Introdução
O artigo tem como objetivo evidenciar e compreender movimentos do processo de colaboração enquanto metodologia de formação inicial de professores de matemática em espaços de iniciação à docência. Decorre de estudo comparativo de políticas e práticas institucionais para a iniciação e inserção à docência que envolveu instituições do Brasil e Uruguai. Esse estudo pretende contribuir para a construção do conceito de colaboração imbuído na relação universidade e escola.
Iniciamos com a discussão dos movimentos conceituais sobre formação de professores no Brasil, amparados na perspectiva histórica e apresentando alguns destaques sobre a formação de professores de matemática. Esses movimentos decorrem principalmente de aspectos políticos e práticos que se apropriaram de processos teóricos ocorridos a partir da década de 70, especialmente reflexivo, investigativo e colaborativo envolvidos no conceito de desenvolvimento profissional docente (Day, 1999). Em seguida, apresentamos os Programas Institucionais de Iniciação à Docência desenvolvidos e financiados na formação inicial de professores no Brasil e suas repercussões na articulação entre teoria e prática. Esses Programas promovem espaços de práticas docentes institucionalizadas ao vincularem necessariamente o Ministério da Educação e Cultura (MEC), a Universidade proponente e as escolas da Educação Básica (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID e Programa Institucional Residência Pedagógica).
Movimentos da Política de Formação Inicial Professores no Brasil
Nesta seção, apresentamos em uma perspectiva histórica os principais movimentos da Formação de professores no Brasil e as Diretrizes e Programas do governo federal a partir dos anos 2000, que visavam compor uma política de formação inicial de professores que tivessem uma aproximação com a Educação Básica (campo profissional).
Movimentos da Formação de Professores no Brasil
Primeiramente, destacamos que a pesquisa em formação de professores do Brasil tem apresentado uma trajetória muito próxima à prática de formação de professores (Diniz-Pereira, 2006). Esse movimento também pôde ser evidenciado na área de formação de professores de Matemática, como afirma Ferreira (2003):
os programas de formação de professores, bem como os estudos sobre o seu ensino e suas aplicações em cursos de formação inicial e continuada, têm acompanhado historicamente as concepções teóricas e sociopolíticas (acerca das funções da educação, do ensino de matemática, do papel do professor dessa disciplina, etc.) de cada época. (p. 20)
Nesse sentido, a partir da década de 70 iniciou-se um movimento de demanda crescente de formação de professores no Brasil, incluindo os professores de matemática, devido ao aumento do número de escolas e das ofertas em nível fundamental e médio. Também há um aumento na oferta da formação técnica no contexto da industrialização desenvolvida nesse momento.
Outro movimento histórico acontece no período posterior à ditadura militar (década de 80), no qual a formação técnica passa a ser fortemente criticada e agrega o caráter político da prática pedagógica e o compromisso com as classes populares (Diniz-Pereira, 2006). Nesse período, surgem as críticas sobre a função social da escola que, até aquele momento, pode-se afirmar que era inexistente (Candau, 1987), bem como críticas aos cursos de formação continuada denominados “treinamento em serviço ou reciclagem” (Diniz-Pereira, 2006, p. 48), por não considerarem os saberes dos profissionais da educação.
Em relação à formação inicial, alguns “dilemas” persistem desde a sua origem com a separação entre disciplinas de conteúdo específico e pedagógico, a duplicidade de objetivos na oferta bacharelado e licenciatura e a desarticulação entre a formação acadêmica e a realidade da prática profissional. Apesar da identificação desses dilemas e das críticas atribuídas, os cursos de licenciaturas parecem permanecer nessa década ainda no modelo de racionalidade técnica (Diniz-Pereira, 2006, 2008).
Logo em seguida, há um movimento de modelos alternativos, que, a partir dos anos 90, tende a ir ao encontro da racionalidade prática na formação de professores. Esse movimento sofre influências da epistemologia da prática (Schön, 1983) e também do conceito do profissional reflexivo (Alarcão, 2005; Zeichner, 2008) que agrega à prática individual ou coletiva um “olhar introspectivo, para pensar, decidir e agir tirando conclusões e, inversamente, para antecipar os resultados de determinados processos ou atitudes” (André, 1995, p. 39).
Nesse movimento, os estudos sobre formação de professores reconhecem a complexidade da prática docente e, conforme afirma Day, para que os professores possam continuar “a desenvolver-se profissionalmente têm de envolver-se em diferentes tipos de reflexão, na investigação e na narrativa, ao longo de sua carreira, e ser apoiados para enfrentarem os desafios que tal empreendimento implica” (1999, p. 84).
