Introdução
A Educação é uma prática social e um direito social previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e tem a escola como um espaço de garantia desse direito. Uma das funções da escola é formar o estudante para a cidadania crítica, ou seja, formar um cidadão-trabalhador que interfira criticamente na realidade a fim de transformá-la e não formar apenas para o ingresso no mercado de trabalho (Libâneo, 2017). Ainda de acordo com Libâneo (2017), a Educação Ambiental contribui com a formação humana ao promover reflexões sobre as relações do ser humano com a natureza no sentido de assegurar qualidade de vida para gerações futuras.
Dessa forma, ao fazer uma ponte entre a função da escola em formar um cidadão crítico e a atual relação de desequilíbrio entre sociedade, consumo e meio ambiente, é possível perceber a importante relação desses debates para o processo de formação crítica do estudante. Santos (2021) destacou em seu texto a importância das metodologias e estratégias de ensino que contribuem para o desenvolvimento do pensamento crítico, como, por exemplo, atividades que incentivem a curiosidade, o senso crítico, o processo reflexivo, o debate e a resolução de problemas.
Nesse sentido, as metodologias ativas surgiram como uma proposta interessante ao se pensar no processo de aprendizagem e desenvolvimento do pensamento crítico dos estudantes, uma vez que, de acordo com Barbosa e Moura:
A aprendizagem ativa ocorre quando o aluno interage com o assunto em estudo - ouvindo, falando, perguntando, discutindo, fazendo e ensinando - sendo estimulado a construir o conhecimento ao invés de recebê-lo de forma passiva do professor. Em um ambiente de aprendizagem ativa, o professor atua como orientador, supervisor, facilitador do processo de aprendizagem e não apenas como fonte única de informação e conhecimento. (2013, p. 55)
Ao mesmo tempo, ao utilizar métodos ou estratégias que promovam a aprendizagem significativa, os estudantes se ocupam em fazer algo e, concomitantemente, pensar sobre o que estão fazendo (Bonwell & Eison, 1991) e essa característica é fundamental para a formação integral, a qual tem como proposta promover a apropriação do conhecimento para compreender as relações sociais e produtivas, articulando trabalho, ciência, tecnologia e cultura para a formação de um ser humano crítico, autônomo, reflexivo e com responsabilidade socioambiental (Brasil, 2013).
Nesse ponto, é importante destacar que algumas práticas pedagógicas não são rotuladas como metodologia ativa, porém, são consideradas em função de suas características, como é o caso da técnica role-play - do inglês, jogo de papéis. De acordo com Rabelo e Garcia (2015, p. 587) “o role-play pode ser definido como uma técnica na qual alunos são convidados a atuar em determinado contexto, interpretando papéis específicos”. Ainda de acordo com essas autoras, elas afirmaram que essa técnica oferece oportunidade para que os estudantes construam o conhecimento por meio da reflexão crítica.
Além disso, Ladousse (2001) afirmou que o role-play é uma atividade de comunicação divertida capaz de desenvolver a fluência na língua, promover a interação entre as pessoas e aumentar a motivação dos estudantes. Por essas características e, considerando a formação integral como o objetivo central da pesquisa, optou-se por utilizar a técnica role-play como ferramenta para discutir os problemas ambientais observados na instituição.
Em vista dissoe considerando a importância da responsabilidade socioambiental no processo de formação para a prática cidadã, este artigo tem como objetivos apresentar uma proposta de atividade que utiliza o role-play como alternativa aos métodos tradicionais de ensino, além de discutir as possíveis contribuições dessa metodologia para a introdução de assuntos da Educação Ambiental e para a promoção da formação integral. Para tanto, foi elaborada uma atividade de simulação de Assembleia Escolar para debater, com toda a comunidade escolar, sobre o descarte e a destinação final dos resíduos sólidos na perspectiva da relação entre produção, consumo e sociedade.
A motivação para realizar esta proposta de atividade surgiu a partir de uma situação real e recorrente de descarte incorreto das embalagens dos lanches industrializados que os estudantes recebem diariamente em uma unidade do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) que compõe a Rede de Educação Profissional e Tecnológica do Brasil, que foi o locus do desenvolvimento desta pesquisa.
Meio ambiente, sociedade e juventude
O meio ambiente representa as interações e relações existentes entre homem e natureza, as quais acontecem há milhares de anos, sendo natural que mudanças históricas no modo de vida das civilizações, desde o homem primitivo até a sociedade atual, bem como as mudanças nas relações sociais, políticas, econômicas e culturais entre as civilizações provoquem alterações nesse processo de interação. Nesse sentido, Reigota definiu meio ambiente como:
Um lugar determinado e/ou percebido onde estão em relação dinâmica e em constante interação os aspectos naturais e sociais. Essas relações acarretam processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e políticos de transformação da natureza e da sociedade. (2017, n.p.)
De acordo com Marx e Engels (2019), o homem se diferenciou dos animais no momento em que produziu seus meios de vida. Para tanto, o homem passou a agir sobre a natureza, transformando-a para atender as suas necessidades. Contudo, esse processo de transformação, atrelado à lógica consumista do sistema de produção capitalista, atingiu grandes proporções, motivando uma exploração desenfreada da natureza e de seus recursos e, consequentemente, ocasionou desequilíbrio e problemas ao meio ambiente.
Entre as mudanças históricas observadas no modo de vida e no comportamento do ser humano, é possível destacar o aumento exponencial da sociedade, a exploração de recursos naturais não renováveis para a expansão econômica e tecnológica e o consumo exagerado (Cardoso & Cardoso, 2016).
O consumo está relacionado ao sistema de produção capitalista, à produção em massa e ao surgimento de grandes empresas. Nesse momento, houve a necessidade de investir em estratégias de publicidade para o consumo dos produtos, sendo assim, as empresas utilizaram os principais meios de comunicação, como rádio e televisão, para criar necessidades nos consumidores, surgindo, dessa forma, uma nova sociedade. De acordo com Kupstas (1997, p. 99) “a associação entre esse modelo de produção em série, adotado pelas indústrias e as empresas de prestação de serviços caracterizaram uma nova sociedade: a sociedade de consumo”.
Nesse modelo são criadas necessidades por novos produtos, seja por meio da mídia incentivadora ou pela vida útil muito curta de boa parte dos itens produzidos. Além disso, na sociedade moderna, prevalece o individualismo, como afirmou Guimarães:
Na racionalidade que constitui e é constituída pela modernidade, o que prevalece são os interesses individuais/particulares sobre as necessidades comuns, coletivas, do conjunto. Essa prevalência justifica-se por essa postura individualista e antropocêntrica - quando a humanidade se vê como o centro, e tudo que está ao seu redor existe para atender aos seus interesses. (2007, p. 87)
Diante dessa realidade e, considerando que a juventude é compreendida como parte de um processo de constituição de sujeitos, os quais são influenciados pelos meios sociais e pelas trocas proporcionadas nesses espaços (Dayrell, 2003), é fundamental que a escola crie condições e oportunidades como forma de contribuir para que essas trocas aconteçam na escola.
