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Sisyphus - Journal of Education

versão impressa ISSN 2182-8474versão On-line ISSN 2182-9640

Sisyphus vol.10 no.3 Lisboa fev. 2023  Epub 16-Nov-2022

https://doi.org/10.25749/sis.27503 

Artigos

O Uso da Tecnologia e suas Contribuições para a Formação Integral do Aluno com Transtorno do Espectro Autista e do Aluno com Deficiência Intelectual nas Aulas de Matemática

The Use of Technology and its Contributions to the Comprehensive Training of Students with Autistic Spectrum Disorder and Students with Intellectual Disabilities in Mathematics Classes

El Uso de la Tecnología y sus Aportes a la Formación Integral de Alumnos con Trastorno del Espectro Autista y Alumnos con Discapacidad Intelectual en Clases de Matemáticas

Sofia Seixas Takinagai 
http://orcid.org/0000-0002-6755-3238

Ana Lúcia Manriqueii 
http://orcid.org/0000-0002-7642-0381

iDoutoranda em Educação Matemática, Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil

iiProfessora e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil


Resumo

Este artigo tem como objetivo explicitar contribuições favoráveis à formação integral de alunos com Transtorno do Espectro Autista e de alunos com Deficiência Intelectual, por meio de investigações que tenham como objeto de estudo processos de ensino e aprendizagem de conteúdos matemáticos com uso de recursos tecnológicos educacionais. Como fundamento metodológico, adotou-se a pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo. Foram analisados trabalhos acadêmicos que articulam: Tecnologia, Educação Especial e Matemática. Pode-se explicitar contribuições significativas que se enquadram em diferentes dimensões: emocional, social e cognitiva. E, como conclusão, apesar de se tratar de grupos de alunos distintos e com particularidades muitas vezes consideradas como ímpares, identificou-se resultados similares em relação às mesmas estratégias aplicadas, o que leva a concluir que a flexibilização oferecida pelo uso da tecnologia contribui para a construção de uma prática não homogeneizada que possa atender as singularidades de todos os alunos, possibilitando que aprendam em um mesmo ambiente.

Palavras-chave: educação especial; matemática; tecnologia; autismo; deficiência intelectual

Abstract

This article aims to specify favorable contributions to the comprehensive training of students with Autism Spectrum Disorder and students with Intellectual Disabilities, through investigations whose object of study are teaching and learning processes of mathematical content using educational technological resources. As a methodological basis, qualitative bibliographic research was adopted. The academic works that were analyzed articulate: Technology, Special Education and Mathematics. Significant contributions can be specified that fall into different dimensions: emotional, social, and cognitive. In conclusion, despite being different groups of students and with particularities often considered as unique, similar results were identified in relation to the same strategies applied, which leads to the conclusion that the flexibility offered using technology contributes to the construction of a non-homogenized practice that can meet the singularities of all students, allowing them to learn in the same environment.

Key words: special education; math; technology; autism; intellectual disability

Resumen

Este artículo pretende explicar aportes favorables a la formación integral de estudiantes con Trastorno del Espectro Autista y estudiantes con Discapacidad Intelectual, a través de investigaciones que tengan como objeto de estudio procesos de enseñanza y aprendizaje de contenidos matemáticos utilizando recursos tecnológicos educativos. Como base metodológica, se adoptó una investigación bibliográfica cualitativa. Se analizaron trabajos académicos que articulan: Tecnología, Educación Especial y Matemáticas. Se pueden explicitar aportes significativos que caen en diferentes dimensiones: emocional, social y cognitiva. Y, en conclusión, a pesar de ser grupos de estudiantes diferentes y con particularidades muchas veces consideradas como únicas, se identificaron resultados similares en relación con las mismas estrategias aplicadas, lo que lleva a concluir que la flexibilidad que ofrece el uso de la tecnología contribuye a la construcción de una práctica no homogeneizada que puede atender las singularidades de todos los alumnos, permitiéndoles aprender en el mismo entorno.