Considerando essa complexidade da prática, Cochran-Smith e Lytle (1999) destacam as aprendizagens no processo de formação profissional docente analisando três concepções denominadas de: “para, na e da” prática.
A concepção de conhecimento “para” a prática dá ênfase às aprendizagens baseadas em teorias gerais e em descobertas de pesquisa, as quais os professores são treinados para implementar em suas escolas.
O conhecimento “na” prática fundamenta-se na ideia de que o conhecimento se origina na reflexão e na investigação da prática. Nesse contexto, a ênfase passa a ser o conhecimento produzido em ação, nas reflexões, nas investigações e nas narrativas do professor sobre a prática.
Por fim, o conhecimento “da” prática vincula-se ao processo do desenvolvimento profissional, que busca oportunizar aos professores e/ou futuros professores a exploração e o questionamento de suas (e dos outros) ideologias, interpretações e práticas.
Podemos perceber que Cochran-Smith e Lytle (1999), tanto na segunda concepção de conhecimento “na”, como na terceira “da” prática, destacam a importância da reflexão dos professores sobre suas práticas. Mas, sobretudo na terceira concepção, apontam para a relevância da pesquisa do professor em comunidades investigativas locais e de uma relação dialética teoria-prática, que acena para a importância de professores em formação participarem de grupos de estudo e pesquisa, os quais podem fomentar a adoção de uma postura investigativa e questionadora de suas práticas (Gama, 2007).
Retomando os movimentos sobre a formação de professores, quando o foco está no Brasil, há de se concordar com as palavras de Diniz-Pereira (2006) “do treinamento do técnico em educação, na década de 70, observa-se a ênfase na formação do educador na primeira metade dos anos 80 e, nos anos 90, um redirecionamento para a formação do professor-pesquisador” (grifos do autor, p. 51).
No caso da Educação Matemática, um estudo meta-analítico desenvolvido pelo grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores que ensinam Matemática (GEPFPM) concluiu que as práticas reflexivas, investigativas e colaborativas entre professores constituem uma poderosa tríade catalisadora de desenvolvimento profissional do professor que ensina matemática (Passos et al., 2006).
Nessa tríade, podemos perceber a tendência das práticas colaborativas a partir dos anos 2000 no campo profissional e científico no Brasil. Há de se chamar atenção ainda para outro estudo da Educação Matemática, que mapeou as pesquisas sobre o professor que ensina matemática entre os anos de 2001 e 2012. Os autores também destacaram a colaboração como uma modalidade de prática promotora de desenvolvimento profissional (Fiorentini, Passos, & Lima, 2016).
No caso desse estudo, consideramos o conceito de colaboração apresentado por Ferreira (2003), o qual indica que
colaboração não pode ser imposta, ela deve ser construída. Ela é construída dentro de relacionamentos nos quais os indivíduos sentem vontade de compartilhar suas diferenças e, ao contrário das formas típicas de autoridade atribuídas aos papéis e relacionamentos institucionais, busca por formas mais inclusivas de envolver múltiplas perspectivas e fala através das questões da confiança, mutualidade e eqüidade. Estabelecer relacionamentos leva tempo. Os projetos podem parecer ineficientes e sem foco, especialmente no começo, porque os aspectos relacionais devem ser considerados, bem como as metas e procedimentos do projeto. (p. 202)
Ainda nesse estudo, constatamos que há indícios de que o sucesso do trabalho colaborativo depende de “algumas condições de funcionamento dos grupos e da constituição de um ambiente de diálogo aberto; de confiança, respeito, afeto e apoio mútuos; e de ações coordenadas e planejadas e negociadas coletivamente” (Johnston & Kairschner, 1996, citados por Ferreira, p. 203).
Além disso, a “construção compartilhada de conhecimento favorece a autonomia dos participantes, possibilitando a eles irem além do que seria possível, se estivessem trabalhando individualmente” (Bolzan, 2002, p. 63). Essa prática pode levar o indivíduo à realização de atividades com mais autonomia, devido ao fato de ter participado de uma atividade colaborativa ou de ter recebido apoio ou estímulo externo. Segundo Cochran-Smith e Lytle1999, o aprendizado “da” prática tem
origem no ensino através da investigação ao longo da vida profissional, presumindo que professores iniciantes e experientes precisam participar de trabalhos intelectuais semelhantes. Ao trabalhar juntos em comunidades, tanto os professores novatos quanto os mais experientes apresentam problemas, identificam discrepâncias entre teorias e práticas, desafiam rotinas comuns baseiam-se no conhecimento de outros para construir um enfoque gerativo e tentam tornar visível muito do que é considerado dado no ensino-aprendizagem . (p. 292)
Em relação aos conhecimentos, na Educação Matemática, Sztajn (2013) defende que para o desenvolvimento professional em Matemática há necessidade de um reconhecimento dos conhecimentos da pesquisa e dos conhecimentos na prática para que haja a articulação dos diferentes tipos e maneiras pelas quais o conhecimento para a prática se torne conhecimento na prática e vice-versa.
