INTRODUÇÃO
O desenvolvimento científico e tecnológico contribui para um processo de reconfiguração também na formação continuada de professores. Há um implemento de termos relacionados às tecnologias e à inovação nos documentos que orientam os currículos e assim os processos de formação dos professores. No Brasil temos como exemplo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) onde está presente um discurso que busca fazer a escola acompanhar as transformações sociais, em virtude das inovações tecnológicas. Nesse contexto, torna-se relevante contribuir para os debates e reflexões sobre a formação continuada de professores para integração das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na prática pedagógica, no sentido de ampliar o conhecimento sobre as abordagens teórico-metodológicas que fundamentam a formação continuada dos professores numa perspectiva crítica.
A formação continuada tem sido objeto de investigação e reflexão de alguns autores que discutem sua constituição no percurso histórico como campo de pesquisa. Conforme Alferes e Mainardes (2011), na década de 60 foram realizados os primeiros cursos de formação e já nessa altura, as pesquisas realizadas mostravam uma tendência em reivindicar uma maior participação docente, sugerindo-se que as formações estivessem relacionadas às questões práticas de sala de aula e que também considerassem o contexto e a realidade do cotidiano escolar. Ainda, segundo Alferes e Mainardes (2011) a ditadura militar, o movimento de democratização da sociedade e os movimentos de globalização da cultura e da economia foram contextos que repercutiram no processo de formação continuada de professores nas décadas de 70, 80 e 90.
Também para estes autores, podem-se destacar algumas concepções e nomes de referência no campo que, a partir dos anos 90, influenciaram os debates, nomeadamente, “(...) sobre desenvolvimento profissional (Nóvoa, 1991), professor reflexivo (Schön, 1987, 1992, 1995), professor-pesquisador (Zeichner, 1998)” (Alferes & Mainardes, 2011, p. 5); compreendendo que essas denominações da formação continuada emergem no contexto de estudos e pesquisas desenvolvidas, bem como dos movimentos sociais, políticos e econômicos vivenciados e por isso modificam-se constantemente.
Para compreender as abordagens teórico-metodológicas que fundamentam os cursos de formação continuada dos professores da Rede Pública Estadual de Ensino de Santa Catarina - Brasil, para integração das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na prática pedagógica, objetivo do estudo, optou-se pela pesquisa documental e análise de conteúdo (Bardin, 2004), cuja técnica permite ir além da descrição do objeto com o qual se propõe a prática de análise, pois o trabalho com as palavras propicia a inferência, a dedução e a busca pela significação que reside em um segundo plano. O recorte temporal estabelecido no desenvolvimento deste estudo abrange o período de 2008 a maio de 2020. Salienta-se que a escolha se deu em virtude da implantação do Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional (ProInfo Integrado) por meio do Decreto nº 6.300, de 12 de dezembro de 2007, cujas formações específicas decorrentes se iniciaram no ano de 2008, quando houve uma intensificação do processo. Sendo assim, são analisados materiais de seis (6) formações continuadas de professores para integração das tecnologias nas práticas pedagógicas.
A interlocução teórica para compreensão da temática considerou pressupostos trazidos por autores que discutem formação de professores, tecnologias na educação e filosofia da tecnologia, dentre os quais destacamos Nóvoa (2002), Freire (1997), Pinto (2005) e Feenberg (2002, 2013). O referencial teórico aborda os conceitos e os aspectos históricos que marcaram o processo de constituição da formação continuada de professores, e focaliza a filosofia da tecnologia numa visão crítica das TIC no contexto educacional.
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: breve contextualização
As concepções e denominações aplicadas ao processo de formação continuada desde a sua instituição como política pública educacional são diversas. Para Veiga (1998, p. 100), “também ele [o conceito ‘continuada’] é evocador de outros que lhe estão associados: inicial, inacabada, profissional, sistemática, dinâmica, em processo”. Posto isso, cabe ressaltar a existência de uma formação que se estende por toda a vida profissional do indivíduo; no caso da educação, o professor.
Apresentando as terminologias relacionadas à formação continuada de professores, Alferes e Mainardes (2011) destacam que ao processo de formação permanente profissional do professor já se aplicaram os termos ‘reciclagem’, ‘treinamento’, ‘aperfeiçoamento’, ‘capacitação’, ‘educação permanente’, ‘formação contínua’ e ‘educação continuada’. Os autores esclarecem que enquanto ‘reciclagem’ se referia a mudanças mais radicais para o exercício de uma nova função, ocasionando a implementação de cursos rápidos e esporádicos de formação continuada, o termo ‘treinamento’ tinha como foco a capacidade de o indivíduo realizar determinada tarefa por meio da modelagem de comportamento. Quanto aos termos ‘aperfeiçoamento’ e ‘capacitação’, o primeiro significava tornar perfeito ou mais perfeito, ou ainda, completar ou acabar o que está incompleto. Já ‘capacitação’, assumia o significado de tornar capaz e habilitar. Esses quatro primeiros termos remetem a uma formação na qual não se percebe o professor como sujeito da sua formação, protagonista de seu fazer, mas como um indivíduo que precisa ser lapidado, rapidamente treinado e aperfeiçoado para fazer da melhor maneira, à luz de uma visão que o enxerga como incapaz. É uma mentalidade enraizada em um método pragmático de formação, que atribui ao profissional de educação uma função de receptor e transmissor de conhecimento, que por meio das técnicas poderá melhorar sua prática. Essa concepção está ancorada numa proposta racionalista, vigente numa perspectiva clássica ou tradicional de formação continuada, que considera o professor como aquele que aprende como ensinar e depois aplica o que aprendeu, sem muita oportunidade de reflexão. Para Imbernón (2010), a própria expressão ‘aperfeiçoando-se’ trazia em si o indicativo de que a formação seguiria os mesmos moldes tão em voga no modelo clássico de formação.
