Introdução
A formação dos Estudantes do Curso de Licenciatura em Enfermagem (ECLE) exige uma maximização de competências que se processa através da aquisição, integração, articulação e desenvolvimento durante todo o seu processo académico. Eles assumem papéis de responsabilidade, tanto num contexto pessoal e/ou académico como, também, relacionados já com a sua futura profissão (Firmino et al., 2019; Firmino, Sousa et al., 2021a).
O Estudante de Enfermagem (EE) é o sujeito aprendente, que desenvolve competências de carácter científico, técnico e humano num processo contínuo de crescimento e autonomia pessoal, que é capaz de planear, gerir, concretizar, refletir e avaliar a prestação de cuidados de enfermagem que realiza (Spínola & Amendoeira, 2014). Para além de adquirirem os saberes e as competências necessárias para o desempenho da sua futura profissão, correm sempre o risco de - a certa altura - poderem vir a desenvolver problemas de saúde associados à sintomatologia musculosquelética, dada a sua exposição aos fatores de risco inerentes à profissão e ao carácter teórico e prático desse curso. Dos vários estudos consultados, todos reforçam a necessidade de um especial cuidado com os estudantes universitários, independentemente do curso que frequentem (Gomes-Neto et al., 2016; Morais et al., 2019; Nogueira & Sequeira, 2017; Pryjmachuk et al., 2019; Souza et al., 2020). Se bem que, entre os estudantes da área da saúde, em geral - e nos de enfermagem, em particular - tenha sido identificada a presença frequente dos seguintes fatores: stresse, ansiedade, depressão expressiva, burnout, dificuldade de adaptação à nova situação de vida, separação da família, sofrimento psicológico, vulnerabilidade perante novas situações, dificuldade de adaptação ao ritmo de trabalho académico e às tecnologias, pressões impostas perante qualquer falha ou falta de preparação, possibilidade de morte do utente a quem prestam cuidados, medo de errar, privação do sono, medos, anseios, sofrimento dos próprios utentes e familiares (Loureiro & Freitas, 2020; Nogueira & Sequeira, 2017; Padovani et al., 2014; Ponte et al., 2019).
A sintomatologia musculosquelética (SME) é descrita como uma perceção física desagradável, de dor, com sensação de peso, formigamento e fadiga (Firmino et al., 2019; Firmino et al., 2021b; Singh et al., 2010). Esta descrição tem em conta a caracterização relatada pelo indivíduo. A SME pode ter o seu início em causas multifatoriais, que vai desde a repetição de movimentos, a manuseamento de cargas pesadas no cuidar de doentes, o seu posicionamento e a carga horária imposta (Morais et al., 2019) e têm, no seu conjunto, um particular impacto na saúde dos ECLE, resultado da sua experiência académica, razão que deu pertinência ao presente estudo. A opção pela problemática da SME partiu de uma inquietação sentida pelos docentes: após as reuniões de ensino clínico, os estudantes relatavam frequentemente queixas associadas ao sistema musculosquelético, que comprometiam a sua qualidade de vida e a sua saúde em geral, mas que tinham também uma implicação direta no seu rendimento académico. Ser professor do Ensino Superior acarreta uma ainda maior dedicação, investimento e empenho pessoal. Das várias funções que deverá desempenhar, destacam-se a docência, investigação, gestão e atividades de extensão universitária (Elias, 2017; Rebelo et al., 2010). Neste estudo, destaca-se sobretudo a vertente docência - pedagogia e ensino, pois só através de estratégias e recursos pedagógicos conseguiremos alcançar uma maior consciencialização para a regulação e reflexão das aprendizagens dos estudantes nas diversas áreas de desenvolvimento, nomeadamente ao nível dos domínios das competências instrumentais, interpessoais e sistémicas (Santos et al., 2016). Segundo a Ordem dos Enfermeiros (OE), são consideradas Competências Instrumentais as que estão associadas ao domínio da prestação de cuidados; as Competências Interpessoais as que estão mais dirigidas ao domínio da prática profissional, ética e legal; e, por fim, as Competências Sistémicas, aquelas que se integram no domínio do desenvolvimento pessoal (OE, 2015). O presente estudo justificou-se pela necessidade de recolher um conjunto de dados que permitam uma construção de explicações referentes ao resultado do projeto de intervenção pedagógica sobre fatores associados à SME nos ECLE. Espera-se suscitar novos interesses acerca desta temática e, também, que possa desencadear a realização de novas investigações na área.