Palabras clave: educación especial; matemáticas; tecnología; autismo; discapacidad intelectual

O mundo gira e, nessas voltas, vai mudando e nessas mutações, ora drásticas ora nem tanto, vamos também nos envolvendo e convivendo com o novo, mesmo que não nos apercebamos disso. Há, contudo, os mais sensíveis, os que estão de prontidão, “plugados” nessas reviravoltas e que dão os primeiros gritos de alarme, quando anteveem o novo, a necessidade do novo, a emergência do novo, a urgência de adotá-lo, para não sucumbir à morte, à degradação do tempo, à decrepitude da vida.

Mantoan, 2003, p. 11

Introdução

O processo de ensino e aprendizagem, em diferentes áreas do conhecimento, abrange complexas relações entre seus agentes. Tal processo envolve, de modo geral, alunos, professores, recursos e ambientes, os quais se configuram caracterizando diferentes cenários cujo propósito último é proporcionar condições favoráveis para a construção de saberes.

Frente a este vasto contexto, dentre outras temáticas, o campo investigativo precisa se fortalecer, trazer para discussão e divulgar resultados referentes à problemática da inclusão e do ensino de habilidades acadêmicas para alunos público alvo da Educação Especial no âmbito da escola regular.

Em relação a este público, na esfera educacional, acompanhamos a construção gradual de uma perspectiva inclusiva marcada pelo abandono de uma visão assistencialista e integracionista, pela adoção de uma postura que vise o desenvolvimento integral do indivíduo pautado em suas potencialidades e características individuais. Nesta concepção, Viana e Manrique (2018) declaram:

(...) a educação matemática na perspectiva inclusiva passa de uma via de acesso a alguns estudantes, para uma perspectiva da educação matemática para viabilizar a construção do conhecimento por todos os estudantes, considerando que cada um tem especificidades dignas de atenção em meio a diversidade humana. (p. 662)

Pensar o aluno em sua integralidade nos remete a uma educação que se ocupa, além do desenvolvimento intelectual, também do social, do emocional, do físico e do cultural. Atualmente, no Brasil, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018) orienta as propostas curriculares por meio da determinação de objetivos e habilidades, pautados em objetos de conhecimento necessários para o desenvolvimento de competências específicas, norteadas por competências gerais. Segundo Felcher, Viçosa, Soares e Folmer (2021, p. 3), essas “competências gerais visam a formação integral do cidadão”.

Nessa perspectiva, tornam-se relevantes, e de grande contribuição para a sociedade em geral, pesquisas direcionadas à compreensão dos fenômenos envolvidos na aquisição do conhecimento por parte dos alunos, principalmente aquelas voltadas a explorar recursos e estratégias didático-pedagógicas que possibilitem a apreensão efetiva dos conteúdos explorados em sala de aula.

Dentre o público-alvo da Educação Especial, dois grupos nos chamam a atenção: o primeiro constituído por alunos com Transtorno do Espectro Autista - TEA, referenciados como emergentes em salas regulares; e o segundo constituído por alunos com Deficiência Intelectual - DI; tais grupos, assim como todos os alunos, requerem práticas didático-pedagógicas que atendam suas singularidades.

Corroborando com a escolha desses grupos, segundo a Secretaria da Educação de São Paulo (São Paulo, 2019), em relação ao número de matrículas de alunos com TEA nas escolas estaduais de São Paulo entre os anos de 2018 e 2019, afirma: “No último ano, somente nas escolas estaduais de São Paulo houve um aumento de 30%. Em maio do ano passado, o número de alunos com autismo na rede era 4.031; em janeiro deste ano, as matrículas aumentaram para 5.261”.

Alunos com TEA apresentam diferentes comprometimentos que afetam as áreas social, emocional, comportamental e de habilidades acadêmicas. Na atual classificação diagnóstica dada pela American Psychiatric Association (APA) ocorreu uma associação de síndromes e transtornos para o que atualmente é denominado como Transtorno do Espectro Autista. Os sintomas do TEA representam um continuum único de prejuízos com intensidades que vão do leve ao grave nos domínios de comunicação social e de comportamentos (APA, 2013).