No Brasil, o termo ‘formação continuada’ aparece registrado na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDBEN) (Brasil, 1996) e, junto ao termo ‘capacitação’, trata das práticas formativas em todo o país, remetendo a um processo de constante formação do professor, que acontece nas diferentes modalidades e se estende para além de um curso ou espaço. Essa acepção, que sucede os termos ‘aperfeiçoamento’ e ‘atualização’ trazidos na Lei nº 5.692/71 , vincula-se a uma nova visão de formação continuada de professores, em que as práticas formativas assumem novas funções e novas facetas, culminando, nesse percurso, por transformar a visão que se tem do professor e da própria profissão.
A denominação ‘formação contínua’ é utilizada por Nóvoa (2002) para se referir às práticas formativas, em nível macro, com a qual aborda variados aspectos da formação continuada de professores; porém o autor adota outras terminologias para se dirigir à pessoa do professor, entre elas a de ‘desenvolvimento profissional’. Para as autoras Gatti e Barreto (2009 há um consenso de que a profissionalização do professor perpassa um processo que não se desenvolve em curto prazo, mas que, sendo individual ou na coletividade, resultante de experiências planejadas ou não, amplia os conhecimentos profissionais sobre a docência, havendo, por isso, “a necessidade de valorizar um continuum profissional de modo a conceber a formação como um processo que abrange a formação inicial, a indução profissional e a formação continuada” (p. 183).
A necessidade de se pensar o processo de formação continuada como um conjunto de estratégias contextualizadas é defendida por Nóvoa (2002). O autor conclui que há o reconhecimento de que não existe uma única forma na seara de desenvolvimento da formação continuada, sendo possível, a partir desse contexto, detectar a existência de dois grandes grupos de modelos de formação continuada de professores: o primeiro grupo sendo o dos Modelos Estruturantes, que são aqueles organizados previamente a partir da lógica de racionalidade científica e técnica e ainda aplicados a diversos tipos de professores; e o segundo grupo, o dos Modelos Construtivistas, que são os que se desenvolvem a partir da reflexão contextualizada direcionada à elaboração dos dispositivos de formação contínua, objetivando uma regulação permanente das práticas e do processo de trabalho.
Em estudo publicado sobre concepções, modelos e dimensões da formação continuada de professores, Amador e Nunes (2019) abordam a pluralidade de significados dos termos utilizados para designar o processo de formação continuada, reforçando o seu caráter polissêmico e assinalando que as denominações também não se dão ao acaso, mas emergem da concepção e da finalidade formativa adotada e defendida pelo grupo que a planeja e a desenvolve. E que, “portanto, tal escolha não é meramente técnica, mas sim política” (Amador & Nunes, 2019, p. 38). Nesse sentido, o processo de formação é um campo que recebe influências sociais e políticas, que estão relacionadas ao contexto vivido.
No contexto social contemporâneo, a formação continuada de professores para a integração das tecnologias nas práticas pedagógicas se relaciona diretamente com as políticas e projetos que foram sendo desenvolvidas no Brasil desde a década de 80. O contexto histórico dos projetos e iniciativas nessa área foi amplamente registrado por Almeida e Valente (2016), que organizaram um estudo analítico dos principais programas, políticas e ações do governo brasileiro, provindas do Ministério da Educação (MEC) e de outros órgãos, destacando as principais lições aprendidas nesta trajetória. Almeida e Valente (2016) apresentam brevemente os projetos que impulsionaram, sobretudo, a pesquisa nas universidades brasileiras e com isso a formação de grupos de pesquisa na área da informática educativa e tecnologias e a formação de professores por meio de programas de pós-graduação lato sensu e cursos de aperfeiçoamento de longa e curta duração. De forma cronológica foram os seguintes projetos: Projeto EDUCOM (1985-1991); Programa de ação imediata em informática na educação de 1º e 2º graus (1986); Programa nacional de informática educativa - PRONINFE (1990); Programa nacional de informática na educação - PROINFO (implantação da 1.ª etapa - 1997-2006 e implantação da 2ª etapa - 2007-2016). E dentro destes programas outras ações como o Projeto Um Computador por Aluno (UCA), o Programa Banda larga na Escola e a distribuição do Tablets e das Lousas Digitais.
O ProInfo, por todas as ações inerentes, é um projeto de grande relevância para as políticas de inserção das tecnologias na escola, uma vez que deu apoio às Secretarias de Educação dos estados e dos municípios na implantação da informática nas respectivas redes de ensino, visando à introdução das TIC como ferramenta auxiliar aos processos de ensino e de aprendizagem - esta é a conclusão a que chegam Almeida e Valente (2016) ao final do seu estudo.
Santos (2012) destaca três momentos marcantes no início do projeto de informatização das escolas: o primeiro, em que o computador serviu apenas a propósitos organizacionais e burocráticos, presente somente na secretaria e na biblioteca, sem qualquer vinculação com o trabalho pedagógico. Nesse mesmo período, com a implantação dos laboratórios de informática na década de 1990, foram disponibilizados a professores e alunos, porém havia restrições para uso do espaço, uma delas a de que o professor que fosse utilizar comprovasse participação em curso de capacitação e treinamento. O segundo momento tem sua referência na utilização da linguagem LOGO, considerado o de maior importância, pois o computador passou a ser utilizado como recurso didático e pedagógico (Santos, 2012). Por ser a abordagem LOGO construcionista, essa se contrapunha ao instrucionismo, pois possibilitava a interação da criança com a máquina, contemplando o desenvolvimento cognitivo. Ainda de acordo com Santos (2012), a proposta de Seymour Papert foi bem recebida no Brasil, trazendo grande contribuição para o campo da formação, uma vez que possibilitou pesquisas sobre a relação máquina-criança e não tinha foco nas competências, mas no conceito de linguagem. A implantação da internet, como espaço virtual de compartilhamento de produções, que antes ficavam restritos aos softwares, vem identificada pela autora como o terceiro momento na trajetória do uso do computador na escola. Entende-se que a chegada da web 2.0 se caracteriza como um grande passo para a divulgação de materiais, produções científicas, impulsionando os debates sobre educação.