Este estudo, que agora culmina no presente artigo resultou da tese de doutoramento cujo tema foi “Promoção da Saúde no contexto do Ensino Superior: Estudo de Aspetos Psicossociais associados à Sintomatologia Musculoesquelética nos Estudantes de Enfermagem e proposta de intervenção” (Firmino, 2021).
Estudo empírico
Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, descritivo e exploratório. A investigação qualitativa continua a ser uma opção preferencial no contexto educacional, pela sua contribuição e questionamento reflexivo com vista à melhoria das práticas pedagógicas, e pela sua importância no que concerne à opinião e ponto de vista dos participantes, permitindo a recolha de evidências a respeito da temática com compreensão da realidade percecionada entre o investigador e participantes da pesquisa (Gonçalves et al., 2021; Schnetzler, 2019). Dois investigadores participaram na recolha de dados, um a moderar e o outro a auxiliar. Participaram seis dos 11 estudantes finalistas que, previamente, haviam tido uma formação pedagógica na qual foram abordados conteúdos diretamente relacionados com a SME e que contou com a intervenção de vários profissionais que atuam sobre esta problemática: Fisioterapia, Ergonomia, Enfermagem, Psicologia e ainda os recursos dos professores de Educação Física (Firmino, Moutinho, et al., 2021b; Morais et al., 2019; Moreira, 2019). O critério de seleção dos estudantes foram: (a) estarem matriculados no 4.º ano do curso; (b) estarem presentes em todas as 6 sessões da formação pedagógica sobre SME.
Dos 11 participantes que tiveram a formação pedagógica, seis tiveram disponibilidade e conveniência para se deslocar fora do horário letivo para a realização do grupo focal, o que vai ao encontro das recomendações nesta matéria, que os grupos tenham entre seis e oito participantes, o que permite que cada um tenha a oportunidade de expor e falar sobre a ideia central, permitindo também uma maior responsabilização da sua participação num estudo de investigação (Silva et al., 2014). Os critérios de exclusão incluíam a desistência dos estudantes. Foi utilizada a técnica de grupo focal, com uma duração de 90 minutos, realizada numa única sessão, numa Escola privada da região de Lisboa e Vale do Tejo em maio de 2019. Recorreu-se a um guião semiestruturado segundo as orientações de Rosa e Amendoeira (2015), que permitiu explorar as perceções dos ECLE sobre a formação pedagógica em SME e de que forma esta contribuiu para o desenvolvimento de competências no seu percurso académico. Essa sessão foi totalmente gravada em áudio e vídeo. Desta forma, foi entregue, e assinada, a declaração do consentimento informado, livre e esclarecido, onde se descreve a participação voluntária dos participantes e a possibilidade de desistência em qualquer momento sem consequências para o próprio, garantindo os princípios éticos como o consentimento, a confidencialidade, a honestidade, a responsabilidade, a integridade, a fiabilidade e o rigor (Bardin, 2018; Fortin, 2003).
A análise de dados baseou-se nas gravações dos conteúdos áudios do grupo focal. Foi seguida a metodologia de análise de conteúdo segundo Bardin (2018), a qual se constitui em três etapas: organização da análise, codificação e categorização. Na primeira, realizou-se a leitura flutuante. A codificação consistiu na separação em unidade temática, com categorias prévias (dedutiva, pois o processo analítico foi conduzido sobre um foco específico, por meio de categorias determinadas a priori), do que foi mencionado pelos ECLE (Queiroz & Graça, 2013) e que expressavam as ideias subjacentes em cada Unidade de Registo (UR). A categorização dos dados em categorias estão de acordo com a intersecção entre as competências tunning e as competências do enfermeiro de cuidados gerais: competências instrumentais, que estão associadas ao domínio da prestação de cuidados; competências interpessoais, dirigidas ao domínio da prática profissional e ética e legal; e as competências sistémicas, integradas no domínio do desenvolvimento pessoal (Marques, 2019; OE, 2015) e consistiu em analisar como as informações se coadunavam com os objetivos da investigação, para só então começar o processo de aglutinação (Queiroz & Graça, 2013). Tendo como objetivo garantir a credibilidade e o rigor deste estudo, foram tidos em conta os cinco critérios estipulados por Leininger (2007) e assegurou-se a validade e confiabilidade, como critérios de qualidade de uma investigação qualitativa (Yin, 2015).
