam-se o seu deslocamento frequente, a presença de famílias tradicionais trabalhando na organização, a contratação de artistas de outros circos, por meio da avaliação do número e posterior proposta de emprego. Por fim, também comentaram sobre a omissão do Estado em elaborar políticas públicas voltadas à realidade dos circos.

Como diferenças, destaca-se que, enquanto o primeiro circo pesquisado é uma empresa familiar, na qual todas as decisões gerenciais são tomadas pelos membros da família do proprietário, no Circo B há departamentalizações das funções gerenciais e maior especialização das atividades de gestão, exercidas pelo proprietário e por contratados e, além disso, os funcionários e artistas são mais especializados.

Deve-se levar em consideração que no Circo B, apesar de a gestão não ser exercida por uma família tradicional circense, existem outras tradicionais trabalhando no local, responsáveis pela perpetuação de sua cultura no interior da organização. Além disso, segundo os entrevistados, o Circo B contrata tanto de escolas de circo quanto de outros circos, e o fator que condiciona a escolha é o número desempenhado pelo artista, sem considerar sua origem, o que diferencia novamente as organizações estudadas.

O Circo C possui quase todas as características do Circo A, tendo como única diferença o fato que, apesar do circo ter uma família proprietária, o papel gerencial é exercido somente pelo pai, ficando os filhos responsáveis somente pelo espetáculo em si. Nesse circo, apesar de também haver reclamações sobre falta de políticas públicas que abrangem a arte circense, foi comentado que estão ocorrendo conquistas por parte dessas instituições, nesse sentido.

Através desses relatos e do contato com os demais profissionais envolvidos com os circos, foi possível fazer a distinção entre dois tipos existentes: o circo tradicional e o contemporâneo (não tradicional).

O circo tradicional é aquele sistema organizado de origem e gestão familiar cuja natureza é itinerante. Esse é um aspecto importante para a sua existência e sobrevivência e é responsável pelo constante aprendizado da organização circense e pela sua capacidade de adaptação. Isso diz respeito à convivência do profissional de circo em seu caráter nômade ao longo de sua vida, o que torna os profissionais polivalentes, com conhecimentos gerais sobre cada processo da organização, especialização em determinada área, tendo a possibilidade de substituir os outros profissionais quando necessário. Além disso, a tradição envolve também o fato de as famílias residirem no circo e de haver uma constante mobilidade conjunta com toda a sua infraestrutura. Mesmo que não seja formado somente por famílias, o trabalho e o convívio entre os membros se dão de forma contínua, ou seja, não termina com o fim do espetáculo, fator determinado pela itinerância. A educação no circo ocorre entre os seus membros, onde o conjunto de conhecimentos, habilidades e comportamentos circenses são mantidos e transmitidos pelas famílias e pessoas que convivem nesse ambiente.

Os circos não tradicionais não possuem familiares de artistas circenses na sua gestão e possuem, normalmente, uma estrutura fixa para as suas apresentações. A administração é profissionalizada e exercida por pessoas que não participam da produção do espetáculo. Neste, há uma divisão de tarefas produtivas e outras voltadas ao gerenciamento do negócio circense, o que não ocorre nos circos tradicionais. Nessas organizações, os indivíduos não residem no interior do local, apenas comparecem durante o tempo em que trabalham e, após o término, retornam às suas residências. Há uma contratação de artistas de modo temporário, alguns provenientes de escolas de circos, de acordo com cada tipo de espetáculo ou temporada de apresentações.

Essa distinção é importante porque os circos não tradicionais, por terem uma gestão mais formal e profissionais mais especializados, acabam se adaptando melhor ao mercado e, assim, ficam menos marginalizados e com maior independência das políticas públicas. No caso dos três circos apresentados, todos são classificados como tradicionais, por serem itinerantes e possuírem famílias tradicionais vivendo neles.

4.   Treinamento e desenvolvimento das atividades circenses

Outra questão levantada durante as entrevistas nos circos foi a contratação dos artistas, percebendo-se que os circos tradicionais são relutantes em contratar profissionais formados em escolas circenses.

Para obter mais detalhes sobre esse conflito, foram realizadas entrevistas com o proprietário de uma escola de circo, com participantes de um projeto social que utilizam a linguagem circense e com uma professora que ministra uma disciplina chamada “Fundamentos Pedagógicos das Atividades Circenses” na Universidade Federal de Viçosa.

Em relação a não contratação de profissionais formados fora dos circos pelas organizações circenses, concluiu-se que isso ocorre devido ao fato de que aqueles artistas, por já crescerem nesse ambiente e estarem inseridos nessa cultura, são adaptados ao modo de vida e de trabalho dessas instituições. Tal adaptação exige características como a polivalência, em que os profissionais têm várias funções dentro do circo, participando desde a montagem até o espetáculo. Já os artistas que são formados fora são mais especializados, exigem condições de trabalho muito diferentes das que são oferecidas nessas organizações, o que acaba gerando conflito.