Além do mais, é preciso enxergar o estudante como um sujeito social, o qual interpreta e dá sentido ao seu mundo, sendo capaz de refletir, de ter suas posições e ações próprias (Dayrell, 2003). Diante do exposto, verifica-se a importância da escola em compreender todo o processo envolvido nessa etapa da vida do jovem, assim como indagou Freire (2016, p. 32), “Por que não estabelecer uma ‘intimidade’ entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?”.
Nesse sentido, ao enxergar o estudante como sujeito social, a escola é capaz de planejar ações didáticas e pedagógicas que colaborem com o processo de aprendizagem, assim como afirmou Reis (2021, p.6) “os alunos necessitam que os incentivem a assumir responsabilidade pela promoção do bem-estar nas comunidades e nos ecossistemas em que vivem”, o que reforça a importância das metodologias ativas de aprendizagem e dos espaços de trocas.
A Assembleia Escolar é um exemplo de espaço de troca, sendo uma estrutura de organização educativa que garante a participação democrática dos estudantes nas decisões relativas à organização e funcionamento da escola (Pacheco & Pacheco, 2018). Por meio desses espaços, a escola possibilita a construção e o compartilhamento dos saberes, além do respeito e desenvolvimento do pensamento crítico, o qual, de acordo com Santos (2021, p. 102) é “essencial para a formação de um cidadão crítico e participativo na sociedade, tomando decisões sobre questões públicas, relacionadas à ciência, tecnologia, economia, política, preservação do meio ambiente”.
Ainda em relação ao pensamento crítico, Blanco López, España Ramos e Franco-Mariscal (2017) apresentaram suas dimensões: visão da ciência, conhecimentos, análise crítica da informação, tratamento de problemas, argumentação, autonomia pessoal, tomada de decisões e comunicação e afirmaram que:
O desenvolvimento do pensamento crítico está relacionado com o progresso em cada uma das dimensões anteriores e, sobretudo, com a integração das mesmas. Seu desenvolvimento pode ser promovido trabalhando individualmente cada uma das oito dimensões, mas é necessário incluir também problemas em que todas elas são abordadas de forma integrada. (2017, p. 109)
Educação ambiental e role-play para uma formação integral
De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) (Brasil, 2020, pp. 22-23) estima-se que, em 2019, a população brasileira gerou, aproximadamente, 65,11 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos no Brasil, o que equivale a 0,99 kg/hab/dia e coletou apenas 1,6 milhão de toneladas de resíduos recicláveis urbanos. Isso pode ocorrer pelo fato de apenas 38,7% dos municípios brasileiros oferecerem a coleta seletiva de forma oficial, por meio das prefeituras municipais. Os números elevados são reflexos da sociedade de consumo, a qual precisa ter consciência sobre a exploração dos recursos naturais no processo produtivo e também dos impactos gerados no acúmulo desses resíduos.
Na Instituição locus da pesquisa, os principais resíduos sólidos produzidos durante os intervalos são as embalagens cartonadas, provenientes dos sucos e achocolatados e as embalagens metalizadas de BOPP (do inglês, “Biaxially oriented polypropylene”), provenientes das bolachas. Ambas as embalagens apresentam multicamadas de materiais, o que pode, em alguns casos, dificultar o processo de reciclagem. As embalagens cartonadas são compostas por papel, polietileno e alumínio (Alvarenga, 2013), enquanto que as embalagens metalizadas são compostas por polipropileno e alumínio (Moreira, 2018).
Diante desse contexto, observa-se que o descarte inapropriado dos resíduos sólidos provoca impactos ambientais e, consequentemente, sociais, como, por exemplo, as enchentes que afetam milhares de famílias nos centros urbanos e, por isso, a importância das discussões dentro do ambiente escolar.
De acordo com a Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, a Educação Ambiental é entendida como os processos nos quais os indivíduos constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências para a conservação do meio ambiente, por isso, trata-se de um componente essencial e permanente da educação nacional e deve estar presente em todos os níveis e modalidades de ensino, em caráter formal e não formal (Brasil, 1999). Sobre isso, Müller afirmou que:
A Educação Ambiental na escola não é a solução mágica para os problemas ambientais, mas um processo contínuo de aprendizagem e de conhecimentos, bem como da prática de ser cidadão, capacitando o indivíduo para uma visão crítica da realidade e uma atuação consciente no espaço social. Não se trata de uma transferência de responsabilidades, mas a construção da responsabilidade no ambiente escolar pelas relações com a natureza, sociedade e cultura. (1998, p. 32)
Nessa perspectiva e, considerando a importância da responsabilidade socioambiental, é fundamental que o espaço escolar também seja utilizado na aplicação de práticas sociais, culturais, afetivas, entre outras, conforme afirmou Guará:
A concepção de educação integral que associa à formação integral traz o sujeito para o centro das indagações e preocupações da educação [...] Ao colocar o desenvolvimento humano como horizonte, aponta para a necessidade de realização das potencialidades de cada indivíduo, para que ele possa evoluir plenamente com a conjugação de suas capacidades, conectando as diversas dimensões do sujeito (cognitiva, afetiva, ética, social, lúdica, estética, física, biológica). (2006, p. 16)
Além do mais, quando a proposta é oferecer uma educação transformadora e que promova a reflexão de forma a integrar o conteúdo abordado dentro de uma sociedade ao invés de tratar as questões de maneira isolada, a Educação Ambiental crítica pode ser uma alternativa interessante, pois, de acordo com Loureiro:
Para a Educação Ambiental crítica, a emancipação é a finalidade primeira e última de todo o processo educativo que visa à transformação de nosso modo de vida; a superação das relações de expropriação, dominação e preconceitos; a liberdade para conhecer e gerar cultura tornando-nos autônomos em nossas escolhas. (2007, p. 70)
Para complementar, Loureiro (2003, p. 46) afirmou que a Educação Ambiental “não tem a finalidade de reproduzir e dar sentido universal a valores de grupos dominantes, impondo condutas, mas de estabelecer processos práticos e reflexivos que levam à consolidação de valores”. Assim, essa abordagem corrobora com a formação integral, que permite o desenvolvimento das potencialidades do sujeito a fim de satisfazer suas necessidades, tornando-o, ao mesmo tempo, produtivo e criativo, ao invés de explorado (Ramos, 2009). Por isso, a importância em criar e manter os espaços de diálogos sobre Educação Ambiental dentro das instituições de ensino.
Nesse sentido, com a perspectiva da construção do conhecimento e pensamento crítico, a metodologia ativa e, no caso deste artigo, o role-play, apresentam características compatíveis com a proposta da atividade, sendo importante que o estudante ultrapasse o papel de passivo para tornar-se crítico, criativo, pesquisador e atuante, e, enfim, produzir conhecimento (Moran, 2018).