Assim, compreendemos que para o desenvolvimento do conceito de conhecimentos “da” prática, além da relação teoria e prática, há uma relação universidade e escola em colaboração muito presente. Foerste (2005) identificou em sua pesquisa três tipos de parcerias no âmbito da formação de professores no Brasil: a dirigida, a oficial e a colaborativa.
A parceria dirigida, chamada pelo autor de “a mais tradicional”, “é compreendida como uma estratégia da racionalidade técnica de que são impregnados os cursos nas universidades, e as escolas são vistas como recurso a ser utilizado na formação inicial de professores” (Foerste, 2005, p. 114).
A parceria oficial, segundo Foerste (2013), é relativamente nova e derivada diretamente da burocracia estatal na busca de soluções mais adequadas para a execução dos propósitos de reformas educacionais, por meio de decretos e/ou resoluções.
A terceira concepção de parceria, denominada de colaborativa, demanda que a transformação aconteça. Esse tipo de parceria colaborativa “cria condições para serem estabelecidas negociações concretas que identificam objetivos comuns e respeitam interesses específicos de cada instituição, considerando basicamente a universidade e a escola” (Foerste, 2005, p. 117).
Vale chamar atenção para o fato de que a ideia de escolas e universidades atuando em parcerias na formação de professores não é nova. Há algum tempo, a literatura tem tratado dessa temática, especialmente nos debates acerca de professores reflexivos (Schön, 1983, 1987, 1988, 1997) e de professores pesquisadores (Giroux, 1988). Porém, buscar parceria na perspectiva da colaboração exige considerar que podemos trabalhar em processos juntos, sem a hierarquia de conhecimentos e com produção compartilhada.
Ao realizarmos essa problematização e a construção teórica do objeto de estudo, arriscamo-nos a afirmar que temos pelo menos três dimensões envolvidas nessa investigação: a concepção de formação dos professores; a parceria universidade e escola; e a colaboração enquanto prática de desenvolvimento profissional. É nessa perspectiva que estruturamos os referenciais dessa investigação e a análise dos espaços institucionais de iniciação à docência estudados.
Espaços de Iniciação à Docência no Brasil e a Vinculação com Educação Básica
No Brasil, o MEC passou a promover e financiar Programas e ações relacionados à iniciação à docência, a partir dos anos 2000, os quais estão voltados à criação de uma política de articulação com as escolas da Educação Básica (2000-2016). Podemos identificar a temática da formação docente em diversos programas, tais como: Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio (Pacto), Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), Pró-letramento, ProInfantil, ProInfo, e-Proinfo, Gestar II, Rede Nacional de Formação Continuada de Professores, Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR), Programa de Consolidação das Licenciaturas (PRODOCÊNCIA), Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), Programa Institucional Residência Pedagógica (PRP), entre outros.
O conjunto dos programas insere-se em uma matriz educacional que articula três vertentes: formação de qualidade; integração entre pós-graduação, formação de professores e escola básica; e produção de conhecimento. Na base de cada ação da DEB [Diretoria da Educação Básica] está o compromisso da CAPES [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior] de valorizar o magistério da educação básica. Os programas mantêm um eixo comum que é a formação de qualidade, em um processo intencional, articulado e capaz de se retroalimentar, gerando um movimento progressivo de aperfeiçoamento da formação docente.
Para este artigo vamos destacar a criação de dois programas voltados à iniciação à docência e vinculados à formação inicial de professores. Esse cenário que permite o financiamento de programas na formação inicial, PIBID e PRP, indica-nos um novo movimento de criação e indução de espaços colaborativos vinculados à Educação Básica, os quais se diferem das políticas de apoio aos professores iniciantes em âmbito mundial descritos no Relatório da OCDE (2006) por Gatti, Barreto e André (2011). O documento identifica dez países que desenvolvem programas nacionais de indução à docência com professores em início de carreira profissional (Austrália, Coreia do Sul, Escócia, França, Grécia, Inglaterra, Irlanda do Norte, Japão, País de Gales e Suíça).
