Introdução
O objetivo deste artigo é explorar as inter-relações entre Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA)1 e diferenciação curricular e pedagógica, bem como indicar os principais desafios para a disseminação e a efetivação do DUA no contexto educacional brasileiro.
Neste artigo, a partir da análise da literatura e da comparação entre as duas abordagens, argumentamos que ambos, a diferenciação curricular e o DUA, podem contribuir para a inclusão de estudantes com deficiência na escola regular (inclusão escolar). No entanto, o DUA é uma estratégia mais abrangente e inclui a diferenciação curricular como uma das estratégias para sua efetivação.
O artigo está estruturado em quatro seções. Na primeira seção, apresentamos uma breve conceituação do DUA. Na segunda, exploramos o conceito de diferenciação curricular e pedagógica. Na terceira, abordamos as inter-relações entre DUA e diferenciação curricular e pedagógica. Na última seção, indicamos desafios para a efetivação do DUA no contexto da inclusão escolar no Brasil.
O Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA)
O DUA foi inspirado no conceito arquitetônico do Desenho Universal (DU), desenvolvido na década de 1980. O DUA desafiou os designers de espaços arquitetônicos para planejarem e criarem produtos que atendessem à diversidade das pessoas. No final da década de 1980 e início da década de 1990, David Rose, Anne Meyer e colegas do Center for Applied Special Technology (CAST) desenvolveram o modelo do DUA, estendendo o conceito de DU para o ambiente de aprendizagem com o objetivo de proporcionar acesso ao currículo aos alunos com deficiência. O DUA também reconhece que a variabilidade e a diversidade dos alunos é a norma e que, portanto, o currículo deve ser adaptado aos alunos e não o contrário. Posteriormente, concluiu-se que o DUA contribui para a aprendizagem de todos os alunos.
Os princípios do DUA, de acordo com CAST (2018), são os seguintes:
Fornecer vários meios de engajamento (o “por que” da aprendizagem). Isso consiste em estimular o interesse pela aprendizagem, bem como o esforço sustentado e a persistência para aprender de maneiras diferentes para todos os alunos. Isso é feito fornecendo alternativas flexíveis aos alunos para que eles possam desenvolver habilidades de autorregulação.
Fornecer vários meios de representação (o “o que” da aprendizagem). Isso significa apresentar informações e conteúdos de diversas formas para torná-los mais acessíveis e compreensíveis para os alunos.
Fornecer múltiplos meios de ação e de expressão (o “como” da aprendizagem). Isso significa projetar métodos alternativos e suportes de comunicação dentro da sala de aula. Isso permite que os alunos expressem o que sabem de maneira mais adequada.
O DUA caracteriza-se por uma estrutura baseada na neurociência cognitiva utilizada para projetar experiências de aprendizagem que funcionem por meio de um amplo espectro de possibilidades. Ele visa favorecer a aprendizagem de todos os alunos, de modo que sejam bem-sucedidos e alcancem uma aprendizagem efetiva e satisfatória. Segundo Morin (2019), o DUA beneficia todos os alunos, pois: a) oferece a todos os estudantes oportunidades iguais de sucesso; b) utiliza uma variedade de métodos de ensino para remover quaisquer barreiras à aprendizagem, visto que busca construir uma flexibilidade que pode ser ajustada aos pontos fortes e às necessidades de cada pessoa; c) oferece flexibilidade nas maneiras como os alunos acessam o material e mostram o que sabem; d) procura maneiras diferentes de manter os alunos motivados.
De acordo com o DUA, o aluno padrão não existe; em vez disso, a variação das características é o padrão. Há princípios e diretrizes que servem para elaboração de instruções que atendam a diversidade de necessidades dos alunos. Pletsch (2021a) explica que a proposta original do DUA pelo CAST é baseada em teorias cognitivistas, por isso a necessidade de considerarmos a realidade brasileira, em um contexto que privilegie seus mecanismos e seus princípios potentes à viabilização de práticas pedagógicas inclusivas.
Para Pletsch (2021b), a sistematização e a aplicação dos princípios do DUA preveem, entre outros aspectos, um currículo inclusivo para todos, pautado na justiça curricular. Defendemos ser necessária, portanto, uma concepção de currículo que leve em conta as dimensões: conceitual, procedimental e atitudinal, com base na diferenciação curricular.