Além do mais, um dos objetivos dessa atividade é oferecer uma alternativa aos métodos tradicionais de ensino, de acordo com Freire (2016, p. 24) “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção” e, nesse sentido, a utilização do role-play como prática pedagógica pode contribuir de forma positiva, pois, ao envolver os estudantes ativamente, é possível transformá-los em sujeitos do processo de aprendizagem.
Ainda dentro deste contexto, Dias e Assis (2021), após concluírem sua pesquisa, afirmaram que a aplicação do role-play promoveu avanços no desempenho escolar dos estudantes e também no desenvolvimento da interação, respeito e cooperação entre eles, características importantes ao se pensar no processo de formação integral dos estudantes. Por sua vez, Oliveira e Soares (2005) concluíram, em sua pesquisa sobre a aplicação de um júri simulado, que a atividade foi importante por estimular a cooperação entre os estudantes, os quais perceberam que os resultados eram mais satisfatórios quanto maior a cooperação entre eles.
Vale ressaltar que ao propor atividades com role-play é necessário considerar alguns pontos importantes, como, partir de um problema atual, controverso e que tenha informações disponíveis e acessíveis para as pesquisas (Blanco López, España Ramos, & Franco-Mariscal, 2017). Por isso, ao utilizar o role-play em uma Assembleia Escolar para debater sobre um problema real de descarte incorreto de resíduos sólidos, a ideia foi introduzir um tema atual do cotidiano dos estudantes para que eles fossem instigados a buscar novas informações sobre o assunto e capazes de pensar e tomar decisões considerando a posição da figura interpretada, e, assim, estimulassem a curiosidade, a criatividade e a capacidade de relacionar teoria e prática para a construção do conhecimento.
Para contribuir ainda mais nesse processo, outra característica desenvolvida na aplicação da atividade foi o incentivo à pesquisa que é capaz de despertar a curiosidade dos estudantes, estimulando-os na busca por informações, respostas e conhecimento. De acordo com Demo:
Pesquisa como princípio científico e educativo faz parte de todo processo emancipatório, no qual se constrói o sujeito histórico autossuficiente, crítico e autocrítico, participante e capaz de reagir contra a situação de objeto e de não cultivar o outro como objeto. Pesquisa como diálogo é processo cotidiano integrante do ritmo de vida, produto e motivo de interesses sociais em confronto, base da aprendizagem que não se restrinja a mera reprodução; Na acepção mais simples, pode significar conhecer, saber, informar-se para sobreviver, para enfrentar a vida de modo consciente. (2006, pp. 42-43)
Isto posto, verifica-se a necessidade de revisão das práticas pedagógicas utilizadas atualmente, uma vez que, em muitos casos, observa-se o uso contínuo de práticas educativas com objetivos de memorização que diminuem as possibilidades de desenvolver a criatividade dos estudantes e de reflexões sobre o conteúdo estudado sendo que, dessa forma, há pouco espaço para a construção do pensamento crítico.
No caminho para superar essa prática pedagógica, buscando a emancipação dos estudantes, a inclusão da pesquisa nas atividades desenvolvidas na escola surge como uma possibilidade para que a aprendizagem seja significativa. Assim como afirmou Freire:
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses quefazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (2016, pp. 30-31)
Aspectos metodológicos
Para alcançar os objetivos deste trabalho, optou-se pela pesquisa qualitativa por envolver a obtenção de dados descritivos adquiridos no contato direto do pesquisador com a situação estudada (Bogdan & Biklen, 1982). Por sua vez, a metodologia tem características que se assemelham à pesquisa-ação, definida por Thiollent (1986, p. 14) como “uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”.
Em relação à coleta de dados, utilizou-se a observação participante registrada em diário de campo, gravação dos vídeos e áudios dos encontros e a análise das propostas elaboradas pelos estudantes. Por sua vez, os dados coletados foram interpretados e analisados, à luz dos referenciais teóricos, com base na proposta da análise de prosa. De acordo com André:
Análise de prosa é aqui considerada uma forma de investigação do significado dos dados qualitativos. É um meio de levantar questões sobre o conteúdo de um determinado material: O que é que este diz? O que significa? Quais suas mensagens? E isso incluiria naturalmente, mensagens intencionais e não-intencionais, explícitas ou implícitas, verbais ou não-verbais, alternativas ou contraditórias. O material neste caso pode ser tanto o registro das observações e entrevistas quanto outros materiais coletados durante o trabalho de campo como documentos, fotos em um quadro, um filme, expressões faciais, mímicas, etc. (1983, p. 67)
A pesquisa foi desenvolvida em uma unidade do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), localizada no interior do estado de São Paulo/Brasil, que oferece cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM) integrada ao Ensino Médio e também subsequente ao Ensino Médio, como cursos superiores.
Os sujeitos da pesquisa foram seis estudantes dos cursos Técnicos em Açúcar e Álcool, Alimentos e Química que constituem os cursos da Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM) integrada ao Ensino Médio e três do curso de Licenciatura em Química. Para o desenvolvimento da pesquisa todos os princípios éticos foram cumpridos, valendo salientar que para preservar a identidade dos sujeitos participantes da pesquisa, eles foram identificados pela letra E, seguida de um número (1 a 9) que foi atribuído de acordo com a ordem de inscrição na atividade.
Dos nove estudantes, oito se identificaram pelo sexo feminino e um se identificou pelo sexo masculino, com idades entre 16 e 40 anos. Quanto ao período do curso, havia estudantes cursando períodos iniciais e, outros, finais. Tais características apontam para a heterogeneidade do grupo formado, o que possibilitou um ambiente rico e diverso em relação, especialmente, às vivências, olhares, expectativas e experiências no câmpus e na vida até aquele momento.
Para o desenvolvimento da atividade foi elaborada a sequência didática “O jogo dos cinco para a Educação Ambiental: jogar, aprender e agir” que possui informações detalhadas da aplicação do role-play na simulação da Assembleia Escolar, bem como de outras atividades que não foram abordadas neste artigo. A sequência didática pode ser acessada, na íntegra, no repositório eduCapes, por meio do link de acesso http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/643660.
Em virtude da pandemia do novo coronavírus, e doença correlata COVID-19, houve uma suspensão das aulas presenciais e, por isso, a atividade foi realizada no formato virtual por meio da plataforma Microsoft Teams (o resumo está descrito na Figura 1).
Essa atividade foi proposta com o objetivo de estimular a participação ativa dos estudantes e foi dividida em três encontros, sendo que no primeiro houve maior participação dos pesquisadores, enquanto no segundo e terceiro os pesquisadores apenas direcionaram a atividade, a qual foi conduzida pelas apresentações e discussões entre os estudantes.