A definição de Deficiência Intelectual, promulgada pela Associação Americana de Deficiências Intelectuais e Desenvolvimento (AAIDD), é de que a

Deficiência intelectual é uma incapacidade caracterizada por limitações significativas tanto no funcionamento intelectual (raciocínio, aprendizado, resolução de problemas) quanto no comportamento adaptativo, que cobre uma gama de habilidades sociais e práticas do dia a dia. Esta deficiência se origina antes da idade de 18. (AAIDD, 2010, p. 1)

Entendemos que as definições formais, ora apresentadas, nos remetem apenas a aspectos gerais sobre esses sujeitos. Nesse sentido, nossa compreensão nos distancia da ideia de uma descrição padrão e/ou absoluta para a pessoa com deficiência, pois vemos cada sujeito como um ser único, o que nos permite reconhecer suas particularidades e a buscar diferentes caminhos que possibilitem seu desenvolvimento integral.

Partindo dessa perspectiva, o ensino deve contemplar a flexibilização de recursos e estratégias, visando o desenvolvimento individualizado de cada estudante. É nesse contexto que o uso da tecnologia, mais especificamente tecnologias digitais com a finalidade de ensino, tem se mostrado um recurso recorrente em investigações atuais como instrumento mediador da aprendizagem de conteúdos acadêmicos e promotor de habilidades e competências que contribuem para a formação integral do aluno.

Compreendemos como formação integral aquela que considera as diferentes dimensões do sujeito. No contexto da educação integral o sujeito é visto em sua condição multidimensional. De acordo com Gonçalves (2006), acerca dessa definição,

O conceito mais tradicional encontrado para a definição de educação integral é aquele que considera o sujeito em sua condição multidimensional, não apenas na sua dimensão cognitiva, como também na compreensão de um sujeito que é sujeito corpóreo, tem afetos e está inserido num contexto de relações. Isso vale dizer a compreensão de um sujeito que deve ser considerado em sua dimensão biopsicossocial. (p. 130)

Neste sentido, a escolha de recursos e estratégias, que promovam a formação integral dos estudantes, deve considerar suas diferentes dimensões, o que implica um olhar diferenciado para suas singularidades. De acordo com Viana e Manrique (2018),

O que vemos atualmente é a necessidade de reavaliarmos as atividades, os recursos, os ambientes de aprendizagem e o planejamento pedagógico de forma a considerar as particularidades determinadas pela diversidade dos estudantes nas suas diferentes dimensões (biológicas, linguísticas, culturais, psicológicas...). (p. 663)

Particularmente, a Matemática nos interessa por desempenhar um importante papel na formação integral do estudante durante sua trajetória nas diferentes etapas da Educação Básica e seu ensino configura-se como campo investigativo que busca, entre outros aspectos, construir uma identidade promotora de uma educação matemática na perspectiva inclusiva.

Pensando nos eixos principais: Tecnologia, Educação Especial e Matemática, temos como proposta apresentar um estudo que articule o uso de recursos tecnológicos educacionais com o processo de ensino e aprendizagem de conteúdos matemáticos por alunos público-alvo da Educação Especial, pertencentes aos dois grupos anteriormente citados com a intenção de identificar possíveis propostas que permitam e/ou promovam seu desenvolvimento integral.

Declaramos, assim, como objetivo de nosso estudo explicitar contribuições que favoreçam a formação integral de alunos com TEA e de alunos com DI por meio de investigações que tenham como objeto de estudo processos de ensino e aprendizagem de conteúdos matemáticos com o uso de recursos tecnológicos educacionais.

Nesse sentido, pretendemos com esta investigação responder a seguinte questão norteadora: “Quais contribuições do uso de recursos tecnológicos educacionais favorecem a formação integral de alunos com TEA e de alunos com DI que perpassam a apreensão de conteúdos matemáticos?”

Para esse fim, recorremos a estudos que possibilitassem refletir sobre nossa questão e, a seguir, passamos para a descrição dos procedimentos metodológicos adotados, dos achados do estudo e das considerações finais, com as quais pretendemos contribuir com a comunidade de educadores e pesquisadores para a construção de um olhar diferenciado para o uso da tecnologia e suas potencialidades no âmbito da Educação Especial.