No caso do Brasil, o movimento de implementação do PIBID inicia-se a partir da publicação do primeiro edital, em dezembro de 2007, “com vistas a fomentar a iniciação à docência de estudantes das instituições federais de educação superior e preparar a formação de docentes em nível superior” (Brasil, 2007, p. 1). Destinava-se a quatro áreas de conhecimento - Química, Física, Biologia e Matemática - e segundo o gestor nacional,
as áreas iniciais escolhidas se justificaram em função da baixa procura por essas licenciaturas, como também, pela alta evasão nesses cursos. Outrossim, o número de professores nessas áreas não atendia a demanda das escolas que, por sua vez, ofereciam aos profissionais de outras áreas as funções docentes no campo das ciências e da matemática. (Silveira, 2017, p. 52)
Durante os anos de 2009 a 2013, 2018 e 2020 foram publicados editais em continuidade ao Programa. Nesses editais, houve a ampliação das áreas e das instituições autorizadas a enviar propostas, sendo, em 2009, IES federais e estaduais; em 2010 e 2011, IES federais, estaduais e comunitárias e, em 2014, todas as IES que possuíam cursos de licenciatura. O PIBID expandiu-se rapidamente, passando de quase 3000 licenciandos bolsistas em 2008 a 90000 em 2013, distribuídos por todo o Brasil.
Segundo Gatti, Barreto, André e Almeida (2019), cresceu o número de instituições que submeteram suas propostas, conforme os editais da Capes, o que revela, no mínimo, entusiasmo por essa política, dado que as exigências são relativamente fortes.
Para Silveira (2017, p. 364), “a indução da Capes é que a abrangência dos projetos considere diferentes características e dimensões da iniciação à docência. Dito de outro modo, diferentes características e dimensões de uma cultura: a docência”.
Ao analisarmos os editais publicados em 2018 e 2020, pudemos constatar mudanças estruturais na composição do PIBID, uma vez que uma das exigências da Capes está em atrelar o plano de atividades e/ou estratégias de articulação ao conhecimento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e público-alvo, sendo direcionado aos licenciandos da primeira metade do curso. Também houve certa mudança em relação à definição do programa:
PIBID é um programa da Política Nacional de Formação de Professores do Ministério da Educação (MEC) que visa proporcionar aos discentes dos cursos de licenciatura sua inserção no cotidiano das escolas públicas de educação básica. Para o desenvolvimento dos projetos institucionais de iniciação à docência, o programa concede bolsas aos licenciandos, aos professores das escolas da rede pública de educação básica e aos professores das IES. (Brasil, 2020a, p. 1)
Com essas mudanças temos um movimento no qual o conceito de iniciação à docência, antes atrelado a determinada cultura da profissão docente, nesses dois últimos editais passa a ser o cotidiano das escolas.
Diferentemente do PIBID, o PRP está caracterizado por um movimento que agrega várias concepções que foram construídas ao longo das últimas décadas, a partir de experiências diversas, ocorridas nos estados brasileiros.
Em relação ao movimento do Programa Residência Pedagógica nacional, uma das primeiras menções na página do MEC indicava que o PRP representava certa modernização em relação ao PIBID.
A Residência Pedagógica faz parte da modernização do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e traz novidades, como a formação do estudante do curso de graduação, que terá estágio supervisionado, com ingresso a partir do terceiro ano da licenciatura, ao longo do curso, na escola de educação básica. O objetivo principal é a melhoria da qualidade da formação inicial e uma melhor avaliação dos futuros professores, que contarão com acompanhamento periódico. O programa tem como requisito a parceria com instituições formadoras e convênios com redes públicas de Ensino. (Brasil, 2017, página inicial)
Pela primeira vez no Brasil, o conceito de residência pedagógica na formação inicial passa a inserir o termo estágio supervisionado. Esse é o principal elemento que diferenciava o PIBID do PRP. Assim, o novo programa, ao contrário do PIBID, que passou a considerar as Práticas enquanto componentes curriculares (PCC), o PRP foi delineado pela Capes, em 2018, para estar diretamente atrelado aos estágios obrigatórios, de todos os cursos de licenciaturas, conforme indica o primeiro edital Capes nº 06/2018, publicado no dia 01/03/2018, cinco meses após o seu lançamento, com a seguinte definição: “residência pedagógica é uma atividade de formação realizada por um discente regularmente matriculado em curso de licenciatura e desenvolvida numa escola pública de educação básica, denominada escola-campo” (Brasil, 2018b, pp. 1-2).
Dois anos depois, no edital de 2020, o conceito de residência pedagógica se desvencilha do estágio obrigatório dos cursos de licenciaturas e um dos papéis do programa passa a ser o fortalecimento das redes de ensino, no contexto da formação inicial de professores, desde que as parcerias entre escolas da Educação Básica e universidades possam ser estabelecidas institucionalmente.
Apesar das constantes definições feitas pela Capes, tanto o PIBID quanto o PRP possuem em seu cerne a indicação de que escolas e universidades desenvolvam atividades e ações em parceria. Há aqui, uma tentativa de se estabelecer a tão sonhada parceria colaborativa a que se refere Foerste (2005).