As características, etapas e atividades de cada encontro foram descritas detalhadamente a seguir:
Primeiro encontroFigura 2
No primeiro encontro foi apresentado o problema de pesquisa referente ao descarte incorreto de resíduos na instituição locus de pesquisa e realizada a formação dos estudantes com discussões acerca da relação entre produção, consumo e sociedade, além da apresentação das metodologias ativas, role-play, Assembleia Escolar e resíduos sólidos.
Após a formação inicial dos estudantes, os pesquisadores apresentaram a proposta da atividade que consistiu no role-play, por meio da simulação de uma reunião de Assembleia Escolar para debater sobre o problema de descarte apresentado anteriormente. Para essa atividade, os estudantes dividiram-se em grupos, a saber: estudantes, direção do câmpus, comissão de resíduos sólidos, pais e equipe de limpeza, que foram os papéis interpretados por cada um deles durante a Assembleia.
Além disso, apresentou-se aos estudantes a proposta central da atividade de simulação que consistiu na elaboração de propostas de ação com a finalidade de conscientizar a comunidade escolar sobre a importância da gestão dos resíduos sólidos e da relação consciente com os bens de consumo, na tentativa de minimizar os impactos do excesso de resíduos produzidos no câmpus e do descarte incorreto das embalagens.
Após essa etapa, os participantes se dividiram em cinco grupos. A divisão dos grupos e escolha dos papéis a serem interpretados ocorreram de maneira natural, sem qualquer imposição, sendo a única exigência o mínimo de um estudante por grupo para não prejudicar a atividade. A seguir, a tabela 1 com a divisão dos grupos.
Grupo - Papel | Número de estudantes no grupo |
---|---|
G1 - Estudantes | Dois estudantes |
G2 - Direção do campus | Três estudantes |
G3 - Comissão de Resíduos Sólidos | Um estudante |
G4 - Pais dos estudantes | Um estudante |
G5 - Equipe de limpeza do campus | Dois estudantes |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Após as definições, foram agendadas as datas do segundo encontro, o qual foi realizado com cada um dos grupos. Esse encontro foi gravado e os áudios transcritos para utilização na análise dos dados que está descrita na seção “Resultados e Análise dos dados” deste artigo.
Segundo encontro
O segundo encontro foi denominado como tutoria, sendo definida como momentos de interação entre os pesquisadores e grupos de até três pessoas. Foi realizada com cada um dos cinco grupos formados com a intenção de auxiliar os estudantes na organização para a Assembleia Escolar para que eles estivessem mais bem preparados para a reunião, assim como apontado por Pacheco e Pacheco (2018).
Sendo assim, um a um, os grupos reuniram-se com os pesquisadores, e isso possibilitou uma relação mais próxima, corroborando com Ruscheinsky (2005, p. 140) quando afirmou que “o contato direto com a população-alvo envolve conhecer seus sentimentos, seus valores, seus olhares e suas práticas sociais”.
Esse encontro teve duração aproximada de 30 minutos com cada grupo e foi baseado em diálogos entre os pesquisadores e os estudantes em que os grupos apresentaram as ideias em desenvolvimento ou, em outras situações em que o grupo não havia se reunido anteriormente, aproveitaram o espaço para discussão das ideias e elaboração das propostas para apresentação na Assembleia Escolar.
Além disso, nos encontros com cada grupo, foi possível expandir a discussão e estabelecer diálogos sobre a relação de cada um com os resíduos sólidos, a Educação Ambiental nas escolas, entre outros assuntos relacionados. Esse encontro foi gravado e os áudios transcritos para utilização na análise dos dados que está descrita na seção “Resultados e Análise dos dados” deste artigo.
Terceiro encontro
No terceiro encontro aconteceu o role-play, dessa forma, cada grupo teve até cinco minutos para apresentar a proposta de ação, que será apresentada na seção “Resultados e Análise dos dados” deste artigo, para conscientizar a comunidade escolar sobre a importância da gestão dos resíduos sólidos e da relação consciente com os bens de consumo. As apresentações foram elaboradas por cada grupo e realizadas de forma oral pelos membros dos grupos. Após todas as apresentações finalizadas, a fim de estimular a participação e interação entre os estudantes, cada grupo interagiu com o grupo seguinte (Figura 3), por mais cinco minutos, por meio de perguntas e respostas, sendo que todos os grupos também puderam participar livremente.
Finalizada essa etapa, os participantes deixaram os papéis que estavam interpretando (estudantes, direção do câmpus, comissão de resíduos sólidos, pais e equipe de limpeza) e todos passaram a interpretar o papel de estudantes, uma vez que são os únicos com direito ao voto na Assembleia Escolar (Pacheco & Pacheco, 2018). Isto feito, cada estudante votou, por meio de formulário eletrônico, na proposta que mais lhe interessou e, na sequência, retornou ao papel inicial que estava interpretando.
Após a apuração dos votos, o resultado foi informado e, para finalizar a atividade, foi realizada uma roda de conversa (Figura 4) pois, de acordo com Rabelo e Garcia (2015, p. 590) essa etapa permite analisar, de forma crítica, o planejamento da atividade, bem como as relações estabelecidas e as opiniões expostas pelos grupos na simulação.
Resultados e análise dos dados
Inicialmente, os resultados foram apresentados de acordo com os grupos da simulação da Assembleia Escolar. Na sequência eles foram interpretados e discutidos à luz dos referenciais teóricos assumidos.
Assembleia Escolar e protagonismo
Na simulação da Assembleia Escolar, os estudantes foram separados por grupos, conforme descrito anteriormente, para interpretar um papel específico da comunidade escolar. De acordo com a atividade apresentada aos estudantes, cada grupo elaborou e apresentou uma ou mais propostas de ação com a intenção de conscientizar a comunidade escolar sobre a importância da gestão dos resíduos sólidos e da relação consciente com os bens de consumo, na tentativa de minimizar os impactos do excesso de resíduos produzidos e descartados de maneira inadequada na instituição locus dessa pesquisa.
As apresentações foram realizadas de forma oral pelos membros dos grupos, não sendo necessário e nem obrigatório a apresentação do material em outros formatos, uma vez que o encontro foi gravado. Apesar disso, dois dos cinco grupos enviaram o material em formato digital para os pesquisadores antes da atividade de role-play. As propostas apresentadas na Assembleia Escolar estão descritas a seguir.
O grupo 1 apresentou duas propostas, sendo a primeira referente ao aumento das lixeiras de orgânicos e recicláveis na área de convívio, a fim de melhorar a distribuição nessa área; a segunda refere-se a uma atividade prática em que os docentes, após o intervalo, levem os estudantes até a área de convívio para observação da área e, após isso, incluam, nas aulas, palestras com a cooperativa de recicláveis da cidade para que os estudantes reflitam sobre a situação observada na instituição.