Foi testada a fiabilidade inter-codificador e intra-codificador recorrendo ao Kappa de Cohen (Fonseca et al., 2007). Consideramos um valor percentual igual ou superior a 90% para considerar que houve consenso (Fonseca et al., 2007). Em relação à fiabilidade inter-codificador, os dados foram codificados por dois dos autores, sem contacto e separados espacialmente, e posteriormente calculado o índice de acordo. Quanto à fiabilidade intra-codificador, os mesmos dados foram recodificados por outro autor, com um desfasamento temporal de 15 dias (Hill & Hill, 2002), e calculado o índice de acordo. No presente estudo o índice de acordo inter-codificador foi de 98,5% e intra-codificador de 97,1%.
De forma a garantir a confidencialidade, foram codificados os nomes dos estudantes com a letra “E”, seguidos de um número que representava, por ordem crescente, a sua ordem de chegada à sala (E1, E2, ...). O estudo foi autorizado pela Comissão de Ética da Escola onde foi realizado (aprovado a 27 de fevereiro de 2017), respeitando-se os procedimentos contidos na Declaração de Helsínquia e na Convenção de Oviedo.
Resultados
Da análise das características sociodemográficas dos participantes, quatro eram do sexo feminino e dois do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 22 e 26 anos de idade, com uma média de idades de 23,67 anos (DP=1,63). Metade dos estudantes era trabalhador-estudante, com quatro estudantes a referirem serem solteiros. Todos referiram não ter filhos. Apenas dois estudantes mencionaram ter tido já alguma formação sobre quais os fatores que podem ter impacto na sintomatologia musculosquelética.
Os dados obtidos refletem a perceção dos estudantes que realizaram a formação e foram analisados tendo em conta os três domínios de competências, conforme se apresenta abaixo no quadro 1.
Categorias | Subcategorias | Unidades de registo | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Competências Instrumentais | Processo de autorresponsabilização | Processo de mobilização de saberes | 4 | 6 | 10 | ||
Competências interpessoais | Tomada de decisão | Habilidades socio emocionais | Agir responsavelmente | 3 | 2 | 6 | 11 |
Competências sistémicas | Experiências clínicas | Desenvolvimento pessoal | 6 | 6 | 12 |
Fonte: Realizada pelos autores.
Dos resultados mais relevantes, verificamos que, para os seis ECLE que participaram no grupo focal, as competências sistémicas são as que expressam maior representatividade com 12 unidades de registo, seguindo-se as competências interpessoais com 11 unidades de registo e, por fim, as competências instrumentais com 10 unidades de registo.
Competências sistémicas
Na categoria competências sistémicas é expectável que os ECLE desenvolvam momentos de interação com o indivíduo, através das experiências em contexto real durante o ensino clínico, e que estas sejam uma oportunidade para aprender a conciliar os saberes da profissão de enfermagem e, ao mesmo tempo, ter consciência do seu desenvolvimento e conhecimento pessoal. Mais do que preparar os ECLE para a profissão, caberá à escola dotar os seus estudantes das competências que lhes irão permitir adaptar-se aos sucessivos desafios. Os conhecimentos mudam a cada instante e muitos dos conceitos que eram tidos como verdades absolutas são, agora, simples lembranças. Uma prática baseada na evidência vai ao encontro da obrigação da enfermagem enquanto profissão e ciência, contribuir para o desenvolvimento de políticas de saúde que podem transformar comportamentos de risco em comportamentos de saúde (Firmino et al., 2021b).
Os ECLE referem que necessitam sentir-se bem para conseguirem promover o bem-estar nos outros que cuidam (Firmino et al., 2021b; OE, 2015):
E6: “As últimas semanas têm sido desgastantes, física e psicologicamente. Para mim, sem dúvida que a formação me ajudou bastante. Ajudou-me rentabilizando o meu tempo”; E2: “Temos estado sob pressão e stresse, a pensar que temos que estudar isto e aquilo, foi bom sabermos dar um passo atrás, fazermos uma introspeção”. E3: “Conhecer a nossa pessoa e aprender como nos fortalecer”. E4: “Deu-nos outra perspetiva, foram muito pertinentes e vão ajudar-nos para o mundo do trabalho. Foi para isso, não foi? Prevenir riscos, ajudar a melhorar e a contribuir para cuidarmos melhor de nós para cuidar melhor dos outros”.