Atualmente, as ações se articulam com as diretrizes da BNCC vigente, promulgada em 22 de dezembro de 2017, pela Resolução CNE/CP nº2 de 2017 e publicada em 2018, que é um documento norteador das práticas educativas e curriculares no país e se constitui em um dos elementos na formação para os professores. No texto de apresentação do referido documento há um apontamento da Base como dispositivo que “(...) além dos currículos, influenciará a formação inicial e continuada dos educadores” (BNCC, 2018, p. 5) e ao tratar da questão do regime de colaboração entre os entes federativos o texto retoma a questão da formação de professores.
Quando se menciona uma educação de base instrucionista, tem-se que é uma abordagem que não permite abertura ao diálogo e a questionamentos, elementos considerados fundamentais pela filosofia, no que tange à reflexão e à visão crítica. A filosofia da tecnologia permite a compreensão de aspectos sociais e filosóficos em relação aos recursos tecnológicos. Parte-se do princípio de que a tecnologia não é mero aparato ou instrumento que está a dispor dos sujeitos, embasando-se nos estudos teórico-filosóficos, para propor um movimento de pensar a tecnologia de forma mais ampliada.
CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA DA TECNOLOGIA
A Filosofia da Tecnologia contribui apresentando as possibilidades do pensamento tecnológico, a partir de reflexões emergidas da teoria crítica da tecnologia, empreendida pelo filósofo contemporâneo Andrew Feenberg (2002, 2004, 2013), com especial contribuição do filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto (2005), sobre o conceito de tecnologia e da abordagem sociotécnica trazida por Albero (2011) e Peixoto (2015), como possibilidade de superação das visões consideradas reducionistas da tecnologia, tanto no campo social, como no contexto educacional.
Ao fazer referência às diversas acepções da palavra, Vieira Pinto (2005) elege e apresenta quatro significados etimológicos distintos, que ele entende serem fundamentais para uma compreensão mais ampliada de tecnologia. Para o autor, em princípio, a tecnologia vem a ser a ciência e a discussão da técnica que todas as sociedades possuem. Esta é denominada, então, de Logos da Técnica, cuja interpretação se torna importante para a compreensão dos demais, pois traz em si possibilidades de reflexão sobre a questão tecnológica. A segunda acepção, que conforme Vieira Pinto é a mais habitual no cotidiano, equivale pura e simplesmente à técnica e que se equipara no discurso corrente à expressão Know how, gerando essa equiparação perigo na compreensão do que é verdadeiramente a tecnologia em termos sociológicos e filosóficos. O terceiro significado se refere ao conjunto de técnicas que uma sociedade possui em determinado período histórico e, portanto, sua importância reside no fato de ser usada quando se quer medir o grau de avanço e de progresso de uma sociedade. Na quarta acepção, Vieira Pinto apresenta a definição da tecnologia como ideologia ou ideologização da Técnica, significado este que passa ser o seu escrutínio para as reflexões sobre a relação entre o homem e a tecnologia no que tange a uma consciência crítica.
O filósofo contemporâneo Feenberg, em seus escritos, aborda a questão tecnológica e traz à luz uma teoria crítica da tecnologia, como proposta de revisão da tecnologia no campo social, que permite pensar numa busca por outra visão dos recursos tecnológicos no campo educacional. Ao se referir ao conceito de técnica e tecnologia, Feenberg (2013) explicita que a palavra techné empregada pelos gregos da Grécia Antiga para designar técnica e tecnologia, distancia-se do significado atribuído pelo homem da chamada era moderna, pois “Na visão grega das coisas, cada techné inclui um propósito e um significado para os artefatos cuja produção ela orienta” (Feenberg, 2013, p. 53), assim imprimindo aos recursos o devido valor, entende-se que são resultado do esforço e da produção do homem em determinados contextos. Segundo o autor, o homem dito moderno considera a tecnologia como um conjunto de aparatos e instrumentos que vão produzir algo pronto e acabado para posterior uso, não implicando subjetividade nesta relação.
Para Feenberg (2002), a Teoria Crítica da Tecnologia traz a possibilidade de o homem transformar o meio em que vive. Por meio dela, concede-se ao homem a oportunidade de dialogar sobre questões como saúde e meio ambiente. É, em suma, um meio para repensar a realidade e a democracia. Essa teorização de tecnologia pela ótica da filosofia contribui para uma ação reflexiva em termos de visão que se tem dos recursos tecnológicos no espaço escolar, de modo a pensá-la além dos aspectos de utilidade.
Nessa mesma perspectiva, o filósofo contemporâneo Feenberg (2013) toma por base os princípios do determinismo tecnológico, do instrumentalismo e do substantivismo, como teorias tradicionais da tecnologia, para empreender uma visão crítica e trazendo à luz a teoria crítica da tecnologia, com a qual defende que há sim a possibilidade de se compreender a esfera tecnológica como um espaço democrático.
Em defesa de uma postura crítica frente às tecnologias, Freire (1997) propõe uma tomada de consciência, por parte do profissional, sobre o lugar que a tecnologia ocupa no fazer de cada um. E o professor, por sua formação e constituição, por certo, tem condições para assumir essa postura. Para Freire, “em face da tecnologia” é preciso ponderar, evitando assim um extremismo, pois não se trata de divinizar ou demonizar os recursos, mas concebê-los em uma relação dialética, que considera o homem em suas dimensões econômica, política e social.