Metodologia

O método adotado neste estudo se baseia na pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo, uma vez que nos interessa responder à questão norteadora a partir de trabalhos acadêmicos que articulam os eixos principais: Tecnologia, Educação Especial e Matemática.

Acerca da pesquisa bibliográfica, Gil (2002) esclarece que “As pesquisas sobre ideologias, bem como aquelas que se propõem a uma análise das diversas posições acerca de um problema, também costumam ser desenvolvidas quase exclusivamente mediante fontes bibliográficas” (p. 44).

Frente a essa proposta, nosso percurso metodológico constituiu-se de três etapas. A primeira etapa teve como objetivo selecionar nosso corpus de análise por meio da busca de teses e dissertações, em duas bases de dados: Catálogo de Teses e Dissertações - CAPES e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), e de artigos científicos internacionais, em uma base de dados: Education Resources Information Center (ERIC).

Os seguintes parâmetros nortearam a seleção dos trabalhos: (a) Tema/palavras-chave: autismo/autism; deficiência intelectual/intellectual disability; tecnologia/technology e matemática/mathematics; (b) Cronológico: documentos publicados no período de 2015 a 2020; e (c) Analítico: trabalhos que permitam responder à questão norteadora após leitura de resumos e conclusões.

Seguindo os parâmetros (a) e (b), obtivemos um conjunto de vinte trabalhos, após aplicarmos o parâmetro (c) foram excluídas quatro pesquisas que se referem à Tecnologia Assistiva - TA, quando esta faz referência às adaptações de materiais concretos, e doze trabalhos que discutem aspectos gerais sobre o uso da tecnologia no âmbito da Educação Especial, sem que este seja o foco principal da investigação.

Após aplicação dos parâmetros para seleção, chegámos ao corpus de análise desta pesquisa que foi constituído por quatro investigações (três dissertações e um artigo científico).

Prosseguimos para a segunda etapa na qual realizámos a leitura das investigações e identificámos sua organização, destacando elementos que as caracterizassem de acordo com o que chamámos de eixos principais.

Finalizamos com a terceira etapa, a qual apresentamos a sistematização dos resultados. O critério de análise foi norteado pela fala dos próprios autores das investigações ao declararem aspectos observados durante a aplicação de ferramentas tecnológicas no ensino de habilidades matemáticas de alunos com TEA e de alunos com DI que nos levam a refletir sobre nossa questão de pesquisa.

Síntese das Investigações

Iniciamos este tópico com a apresentação dos trabalhos selecionados, três dissertações e um artigo científico, organizados no Quadro 1.

Em seguida, passamos a uma breve descrição de seus objetivos e considerações.

Quadro 1: Trabalhos selecionados 

Autor Ano Publicação Tipo Conteúdo Matemático Recurso Tecnológico Público-alvo da Educação Especial
MASCIANO, C. F. R. 2015 Dissertação Conceito de número. Software educativo - Hércules e Jiló no mundo da Matemática Aluno com DI.
NASCIMENTO, I. C. Q. S. 2017 Dissertação Sistema de numeração decimal. Software livre - JClic Aluno com TEA.
SOUZA, A. C. 2019 Dissertação Conceito de número, orientação espacial, raciocínio lógico e operação de adição. Jogos online Aluno com TEA.
DELISIO, L. A., DIEKER, L. 2019 Artigo Situações Problema. Software -TeachLivE Aluno com TEA.

Fonte: Elaborado pelos autores.