E1: “Apesar de tudo fiquei contente por fazer isto. Pensaram em nós. É bom ver os professores a pensarem no nosso bem-estar e a protegerem-nos.” E5: “A resiliência é um bom tema e raramente falamos sobre isso.”, “Estamos mais conhecedores de situações que os outros.”
Competências interpessoais
A categoria competências interpessoais é intrínseca ao processo relacional, pois reúne um conjunto de características humanas, nomeadamente ao nível da comunicação, gestão da tomada de decisão, momentos de interação e envolvimento, através de cuidados éticos, responsáveis e humanizados (Marques, 2019; Martins et al., 2021). A forma como os indivíduos escolhem a estratégia de coping é determinada pelos seus recursos, internos e externos, que podem incluir a saúde, crenças, responsabilidade, suporte, capacidades sociais e recursos materiais (Graner & Cerqueira, 2019; Hirsch et al., 2018). A eficácia do coping dependerá sempre das estratégias utilizadas pelos ECLE, no sentido de reduzir o impacto negativo causado pela situação, tal como é referido por alguns dos participantes,
E1: “Eu gostei muito da formação. Relembrou-me alguns aspetos que já tinha esquecido e aprendi outros. Termos o cuidado de pensar antes de fazer aquele ou outro procedimento, fazermos as coisas rápidas, mas com segurança. Ter cuidado com o que estou a fazer para minha proteção e dar segurança também a quem estou a cuidar”. E5: “Às vezes vemos este e aquele enfermeiro a fazer bem as coisas e perguntamos: Faz diferente dos outros enfermeiros, porquê? Já tive uma lesão e agora tenho de me proteger. Fiquei a pensar nisto. Só nos defendemos depois de acontecer… realmente temos de mudar algumas coisas para melhorar a nossa vida no estágio e quando formos enfermeiros”. E2: “Quando estou em Estágio protejo-me logo para não sofrer mais… não vou dizer aos enfermeiros que tenho uma lesão e que não posso fazer isto e aquilo… Já sabemos o que vai acontecer!”. E3:” temos de estar atentos aos sinais, pois já sabemos que ir até ao extremo não é bom”.
Competências instrumentais
Por fim, as competências instrumentais, interligadas com a prestação e gestão dos cuidados de enfermagem, com as quais os ECLE são orientados para o desenvolvimento de habilidades e pensamento crítico, autoconfiança e os conhecimentos transdisciplinares (Leeuwin & Jukema, 2018; Lessard & Carpentier, 2016). Para os estudantes foi útil e importante a integração de outros profissionais, além dos enfermeiros, e terem a possibilidade de ser ouvida a sua voz, como é referido por alguns estudantes,
E4: “Foi interessante ir buscar vários profissionais para a formação. Temas semelhantes deram respostas diferentes”. E3: “Relembrou-me a importância de um bom posicionamento e transferência e a forma como nos podemos proteger, mais noção do que é correto, aprender a pôr em prática o que é correto!” E6: “No geral, para mim todas foram importantes. Ao nível das competências adquiridas, direi que já estou alerta para as situações que podem surgir, o que nos pode levar a ter este ou aquele sintoma e como o podemos resolver!”. E2: “Temos de demonstrar para além das competências técnicas, as outras, empatia, carinho, atenção e partilha. Às vezes sentimo-nos tão exacerbados que é difícil professora”. E1: “gostei de estar na formação e estar aqui hoje. Deu-nos a possibilidade de falar sem julgamentos e é bom ouvir os outros colegas. É pena só ter acontecido agora. Se calhar, podiam fazer isto logo no 1º ano”.
Discussão
O presente estudo explorou a perceção dos estudantes do ECLE relativamente à formação pedagógica em SME e de que forma contribuiu para o desenvolvimento das competências académicas no curso. Os ECLE valorizam a importância da contribuição de outros profissionais para melhorar a sua preparação académica, através de estratégias que estimulem a sua capacitação quer a nível de formação académica quer a nível das experiências profissionais e pessoais, ajudando na diminuição da SME (Firmino et al., 2021b; Morais et al., 2019). Contudo, como desde o início que são integrados no contexto de trabalho, através de Ensino Clínico (EC), a formação que tiveram acesso deveria ser ministrada desde o primeiro ano do CLE, potenciando o desenvolvimento de capacidades e competências ao longo do seu processo formativo e ao mesmo tempo diminuir a prevalência da SME, pela vivência através dos EC, ao contexto de trabalho da sua profissão futura, o de ser enfermeiro.