Com relação ao currículo na perspectiva do DUA, Marin e Braun (2020) apontam quatro componentes inter-relacionados: a) Objetivos: têm relação com as expectativas de aprendizagem e representam o conhecimento, os conceitos e as competências; b) Métodos: são representados pelas abordagens de ensino, de processos e de rotinas que aceleram e/ou evidenciam a aprendizagem; c) Materiais: são os meios utilizados para a apresentação dos conteúdos e que o aluno utiliza para demonstrar seus conhecimentos; e d) Avaliação: caracteriza-se pela informação sobre o desempenho do aluno, que leva em conta a diversidade de métodos e de materiais, o conhecimento, a capacidade e a motivação.
Marin e Braun (2020) elencaram um conjunto de princípios em consonância com o DUA: a) Igualitário - uso equitativo; b) Adaptável - flexível; c) Óbvio - simples e intuitivo; d) Conhecível - informações perceptíveis; e) Seguro - tolerante ao erro; f) Sem esforço - baixo esforço físico; g) Abrangente - tamanho e espaço para qualquer um; h) Comunidade de estudantes; e i) Clima de ensino. Por meio do DUA, o ensino pode ser planejado de modo acessível e diversificado em termos didáticos e pedagógicos, para todos os alunos, cada qual com suas singularidades, suas capacidades e seus ritmos de aprendizagem e de desenvolvimento. O professor precisa proporcionar oportunidades de escolha do melhor caminho de aprendizagem aos alunos, de modo direto e objetivo, por meio de materiais ajustáveis e diversificados, que permitam uma ampla gama de representações, de ações e de expressões. É importante que haja convívio entre todos os estudantes e docentes, de modo a incentivar a comunicação e que as expectativas sobre a aprendizagem e o desenvolvimento sejam elevadas, a fim de viabilizar o acesso a novas informações e conhecimentos (Marin & Braun, 2020).
Diferenciação Curricular e Pedagógica
A diferenciação curricular fundamenta-se na compreensão de que a diversidade de níveis de aprendizagem e as necessidades estão presentes em qualquer grupo de alunos. Para que ocorra a aprendizagem e, em última instância, a justiça curricular, faz-se necessário ajustar as situações de ensino às características de cada aluno, com a finalidade de maximizar as suas oportunidades de aprendizagem e de sucesso escolar.
No campo da Educação Especial, há diversos estudos sobre diferenciação curricular. A terminologia utilizada é bastante ampla, incluindo, por exemplo: adaptações curriculares, adequações curriculares, acessibilidade curricular, acesso ao currículo, acesso curricular, flexibilização curricular, estratégias educacionais diferenciadas, entre outros (Glat & Pletsch, 2013; Mainardes, 2021; Pires & Mendes, 2019).
A diferenciação curricular e pedagógica tem sido bastante explorada na literatura em língua inglesa. Por exemplo, a busca de publicações com termos como “differentiation teaching” ou “differentiated instruction” permitirá a localização de um número elevado de livros, artigos, sites etc.
Desde a década de 1980, há livros, artigos e pesquisas sobre diferenciação curricular (e.g. Dewhurs, 1996; Moss & Plumpton, 1983; Tomlinson, 1999). Um dos modelos de diferenciação mais difundidos, o qual vem sendo aperfeiçoado ao longo do tempo, é a Instrução Diferenciada, de Carol Ann Tomlinson (1999, 2001). Segundo Griful-Freixenet, Struyven e Vantieghem (2020), o modelo de Tomlinson foi originalmente elaborado para atender às necessidades de alunos superdotados e, posteriormente, foi estendido para todos os estudantes. Esse modelo incentiva os professores a diferenciar a aula ajustando qualquer um ou todos os três componentes do currículo: conteúdo (entrada, o que os alunos aprendem); processo (como os alunos fazem sentido de ideias e de informações); e produto (saída, ou como os alunos demonstram o que aprenderam). Outros princípios gerais do modelo foram a avaliação e as adaptações contínuas e as estratégias de agrupamento flexíveis. Mais recentemente, a teoria da Instrução diferenciada tornou-se uma abordagem de ensino de toda a sala de aula (Tomlinson, 2005, 2014, 2017), na qual os professores precisam ser proativos, envolvendo modificação de currículos, métodos de ensino, recursos, atividades de aprendizagem e produtos dos alunos em antecipação e resposta às diferenças de prontidão, ao interesse e às necessidades de aprendizagem dos alunos, a fim de maximizar as oportunidades de aprendizagem para todos os alunos na sala de aula (Griful-Freixenet, Struyven, & Vantieghem, 2020).