Albero (2011) e Peixoto (2015) defendem que uma análise no campo da formação envolve uma perspectiva sociotécnica, que traz em seu bojo a questão da relação sujeito-tecnologia, subsidiando uma compreensão da formação do professor sob uma perspectiva menos reducionista. Para essas autoras, a tecnologia vai além das questões instrumentais e meramente técnicas, sendo imprescindível uma compreensão social do papel que as tecnologias exercem no espaço escolar. Entende-se, a partir desse estudo, que uma visão que supere o reducionismo tecnológico não surge ao acaso, mas resulta de reflexões conjuntas sobre questões que vão além dos aspectos instrumentais dos recursos. Peixoto (2015) anui a defesa da abordagem sociotécnica, empreendida por Albero (2011), enfatizando que se a tecnologia é pensada como um constructo social, a racionalidade técnica torna-se insuficiente para analisá-la. Ao entender das autoras, a abordagem sociotécnica propõe outro tipo de racionalidade, mista, dinâmica, conduzida pela relação constantemente reavaliada entre finalidades e meios, disposições e condições, expectativas e respostas.
Procedimentos metodológicos
Foram selecionadas seis (6) propostas de formação que compõem o corpus do estudo, do Programa ProInfo Integrado: Introdução à Educação Digital (60h |2008); Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC (100h |2008); Elaboração de Projetos (40h|2009); Redes de Aprendizagem (40h |2013); A Arte de Fotografar com o Uso da Tecnologia Digital, Especialmente o Celular (4h |2018); Curso de Formação Pedagógica para Atividades Escolares Não Presenciais (40h | 2020).
Os referidos documentos analisados, com ementas, objetivos e conteúdos, são de domínio público e as versões digitalizadas se encontram disponíveis nos portais dos órgãos oficiais, cujo acesso ocorreu pelo vínculo com a rede estadual de ensino de Santa Catarina de uma das autoras, que é professora nesta rede. A escolha por analisar essas fontes se deu, sobretudo, a partir da definição do problema, observando-se os cursos ofertados no lapso temporal delineado para esta investigação (2008-2020). Na primeira etapa, fez-se uma leitura de reconhecimento dos textos, verificando sua pertinência em relação à temática em estudo e, a partir de então, fez-se a seleção dos documentos para constituição do corpus de análise, dentro do recorte temporal delineado. Na etapa seguinte - exploração do material - buscou-se identificar os conceitos-chave em relação à tecnologia e à formação continuada, observando a correlação entre os documentos e, a partir da fundamentação teórica, definiram-se as categorias de análise. As propostas formativas foram analisadas a partir das seguintesduas categorias: Perspectiva Formativa e Abordagem Filosófica Conceitual da Tecnologia.
A primeira categoria de análise, denominada ‘Perspectiva Formativa’, foi gerada a partir dos estudos de Saviani (1999), Imbernón (2010), Nóvoa (2002) e Freire (1996, 1997), que discutem a formação continuada, no sentido de compreender os distanciamentos entre o Modelo Clássico de Formação, também denominado tradicional, e uma Perspectiva Crítica de Formação que se estabelece a partir de outros pressupostos conceituais. No Modelo Clássico de Formação, há certa formatação da prática educativa, logo se traduz esse modelo como ‘reciclagem, capacitação e treinamento’. Numa Perspectiva Crítica de Formação, contempladas as características trazidas pelos fundamentos de uma formação crítica e reflexiva, explicita-se a busca pelo protagonismo do professor. Nesse contexto, o termo ‘desenvolvimento profissional’, considerado por Gatti e Barreto (2009) e, também, referenciado por Nóvoa (2002) e Imbernón (2010), aparece como um dos termos mais expressivos, demonstrando a viabilidade de pensar a formação continuada do professor por outro prisma. Os pressupostos de Freire (1996, 1997) contribuíram significativamente para o constructo de uma perspectiva crítica de formação docente, no âmbito de uma prática formativa emancipadora, dialógica e libertadora. O Quadro 1 sintetiza as caracterizações já trazidas pelos autores e que são o locus de análise neste estudo.
A segunda categoria de análise, denominada ‘Abordagem Filosófica Conceitual da Tecnologia’, com a qual se objetivou caracterizar a abordagem trazida nos documentos analisados, emerge das discussões a respeito da filosofia da tecnologia e dos conceitos trazidos pelos filósofos Pinto (2005) e Feenberg (2002, 2004, 2013) e da abordagem sociotécnica teorizada por Albero (2011) e Peixoto (2015). Com essa categoria, tornou-se viável investigar a relação sujeito-tecnologia-educação e identificar nos documentos aspectos importantes dessa relação, definidos conforme o Quadro 2 a seguir:
PERSPECTIVA FORMATIVA E ABORDAGEM FILOSÓFICA CONCEITUAL DA TECNOLOGIA: ANÁLISE DAS FORMAÇÕES DE PROFESSORES (2008 - 2020)
As análises das formações são apresentadas a partir do título expresso nos seis cursos analisados e seus respectivos guias.
A formação ‘Introdução à Educação Digital’ (2008), que traz o primeiro curso do programa ProInfo Integrado a ser ofertado aos professores, é de autoria de Beth Bastos, Carmen Granja da Silva, Suzana Seidel e Leda Maria Rangearo Fiorentini, e teve sua primeira edição publicada em 2008. A referida formação, que apresenta nove unidades temáticas, é constituída de 74% da carga-horária a distância. Nas páginas introdutórias explicita que o cursista é responsável por buscar o conhecimento, sugerindo autonomia, porém, mostra-se paradoxal quando indica modelos a serem seguidos.
Alguns indícios nos levam a caracterizar essa formação numa perspectiva clássica, uma vez que se apresenta em formato de tutorial, no qual se pode observar que se tem por meta o treinamento, termo recorrente nas indicações de pesquisa. Além do mais, o emprego constante dos termos “indivíduo” e “usuário”, este último obviamente em função da linguagem da informática, e o uso do conhecido “passo a passo” em algumas atividades práticas aproxima essa formação de uma prática instrucionista, no que sugere que o cursista limite suas possibilidades de exploração do recurso, numa perspectiva instrumental, que pouco promove a criatividade. Nesse sentido, o professor/cursista é alguém que recebe as instruções e as pratica para adquirir habilidades e apresentar o produto final ao término do curso, tomando-se por base uma prática pedagógica sistemática e objetiva, em que não se pode “por em risco a eficiência” (Saviani, 1999, p. 24).