Já o grupo 2 apresentou três propostas, sendo a primeira referente ao currículo dos cursos da EPTNM integrada ao Ensino Médio com a inserção de uma disciplina de Educação Ambiental; a segunda refere-se à divulgação de assuntos referentes a questões ambientais, por meio de um panfleto virtual; a terceira refere-se a um festival de Educação Ambiental destinado à comunidade interna e externa como proposta de compartilhar o conhecimento com atividades práticas.
O grupo 3, por sua vez, apresentou como proposta a oferta de uma oficina de reciclagem e reutilização de materiais. A proposta inicial seria oferecer a oficina para reutilizar as embalagens de suco que são distribuídas diariamente nos intervalos e transformá-las em outros objetos, como, por exemplo, porta-objetos e poltronas. Esse grupo aproveitou uma das propostas do grupo 2 e sugeriu unir ideias e oferecer a oficina durante o festival de Educação Ambiental.
Infelizmente, o grupo 4 não participou do role-play, porém, enviou a proposta com antecedência que foi apresentada pela pesquisadora aos outros participantes. A proposta desse grupo foi integrar pais e estudantes em atividades coletivas como teatros, palestras e ações de limpeza no câmpus para que juntos aprendam sobre a importância do cuidado e preservação do meio ambiente.
Para finalizar, o grupo 5 apresentou duas propostas, sendo a primeira referente à sinalização das lixeiras com a instalação de placas com imagens de “memes” próximo das mesmas; a segunda proposta refere-se a uma atividade prática, na qual cada sala, uma vez por mês, acompanhada por um docente, fosse responsável pela coleta dos resíduos descartados no chão da instituição.
Interpretação e análise das propostas de ação
Durante o role-play foi possível observar alguns apontamentos importantes, o grupo 1, por exemplo, apesar de não aprofundar e detalhar a ideia, durante a apresentação de sua proposta, foi o único que citou a importância de discutir sobre o consumo com os estudantes ao propor a inclusão da disciplina de Educação Ambiental no currículo, de acordo com E3:
Sugerimos a “implementação” de uma disciplina de Educação Ambiental (…) com o intuito de conscientizar os alunos com relação ao mundo em que vivem para que possam ter mais qualidade de vida sem desrespeitar o meio ambiente, também falar sobre a coleta seletiva do lixo, a redução do desperdício de água, entre outras atitudes que contribuem com a natureza e sempre fazendo reflexões sobre o consumo (grifo nosso) durante as aulas.
Enquanto a maioria dos grupos focou apenas na proposta de ação, o grupo 4, de acordo com a análise dos pesquisadores, se destacou em sua apresentação, pois foi o único que se atentou na proposta da atividade, a qual previa, além da elaboração da proposta de ação, a opinião de cada grupo sobre a atitude observada no câmpus, cujo objetivo seria verificar se houve exploração de outras áreas, além da ambiental.
Nesse sentido, E6 afirmou em sua proposta, enviada em formato de texto, pois não participou do role-play, que a atitude dos alunos é irresponsável, falta de educação e antipática e acrescentou, em sua pesquisa, que o descarte incorreto dos resíduos pode provocar a poluição do solo e das águas, além de contribuir para a proliferação de doenças e atrair ratos e insetos. Ao relacionar o descarte incorreto de resíduos não apenas com problemas ambientais, mas também com problemas sociais e de saúde pública, E6 evidencia a importância da pesquisa para o processo reflexivo, o que, consequentemente, contribui na formação integral dos estudantes e, além disso, aponta para o desenvolvimento de algumas dimensões do pensamento crítico, como conhecimentos e tratamento de problemas (Blanco López, España Ramos, & Franco-Mariscal, 2017).
Durante a análise das gravações dos vídeos e áudios, o grupo 5 se destacou, durante a sua fala, ao refletir sobre os motivos que levariam os estudantes a descartarem os resíduos diretamente no chão, nesse sentido, E5 afirmou que:
Bom, antes da gente é ... propor, né, algumas atitudes (referindo-se a propostas de ação) é ... a gente pensou no porque os alunos jogam o lixo no chão ou descartam errado o lixo. Bom, a gente pensou em dois motivos, um é porque os alunos pensam que como há funcionários de limpeza no Instituto, eles tendem a ter a obrigação de recolher todos os lixos que foram jogados pelos alunos e também, outro motivo é que por consequência de uma falta de sinalização e de conhecimento por parte dos alunos, os alunos automaticamente descartam o lixo na lixeira errada.
A reflexão realizada por esse grupo foi análoga ao que Freire (2016, p. 40) comentou em seu livro sobre a prática docente crítica, no qual afirmou que durante a reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua vai tornando-se crítica, dessa forma, pôde-se demonstrar o processo reflexivo na formação do pensamento crítico. Além disso, ao refletirem que os estudantes podem pensar que a equipe de limpeza tem a obrigação de recolher os resíduos, mesmo que estejam no chão, o grupo reforça uma característica da sociedade moderna, destacada por Guimarães (2007, p. 87) “o que prevalece são os interesses individuais/particulares sobre as necessidades comuns, coletivas, do conjunto”.
Nessa passagem de E5 também foi possível destacar algumas características do desenvolvimento de pensamento crítico, como o tratamento de problemas e autonomia pessoal (Blanco López, España Ramos, & Franco-Mariscal, 2017).
Após a apresentação das propostas, cada grupo fez uma pergunta a fim de iniciar o processo de interação entre eles e, novamente, os pesquisadores puderam observar alguns apontamentos interessantes. O grupo 3, representado por E7, fez uma pergunta ao grupo 5:
Eu queria saber do pessoal que teve a ideia das placas de aviso, que tipo de material essas placas seriam feitas, porque nós não podemos resolver o problema de um lixo gerando outro.
Percebe-se que E7 fez o questionamento e já complementou com a sua preocupação, observada pelos pesquisadores, sobre uma nova geração de resíduo. No entanto, o grupo 5, representado por E4, apenas respondeu que poderiam fazer as placas em acrílico para que tivessem um tempo de vida útil maior e não deu sequência à discussão sobre a importância em não gerar um novo resíduo no câmpus, o que pode demonstrar insegurança em comentar sobre algo de forma imediata sem ter tido tempo hábil para refletir e/ou pesquisar a respeito. Tal situação confirma a importância em promover atividades de debate durante as aulas, como forma de estimular e desenvolver a capacidade argumentativa e, principalmente, a segurança dos estudantes.
Outro ponto relevante da discussão foi iniciado pelo grupo 1 ao questionar o grupo 2 sobre a proposta de inserção de uma disciplina de Educação Ambiental, E9 perguntou:
Como estudante eu queria saber, assim, a parte que vocês colocaram da disciplina Ambiental, vocês aumentariam mais uma disciplina na carga horária dos alunos ou vocês tentariam colocar essa disciplina Ambiental em todas as matérias?