A diferenciação curricular é uma estratégia que possui um elevado potencial para atender às demandas da diversidade de níveis de aprendizagem nas salas de aula. No Brasil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a maioria das escolas públicas estão organizadas em um ciclo de dois ou três anos, com reprovação apenas no final do ciclo, e há um número significativo de alunos com deficiência, matriculados em escolas regulares. Apesar disso, a diferenciação curricular e pedagógica é, ainda, um grande desafio para as escolas e para o trabalho docente; além disso, a literatura sobre o tema é restrita.
As Inter-Relações entre DUA e Diferenciação Curricular
Antes de analisar a inter-relação entre Dua e diferenciação pedagógica, é importante explicitar aspectos metodológicos da pesquisa. Inicialmente, foi realizado um levantamento da produção sobre diferenciação curricular e pedagógica para subsidiar o estudo específico da diferenciação curricular (Mainardes, 2021). Em seguida, foi realizado um levantamento de publicações que procuravam estabelecer paralelos e comparações entre DUA e diferenciação curricular e pedagógica. Esse levantamento foi realizado nas seguintes bases: Scopus, Crossref.org e DOAJ. Foram localizados 20 textos em inglês e três em português. Para a elaboração deste artigo foram utilizados os três artigos em português (Marin & Braun, 2018, 2020; Pletsch, Souza, & Orleans, 2017) e e seis publicados em inglês (Alsalamah, 2017; Choudhury, 2021; Griful-Freixenet, Struyven, & Vantieghem, 2020; Griful-Freixenet, Struyven, Vantieghem, & Gheyssens, 2020; Hamdache, 2022; Morris, 2018; Nevin, Falkenberg, Nullman, Salazar, & Silió, 2013).
Griful-Freixenet, Struyven, Vantieghem et al. (2020) revisaram 27 artigos sobre as inter-relações entre DUA e Instrução Diferenciada (ID) e identificaram três modelos de inter-relações teóricas: a) Complementaridade; b) Instrução diferenciada incorporada no DUA; e c) DUA e Instrução diferenciada como modelos independentes.
Os dez artigos incluídos no primeiro modelo (complementaridade) indicam que: a) há um objetivo compartilhado entre DUA e Instrução diferenciada, que consistia em atender às diversas necessidades de todos os alunos em sala de aula; b) especificaram diferenças em termos de como e quando os ajustes instrucionais foram feitos para os alunos: enquanto o DUA busca antecipar as necessidades dos alunos no momento da elaboração do currículo, a ID adapta o ensino retrospectivamente no processo de planejamento usando avaliação formativa para atender às necessidades individuais dos alunos; c) propuseram combinar os modelos do DUA e da ID com outras teorias educacionais (Inteligências Múltiplas, Educação Multicultural) ou práticas de ensino (prática de coensino, one-teach, one assist).
As vantagens de combinar o DUA e a ID foram especificadas em dois artigos. Descobriu-se que, ao aplicar as diretrizes do DUA como uma abordagem de tamanho único, as necessidades de aprendizado de alguns alunos foram atendidas, mas, ao mesmo tempo, criaram-se barreiras de aprendizado para outros. Para superar essas barreiras, Griful-Freixenet, Struyven, Verstichele e Andries (2017) sugeriram implementar a ID com o objetivo de atender às necessidades de aprendizagem dos alunos de forma individual e direta, e não apenas por meio de configurações e de mudanças curriculares. As fraquezas do DUA seriam, portanto, compensadas quando combinadas com o ID (Griful-Freixenet, Struyven, Vantieghem et al., 2020). Alguns artigos revisados sugeriram que as diretrizes do DUA podem ajudar a aplicar a ID e a fornecer diretrizes para a prática da ID. Concretamente, a aplicação do DUA poderia ajudar a customizar os critérios para estratégias de ensino, materiais e meios de expressão do aluno e, também, monitorar o progresso do aluno por meio de avaliação contínua. Griful-Freixenet, Struyven, Vantieghem et al. (2020) concluíram que um número importante de artigos da amostra (37%, n=10) percebeu uma relação de complementaridade entre DUA e ID e afirmou que ambos precisam ser combinados de forma integrada. No entanto, quase nenhum desses artigos forneceu argumentos baseados em evidências para defender essas declarações (Griful-Freixenet, Struyven, Vantieghem et al., 2020).