O estudo de Masciano (2015) buscou analisar o uso de jogos do software educativo “Hércules e Jiló no mundo da matemática” na construção do conceito de número, por estudantes com DI no início de escolarização de uma Classe Especial da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal do Brasil. Participaram do estudo seis crianças com idade entre 9 e 15 anos, todas com laudo de DI. O software foi elaborado no âmbito de um projeto desenvolvido pela Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Na ocasião da pesquisa, o software encontrava-se em fase de elaboração, sendo constituído por cinco jogos físicos (não virtuais) com tutoriais para execução dos jogos em sala de aula e um jogo virtual (com interação no computador). O jogo virtual, intitulado “jogo dos pratinhos”, tem como objetivo favorecer o processo de desenvolvimento de estratégias de contagem, para exploração e estudo da conservação de quantidades e da relação entre quantidade/quantidade. Segundo a autora, o software é recomendado para apoiar o processo de ensino e aprendizagem de alunos com DI e sua concepção foi fundamentada de forma a integrar as dimensões pedagógica, lúdica, cognitiva e de comunicação; que se complementam de maneira a atender os objetivos da aprendizagem dos educandos.

Nascimento (2017) conduziu um estudo de caso com uma criança diagnosticada com TEA do 3º ano do Ensino Fundamental, que em um ambiente virtual, utilizando o software livre JClic, constrói respostas sobre assuntos que introduzem o sistema de numeração decimal. O software livre JClic é um ambiente para a criação, realização e avaliação de atividades educativas multimídia. A pesquisa foi desenvolvida no Laboratório de Educação Inclusiva do Instituto de Educação Matemática e Científica da Universidade Federal do Pará (UFPA) e teve como objetivo analisar os indícios de envolvimento e de aprendizagem de uma criança diagnosticada com TEA, durante aulas que introduzem o Sistema de Numeração Decimal.

A pesquisa de Souza (2019) contempla um estudo de caso qualitativo, onde buscou compreender as contribuições das Tecnologias Digitais Educacionais para a aprendizagem matemática e a inclusão de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), inseridos nos primeiros anos de escolarização. Os participantes estavam incluídos em diferentes escolas regulares e encontravam-se no processo inicial de alfabetização. Além disso, estavam iniciando seu contato com a matemática escolar. Durante vinte e quatro encontros individuais semanais, foram desenvolvidas atividades pedagógicas relacionadas à matemática em um ambiente de aprendizagem baseado em Tecnologias Digitais - jogos online.

O artigo de Delisio e Dieker (2019) teve como objetivo descrever o uso do programa TeachLivE1 como ferramenta auxiliar para alunos com TEA a desenvolver uma estratégia gráfica de organização, Know Not What Strategy (KNWS2), para apoiá-los na resolução de situações problema representadas por meio de linguagem escrita. O uso do sistema TeachLivE, em conjunto com a estratégia gráfica de organização (KNWS), revelou ser uma ferramenta possível para auxiliar alunos com autismo a praticarem com independência as atividades envolvendo a resolução de situações problema em Matemática. De acordo com os autores, o uso de ferramentas de realidade virtual online, aplicadas em conjunto com outros recursos digitais, pode contribuir para a aprendizagem de todos os alunos, em especial alunos com TEA, por serem caracterizados como uma população resistente a ambientes de aprendizagem em que ocorram interação com os colegas e até mesmo com os professores.

As Investigações e suas Contribuições

Passamos agora a explicitar as evidências de contribuição do uso de recursos tecnológicos, apontadas pelos autores das investigações que compõem nosso estudo, as quais nos levam a refletir sobre nossa questão de pesquisa.

Masciano (2015) destaca em sua investigação a possibilidade de jogos educacionais, no formato virtual, proporcionarem ao aluno com DI a oportunidade de expressar seus sentimentos o que pode favorecer também à aprendizagem. Nesta direção, a autora esclarece, “Os jogos educacionais, no formato virtual, podem fazer parte do cotidiano das crianças e para muitos já o são, podendo ser um meio que possibilita a expressão de sentimentos, de emoção e propicia a aprendizagem” (p.19).