Pelo tom utilizado no trecho “vocês aumentariam mais uma disciplina na carga horária dos alunos” os pesquisadores notaram certa insatisfação de E9 em relação a essa proposta. Considerando que a carga horária mínima anual dos estudantes da EPTNM integrada ao Ensino Médio desta instituição é, em média, 1250 horas, a inserção de uma nova disciplina é uma situação que deveria ser bastante discutida entre toda a comunidade escolar e bem estruturada no currículo para que a proposta não tenha um efeito negativo de sobrecarga nos estudantes.
Apesar disso, a resposta do grupo 2 foi bastante interessante, E3 afirmou:
Eu acho que assim, é um ponto que teria que ver com os professores também, né? É uma ideia geral, mas tem essa carga horária para os alunos, então, se cada professor pudesse tirar um tempinho pra falar, porque todas as matérias envolvem, né, meio ambiente. Eu acho que seria legal.
Por meio da fala de E3, ao citar a consulta dos professores no procedimento, os pesquisadores perceberam o envolvimento do grupo na atividade, uma vez que esse grupo interpretou a direção do câmpus e o trecho da fala evidenciou a atenção na proposta de interpretação de papéis durante toda a Assembleia. Além disso, também evidenciou conhecimento sobre os trâmites adotados para a alteração dos projetos pedagógicos dos cursos e a necessidade do diálogo no ambiente escolar.
Por fim, os pesquisadores também notaram segurança na fala de E3 que ainda acrescentou, em outras palavras, sobre a interdisciplinaridade, sugerindo que todas as disciplinas abordassem também alguns conteúdos de Educação Ambiental como alternativa à inserção de uma nova disciplina. Nessa passagem de E3 foi possível verificar o desenvolvimento de diversas dimensões do pensamento crítico: conhecimentos, argumentação, tomada de decisões e comunicação (Blanco López, España Ramos, & Franco-Mariscal, 2017).
Alguns grupos apresentaram mais do que uma proposta de ação e, por isso, o grupo 5, representado por E5 fez o seguinte questionamento ao grupo 1:
Eu queria perguntar se a proposta de levar os alunos depois do recreio pra recolher o lixo seria tão impactante quanto as palestras.
Na sequência o grupo 1, representado por E9 respondeu que as palestras seriam mais impactantes, pois mostrariam a rotina dos trabalhadores das cooperativas, desde a coleta até a separação do material. Na fala de E9 foi possível perceber que há preocupação apenas com a destinação final do material e não com sua produção e consumo.
Na verdade, essa situação foi uma característica comum entre todos os cinco grupos, os quais trataram exclusivamente de solucionar o problema do descarte incorreto dos resíduos sólidos, mesmo que a proposta da atividade tenha sido “apresentar a opinião sobre a atitude dos estudantes em descartar os resíduos no chão e elaborar uma proposta de ação com a finalidade de conscientizar a comunidade escolar sobre a importância da gestão dos resíduos sólidos e da relação consciente com os bens de consumo, na tentativa de minimizar os impactos do excesso de resíduos produzidos no câmpus e do descarte incorreto das embalagens”.
Nesse sentido, a partir dos dados apresentados, é possível afirmar que todos os grupos apresentaram propostas referentes ao excesso de resíduos acumulados no câmpus e nenhum deles preocupou-se em pesquisar os motivos que levam o câmpus a distribuir, na maioria dos dias da semana, lanches industrializados ao invés de naturais, como frutas, por exemplo.
Assim como pontuou Loureiro (2003, p. 38), muitas escolas cometem o equívoco de acreditar que o lixo é o principal problema da comunidade e, por isso, reproduzem uma Educação Ambiental voltada para a reciclagem sem que haja discussão sobre a relação produção-consumo-cultura.
Por isso, apesar de verificar diversos momentos importantes de reflexões durante o role-play com a simulação da Assembleia Escolar, o fato dos estudantes pensarem apenas na consequência sem preocuparem-se com as causas foi um ponto que chamou a atenção, especialmente ao pensar no objetivo deste trabalho em contribuir no processo de formação integral de um estudante/trabalhador/cidadão capaz de pensar de forma crítica para atuar na sociedade.
Role-play e o processo reflexivo
Em atividades de role-play é fundamental que, após o encerramento, aconteça um momento de reflexão, pois, de acordo com Rabelo e Garcia (2015, p. 590) essa etapa permite analisar, de forma crítica, o planejamento da atividade, bem como as relações estabelecidas e as opiniões expostas pelos grupos na simulação.
Dessa forma, ao término do role-play iniciou-se uma roda de conversa para explorar essa etapa reflexiva e os dados apresentados foram coletados por meio da análise das gravações dos vídeos e áudios dos encontros realizados. Quando questionados sobre momentos de reflexão sobre as questões ambientais durante as pesquisas realizadas na preparação da Assembleia, E4 respondeu que:
Essa semana até eu vi uma pessoa que compartilhou em uma rede social uma foto de vários copos descartáveis, talheres descartáveis e pratos descartáveis no escorredor, né, na pia da cozinha. Aí estava escrito assim “eu quando morar sozinho”, eu pensei “nossa, uma ótima opção pra mim também” aí eu lembrei do nosso encontro (risos) que você tinha falado dos copos e das coisas descartáveis e falei “não, não, não pode! Tem que ser tudo de verdade mesmo, não dá não”.
Para complementar, E3 comentou que:
Na conversa que a gente teve, do nosso, do grupo 2, né, eu até fiquei pensando, refletindo sobre algumas coisas que a gente conversou, ainda mais nessa questão do consumo excessivo, pensei bastante esses dias, foi bem legal. Por exemplo, os meus avós, eles moravam em um sítio, né, eles vieram do sítio, então é muito visível essa relação que eles têm.
Percebeu-se que, apesar de nenhum grupo trabalhar a questão do consumo em suas propostas de ação, a reflexão sobre o tema aconteceu. Em ambos os casos, os estudantes apresentaram falas referentes ao consumo e seus excessos, apontando para o desenvolvimento de algumas dimensões do pensamento crítico, como conhecimentos, argumentação e comunicação (Blanco López, España Ramos, & Franco-Mariscal, 2017). No segundo caso, E3 citou seus avós e se referiu à relação deles, provavelmente com a natureza, sendo importante perceber as diferenças entre as gerações e, principalmente, refletir sobre isso.
De acordo com Barbosa e Moura (2013, p. 55), para participar ativamente do processo de aprendizagem, o estudante deve ler, escrever, perguntar, discutir ou se ocupar no desenvolvimento de projetos e resolução de problemas. Isto posto e, considerando o conteúdo dos trechos acima, pode-se confirmar a relevância do role-play no processo de aprendizagem.