A formação dos estudantes de enfermagem é realizada por períodos na escola que se dividem entre aulas teóricas, teóricas-práticas, práticas-laboratoriais e, num contexto de EC com uma grande diversidade de contextos reais, mas que são fundamentais para o processo de aprendizagem. Esta forma de ensino, na arte da Enfermagem, vai ao encontro daquilo que é preconizado por vários modelos educacionais e de aprendizagem: aprender em conjunto, aprender pela afetividade e, por fim, aprender com base no interesse dos estudantes. Este pluralismo dá a cada estudante a oportunidade de um desenvolvimento individual, atingindo o seu máximo potencial (Elias, 2017). Estas diferentes vertentes pedagógicas permitem ao estudante uma aquisição de competências teóricas e práticas de diversas naturezas, coerentes e necessárias para que possam ingressar na profissão (Ferraz et al., 2023). Percebe-se pela voz dos estudantes do CLE, que a participação de vários profissionais de outras áreas de formação, terá contribuído para a sua capacitação, não só nas competências que ao futuro enfermeiro são exigidas, mas também a nível pessoal, trabalho em equipa, e comunicação. Estas intervenções pedagógicas, devem ser promovidas junto dos restantes estudantes, de forma precoce, para auxílio na sua formação académica (Firmino et al., 2021b; Gomes-Neto et al., 2016; Hirsch et al., 2018; Morais et al., 2019).
A literatura e estudos consultados sugerem que a SME pode surgir ao longo de toda a formação académica dos ECLE (desde o primeiro ano do curso) dada a presença de determinados fatores de risco, que contribuem para o desenvolvimento desta sintomatologia, seja em EC, seja em contexto académico, tais como: sobrecarga nos cuidados de higiene e conforto; alimentação do utente; transferência dos doentes; repetição de movimentos; presença de ansiedade, depressão e stresse académico; idade e sexo; poucas horas de sono; exigência do curso a nível mental e físico; diminuição da socialização; muitas horas sentados; e a utilização de tecnologias como o computador, o telemóvel e/ou outros suportes tecnológicos (Gomes-Neto et al., 2016; Hirsch et al., 2018; Morais et al., 2019).
Nesta perspetiva, todos os profissionais que contribuem para a formação dos ECLE devem estar capacitados dos riscos associados à sua prática, de modo a agirem com eficácia e cumprirem o seu papel enquanto agentes promotores e facilitadores da sua saúde e dos seus estudantes. Os resultados desta investigação são concordantes com Tobo e colaboradores (2010) que, num estudo realizado sobre o tratamento de lombalgia crónica, referem que uma equipa multidisciplinar permite uma integração de aspetos distintos para uma mesma problemática, com uma abordagem positiva tanto do ponto de vista preventivo, como terapêutico. Já Freire (2006) refere que a utilização de um modelo educacional que impulsione os indivíduos à reflexão crítica acerca deles mesmos e da realidade que vivenciam (algo a que o próprio chama de “educação libertadora”), resultante da práxis humana, pode potenciar o crescimento e autonomia do indivíduo, concedendo-lhe um olhar crítico acerca do meio onde está inserido, através da resolução de problemas reais que o afetam.
Importa que a equipa compreenda a diversidade dos seus componentes, as competências e os saberes dos seus profissionais e tire partido disso para benefício de todos (Firmino et al., 2019; Freire, 2009), o que, neste caso específico, será dar aos estudantes recursos para que estes melhorem a sua literacia em educação na saúde, relacionado com a prevenção e minimização dos fatores que interagem na problemática da SME. Os ECLE são os principais agentes de aprendizagem, sendo corresponsáveis pelos processos de ensino-aprendizagem. Le Boterf (2005) menciona a necessidade de os mesmos saberem mobilizar os cinco saberes que estão inerentes à profissão de enfermagem: os saberes teóricos, os saberes procedentes, os saber-fazer procedentes, os saber-fazer experienciais e os saber-fazer sociais; e que estes vão sendo adquiridos através de contactos e experiências práticas com a mobilização dos conhecimentos adquiridos nos vários contextos de aprendizagem. O ensino e a aprendizagem proporcionam bastantes ocasiões para cuidar dos estudantes, tal como para os capacitar a conseguirem cuidar de si mesmos e dos outros. Não se trata de voltar as costas ao passado, mas tão só de trabalhar com ele: reconhecer e validar os seus sucessos, sim, mas também aprender com as suas falhas (Bevis & Watson, 2005; Firmino et al., 2021b).