Outro aspecto apontado pelo autor está relacionado com a promoção da independência e autonomia do aluno em relação a sua aprendizagem. Para Sloczinski e Chiaramonte (2005) citados por Masciano (2015, p. 47), acerca de alunos com DI, “a autonomia é uma das habilidades fundamentais para a construção do conhecimento, e a utilização de ambientes virtuais de aprendizagem, associada a uma metodologia adequada, favorece o desenvolvimento dessa característica na criança”. E ainda, sobre o mesmo aspecto em relação a alunos com TEA, Delisio e Dieker (2019, p. 79, tradução nossa) afirmam, “o uso de um simulador totalmente imersivo (pessoalmente ou em vídeo), como o TeachLivE, tem potencial para ajudar o aluno a entender, praticar e ser mais independente no aprendizado”.

Para que a construção do conhecimento seja efetiva, Masciano (2015) alerta sobre a importância de considerar o sujeito em sua integralidade inserido em um contexto particular quando afirma,

O uso de tecnologias com estudantes com deficiência intelectual precisa considerar o contexto sócio-histórico-cultural em que os estudantes estão inseridos, reconhecendo o computador como um meio de interação social e uma alternativa para desenvolver a linguagem e propiciar que a criança construa seu conhecimento. (Masciano, 2015, p. 50)

Favorecer a concentração e a motivação do aluno durante as atividades também foram aspectos apontados pelos autores. De acordo com Souza (2019, pp. 134-135), em relação a alunos com TEA, “o trabalho em ambiente informatizado, tendo em vista suas características, possibilita que as dificuldades de concentração sejam superadas, uma vez que, além do apoio visual, traz também ordens simples e repetitivas que evitam a dispersão e a sobrecarga do estudante”. O apoio visual oferecido pelos recursos tecnológicos, mencionado por Souza, além do aspecto atrativo, pode ser uma alternativa para alunos com TEA por apresentarem maior facilidade de compreensão quando as instruções são oferecidas por meio de imagens, ao contrário de instruções verbais ou linguagem escrita. Assim como afirmam Delisio e Dieker (2019, p. 76, tradução nossa), em relação à Annie, uma aluna da 4ª série com TEA, que apresenta dificuldades acadêmicas e sociais, “Uma estudante como Annie pode se beneficiar por meio de uma estratégia com apoios visuais e menos linguagem”.

Quanto ao aspecto relacionado à interatividade, os autores apresentam resultados distintos relacionados às contribuições e às dimensões que estas afetam, ao mencionarem os diferentes grupos de alunos.

Em relação aos alunos com DI, a interatividade proporcionada pelo uso da tecnologia afeta a dimensão social, uma vez que apresenta aspecto facilitador da interação entre os pares e os professores. Neste sentido, Masciano (2015, p. 19) pontua que, para alunos com DI, “(...) o uso da tecnologia pode ser um aliado na sala de aula, por permitir a interatividade entre o aprendiz e o objeto de estudo e por proporcionar uma participação ativa do estudante e do professor.”. Ainda sobre alunos com DI, de acordo com Masciano (2015, p. 47), “Os ambientes virtuais de aprendizagem também exigem uma maior interatividade, cooperação e colaboração entre todos os envolvidos no processo de aprendizagem, favorecendo um compartilhamento do desejo de construir e de aprender”.

Para alunos com TEA, os recursos tecnológicos afetam a dimensão cognitiva, uma vez que esta estratégia pode ser uma alternativa para superarem dificuldades de aprendizagem, quando esta ocorre por meio da interação direta com seus pares e professores. De acordo com o relato dos autores Delisio e Dienker (2019, p. 79, tradução nossa), “O uso cada vez maior de ferramentas de realidade virtual online, mista ou completa, pode ser a chave para alcançar uma população de estudantes geralmente caracterizada por ser resistente ao aprendizado por meio da interação direta com colegas e até professores”.

Aplicar diferentes propostas didático-pedagógicas significa considerar as individualidades dos alunos no que se refere à forma como cada um constrói o seu conhecimento. Neste sentido, os autores Delisio e Dienker (2019, p. 78, tradução nossa) esclarecem, “Para investigar o desempenho de estudantes com TEA mais de perto, de forma individualizada, um mergulho mais profundo em todas as estratégias matemáticas são necessárias para descobrir onde, por que, o que, como e que tipo de estratégias individualizadas funcionam”. Nessa direção, ao considerar os recursos tecnológicos, Masciano (2015, pp. 47-48) afirma que “(…) trabalhar na perspectiva tecnológica, inserindo a possibilidade de diferentes ambientes educacionais, permite ao estudante produzir novas formas de construir o conhecimento”.