Aspectos Metodológicos
Ao visar o estudo dos movimentos do processo de colaboração enquanto metodologia de formação inicial de professores de matemática em espaços de iniciação à docência, essa investigação optou por uma abordagem qualitativa que pode ser caracterizada como documental, com inspiração em “estudos tipicamente históricos”, conforme apontam Fiorentini e Lorenzato (2007).
Essa opção foi baseada no processo de levantamento das informações necessárias, na qual utilizou-se fontes primárias, tais como: textos teóricos, investigações, fichamentos e livros que tratam de temáticas que envolvem políticas públicas para formação de professores e programas de iniciação à docência. Ao desenvolvê-la elegemos uma metodologia de pesquisa que foi composta por três momentos e estratégias para a realização da análise histórica do conteúdo. Os dois primeiros consistiram de dois estudos sobre:
1.º) a história dos conceitos tratados nas políticas nacionais de formação de professores, com especial atenção para os dois programas de iniciação à docência, PIBID e PRP. O estudo remeteu, necessariamente, a uma pesquisa bibliográfica que envolveu tanto investigações sobre formação de professores, quanto as relações existentes entre a formação inicial de professores e a iniciação à docência.
2.º) os documentos regulatórios e as repercussões citadas em publicações sobre os Programas Institucionais PIBID e PRP desenvolvidos nos cursos de licenciatura em matemática de uma Instituição de Nível Superior (IES) federal brasileira (Universidade Federal de São Carlos - UFSCar).
Destacamos, ainda, a necessidade do terceiro momento e estratégia:
3.º) Consulta ao portal de periódico da Capes para identificação dos artigos científicos brasileiros publicados sobre os Programas de iniciação à docência do Brasil.
Nessa busca, a partir de dois descritores: 1) Iniciação à docência e 2) Política pública, encontramos artigos científicos brasileiros revisados por pares (68) entre os anos de 2008 e 2019. No segundo momento, buscamos os trabalhos completos nas revistas indicadas na busca e conseguimos acesso a 50 artigos. Após a primeira leitura, separamos os artigos pelo foco principal:
Quadro 1: Artigos científicos brasileiros - iniciação à docência e Política Pública
Focos dos estudos
Quantidade
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
16
Política e gestão educacional
Ensino Superior, Ensino Profissional, Instituto Federal de Educação
13
Inclusão Social
Educação e saúde
Aspectos didáticos
Total
50
Fonte: Elaborado pelas autoras.
A partir dessa identificação e de uma perspectiva histórica, pudemos selecionar os artigos (19) que tratavam explicitamente nos seus dados sobre o processo de implementação de iniciação à docência e/ou a política pública envolvida.
Em uma segunda busca, a partir dos descritores: 1) Programa Residência Pedagógica na formação de professores e 2) Iniciação à docência, encontramos 13 artigos científicos que tratam do PRP. Dentre eles, tivemos cinco artigos relacionados ao foco desse artigo, sendo que dois deles apresentam a história dos programas no Brasil e três discutem o processo de criação de programas de iniciação à docência.
Para compor as informações sobre os dois programas PIBID e PRP fizemos a leitura e a análise:
1) dos editais do PIBID publicados nos anos de 2009a 2012 e 2014 e dos editais PIBID e PRP publicados em 2018 e 2020 (Brasil, 2009, 2010, 2011, 2012, 2014, 2018a, 2018b, 2020a, 2020b
2) das Resoluções publicadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE, Res. 1 e 2/2002; Res. 2/2015); da Lei nº 12.796/2013 (BRASIL, 2013) de Diretrizes e Bases da Educação, que a partir de maio de 2013 incorporou o programa como uma política de formação docente e a Portaria nº 096, de 18 de julho de 2013 da Capes que apresentava, pela primeira vez, o princípio de iniciação à docência no Art. 4º: “contribuir para que os estudantes de licenciatura se insiram na cultura escolar do magistério, por meio da apropriação e da reflexão sobre instrumentos, saberes e peculiaridades do trabalho docente.”;
3) da pesquisa coordenada por André (2018), caracterizada como sendo do tipo survey e que teve como objetivo analisar o processo de inserção profissional de professores iniciantes, egressos de três programas de iniciação à docência: PIBID, Bolsa Alfabetização e PRP da Universidade Federal de São Paulo/Guarulhos; e
4) de artigos científicos identificados no mapeamento sobre o PIBID e PRP, dentre eles, os de Barbosa e Silva (2018); Bierhalz e Fonseca (2018); Jesus e Santos (2018), publicados na revista da iniciação à docência pela UESB (2018), bem como os de Locatelli (2018); e Faria e Diniz-Pereira (2019); que indicaram as tensões político-pedagógicas que ocorriam no período de implementação do programa e destacaram tanto a hegemonia do Estado, quanto os avanços “práticos nos conhecimentos e competências específicas de valorização profissional e de uma postura das IES” (Barbosa & Dutra, 2019, p. 156), e as resistências dos educadores ao programa (Silva & Cruz, 2018).