O segundo modelo (ID incorporada ao DUA) reuniu 13 artigos, mas a maioria desses artigos não relatou semelhanças ou diferenças substanciais entre o DUA e a ID, pois percebiam que a ID já fazia parte do DUA. Os autores de um dos artigos perceberam que o DUA englobava os princípios de ID do modelo de Tomlinson (2001). Outro artigo mostrou que um currículo baseado nos princípios do DUA encorajou os professores a diferenciar seu ensino com mais confiança.
O terceiro modelo (ID e DUA como dois modelos independentes) foi encontrado em quatro artigos. Esses artigos apresentaram tanto o DUA quanto a ID como dois modelos valiosos para atender às necessidades de aprendizagem de alunos com deficiência. Três deles apontaram as semelhanças entre os dois modelos relacionados ao paradigma da educação inclusiva (considerando as necessidades individuais, abraçando as diferenças dos alunos). No entanto, também foram encontradas diferenças importantes, que criaram uma clara separação entre os modelos e dificultaram sua compatibilidade.
Em relação às diferenças entre os dois modelos, dois artigos dão menos ênfase ao design instrucional proativo da ID em favor de um design instrucional formativo. O DUA envolveu o planejamento de instruções acessíveis a um grupo diversificado de alunos (Darrow, 2014; Franz, Ivy, & McKissick, 2016 como citado em Griful-Freixenet, Struyven, Vantieghem et al., 2020). Além disso, Franz, Ivy e McKissick (2016, como citado em Griful-Freixenet, Struyven, Vantieghem et al., 2020) perceberam o ID como um modelo que normalmente abordava as necessidades de alunos com dificuldades. Em contraste, o DUA abordou o aprendizado de todos os alunos, permitindo que os professores considerassem oportunidades de correção e de enriquecimento.
Outras diferenças percebidas entre DUA e ID foram descritas no estudo de Baglieri, Valle, Connor e Gallagher (2011, como citado em Griful-Freixenet Struyven, Vantieghem et al., 2020). Esse estudo referiu-se à ID como “diferenciação” e foi definida como um processo que assume uma linha de base e, depois, modifica “para cima” ou “para baixo” para indivíduos específicos. Assim, para esses autores, a ID muitas vezes se materializou como uma “hierarquia hierárquica”, em que o nivelamento surge como rastreamento determinístico e agrupamento de habilidades no campo da prática. Consequentemente, perceberam que a ID recriaria as mesmas divisões indesejáveis que pretende erradicar (Baglieri et al., 2011, como citado em Griful-Freixenet, Struyven, Vantieghem et al., 2020). O DUA, em contraste, começaria com uma concepção holística do potencial para muitas experiências de aprendizagem possíveis. Além disso, de acordo com Baglieri et al. (2011, como citado em Griful-Freixenet, Struyven, Vantieghem et al., 2020), o DUA muda o foco dos professores nos benefícios de um indivíduo para o benefício de toda a comunidade. Griful-Freixenet, Struyven, Vantieghem et al. (2020) concluíram que, embora o DUA e a ID compartilhem alguns conceitos teóricos reconhecíveis, os artigos analisados também perceberam diferenças notáveis. A primeira diferença foi que o DUA é uma abordagem proativa, enquanto a ID é reativa. A segunda diferença considerou o DUA como uma abordagem que cria acesso a um rigor acadêmico semelhante para todos os alunos, enquanto o ID assume, antes de tudo, uma linha de base e, depois, modifica “para cima” ou “para baixo” para indivíduos específicos, geralmente alunos com dificuldades. Por causa dessas diferenças, autores que reconhecem o DUA e a ID como duas entidades separadas parecem compartilhar um objetivo semelhante, mas direções diferentes (e até opostas) para alcançá-lo. Portanto, do ponto de vista dos autores, qualquer complementaridade entre os modelos não teria sentido (p. 17).