Também através dessas entrevistas, observou-se que, apesar de não estarem formando profissionais para trabalharem nos circos, todas as atividades realizadas que utilizam a arte circense acabam colaborando com essas instituições, já que divulgam a cultura, levando mais reconhecimento e interesse por parte da população.

5.   Legislação, políticas públicas e circos no Brasil

Em 2009 e 2010, os entrevistados manifestaram reclamações em relação à falta de políticas direcionadas aos circos. Observou-se, por meio de pesquisa em documentos de domínio popular disponibilizados online pelo poder público brasileiro, que há um desconhecimento por parte dos profissionais circenses sobre as políticas e ações do Estado, que apesar de serem poucas, atendem à realidade deles. Somado a isso, em entrevista com a pesquisadora e diretora da área de circo do SATED/MG, presidente da Rede de Apoio ao Circo (RAC) e com a Coordenadora do Prêmio Cena Minas, juntamente à pesquisa em documentos públicos, foi possível identificar ações do atual Governo Federal, gestão 2011-2014, bem como apontar algumas leis de âmbitos Federal, Estadual e Municipal que abrangem as organizações circenses, que serão apresentadas a título de ilustração, em síntese, na Tabela 1.

Em 2011, foi lançada a Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura, que está em processo de estruturação e é responsável pelas estratégias de desenvolvimento do conjunto de campos e setores econômicos em que o circo está incluído. Dentre as ações realizadas, foi criado o Plano Nacional de Economia Criativa que apresenta as ações direcionadas para a realidade dos circos (Brasil, 2011). Além disso, essa Secretaria lançou, em 2012, o Observatório Nacional de Economia Criativa com a finalidade de mapear e monitorar a criação e o desempenho dos negócios criativos no Brasil. Esse observatório atuará alinhado ao projeto Criativa Birô, que está em implantação em todas as regiões brasileiras, tendo Goiás, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Acre e Minas Gerais como unidades federativas de referência para o desenvolvimento profissionalizado de negócios criativos, como o circo. O “Criativa Birô”, enquanto unidade de trabalho vinculada à Secretaria Estadual de Cultura, age de forma transversal, articulando-se com outros órgãos públicos em nível municipal e estadual, bem como com parceiros da iniciativa privada e do terceiro setor. O propósito do projeto é oferecer consultorias especializadas em gestão para elaborar, desenvolver e aperfeiçoar modelos de negócios criativos, no qual o circo está incluso, no campo das artes do espetáculo (Brasil, 2012).

Observa-se, na Tabela 1, que as leis propostas pelos agentes públicos começaram a atender aos circos no Brasil, surgindo em nível federal somente a partir de 1978. Em 1991, debates foram retomados de forma efetiva para a promoção de mudanças e, depois de 18 anos, a partir de 2008, surgiram mais legislações peculiares no âmbito federal, estadual e municipal. Destaca-se que a Lei 9.845, de 08 de abril de 2010, é recente e, apesar de limitar-se apenas ao município de Belo Horizonte, já é uma conquista dos circos tradicionais, sendo a solução para duas das mais relevantes reivindicações dessas organizações: a valorização dessa arte como atividade permanente de caráter itinerante, diferenciando-a de eventos temporários; e o reconhecimento de seu exercício como anual, amenizando os gastos com a documentação necessária para instalação de sua estrutura.

Além das Leis, encontramos também as seguintes políticas de incentivo à cultura que abrangem os circos, ilustradas em síntese a partir dos dados coletados durante a pesquisa em Minas Gerais.

 

Tabela 2

 

Em relação às leis de incentivo, o fato de as empresas escolherem patrocinar os grandes eventos e nomes já consagrados apresenta-se como um problema, sendo que esse custeio passa a ter o objetivo de fazer publicidade da marca e não de fomentar a cultura. Assim, os circos tradicionais, principalmente os menores, tornam-se excluídos. No âmbito político, há avanços em relação a esse problema, já que o “Prêmio Cena Minas” seleciona, a partir de critérios estabelecidos em edital, os circos que receberão o incentivo possibilitando a inclusão dos tradicionais em um projeto do Governo Estadual.

Assim, nós observamos que todas essas leis e políticas que abrangem o circo, com exceção do Prêmio Cena Minas e da Lei nº 9.845, não se ajustavam ao modo de vida circense. Essa falta de adequação gerava vários problemas, como a falta de representação política dos artistas (já que eles não têm uma residência fixa, e assim, não conseguiam exercer o direito ao voto) e a falta de acesso aos projetos sociais.