Para prosseguir com as reflexões acerca da atividade realizada, os participantes discutiram sobre os impactos do descarte incorreto dos resíduos sólidos. Na ocasião, E3 comentou que, além do problema ambiental, também enxergava como um problema social. Por sua vez, E1 fez uma colocação pertinente, observada pelos pesquisadores, sobre essa situação com a seguinte reflexão:
Eu sempre vejo mais o educacional, eu penso “nossa, será que essa pessoa teve uma oportunidade de ter uma educação e não está aplicando isso ou ela nem conseguiu ter uma educação sobre, entendeu?” eu penso mais sobre isso.
Além disso, E4 complementou:
Eu sempre tive esse pensamento que a pessoa que muitas vezes joga o lixo na rua, ela não está nem aí com o meio ambiente, ela não está nem aí com as futuras gerações e ela não está nem aí para o que pode vir depois (...) por exemplo, ela está com a bolsa do lado, ao invés dela amassar o papel e colocar dentro da bolsa, ela abre a janela do ônibus e joga pra fora, então, o que eu penso é que essa pessoa não está interessada em saber se no futuro vai dar enchente, se no futuro o filho dela ou o neto dela ou o bisneto dela vai sofrer com alguma coisa que vai vir por conta desse lixo acumulado.
Na fala de E4, os pesquisadores perceberam um tom de irritabilidade, isso porque a situação destacada em sua fala é algo que provoca sua indignação. Além disso, E1 se preocupou em pensar na Educação como um todo e se as pessoas tiveram oportunidades de aprender e discutir sobre Educação Ambiental. Com base nesses trechos, percebe-se, nesses jovens estudantes, uma preocupação com a sociedade atual e com as gerações futuras, por isso, assim como afirmou Pais (Pais, Lacerda, & Oliveira, 2017, p. 312), “é importante que os estudos da juventude possam ser apoiados e disseminados, inspirando políticas criativas que tomem os jovens como agentes de inovação e mudança”.
Por fim, nos diálogos sobre a proposta do role-play em interpretar papéis, E3 respondeu que:
Eu achei muito legal. Eu acho que ficou bem claro a visão que a gente tem dessas funções, né? (...) quando a gente foi fazer, pelo menos eu falo por mim, né? Quando eu fui fazer eu acho que eu interpretei a visão do meu personagem, vamos dizer assim. Legal mesmo participar.
Ainda nesse assunto, E7 comentou que:
Eu também gostei muito do formato (...) Eu achei bacana porque além de você desenvolver atitudes para melhorar o meio ambiente no nosso ambiente de estudo, né, também é uma oportunidade de se aprender o que cada um faz em determinado nível, né, da Comissão, direção, estudantes, né? (...) achei o formato muito completo, muito bacana e hoje não aprendemos somente a tomar atitudes em relação ao resíduo, né, mas também ouvir a opinião do outro, votar em uma opinião e todos tiveram a oportunidade de falar, cada um no seu momento.
Para finalizar, E4 comentou:
Gostei muito, é algo diferente, né, pra fazer na semana, pra não ficar só naquela rotina de todo dia. Também deu pra se colocar no lugar da equipe de limpeza do IF, isso é muito bacana, acho que todo mundo precisaria fazer isso, pelo menos uma vez.
Foi interessante verificar que, nos dois primeiros trechos, os estudantes comentaram sobre conhecer os setores e suas funções e isso é fundamental dentro da escola, podendo interferir, inclusive, na permanência dos estudantes na instituição (Silva, 2019).
Além disso, um ponto de destaque no trecho selecionado de E7 foi a respeito da importância da atividade em aprender sobre os resíduos e também sobre ouvir a opinião do outro. Nesse trecho E7 falou sobre respeito; é o respeito não só pelo colega, mas também por sua opinião.
No último trecho, E4 comentou sobre achar necessário que todos se coloquem no lugar da equipe de limpeza ao menos uma vez. Embora todos os grupos tenham interpretado papéis, nesse trecho, é perceptível que E4 se referiu mais sobre respeito e empatia por esses funcionários que são fundamentais em qualquer instituição, porém, algumas vezes, menosprezados.
Todos os pontos discutidos na etapa de reflexão após a simulação da Assembleia Escolar são características essenciais para a formação humana e integral do estudante, evidenciando, mais uma vez, a relevância das atividades de role-play. Sobre isso, E8 mencionou:
(...) eu acho que ... absorve mais as informações do que simplesmente ver muito texto e ver muita informação, eu acho que participando e tendo essa comunicação eu acho que aprende mais.
Tutoria e contribuições
A tutoria foi realizada com cada um dos cinco grupos formados e foi definida como momentos de interação entre os pesquisadores e grupos de até três pessoas para discutir sobre ideias e auxiliar na preparação da Assembleia Escolar.
O número reduzido de participantes em cada encontro, em função da divisão dos grupos, permitiu que a relação entre os pesquisadores e os sujeitos da pesquisa fosse mais próxima, o que contribuiu de forma positiva para o desenvolvimento das atividades propostas e também na análise dos dados, pois, de acordo com Ruscheinsky (2005, p. 140) “o contato direto com a população-alvo envolve conhecer seus sentimentos, seus valores, seus olhares e suas práticas sociais”.
Os dados apresentados nesse tópico foram coletados por meio das gravações dos vídeos e áudios dos encontros realizados com cada grupo. Entre os encontros, um dos comentários presentes em todos os grupos foi referente à importância da Educação Ambiental para a formação cidadã. Nesse sentido, ao comentar sobre o descarte dos resíduos sólidos no câmpus, E8 mencionou que:
Têm pais que eu já vi (...) que fala “ai, pode jogar, joga aí na rua, joga aí” invés de colocar numa sacolinha e separar (...) às vezes eles também não tiveram esse conhecimento, enfim, já vem de gerações, então, eu acho que tendo essas atividades dentro da escola (...) eles vão “re-ensinar” os pais, né? Porque vai falar, vai corrigir os pais, né? Vai falar “não, mãe, tá errado, não pode”.
Ainda sobre os resíduos sólidos, E2 comentou sobre duas situações que presenciou:
Na minha rua, todo domingo tem feira, aí quando acaba (...) você consegue ver a rua tipo branca de tanto papel que o povo joga na rua (...) no ônibus, muita gente leva coisa pra comer lá dentro e como que não tem lixeira lá dentro eles jogam na janela pra ir pra rua.
Aproveitando o contexto, E3 lembrou-se de uma situação parecida:
Eu estava atravessando a rua e uma mulher jogou o copo de milk-shake no chão, assim, no meio da rua.
Nos três trechos destacados foi interessante verificar que os estudantes apontaram situações distintas em que houve atitudes similares ao que aconteceu no câmpus, sendo possível destacar o desenvolvimento do pensamento crítico por meio do tratamento dos problemas e da autonomia pessoal (Blanco López, España Ramos, & Franco-Mariscal, 2017).
