INTRODUÇÃO
Muito embora, o projeto inclusivo se encontre, hoje em dia, amplamente disseminado na comunidade escolar e académica, ao nível político e até ao nível da comunicação social, a inclusão continua a ser um conceito polissémico, persistindo inúmeras perspetivas sobre inclusão educativa (Ainscow, 2009; Göransson & Nilholm, 2014). Alguns autores exploram a inclusão da perspetiva dos alunos com necessidades educativas específicas ou alunos com deficiência (e.g., Hornby, 2015), outros associam-na às minorias étnicas, culturais e linguísticas (e.g., Pinho et al., 2011) e outros ainda tendem a olhar a inclusão de uma perspetiva mais ampla, associando-a à ideia de diversidade (e.g., Ainscow, 2020; Booth, 2017; Rodrigues, 2013, 2018). Para além disso, alguns autores focam-se nos alunos, mas outros referem que é também importante focar-se no sistema, que envolve não só alunos, mas também professores e pessoal técnico e administrativo e a própria comunidade (Booth, 2017).
Um aspeto comum às várias perspetivas é que a inclusão assenta na ideia de direito, do direito à educação (Ainscow, 2020; Rodrigues, 2013, 2018). Garantir o direito à educação requer criar condições que permitam aos alunos viver experiências sociais e de aprendizagem significativas na escola (Rodrigues, 2013, 2018). Alguns estudos indicam que os alunos aprendem melhor quando interagem uns com os outros (Buchs et al., 2004, 2008; Irenson, 2008); estão mais motivados para aprender quando se sentem ligados aos pares e quando se sentem aceites e valorizados (Furrer & Skinner, 2003; Wentzel et al., 2021); e o seu desenvolvimento emocional e social é promovido quando interagem e constroem relações positivas com pares (Bukowski et al., 2007; Rubin et al., 2006; Selman, 2003). Para além disso, em ambientes onde todos interagem e se relacionam com todos, e onde todos aprendem em conjunto, os alunos tendem a desenvolver uma noção ampla de diversidade e tendem também a melhor aceitar a diferença (e.g., Sapon-Shevin, 2008; Stromstad, 2003).
Mas, como criar condições que facilitem o envolvimento de todos os alunos em experiências de aprendizagem significativas? Como criar condições que favoreçam a emergência de interações positivas entre uma diversidade de alunos e criem oportunidades para que se desenvolvam relações positivas entre todos? Estes são dois grandes desafios da inclusão.
Alguns autores defendem que criar estas condições requer um foco em todos os alunos, no contexto onde estão inseridos, pois um foco restrito em alguns alunos não permite desafiar o status quo e realizar mudanças ao nível do sistema, que é necessário para que ocorra a inclusão (e.g., Ainscow, 2020; Booth & Dyssegaard, 2008). Contudo, outros referem que um foco demasiado generalista pode deixar não atendidas um conjunto de necessidades específicas de alguns alunos. Norwich (2014) refere o dilema da diferença, segundo o qual identificar alunos com necessidades educativas específicas pode originar situações de exclusão e de estigma, mas não identificar alunos com necessidades educativas específicas e as suas necessidades únicas pode traduzir-se em situações que não servem os interesses destes alunos, por exemplo porque não são identificados e providenciados os recursos que permitirão a estes alunos aprender.
Este dilema coloca-se também ao nível da participação social dos alunos. A participação social diz respeito ao estabelecimento de interações e contactos com os pares, desenvolvimento de amizades com os pares, pertencer a um grupo de pares e sentir-se aceite e membro da turma e/ou escola (Bossaert et al., 2013; Koster et al., 2009). Apesar da sua importância para a inclusão, alguns estudos mostram que alunos com necessidades educativas específicas tendem a ter menos amigos, estar mais isolados e ser menos aceites pelo grupo de pares do que os restantes alunos (e.g., Gamboa et al., 2021; Nepi et al., 2013; Petry, 2018; Schwab, 2015). Em particular, estudos focados em alunos com deficiência auditiva, visual ou físico-motora revelam maiores dificuldades a este nível, dadas as lacunas ao nível das competências de comunicação, das habilidades sociais para iniciar e manter relações, como também dadas as condições específicas de alguns destes alunos, tais como, inteligibilidade de fala (e.g., Batten et al., 2016; Most, 2007; Most et al., 2011), mobilidade reduzida (e.g., Caballo & Verdugo, 2007; Kef, 2002) ou limitações funcionais que restringem o envolvimento em atividades (e.g., Morales et al., 2009; Pinquart & Behle, 2021). Estas condições limitam as oportunidades de estabelecer contatos e relações com os pares, quer em contexto de sala de aula, quer no contexto mais amplo da escola, reduzindo a sua oportunidade para ensaiar habilidades sociais e comportamentos ajustados aos contextos sociais, ou para regular as emoções, acentuando as suas dificuldades iniciais. O dilema reside, pois, na identificação ou não destas dificuldades. Ao identificar as suas dificuldades específicas e desenvolver intervenções centradas nos alunos com vista a ultrapassá-las, estar-se-á a criar uma situação em que estes alunos, sendo identificados, podem ser sujeitos ao estigma e exclusão pelos outros. Contudo, se as suas dificuldades não forem identificadas e adequadamente respondidas, estes alunos poderão viver situações de isolamento ou de rejeição social, tal como tem sido identificado na literatura (e.g., Gamboa et al., 2021; Koster et al., 2010).