Analisando o objetivo geral do referido curso, observa-se que em primeiro plano está o intuito de munir o professor com conhecimentos técnicos, para que possa fazer uso significativo das tecnologias em sala de aula, sugerindo que o exercício de reflexão emergirá do constante contato com os recursos na sua prática diária, conforme o que vem assim descrito:
Este curso visa a contribuir para a inclusão digital de profissionais da educação, buscando familiarizá-los, motivá-los e prepará-los para a utilização significativa de recursos de computadores (sistema operacional Linux Educacional e softwares livres) e recursos da internet, refletindo sobre o impacto dessas tecnologias nos diversos aspectos da vida, da sociedade e de sua prática pedagógica. (Bastos et al., 2008, p. 10)
Tanto no objetivo geral quanto em dois dos objetivos específicos fica evidente o intuito de levar o professor a refletir sobre as repercussões trazidas pelos recursos tecnológicos no trabalho pedagógico, porém essas reflexões parecem estar relacionadas apenas aos aspectos instrumentais: “Refletir sobre o impacto da tecnologia e suas contribuições na vida cotidiana e na atuação profissional (...) Refletir sobre propostas de dinamização da prática pedagógica com os recursos tecnológicos disponibilizados no computador e internet” (Bastos et al., 2008, p. 10). Nesses termos, os objetivos se voltam para questões mais utilitárias, sugerindo uma visão tecnocêntrica, por meio do emprego de termos como ‘utilizar’, ‘impacto’ e ‘habilidades’. Além do mais, a passagem “que possam contribuir para a solução de problemas e propostas pedagógicas”, que consta no segundo objetivo, parece se configurar como um estereótipo diante da tão complexa tarefa de ensinar, remetendo a uma visão reducionista da tecnologia. Essa expressão sugere um significado lacônico, que traz a ideia de que hardwares e softwares têm o poder de resolver os problemas pedagógicos. A tecnologia é assim entendida como panaceia da educação, resolvendo todos os problemas (Silva, 2013), restringindo-se a um conceito único e reducionista (Pinto, 2005).
Em contraste à proposta dos outros cursos, esse sugere um nível inicial de contato dos professores com a tecnologia, mesmo já tendo sido desenvolvidas diversas formações na primeira etapa do ProInfo. Embora na parte inicial do guia se lancem alguns questionamentos a respeito das tecnologias, não se oferece um aporte teórico que dê condições para amplas reflexões sobre a inserção dos recursos tecnológicos em sala de aula.
A formação ‘Tecnologias na Educação - Ensinando e Aprendendo com as TIC’ (2008) se dá como continuidade do processo formativo do ProInfo Integrado, tendo como critério a participação no curso ‘Introdução à Educação Digital’. A primeira edição do Guia do Cursista, publicada em 2008, escolhida para análise, tem como autoras Maria Umbelina Caiafa Salgado e Ana Lúcia Amaral. O material desse guia é composto por quatro unidades temáticas em que são apresentados conteúdos de entrevistas, artigos e textos que abordam diversos aspectos no campo tecnológico, no qual se estabelece uma espécie de diálogo com os autores referenciados. Textos de Armando Valente, José Manuel Moran e Pedro Demo compõem o guia para o debate dos diversos aspectos e questões atuais da tecnologia no ensino.
A partir da leitura das unidades, observa-se um esforço em colocar o professor em contato com os vários discursos correntes sobre a questão da inserção da tecnologia educacional, que convergem para um conceito amplo de formação em relação à tecnologia. Por meio da apresentação das teorias e abordagens educacionais, remete-se a pressupostos de Paulo Freire, Jean Piaget e Lev Semenovitch Vygotsky, autores reconhecidos no campo pedagógico, além de Seymour Papert, por sua estreita ligação com as tecnologias educacionais. No texto de apresentação, ao serem mencionadas as diretrizes, é explicitada a concepção de formação, que, segundo Salgado e Amaral (2008, p. 12):
(...) tem como base as noções de subjetividade, isto é, o protagonismo do aluno e do professor na ação pedagógica, e de epistemologia da prática, ou seja, o conjunto de saberes utilizados pelos profissionais da educação em seu espaço de trabalho cotidiano, para o desempenho de todas as suas tarefas.
No exame do conteúdo do referido guia, depreende-se que essa proposta apresenta uma abordagem que pode ser caracterizada como sociotécnica, podendo ser atribuída a ela a perspectiva formativa crítica, uma vez que expõe as diversas maneiras com as quais os sujeitos se inter-relacionam com as tecnologias, repercutindo a ideia de colaboração e participação dentro do processo de desenvolvimento tecnológico, pois “os objetos técnicos não são percebidos como desconectados da ação de formação, nem das especificidades de seus contextos culturais e institucionais” (Albero, 2011, p. 232). A recorrência concomitante dos vocábulos ‘sujeito’, ‘indivíduo’ e ‘usuário’, assim como o emprego dos termos ‘crítica’ e ‘colaboração’, observado nos contextos dos enunciados, serviram de parâmetros para a caracterização dessa formação.