Durante esse exercício de associação, os pesquisadores notaram o interesse pelo tema e a importância e urgência dos debates e discussões sobre Educação Ambiental como forma de apresentar para a população os impactos de nossas atitudes no meio ambiente, assim como afirmaram Sato e Carvalho (2005, p. 12) “a Educação Ambiental pode ser uma preciosa oportunidade na construção de novas formas de ser, pensar e conhecer que constituem um novo campo de possibilidades do saber”.
Ainda dentro desse assunto, E6 e E8 fizeram comentários muito pertinentes:
Uma ideia legal da gente é ... ensinar (referindo-se a Educação Ambiental) para os professores da Educação Infantil porque é desde pequeno que a gente vai aprendendo (E6).
(...) a partir do momento que você começa com uma criança, ela faz mesmo, ela tipo, ela segue esse caminho, ela fala “não, pai, eu aprendi assim” (E8)
Vale destacar a importância da relação entre o conhecimento e o processo de formação dos sujeitos, de acordo com Dayrell (2003, p. 43) “a possibilidade de o ser humano se constituir como tal depende tanto de seu desenvolvimento biológico, em especial do sistema nervoso, quanto da qualidade das trocas que se dão entre os homens no meio em que se insere”.
Outro comentário importante dentro das discussões com os grupos foi sobre a socialização do conhecimento. Nesse sentido, E1 e E7 comentaram que:
É, e a gente tem que dividir o conhecimento também, né? Tem que dividir ao máximo com as pessoas que a gente conhece e vai dividindo porque aí vai multiplicando né (E1).
(...) ver como funcionava a dinâmica e de repente se eu conseguir multiplicar na escola que eu dou aula, né? (E7)
Foi possível relacionar esses trechos aos trechos anteriores sobre a importância da Educação Ambiental para a formação do cidadão, uma vez que, independente da idade, ao socializar o conhecimento e o saber com outras pessoas, o estudante possibilita que comportamentos e valores sejam (re)construídos e abre espaço para o desenvolvimento de todas as dimensões do pensamento crítico (Blanco López, España Ramos, & Franco-Mariscal, 2017).
Por fim, também foi possível notar momentos de reflexão, curiosidade e associação, os quais contribuíram de forma positiva para o processo de formação reflexiva dos estudantes, assim como afirmou Reigota:
A Educação Ambiental por si só não resolverá os complexos problemas ambientais planetários, no entanto, ela pode influir decisivamente para isso, quando forma cidadãos e cidadãs conscientes dos seus direitos e deveres. (2017, n.p.)
A seguir, alguns trechos desses momentos:
Eu acho legal a gente falar “ó, tal coisa aconteceu” aí a gente mostra tipo o que isso vai causar no futuro, entendeu? (E1)
A gente poderia fazer folheto tipo de forma online, porque né, se a gente vai falar de resíduos sólidos, isso vai gerar muito resíduo (referindo-se a proposta de E1 sobre folheto impresso). (E3)
Aquela vez que você falou do plástico, do copo descartável, falei “gente, mas nunca que eu, nossa, cheguei a pensar” porque eu sempre olho assim para os locais e penso “gente, podia ter um copo descartável, podia ter um pratinho, um garfinho, né, facilita tanto que você só utiliza e joga fora” aí quando você falou que prejudica eu falei “mas como assim?” tudo o que eu pensava foi por água abaixo (risos) eu pensava errado, eu falei “nossa”. (E4)
Todos esses pequenos recortes de áudios transcritos dos estudantes remeteram sobre a importância do diálogo, da escuta e do respeito no processo de ensino e aprendizagem, pois, ao possibilitar esses espaços, os pesquisadores perceberam que os estudantes sentiram-se seguros e motivados a expor suas ideias e opiniões, resultando em diálogos riquíssimos.
Além disso, muitos se sentiram estimulados a pesquisar sobre os temas introduzidos nos encontros, buscando referências em outros materiais, canais em redes sociais, entre outros, confirmando que esse tipo de atividade, além de permitir a formação reflexiva e o desenvolvimento do pensamento crítico, foi capaz de despertar a curiosidade e a criatividade dos estudantes.
Notou-se também que os assuntos discutidos anteriormente, como a importância da Educação Ambiental e a socialização do conhecimento foram recorrentes e muito relevantes, sendo possível perceber a contribuição dessa etapa, no processo de formação integral desses estudantes e, assim, os resultados apresentados até aqui deram ênfase às afirmações de Reigota, o qual pontuou em sua obra que:
A escola, da creche aos cursos de pós-graduação, é um dos locais privilegiados para a realização da Educação Ambiental, desde que se dê oportunidade à criatividade, ao debate, à pesquisa e à participação de todos. (2017, n.p.)
Isto posto e considerando os dados apresentados neste artigo, por meio da observação participante, dos trechos destacados da transcrição do áudio dos estudantes e das análises das propostas elaboradas pelos estudantes, foi possível evidenciar a relevância do role-play para o processo de aprendizagem, destacando as contribuições dessa ferramenta no processo de formação reflexiva dos estudantes e desenvolvimento do pensamento crítico.
Considerações finais
As análises e interpretações e apresentadas ao longo deste artigo possibilitam afirmar que a prática educativa envolvendo a utilização do role-play em uma Assembleia Escolar em ambiente virtual tem potenciais contribuições para a formação integral de cidadãos e profissionais críticos, reflexivos e conscientes.
Na dimensão didático-pedagógica, os resultados da aplicação da prática educativa evidenciaram sua potencialidade para o desenvolvimento da Educação Ambiental numa perspectiva crítica, uma vez que ao envolver os estudantes de forma ativa na pesquisa, na discussão e na construção de alternativas para o problema apresentado, permitiu que estes refletissem sobre o consumo de alimentos industrializados e a destinação dos resíduos gerados. Desta forma, sua contribuição para o processo de ensino e de aprendizagem ficou evidenciada pela presença de várias dimensões do pensamento crítico nas manifestações dos estudantes.
Os resultados também apontaram que a dinâmica do role-play em uma Assembleia Escolar tem potencial contribuição para o desenvolvimento dos estudantes na dimensão social, pois há evidências de que, além da apropriação do patrimônio cultural, houve o desenvolvimento de reflexões críticas sobre a forma de se relacionar com o meio e com os outros. Neste sentido, a contribuição da dinâmica para o desenvolvimento humano e social pôde ser identificada pela manifestação do pensamento crítico durante as conversas nos encontros e na tutoria;pela comunicação nos trabalhos em equipeao utilizar a pesquisa durante o desenvolvimento da atividade propostaao discutir um tema social da realidade em que vivem, permitindo a reflexão crítica; ao explorar os diálogos, o trabalho em equipe e as relações interpessoais e de respeito entre os participantes.
Com o estudo sobre esta prática educativa com a qual se intencionou ensinar com significado para mobilizar os alunos, pretende-se contribuir de forma singela com as discussões sobre processos educativos que objetivam a formação de seres humanos capazes de manter suas existências no planeta interagindo com o meio de forma sustentável e respeitosa.