Porém, decorridos três anos do início de pesquisa, as organizações circenses estão obtendo várias conquistas nesse sentido, como o acesso a alguns programas sociais e o direito ao voto, que possibilita a conquista de representantes e políticas que melhorem suas condições de trabalho.

Parte dessas conquistas foi através do deputado federal Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca, eleito por voto de protesto nas eleições de 2010. Segundo Machado (2010), sua campanha caracterizou-se pelo deboche, virou misto de sucesso e polêmica na Internet e tema de todo tipo de discussão, de debates intelectuais a conversas de botecos. Com essa receita, Tiririca conquistou eleitores  e fica a cargo dos pesquisadores e analistas a tarefa de entender ou explicar se foi "voto de protesto”, um exemplo ousado de marketing ou um retrato do sentimento do descaso que o Congresso transpôs para a sociedade brasileira após anos de escândalos de corrupção.

Apesar de toda essa polêmica nas eleições, o deputado federal, cuja profissão anterior era artista, trabalhando essencialmente como palhaço, tornou-se a principal voz da categoria circense no Congresso na atualidade. Segundo Lago (2012), Tiririca apresentou projetos de lei e empenha-se em outras iniciativas para direcionar recursos e ações para a atividade de circo, que emprega, no Brasil, 30 mil pessoas diretamente e outras 120 mil indiretamente, por meio de 2,5 mil companhias. Um dos quatro projetos de lei apresentados por Tiririca visando à atividade circense prevê a criação de um programa de amparo social às pessoas que trabalham nos circos. A proposta garante  a inclusão na Lei Orgânica de Assistência Social e, na prática, lhes assegura o acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS). Como essas pessoas não têm endereço fixo, atualmente o acesso  fica dificultado. Além desse projeto, vários outros estão sendo apresentados.

6.   Conclusão

A gestão e o cotidiano dos circos, o treinamento e o desenvolvimento das atividades circenses e as políticas públicas no Brasil foram tratadas separadamente para fins de análise e compreensão desse objeto de pesquisa. Todavia, esses fatores estão interligados e permitem compreender os circos e sua gestão, já que se trata de características específicas e essenciais dessas organizações e de seu ambiente de atuação.

Observou-se que no circo, por ser uma organização com características tão diferenciadas, faz-se necessário uma gestão que tenha conhecimento de suas especificidades, mas que também entenda sobre o mercado, para que essa organização possa sobreviver. O problema ocorre justamente nesse ponto, já que a maioria dos circos tem como gestor o proprietário ou sua família, e estes conhecem bem a organização circense, mas não procuram entender o mercado. Assim, o fato da não adaptação é um dos motivos que levam à marginalização.

Uma característica fundamental ao gestor circense é a de administrar pessoas, uma vez que o circo depende essencialmente destas para sua continuidade, tanto em relação aos artistas como em relação ao público e “governantes”, pois necessitam de incentivos para sua manutenção. Isso envolveria estar sempre atento às novidades que surgem, como as discussões sociopolíticas relacionadas aos circos, bem como sobre a economia criativa (Howkins, 2001; Florida, 2002; Wood Jr. et al., 2009) para canalizar essas informações e conteúdos, objetivando atrair o seu público.

Essas organizações devem também estar atentas aos projetos e leis que surgem referentes ao circo, pois precisam estar preparadas para usufruir de tais benefícios. Nesse contexto, o circo, enquanto uma organização gerenciável, tem sido um campo de trabalho negligenciado ou desconhecido pelos administradores e contadores, com exceção de alguns negócios criativos como o Circo de Soleil (2012). Além disso, é um campo de trabalho a ser desconsiderado pelos futuros administradores e contadores no espaço universitário, seja por ser um tema pouco debatido na sala de aula, pelos atuais gestores de circo não considerarem a possibilidade de contratar estagiários de Administração ou de Ciências Contábeis para lhe auxiliarem no contexto da economia criativa, bem como possibilitar a esses alunos conhecerem esse campo até então pouco comum para atuação profissional.

Acredita-se que os aspectos abordados e discutidos neste trabalho contribuam para minimizar o distanciamento do continuum que existe entre o que é conhecido e desconhecido sobre a gestão de circos no Brasil, cujo conteúdo tratado torna-se possivelmente observável em outros contextos locais, regionais, nacionais e internacionais.

Portanto, o que pode-se concluir é que os gestores dessas organizações necessitam preservar as características que as tornam particularmente especiais e geram a curiosidade do público, mas devem também aproveitar, com o apoio de profissionais de gestão, as oportunidades que aparecem no mercado, adequando-as a seu modo de vida para dar continuidade ao espetáculo e ser fonte de alegria.

 

Agradecimento

Agradecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), a Fundação Arthur Bernardes (FUNARBE) pelo apoio concedido para a realização desta pesquisa.

 

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Processo de aceitação do artigo:

Recebido: 16 maio 2012

Aceite: 28 dezembro 2012