Entende-se nesta pesquisa que tanto a sociotécnica quanto a teoria crítica da tecnologia (Feenberg, 2002, 2004, 2013) estão relacionadas ao ato dos sujeitos de se questionarem sobre a tecnologia e o papel que ela exerce em suas vidas e no contexto social. O questionamento, palavra recorrente no texto desse guia, e a estratégia de trazer as ditas polêmicas atuais da tecnologia em forma de pergunta, “Que tipo de tecnologia é essa?; Qual é a essência da tecnologia?; Estamos a viver um ‘novo mundo educacional’? Que mundo é esse? (...)” (Salgado & Amaral, 2008, p. 194), sugere um movimento de levar o professor a pensar a tecnologia em termos globais, partindo da indagação constante para poder compreendê-la. Além do mais, quando se explicita ao professor que somente as tecnologias não dão conta de promover a mudança, enfatizando que “(...) não basta introduzir tecnologias - é fundamental pensar em como elas são disponibilizadas, como seu uso pode efetivamente desafiar as estruturas existentes em vez de reforçá-las” (p. 46) ou que “[a]s tecnologias podem mudar a forma como as competências são exercidas, mas não podem transformar um ‘mau’ professor num ‘bom’ professor” (p. 196), o conteúdo do guia rejeita a visão tecnocêntrica da tecnologia, impregnada nos discursos determinísticos e instrumentalistas, e reluta contra a premissa de que a educação somente será transformada quando da aplicação maciça das tecnologias.
Pode-se afirmar que os textos trazidos nesse guia visam dar destaque à participação dos sujeitos, sendo aceitável a tese de que o conteúdo, por seus autores, posiciona-se assumindo a tecnologia como “Logus da técnica” (Pinto, 2005), uma vez que explicita a clara intenção de debater as diversas dimensões da tecnologia, entendendo que “a tecnologia surge quando se adquire, sob o modo do logos, a compreensão de tal saber fazer, quando se acrescenta reflexão à técnica” (Salgado & Amaral, 2008, p. 196), supondo-se que mais do que a familiaridade com o saber técnico, faz-se necessária uma reflexão teórica. Demonstra-se, assim, clara preocupação com as questões do “porquê” e “como” a tecnologia pode ser inserida na educação.
A ideia de mostrar ao professor que a integração da tecnologia ao currículo escolar é um movimento que se alça na coletividade, que no primeiro curso aparece de forma sutil, nesse guia é mais evidenciada. A questão da interação e da colaboração tanto entre professores e alunos como com os demais colegas é evidenciada nesse guia.
A formação ‘Elaboração de Projetos’ (2009) foi organizado por Maria Elisabette Brisola Brito Prado e Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida. Essa formação, como continuação da proposta de formação do ProInfo Integrado, mostra-se bastante diferenciada das demais. O conteúdo do guia, que vem em formato de uma coletânea de textos, sendo dividido em três eixos de discussão, configura-se como recurso auxiliar na elaboração do projeto a serem desenvolvidos ao final do curso.
No primeiro eixo - Projeto - são apresentados teorias e métodos de ensino de autores renomados no campo teórico-educacional, sendo as teorias de Johann Pestalozzi, Friedrich Froebel, Ovide Decroly, Maria Montessori, John Dewey, Célestin Freinet, Paulo Freire, Jean Piaget, Fernando Hernández e Lev Semenovitch Vygotsky componentes da parte inicial da discussão e, na sequência, são apresentados textos de reflexão sobre pedagogia de projetos. No segundo eixo - Currículo - discute-se, em princípio, currículo e saberes de modo geral e, posteriormente, há um texto com debate específico sobre tecnologias na educação, sob o título “Tecnologia Educativa e Currículo: caminhos que se cruzam ou se bifurcam?”, no qual se avista o intuito de empreender reflexões sobre o papel da tecnologia no trabalho de sala de aula. Finaliza-se o eixo com uma entrevista concedida por Fernando Hernández e Juana Maria Sancho à revista Isto É em 31 de maio de 2006, em que os entrevistados analisam a situação da educação brasileira. No último eixo - Tecnologia - é dado enfoque à aprendizagem significativa, com destaque ao trabalho com mapas conceituais.
Ao examinar o conteúdo desse guia, verifica-se o intuito de munir o professor de informações, para que possa decidir por uma linha ou abordagem e, a posteriori, redigir um projeto a ser apresentado aos demais. Observa-se que os textos escolhidos se inclinam a uma ideia de que a prática tradicional já não se sustenta ante as exigências do contexto atual. O texto de apresentação do guia explicita que o objetivo é proporcionar aprofundamento teórico a respeito das particularidades e especificidades de projetos no âmbito escolar. Se na formação 1 o cursista é metaforicamente “levado pela mão” até conhecer tudo sobre as tecnologias, nessa, especificamente, ele deve demonstrar autonomia no desenvolvimento de projetos com a inserção das TIC, lançando mão dos conhecimentos já construídos até então. Algumas palavras que aparecem frequentemente nesse guia são ‘sujeito’, ‘autonomia’ ‘diálogo’ e ‘protagonismo’, remetendo-se às ideias do educador Paulo Freire.
No curso da análise, buscando indícios a respeito de em qual perspectiva formativa se insere a proposta de elaboração de projetos, foi localizada a expressão ‘formação permanente’ no seguinte excerto: “No caso particular dos professores, isso se reflete na necessidade de formação rigorosa e permanente. Freire dizia, numa frase famosa, que ‘o mundo não é, o mundo está sendo’” (Salgado & Amaral, 2008, p. 41), o que confirmou se tratar de um alinhamento conceitual mais próximo de uma perspectiva crítica, pela qual os sujeitos se conscientizam de sua inconclusão e seu inacabamento e que estão em permanente aprendizado (Freire, 1997). Há a orientação nesse guia de se pensar a tecnologia para além de seus aspectos utilitários, compreendendo-a numa perspectiva ampla de reconhecimento da sua importância no cotidiano das pessoas, sugerindo assim uma aproximação com a abordagem sociotécnica.
A formação ‘Redes de Aprendizagem’ (2013) teve a sua primeira edição publicada em 2013, sendo de autoria de Monica Carapeços Arriada e Edla Maria Faust Ramos. O referido guia traz, como o curso anterior, três tópicos para discussão. No entanto, retoma a organização por unidades e não mais por eixos, tendo como temática central a cultura midiática e de rede em correlação com a função social da escola.