Ao lidarem com o erro, alunos com DI podem apresentar problemas de comportamento, uma vez que se sentem expostos a situações contraditórias. Para que o erro seja considerado como uma oportunidade para a construção de novos conhecimentos é necessário que o aluno o reconheça como uma estratégia de mudança. Neste aspecto, os recursos tecnológicos podem desempenhar um importante papel para que estes alunos evidenciem uma nova experiência ao lidarem com o erro. Nesta perspectiva, Masciano (2015, p. 58) esclarece, “os softwares educativos (...) através do apelo visual, imagens, cores, personagens e animação, (...) integrando a premiação acerto/erro, (...), o erro pode ser visto como parte da brincadeira.”.

Em relação a alunos com TEA, ao lidarem com o erro por meio de recursos tecnológicos, Souza (2019) avalia,

(...) percebemos que, diante dos erros, os estudantes não mais recorreram às suas estereotipias, mas buscaram uma nova forma de resolver a atividade. Isso representa um avanço significativo no desenvolvimento dos estudantes, pois, conforme já destacado, no momento em que abandonam suas estereotipias, abrem-se portas para sua aprendizagem. Os erros, portanto, ganharam uma ressignificação, não sendo mais vistos como elemento de angústia, mas, sim, de estratégia de mudança. (pp. 142-143)

Nascimento (2017), em relação a alunos com TEA, e entendendo que esta afirmação seja também válida para alunos com DI, aponta a contribuição do uso dos recursos tecnológicos em aulas de matemática para o desenvolvimento do letramento científico. Afirmando que, “Esta proposta vem contribuir com a formação para a cidadania, focando na alfabetização científica e tecnológica de crianças do ciclo da infância, particularmente das crianças com TEA” (p. 127).

Os aspectos aqui apresentados nos ajudam a refletir sobre nossa questão norteadora uma vez que tais contribuições afetam as diferentes dimensões consideradas na formação humana no âmbito da educação escolar: emocional; social e acadêmica. Não foi nossa intenção esgotar, com este estudo, todas as possibilidades de contribuições do uso da tecnologia na Educação Especial, no que se refere ao desenvolvimento de habilidades e competências que contribuam para o desenvolvimento humano em sua integralidade nas aulas de Matemática e, sim, deixar sugestões para novas discussões e investigações que tenham como objetivo trazer luz as possibilidades de propostas resultantes da inter-relação desses temas.

Considerações Finais

As discussões sobre o uso da tecnologia como estratégia auxiliar no processo de ensino e aprendizagem, direcionada ao desenvolvimento de habilidades acadêmicas, vêm ocupando um vasto campo de possibilidades que exige um olhar diferenciado ao pensarmos a formação integral do estudante.

A chegada de alunos público-alvo da Educação Especial na escola regular tem ampliado, ainda mais, a necessidade deste olhar para todos os estudantes, pautado nas suas particularidades. É imprescindível a compreensão de que cada aluno aprende de forma diferente e este deve ser o ponto de partida para a busca de soluções para os problemas de aprendizagem.

Encontrar diferentes estratégias de ensino que visem à aprendizagem efetiva de conceitos matemáticos, ao considerar que todos os alunos podem aprender desde que suas singularidades sejam respeitadas, tem produzido uma evolução significativa para o campo da Educação Matemática.

A Tecnologia, principalmente no contexto da Educação Especial, pode favorecer o trabalho em uma perspectiva de pensar e repensar a prática pedagógica, de modo a torná-la mais eficaz ao possibilitar a aprendizagem, divorciando-se do pensamento de que os estudantes são iguais e não sujeitos socioculturais com experiências e necessidades diversas (Masciano, 2015).