A análise das informações, de cunho interpretativo, priorizou o eixo temático: a identificação e compreensão do processo colaborativo, que pode ser configurado como movimento metodológico de formação inicial de professores de matemática em espaços de iniciação à docência.
Para a interpretação foi utilizada a técnica de triangulação dos dados sobre os documentos regulatórios e estudos publicados sobre: 1. Formação inicial de professores no Brasil e 2. Programas de iniciação à docência, PIBID e PRP (nacional e IES).
Análise das Informações
Ao analisarmos os artigos científicos identificados, podemos afirmar que durante todos esses dez anos do PIBID, escolas e universidades vêm configurando o conceito de colaboração enquanto metodologia de formação inicial de professores, ao mesmo tempo que há uma expectativa muito grande das instituições brasileiras, no sentido de acreditar que, finalmente, as licenciaturas serão valorizadas, na medida em que os dois programas, PIBID e PRP vêm se consolidando enquanto política nacional de formação de professores da Educação Básica (Souza & Almouloud, 2019). Em notícia publicada em 2018 pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), o PRP traz semelhanças e continuidade ao PIBID:
Assim como no Pibid, cada selecionado será acompanhado por um professor da escola com experiência na mesma área de ensino do licenciando e por um docente de instituição de educação superior. Além de assegurar a continuidade do Pibid, os editais propõem o aperfeiçoamento da formação de professores para a educação básica e a valorização dos cursos de licenciatura. (MEC, 2018)
Nesse sentido, os programas contribuem, a partir da aproximação com o campo profissional desde o início do curso, para que o licenciando se identifique com a profissão docente, permitindo seu amadurecimento.
Talvez seja por este motivo que quando os Programas correm algum risco de desaparecerem, as universidades se movimentam no sentido de salvá-los e mantê-los como uma política de Estado que permita aos licenciandos estarem imersos nas escolas públicas e conhecerem, refletirem, questionarem e se apropriarem dos elementos que compõem a profissão docente.
As publicações estudadas também alertam para os desafios de se configurar tanto o PIBID quanto o PRP, como possível metodologia de formação de professores, em dois contextos distintos e complementares que permitem a iniciação à docência.
No caso da UFSCar, o PIBID já completou 10 anos e desde a primeira versão do projeto iniciado em 2009, as atividades desenvolvidas foram entendidas na perspectiva da prática como componente curricular (PCC) com créditos atribuídos em carga horária complementar nos cursos de licenciaturas.
Em ambos os contextos [universidade e escola], pressupõem-se que haja um movimento de negociação curricular com os professores, alunos, gestores e a comunidade, em conformidade com a metodologia de colaboração no Programa. As estratégias de colaboração são, no entanto, diversas em função, fundamentalmente do respeito ao tempo próprio da aula e à tentativa da construção de novas temporalidades para as situações didáticas, na escola. É possível, portanto, falarmos de movimentos recíprocos, que relacionam as práticas da sala de aula com ações que se darão no contexto escolar e na comunidade e que visam integrá-las como contribuição do Programa à melhoria do ensino e ao aprimoramento da formação de professores autônomos e investigativos. Esses movimentos recíprocos são sistematizados e refletidos na forma de portfólios.
Nos últimos cinco anos, também houve a publicação da Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior e para formação continuada e que em seu § 6º diz
O projeto de formação deve ser elaborado e desenvolvido por meio da articulação entre a instituição de educação superior e o sistema de educação básica, envolvendo a consolidação de fóruns estaduais e distrital permanentes de apoio à formação docente, em regime de colaboração. (Conselho Nacional de Educação - CNE, 2015, p. 5)
Nesse sentido, as ações do PIBID da UFSCar vão ao encontro dessa diretriz ao construírem espaços de iniciação à docência a partir da articulação entre universidade e escola em uma perspectiva colaborativa, sendo inclusive um dos pilares do projeto institucional (UFSCAR, 2018a, 2020a). Podemos destacar também a contribuição no processo de integração entre os alunos das licenciaturas oferecidas nos seus campi, indo ao encontro do que denominamos de metodologia da parceria colaborativa. Nessa década de desenvolvimento do Programa na IES, identificamos a consolidação do diálogo institucional da parceria que foi se aproximando da perspectiva colaborativa. Essa aproximação pode ser considerada um movimento no processo de colaboração.