Nas páginas de apresentação do referido curso, justifica-se a inclusão de mais essa formação, que, a princípio, não constava no projeto inicial do ProInfo Integrado, registrando-se como motivação principal “a necessidade de maior ênfase na apropriação curricular das TIC e da reflexão sobre o impacto das novas mídias sociais nas escolas” (Arriada & Ramos, 2013, p. 5). Esse argumento inicial sugere que há um movimento que tenta acompanhar o compasso das transformações sociais, em função da evolução dos meios tecnológicos, e que a escola, assim como os outros espaços, não pode ficar à margem.
Esse curso, assim como os demais, estabelece diálogo com o professor/cursista no texto de apresentação, porém o faz de forma mais direta, enfática, por meio de citações e recursos de linguagem, como neste trecho: “Estamos felizes com seu interesse, pois são necessários mais profissionais liderando a superação dos muros que estão separando as gerações” (Arriada & Ramos, 2013, p. 6). E segue-se a “conversa”, com a qual há uma aproximação ao cursista, a fim de convencê-lo de que encontrará ao longo do guia subsídios para compreender melhor a prática pedagógica com aplicação das tecnologias: “Saiba que, no papel de educador, mais importante do que ter conhecimento técnico é saber o que fazer com a técnica!” (p. 6). Explicita-se, ainda, que se considera muito importante que o professor conheça e compreenda o debate sobre os diversos aspectos das TIC na educação, “para poder se organizar e atuar com coerência, liberdade e criticidade” (p. 7), indicando que a maturidade construída ao longo do processo formativo, com a participação nos demais cursos, possibilita ao professor refletir de forma mais aprofundada sobre a relação escola-tecnologia no contexto digital. Nota-se também uma preocupação em apontar para os professores que é preciso agir criticamente, uma vez que “[a]s atividades práticas também envolvem cenários mais desafiadores, como estruturação de políticas na escola e articulação comunitária para o uso crítico das tecnologias” (p. 8).
Na apreciação crítica desse guia, foram identificados outros três termos relacionados à formação de professores, sendo ‘aperfeiçoamento’, ‘treinamento’ e ‘instrução’. No entanto, observa-se que há o reconhecimento de que são palavras que tratam especificamente do aprendizado de técnicas de uso e manejo das tecnologias. Diante da análise dessa proposta formativa, pode-se aferir uma perspectiva crítica de formação e uma aproximação com a abordagem sociotécnica, uma vez que, por seu conteúdo, viabiliza ao professor uma visão ampliada do seu contexto de trabalho.
A formação denominada ‘A Arte de Fotografar com o Uso da Tecnologia Digital, Especialmente o Celular’ (2018), oficina realizada no dia 25 de outubro de 2018, traz um rol de conteúdos que parece ser desmedido em relação ao tempo de realização, pois 12 itens compõem a ementa. Mesmo cumprindo o objetivo dessa modalidade de curso, que é desenvolver competências e habilidades, é fundamental analisar a contribuição para a formação do professor. A leitura da ementa já pode suscitar alguns questionamentos, tais como: é possível se apropriar de tanto conhecimento em apenas quatro horas de formação? Há espaço e tempo, nessa modalidade, para reflexões ou discussões mais aprofundadas a respeito da fotografia? Entende-se que, ao se apresentar apenas aspectos instrumentais do celular como recurso na sala de aula, inviabiliza-se ao professor a visualização de como a fotografia pode se configurar como elemento pedagógico que auxilia na produção de texto, na arte, no levantamento de hipóteses e como elemento que serve à história, à geografia, bem como às demais ciências abordadas em sala de aula.
Por essa forma de apresentação do curso, parece não se reservar espaço para discussões e reflexões sobre a tecnologia como resultado das intervenções humanas, ignorando-se que mesmo o mais primitivo dos homens, nas suas ações e interações com o mundo, desenvolve e produz tecnologia (Pinto, 2005). Pelas indicações de conteúdos que apontam para uma metodologia basicamente instrumentalista, é possível afirmar que há uma preocupação excessiva em nível da técnica em detrimento de debates mais acurados em relação à história, à evolução da fotografia ou mesmo à função social dela, nos vários contextos, que foram ignorados, desconsiderando que a
Fotografia pode lançar o olhar científico da observação e da constatação a enxergar de novo e descobrir uma práxis para a teoria; pode promover no aluno outra forma de conhecimento mais crítico, confirmar ou amadurecer o campo das opiniões incertas, sem reduzir a prática da experimentação à técnica puramente mecanicista. (Nogueira et al., 2017, pp. 8-9)
E que, além do mais, o ato de fotografar é se relacionar com o ser ou objeto fotografado e, no caso de uma pessoa, considerar suas atitudes e seus sentimentos em relação a ser fotografado. Pode-se afirmar que uma visão minimalista do que é fotografia persiste aí, quando o foco estava apenas em tirar uma boa fotografia, prezando pela “eficiência”, caracterizando uma abordagem instrumental e determinista da tecnologia educacional (Feenberg, 2013), entendendo-a como um elemento neutro dentro do processo.
Atentando para o primeiro item, “Equipamentos Fotográficos”, não ficam claros os propósitos em relação aos aspectos abordados, sugerindo que apenas serão conhecidos os instrumentos pelos quais se pode obter uma fotografia. A forma como se apresentam os títulos suscita que o que se pode esperar do curso é sair sabendo como utilizar uma máquina para boas fotos.