Choudhury (2021) também compara o DUA e a ID. Para a autora, os pontos em comum das duas abordagens são as seguintes: a) os padrões e as expectativas são os mesmos para todos os alunos; b) há flexibilidade no design das aulas e nos agrupamentos de alunos; c) pontos fortes e limitações de aprendizado individual são considerados no planejamento; d) uma grande variedade de ferramentas e de tecnologias são usadas para auxiliar o aprendizado dos alunos; e) suportes e andaimes são essenciais no design da aula. A autora apresenta também as diferenças entre as duas abordagens. O DUA: a) está mais focado no aprendizado centrado no aluno, cujas experiências de aprendizado são projetadas proativamente para que haja opções acessíveis a todos os alunos; b) seu objetivo é remover as barreiras do aprendizado para que os alunos possam alcançar o conhecimento ideal e se tornar aprendizes especialistas; c) demanda projetar objetivos, métodos, materiais e avaliações flexíveis, tendo em vista as diversas necessidades do aluno desde o início; d) fornece vários meios de engajamento, de representação, de ação e de expressão para todos os alunos desde o início. Os alunos são incentivados a diferenciarem-se e escolherem o melhor caminho para si mesmos. A ID: a) pode ser vista como uma prática responsiva em que os ajustes são feitos com base nas necessidades individuais dos alunos; b) a diferenciação é feita depois que os dados são coletados e as tendências são observadas (diagnóstico); c) o objetivo da diferenciação é fornecer um ambiente de aprendizagem responsivo e ideal para indivíduos/grupos de alunos; e d) as estratégias são planejadas pelo professor de acordo com as necessidades e os avanços observados na aprendizagem dos alunos (Choudhury, 2021).
Pletsch, Souza e Orleans (2017) consideram os conceitos de diferenciação curricular e o desenho universal na aprendizagem como fundamentos epistemológicos para efetivar a inclusão escolar. Os autores destacam a falta de acessibilidade curricular e a fragilidade das ações pedagógicas dirigidas para os alunos com deficiências, em particular com deficiência intelectual e mostram as possibilidades de aprendizagem a partir de estratégias pedagógicas que tomem como referência a diferenciação curricular e o desenho universal na aprendizagem.
Marin e Braun (2018) exploram a tensão que se estabelece entre a garantia de igualdade de direitos em contraponto aos procedimentos e recursos de ensino diferenciados. As autoras entendem que a diferenciação pedagógica pressupõe a promoção de equidade. As autoras consideram o DUA como uma possibilidade de planejamento favorável à promoção de ações pedagógicas diversificadas e equânimes para todos.
O DUA e a diferenciação curricular e pedagógica são abordagens positivas para a efetivação da Inclusão Escolar, pois ambas têm a preocupação em atender às necessidades de aprendizagem dos alunos. O DUA e a diferenciação curricular são abordagens distintas. O DUA é uma abordagem mais ampla e proativa. O DUA não é o mesmo que diferenciar o ensino, por meio de adaptações posteriores a um currículo convencional. Em vez disso, o DUA é um processo pelo qual um currículo é proposital e intencionalmente projetado, desde o início, para atender às diversas necessidades dos alunos (National Center on Universal Design for Learning, 2011). A diferenciação curricular e pedagógica, por sua vez, é mais pontual e tem por objetivo atender aos diferentes níveis de aprendizagem e de necessidades de aprendizagem dos alunos. Podemos argumentar, no entanto, que a ID é uma das estratégias do DUA.
O DUA e os Desafios para a Inclusão Escolar no Brasil
O final da década de 2000 pode ser considerado referência temporal no campo político da Educação Especial no Brasil, no tocante à proposição de uma legislação especificamente voltada ao público-alvo da Educação Especial (pessoas com deficiências sensoriais, intelectual, transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação). A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva - PNEEPEI (Ministério da Educação, 2008), as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado (Resolução Nº 4, de 2 de outubro de 2009) e a Lei Brasileira de Inclusão (Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015) viabilizaram algumas mudanças significativas no processo de escolarização, como, por exemplo, na diminuição de matrículas em escolas e em classes especiais e no aumento significativo no número de matrículas nas escolas regulares.