Compreendemos a integração do que chamamos dos três eixos principais, a saber: Tecnologia, Educação Especial e Matemática, como um vasto campo de investigação por proporcionar diferentes olhares, quando explorados em contextos onde o objetivo da aprendizagem é desenvolver habilidades e competências com foco no desenvolvimento humano em sua integralidade.

Nesse sentido, procuramos com este estudo refletir sobre nossa questão norteadora que teve em seu cerne as contribuições da tecnologia nas aulas de matemática que perpassam o ensino do conteúdo acadêmico em uma perspectiva inclusiva.

As investigações que nos levaram a refletir sobre nossa questão apontam contribuições significativas para o desenvolvimento integral do aluno com TEA e do aluno com DI, uma vez que se enquadram em diferentes dimensões, emocional, social e cognitiva.

Chama nossa atenção o fato de, apesar de se tratar de grupos distintos e com particularidades muitas vezes consideradas como ímpares, podermos identificar resultados similares em relação às mesmas estratégias aplicadas, o que nos leva a concluir que a flexibilização oferecida pelo uso da tecnologia contribui para a construção de uma prática não homogeneizada que possa atender as singularidades de todos os alunos, possibilitando que aprendam em um mesmo ambiente.

Não podemos deixar de considerar o papel do professor e do planejamento como os pilares para que o uso da tecnologia no dia a dia, como estratégia didático-pedagógica no ensino da Matemática, seja efetivo no ambiente escolar. Assim, como esclarece Masciano (2015, p. 48), “o professor deve refletir em seu planejamento como utilizar o computador considerando-o uma ferramenta que oferece possibilidades para o estudante construir uma ponte sólida entre os conceitos matemáticos e o mundo prático”.

Finalizamos ressaltando a importância de futuros estudos que considerem o uso da tecnologia no contexto atual educacional, onde a problemática da inclusão e o ensino de habilidades e competências para a formação integral do estudante estejam em pauta, visando o avanço das diferentes áreas do conhecimento a partir de uma perspectiva inclusiva.

Agradecimentos

As autoras agradecem o apoio financeiro da Capes, por meio de bolsa de doutoramento para a primeira autora, e do CNPq, pela bolsa de Produtividade em Pesquisa para a segunda autora.

Referências

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1 É uma sala de aula de realidade mista com alunos simulados que oferece aos professores a oportunidade de desenvolver sua prática pedagógica em um ambiente seguro que não coloca em risco estudantes reais.

2O KNWS é um organizador gráfico, onde o aluno estrutura as informações necessárias para resolução de uma situação problema em forma de tabela, composto por quatro etapas: K - Know (1) “O que eu reconheço de informações declaradas neste problema?”; N - Not (2) “Que informações não preciso para resolver esse problema?”; W - What (3) “O que exatamente esse problema me pede para encontrar?”; S - Strategy (4) “Que estratégia ou operação usarei para resolver esse problema?”.

3Estereotipia é o termo médico para ações repetitivas ou ritualísticas vindas do movimento, da postura ou da fala. Retirado de: https://autismoerealidade.org.br/2019/09/12/o-que-sao-as-estereotipias

Recebido: 27 de Junho de 2022; Revisado: 07 de Setembro de 2022; Aceito: 03 de Outubro de 2022

Conceitualização e Metodologia: A. L. M. e S. S. T.; Investigação: A. L. M. e S. S. T.; Análise e Redação: A. L. M. e S. S. T., Recursos: A. L. M. e S. S. T.

Sofia Seixas Takinaga é doutoranda em Educação Matemática, Mestre em Educação Matemática e Licenciada em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: ra00066286@pucsp.edu.br

Ana Lúcia Manrique é Livre Docente em Educação Matemática, Doutora em Educação e Mestre em Ensino de Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Bacharel em Matemática pela Universidade de São Paulo (USP); Bolsista Produtividade em Pesquisa CNPq. É Professora e Coordenadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da PUC-SP, onde desenvolve pesquisas sobre educação inclusiva, formação de professores e educação matemática. E-mail: manrique@pucsp.br Morada: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, Campus Consolação, R. Marquês de Paranaguá, 111 - Consolação, São Paulo - SP, 01303-050, Brasil

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