A formação denominada ‘Formação Pedagógica para Atividades Escolares não Presenciais’ (2020) foi organizada em virtude do plano emergencial para preparação dos professores, para o uso das tecnologias no ensino remoto em Santa Catarina - Brasil. Devido à pandemia de Covid-19, definiu-se um plano formativo de emergência para todos os profissionais da educação da rede, via tecnologias, voltado a auxiliar os professores no contato e familiarização com a plataforma e as ferramentas a serem utilizadas como suporte para as aulas. A formação, que teve início no dia 2 de abril de 2020 e término do primeiro ciclo, em 15 de maio de 2020, com certificação de 40h para os participantes, desenvolveu-se em dois ciclos, porém optou-se por analisar apenas o primeiro, que está dentro do recorte temporal da presente pesquisa.
Pode-se classificar essa formação em dois momentos distintos: um direcionado ao ensino das técnicas como capacitação ou treinamento, e outro em que há exposição de experiências e busca por reflexões sobre o papel das TIC no ensino, a partir de mosaicos. No primeiro momento da formação, voltou-se a instrumentalizar os professores para poderem seguir com as aulas remotamente, o que se cumpriu com o objetivo. No segundo momento, no qual se pode ouvir experiências exitosas, mostrando-se algumas possibilidades, verificou-se a intenção de conscientizar os professores sobre a integração das tecnologias em relação à formação, tanto no âmbito das ciências humanas quanto das sociais. Pelas características apontadas, sugere-se que essa ação formativa, em sua primeira fase, tende para uma perspectiva clássica de formação, uma vez que toda ela consistiu em palestras online em que não houve a possibilidade de debater, ouvir sugestões, sendo um momento em que a centralidade não esteve na relação sujeito tecnologia-educação, mas no saber fazer para preencher uma lacuna avistada: a inexperiência dos professores com as tecnologias, diante do contexto emergencial da crise sanitária no país. Já no segundo momento, observa-se um alinhamento com a perspectiva crítica de formação, uma vez que se busca uma abordagem mais reflexiva sobre a integração das TIC nas práticas pedagógicas. É possível imprimir a essa formação, em específico, as duas caracterizações, pois, se no primeiro momento se ancorou numa perspectiva tecnocêntrica, no segundo abriu espaço para a abordagem sociotécnica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação continuada de professores, no que se refere à inserção das tecnologias nas práticas pedagógicas, tem suscitado muitas pesquisas, de modo que é possível caracterizá-la como um campo em plena expansão. Os projetos, as políticas, assim como o percurso histórico evidenciam esse cenário. É preciso considerar que essas discussões já têm sido empreendidas há décadas, portanto não é algo recente.
As abordagens feitas durante a pesquisa, a partir das quais foram geradas as categorias de análise ‘Perspectivas Formativas’ e ‘Abordagem Filosófica Conceitual da Tecnologia’, subsidiaram o entendimento de que a formação continuada do professor catarinense necessita fortalecer a perspectiva crítica em relação às TIC.
A fim de identificar os conceitos de formação continuada presentes nos documentos, observou-se que os textos atuais empregam predominantemente a expressão ‘formação continuada’, sendo os termos ‘capacitação’, ‘aperfeiçoamento’ e ‘treinamento’ aplicados quando se faz menção às aptidões técnicas dos professores. Assim, pode-se afirmar que há certo distanciamento em relação à perspectiva crítica de formação, mas que busca aproximações.
Um fato que é importante destacar, observado no percurso de análise, é a recorrência do nome do pensador Paulo Freire. Depreende-se a partir disso que há o intuito de engajar o professor e chamá-lo à reflexão. As referências a Freire trazem reconhecimento à importância do educador para a educação e para as questões que envolvem a formação.
Compreende-se que a formação continuada de professores em relação às tecnologias demanda mais que aparatos, equipamentos e recursos. Para uma formação condizente, levando em conta o que se estudou aqui, é necessária uma mudança curricular e uma reformulação das propostas. É possível afirmar que ainda predomina uma proposta embasada numa prática instrucionista, mas em que há tentativa de rupturas com o modelo tradicional. Tem-se que é no movimento coletivo, de discussões que envolvam efetivamente os professores, que pode emergir uma formação dialógica e construtiva.
Pelas características observadas no conjunto das formações ofertadas nota-se que as perspectivas formativas coexistem, isto é, não são excludentes, denotando que mesmo uma proposta de formação que apresenta modelos e planos prontos, “pensados, a partir de terceiros” (Imbernón, 2010), como no caso dos guias ProInfo Integrado, o aporte teórico-reflexivo trazido subsidia reflexões importantes em relação à prática pedagógica, possibilitando desenvolver um senso crítico quanto às TIC no ensino.
Um fato que é importante destacar, observado no percurso de análise, é a recorrência do nome de Paulo Freire, como forma de engajar o professor, remetendo-se a diversos conceitos trazidos pelo autor.
A partir deste estudo, compreende-se, que o processo de formação continuada não pode se ater apenas ao desenvolvimento de competências e habilidades para lidar com os recursos tecnológicos, utilizando-os adequadamente, mas principalmente de possibilitar a compreensão da tecnologia em suas dimensões sociais e pedagógicas. Acredita-se que o entendimento de que a tecnologia não é elemento neutro, mas que carrega em si posições ideológicas e de interesses, é fator que colabora para que ela também seja repensada nos espaços e momentos de formação, como elemento histórico, filosófico e social.
Diante da constatação de que o debate sobre a temática da formação continuada do professor para inserção das tecnologias, por suas especificidades, faz emergir outras questões importantes de serem investigadas, pois muitos são os aspectos que envolvem uma atuação crítica no que tange aos recursos tecnológicos, fica o intento de num próximo estudo verificar junto aos professores na sua prática efetiva, qual a visão de tecnologia que permeia o seu fazer e, a partir das formações das quais participam, como percebem a contribuição das práticas formativas no processo de inserção dos recursos tecnológicos no trabalho de sala de aula, alinhados ao contexto pós-pandemia que impulsionou movimentos em curso desde a década de 70 no Brasil, no que se refere às tecnologias nos processos de ensino e aprendizagem.