O Programa Residência Pedagógica (PRP) apresentado pelo Capes em 2018, tem por objetivo
induzir o aperfeiçoamento da formação prática nos cursos de licenciatura, promovendo a imersão do licenciando na escola de educação básica, a partir da segunda metade de seu curso. Essa imersão deve contemplar, entre outras atividades, regência de sala de aula e intervenção pedagógica, acompanhadas por um professor da escola com experiência na área de ensino do licenciando e orientada por um docente da sua Instituição Formadora. (Brasil, 2018b)
No caso da UFSCar, o PRP, considerando o movimento já existente, teve como objetivo geral dar visibilidade e fortalecer os estágios curriculares supervisionados obrigatórios que vêm sendo desenvolvidos nos cursos de licenciaturas nos campi. Nesse projeto, as diferentes áreas de conhecimento da UFSCar engajaram-se para desenvolver a metodologia denominada de parceria colaborativa (UFSCar, Projeto Residência Pedagógica, 2018b, 2020b). Há aqui, uma relação direta entre um programa de iniciação à docência com o estágio supervisionado.
A articulação do PRP com o estágio curricular supervisionado obrigatório dos cursos explicita o interesse e a necessidade da universidade em consolidar e fortalecer seu “projeto de formação docente” multicampi. Ao mesmo tempo, o PRP é considerado continuidade e/ou programa complementar ao PIBID.
Desse modo, as participações nos Programas contribuíram para dar visibilidade e sustentabilidade (incluindo os fomentos) ao movimento de construção do conceito de parceria compartilhada, em que as ações são sistematizadas em relatórios reflexivos, nas quais todos os envolvidos são responsáveis pelo pensar e fazer um trabalho com os professores. Nesse momento,
rompe-se com a ideia de que cabe apenas às universidades tecerem teorias sobre o ensino para serem aplicadas nas escolas, de forma que os professores sejam considerados apenas executores de teorias gestadas externamente, fora do âmbito escolar. Ao mesmo tempo, tem-se a intenção de que os conhecimentos produzidos pelas escolas sejam reconhecidos e valorizados, socialmente. (Gama & Sousa, 2015, p. 20)
Foerste (2005) também nos esclarece que no movimento denominado
parceria estão sendo desenvolvidas atividades articuladas na formação inicial e em serviço. A parceria parece caracterizar-se como um movimento interinstitucional de construção de um novo paradigma de formação do professor, em que se observa, e isso, segundo Smedley, precisa ser enfatizado, a existência de complexas interações, envolvendo principalmente alunos (graduandos), docentes da escola básica e professores da universidade. Trata-se de um movimento irreversível e necessário, que está apenas começando e que pode impulsionar uma profissionalidade docente, ainda que se perceba uma clara intervenção do governo no processo. (Foerste, 2005, pp. 91-92)
Para finalizar, a partir de 2020, diante da pandemia promovida pela COVID-19 (Malta et al., 2020) estamos vivenciando um novo movimento de formação remota com múltiplos aprendizados para todos os envolvidos, sendo eles os professores da Educação Básica, os formadores, os licenciandos e as próprias instituições de ensino em diálogo (Gama, 2020).
Essa pandemia, primeiramente colocou em questão se existiria a possibilidade de ensino remoto emergencial nas redes públicas e nas universidades, segundo os pressupostos de Rondini e Duarte. (2020). Com o passar dos meses, os dados e as reflexões sobre o processo educativo nos colocaram na busca por caminhos de enfrentamento das novas questões.
No que diz respeito à Educação, conforme a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), sabemos que a crise causada pela Covid-19 resultou no encerramento das aulas em escolas e em universidades, afetando mais de 90% dos estudantes do mundo (UNESCO, 2020). A partir desse número, pergunta-se: qual o futuro da Educação num mundo abalado pelo novo coronavírus? (Dias & Pinto, 2020, p. 545)
Essa questão nos leva a uma outra: qual será o futuro dos programas de iniciação científica diante deste contexto pandêmico e dos seus desdobramentos?
Para respondê-las precisamos pensar em diferentes ações que considerem encontros síncronos e assíncronos com todos os envolvidos, de forma a considerar os desafios que estão postos para todos os países indicados nos estudos de Honorato e Nery (2020).
Temos a convicção de que estamos em um movimento completamente atípico e em processo de construção, mas definimos pela continuidade da parceria colaborativa na busca por caminhos e ações educativas.