O aumento no número de matrículas do público-alvo da Educação Especial nas escolas regulares passou a exigir mais comprometimento da gestão educacional, da gestão escolar e dos professores para garantir uma efetiva Educação Inclusiva com base nos direitos humanos, na diferença e na acessibilidade. A Educação Inclusiva é um conceito complexo e multidimensional (Artiles & Dyson, 2005) e pressupõe “que não só o acesso, mas a permanência, participação e a aprendizagem dos alunos público-alvo da Educação Especial sejam garantidas” (Zerbato & Mendes, 2018, p. 147). Assim sendo, a seguir, apresentamos os principais desafios para a efetivação do DUA nas escolas brasileiras.
O DUA na formação inicial e na formação continuada de professores: Embora existam diversas publicações atuais sobre DUA, ele é ainda pouco explorado na formação inicial e na formação continuada de professores. A apropriação do DUA requer um amplo processo de formação dos professores, de pedagogos (coordenadores pedagógicos) e das equipes que atuam nas Secretarias de Educação. Como a implementação do DUA envolve um processo de reestruturação curricular e de metodologias, é essencial que as Secretarias de Educação sejam estimuladas a incorporar o DUA e se comprometam a criar grupos de trabalho que possam aprofundar o estudo e a disseminação do DUA. Do mesmo modo, as Instituições de Ensino Superior (IES) também necessitam incorporar o DUA no processo de formação inicial de professores.
Melhoria das condições de trabalho docente e da infraestrutura das escolas: a efetivação do DUA nas salas de aula requer a ampliação do espaço físico nas escolas e do tempo dos alunos na escola (Educação em Tempo Integral), a redução do número de alunos nas salas de aula, a aquisição de materiais didáticos variados, a criação de bibliotecas escolares, a contratação de professores etc. No caso brasileiro, o atendimento dessas demandas envolve um aumento significativo dos aportes financeiros para a educação pública, a qual tem sido tratada com baixíssima prioridade nos últimos anos. Apesar da importância da melhoria das condições de trabalho docente e da infraestrutura das escolas, é importante que as escolas iniciem experiências como o DUA. A apropriação do DUA envolve uma mudança da concepção de ensino e de aprendizagem, bem como da organização do ensino, da avaliação e da gestão da aprendizagem.
O DUA pressupõe a existência de currículos mais flexíveis: No Brasil, com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2018), em 2018 e a consequente “adaptação” dos currículos das redes de ensino à BNCC, o currículo tornou-se padronizado. Com raras exceções, as redes de ensino elaboraram sua proposta curricular, bem como a avaliação do desempenho dos alunos com base na BNCC. O desafio, portanto, é a elaboração de currículos locais que possibilitem o desenvolvimento do DUA, tendo como horizonte o acesso a todos os estudantes ao currículo.
Considerações Finais
Neste artigo, apresentamos o conceito de DUA e de diferenciação curricular e pedagógica como abordagens para a efetivação da Educação Especial e Inclusiva e uma síntese de pesquisas que buscaram analisar as inter-relações entre DUA e diferenciação. Argumentamos que o DUA é mais abrangente e que as estratégias de diferenciação podem ser utilizadas nele. Os desafios para efetivação do DUA são grandes, uma vez que ele demanda processos de reorganização curricular, emprego de metodologias variadas, requer materiais pedagógicos diversificados e formação continuada dos professores. Indicamos, também, a importância de incluir o DUA na formação inicial de professores.
A gestão educacional, representada pelas Secretarias de Educação, possui um papel central na disseminação do DUA nas redes de ensino. As universidades e os pesquisadores também podem contribuir na disseminação do DUA, por meio da produção de materiais (textos, vídeos, orientações) e da formação de professores para a efetivação do DUA. No contexto brasileiro, a disseminação do DUA e a sua efetivação demandam um intenso trabalho, uma vez que essa abordagem ainda está restrita à academia e que, em muitas escolas, há, ainda, dificuldades em operar com as estratégias de diferenciação que, como explicitado, são reativas, pois são planejadas a partir do diagnóstico dos alunos e da constatação da diversidade de níveis e de necessidades de aprendizagem. O contexto brasileiro mostra-se, também, complexo, tendo em vista a existência de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que levou a um certo nível de padronização curricular nas redes de ensino e de políticas de avaliação em larga escala que influenciam as situações de ensino nas escolas. A implementação do DUA requer autonomia das escolas e das equipes pedagógicas para a definição do currículo e professores que estejam engajados na construção de práticas de ensino efetivamente inclusivas.