Esta investigação mostra que os discursos e significados dos ECLE chamam a atenção para o facto de as práticas pedagógicas necessitarem, cada vez mais, de serem estimulantes para os estudantes e capazes de potenciar o seu envolvimento com diversas abordagens metodológicas, seja através de parcerias entre professores, seja através de atividades compartilhadas e/ou através da iniciação precoce à experimentação, simulação e investigação (Moreira, 2019; Serra, 2016).
As estratégias de aprendizagem e de coping implicam quase sempre a mobilização de recursos, com modificações a nível cognitivo das práticas socioprofissionais associadas à enfermagem, do autoconhecimento e a redefinição de uma estratégia pessoal para acionar e transformar a informação, de modo que o saber adquirido em determinado contexto possa ser aplicado noutras situações e em contextos futuros, como resposta a exigências a que é exposto (Graner & Cerqueira, 2019; Hirsch et al., 2018). A forma como os indivíduos escolhem a estratégia de coping é determinada pelos seus recursos, internos e externos, que podem incluir a saúde, crenças, responsabilidade, suporte, capacidades sociais e recursos materiais, dependendo sempre das estratégias utilizadas pelo ECLE para tentar reduzir o impacto negativo causado pela situação (Firmino et al., 2019; Graner & Cerqueira, 2019; Hirsch et al., 2018). A afetividade exerce um papel fundamental em todas as relações, pois influencia a perceção, o sentimento, a memória e a autoestima, sendo, por isso, considerada um dos pilares para o equilíbrio do indivíduo (Frenhan & Silva, 2021; Serra, 2016). Uma prática pedagógica com uma dimensão afetiva presente, além de promover sentimentos de satisfação e bem-estar, possibilita um ambiente favorável para a aprendizagem do estudante.
Considerações finais
Um mundo em constante mudança, em permanente adaptação a novas formas de ensinar e trabalhar é a nossa atualidade. O projeto de intervenção pedagógica sobre promoção de práticas para minimizar ou prevenir a SME suscitou nos estudantes uma autorreflexão para a aquisição de competências ao nível de conhecimento sobre a SME e a necessidade de um pensamento crítico na profissão de enfermagem. Nos estudantes, este estudo promoveu, ainda, a aquisição de conhecimentos a nível dos três domínios de competências preconizadas pela OE para os enfermeiros de cuidados gerais: instrumentais, interpessoais e sistémicas, através de tomadas de decisão conscientes, com rigor científico e com um investimento precoce na proteção do ECLE antes da sua saída para o contexto profissional futuro. A opção por captar a voz dos estudantes e assim conhecer as respetivas perceções revela-se adequada aos propósitos que guiaram a realização de um estudo levado a cabo pelos docentes do CLE, repensando as formas de estratégias de formação que têm sido privilegiadas, e desenvolver dinâmicas apropriadas para a participação de todas as partes envolvidas no curso.
Uma das implicações práticas desta investigação é que, futuramente, se verifique uma modificação comportamental com eficácia, através de um investimento precoce na proteção musculosquelética destes estudantes logo no 1.º ano do Curso, através da inclusão de conteúdos programáticos que privilegiem prevenção de situações de risco e consciencialização da mecânica corporal.
Como limitações ao estudo, sinalizamos a utilização de um grupo focal e o número de participantes envolvidos. Sugerem-se estudos que aprofundem a investigação desenvolvida, alargando-o a outros grupos de estudantes, com vista à modificação de comportamentos com informação, educação, formação e intervenção precoce para a minimização da prevalência da sintomatologia musculosquelética, pois temo-nos apercebido da desinformação existente sobre esta problemática ao longo de todo o percurso escolar e académico.