Considerando que a UFSCar optou por todas as atividades remotas no ano de 2020 e que a rede pública estadual passou em 2021 para o retorno gradual ao ensino presencial, convém destacar que esse movimento formativo de 2020 pode ser mantido devido à institucionalização da colaboração enquanto metodologia de formação inicial de professores em espaços de iniciação à docência, construída processualmente com as redes públicas há mais de uma década.
Considerações Finais
Este artigo identifica e descreve movimentos de colaboração em espaços de iniciação à docência pertencentes à formação inicial de professores de matemática.
O primeiro movimento está presente nas reformulações dos cursos de licenciaturas brasileiros, considerando as resoluções nacionais. Na UFSCar, a partir da reformulação dos cursos de licenciatura em Matemática (CNE, 2002a, 2002b, 2015) pudemos identificar os indícios da construção da metodologia colaborativa na busca pelo estágio compartilhado (universidade e escola). Esse movimento apresentou elementos estruturantes para a apropriação dos aspectos teóricos do processo de desenvolvimento profissional docente, envolvendo principalmente práticas reflexivas e investigativas.
Nesse momento, houve a intencionalidade da parceria com a Educação Básica em uma perspectiva colaborativa que considera que todos os envolvidos são responsáveis por fazer e pensar o ensino de Matemática (futuros professores, professores da Educação Básica e Docentes IES).
O segundo movimento de colaboração surge no PIBID a partir da iniciativa de parceria oficial do Ministério da Educação e Cultura (MEC) do Brasil propondo um Programa Nacional de iniciação à docência (2007) em busca da valorização do magistério. Ao longo de uma década de desenvolvimento do Programa na IES, o processo colaborativo foi sendo estudado em conjunto por todos os participantes e se tornou um dos dois pilares do projeto.
A colaboração passa a ser a metodologia de formação de professores utilizada no PIBID nos dois últimos editais (UFSCar, 2018a, 2020a), buscando o trabalho “com” a escola da Educação Básica nos processos de planejar, desenvolver e avaliar as suas próprias práticas. Essa metodologia utiliza a escrita reflexiva (portfólio) e a postura investigativa para promover aprendizados “da” prática docente (Fiorentini & Crecci, 2016) nas reuniões de área de cada licenciatura e nas reuniões de escola com duas ou mais áreas, que atuam nas ações interdisciplinares.
O movimento no PIBID também foi identificado como relevante para a institucionalização da parceria e para que os diálogos possam possibilitar os conhecimentos tantos dos objetivos de cada instituição quanto dos objetivos comuns, que podem ser construídos na perspectiva colaborativa. Essa institucionalização se diferencia da parceria oficial descrita por Foerste (2005) em que o Estado define as ações.
O terceiro movimento de colaboração é o mais recente ao vincular os estágios supervisionados obrigatórios a um Programa Institucional Nacional (PRP). Porém, no edital de 2020, apesar de manter atividades de regências, não explicitam essa vinculação. A UFSCar, mantendo sua tradição de participação dos editais oferecidos à formação inicial dos professores, propôs um projeto para a valorização das suas propostas de estágios já desenvolvidas nos cursos de licenciatura, além de garantir minimamente condições para os futuros professores estarem nas escolas e para os professores da Educação Básica os receberem diante da parceria institucional estabelecida. O projeto previu dois pilares de sustentação baseados nos conceitos de colaboração e identidades docentes. A articulação do PRP com o estágio curricular supervisionado obrigatório dos cursos explicita o interesse e a necessidade da universidade em consolidar e fortalecer seu projeto de formação docente multicampi.
No caso da licenciatura em Matemática, o Programa pode institucionalizar o estágio compartilhado e oferecer, aos professores da Educação Básica, condições mínimas para atuarem na formação dos futuros professores e estarem em formação continuada na perspectiva do desenvolvimento profissional docente (Day, 1999). Esse movimento de colaboração no PRP pode ser destacado pela apropriação e construção do processo de profissionalização docente. Esse processo defende o oferecimento das condições e exigências mínimas para os formadores, sendo considerado uma formação específica; carga horária de trabalho enquanto oferecimento de disciplina de estágio, para que ocorra o desenvolvimento das atividades de articulação universidade/escola e de teoria/prática.
Assim, temos movimentos que permitiram a construção da colaboração enquanto metodologia de formação inicial de professores nos espaços de iniciação à docência ao considerar e valorizar um processo longitudinal de: co-formação entre todos os envolvidos; os diálogos e as negociações no planejar, desenvolver e avaliar as práticas docentes; intencionalidades, engajamentos institucionais, práticas, escritas reflexivas e investigativas no/do processo vivido. Dessa forma, conforme indicado em parágrafos anteriores, tais movimentos estão em consonância com as pesquisas desenvolvidas sobre a temática nos últimos anos.