O suporte social tem emergido como uma dimensão essencial para quebrar este ciclo de dificuldades ao nível da participação social (e.g., Bromley et al., 2021; Cheng et al., 2016; DuBois et al., 2002; Kef, 2002; Morales et al., 2009), sendo que o desafio consiste em promover uma cultura de escola em que todos se encarem como promotores e recetores de suporte social, sem originar situações em que alguns alunos se sintam inúteis ou inaptos, com efeitos negativos ao nível do seu bem-estar e autoestima.
O suporte social é o tipo de assistência/ajuda que os indivíduos recebem ou esperam receber daqueles que entram em contato com eles de alguma forma (Birch, 1998; Kahn & Antonucci, 1980; Papakonstantinou & Papadopoulos, 2010) e pode assumir dois tipos: 1) o suporte emocional, que consiste em trocas verbais e não verbais através das quais um indivíduo expressa cuidado, preocupação, admiração e respeito pelo outro, mostra empatia e comunica segurança e conforto ao outro; 2) o suporte prático, que consiste em fornecer conselhos e sugestões práticos, partilhar recursos, tais como conhecimento, informação, tempo ou bens (Brough & Pears, 2004). Alguns autores referem que o suporte social está associado, na população geral, à manutenção de comportamentos saudáveis, maior participação na comunidade e satisfação com a vida e bem-estar (DuBois et al., 2002; Friedman & Rizzolo, 2018; Molcho et al., 2007; Papadopoulos et al., 2015; Pinquart & Pfeiffer, 2013). No caso de alunos com condições específicas, o suporte social em contexto escolar está associado ao envolvimento com a escola, a autoestima positiva e bem-estar, e a autoconceito positivo e competência social (Cheng et al., 2016; Kef, 2002; Morales et al., 2009). Contudo, o suporte social pode também ser percecionado, por quem o recebe, de forma negativa, i.e., como inútil e com efeitos negativos ao nível do bem-estar e da autoestima (Forrester-Jones et al., 2006; Migerone, 2012; Pastor et al., 2012; Sarason & Sarason, 2006).
Assim, o suporte social pode ser um importante catalisador de participação social. Contudo, não basta que os alunos estejam na aula para que emerjam interações e relações positivas entre eles (Brown, 2019; Plank, 2000). Com efeito, pode ser difícil lidar com aquele mais diferente de si mesmo, emergindo o desconforto de não saber como interagir com o outro, ideias pré-concebidas sobre quem é o outro, a própria disponibilidade de sair da sua zona de conforto e procurar o outro. E de facto, a literatura tem também vindo a mostrar que a familiaridade e a similaridade são dois aspetos importantes para o contacto com os outros (Garcia Bacete et al., 2021; Gifford-Smith & Brownell, 2003). Para além disso, é ainda de salientar que, frequentemente, entre crianças com e sem necessidades educativas específicas tendem a desenvolver-se relações de amizade assimétricas, ou seja, relações desenvolvidas em torno do cuidado e ajuda providenciado aos alunos com necessidades educativas específicas, nas quais estes tendem a assumir papeis mais passivos (Lee et al., 2003). Num outro sentido, os resultados de Mamas et al. (2020) sugerem que, em determinados contextos de sala de aula, os alunos com necessidades educativas específicas tendem a desenvolver relações de amizade sobretudo entre si e a procurar o suporte entre eles.
Então, importa identificar alunos em condições de maior vulnerabilidade, caracterizar o tipo de suporte social que pode ser útil para estes alunos e, tendo em conta que este pode ser percecionado de forma negativa (e.g., Forrester-Jones et al., 2006; Migerone et al., 2012; Pastor et al., 2012; Sarason & Sarason, 2006), importa também conhecer a sua perspetiva sobre o que consideram ser suporte social útil e positivo. Para além disso, será importante criar condições que ultrapassem uma visão dicotómica dos outros, i.e., aqueles que precisam de suporte social e aqueles que providenciam suporte social, e que incentivem relações de reciprocidade. Assim, o objetivo do presente estudo foi conhecer a perspetiva de alunos com deficiência auditiva, visual, físico-motora e dificuldades específicas de aprendizagem sobre o que considerem ser suporte social positivo (ou negativo, i.e., como inútil e com efeitos negativos ao nível do bem-estar e da autoestima) (Semmer et al., 2008). O presente artigo teve também como objetivo, com base nos resultados, refletir sobre situações de aprendizagem que promovem uma cultura de escola e de turma assente na ideia de que todos os alunos e grupos sociais de uma turma são iguais em estatuto e valor, e que incentive os alunos a conhecer-se uns aos outros, a partir daquilo que cada um é e não com base em ideias generalizadas, muitas vezes estereotipadas, sobre quem é o outro.
METODOLOGIA
O estudo apresentado faz parte de um projeto de investigação mais amplo (2020-1-EL01-KA201-079031), desenvolvido em parceria com a Universidade da Macedónia e a Universidade de Cagliari, que teve como objetivos globais identificar que tipos de suporte social alunos com deficiência auditiva, visual e físico-motora e com dificuldades específicas de aprendizagem recebem ou esperam receber dos seus colegas e professores, e examinar os conhecimentos que alunos sem necessidades educativas específicas e professores têm sobre estes tipos de suporte social. Este estudo envolveu três fases. Numa primeira fase, foram realizadas entrevistas a alunos com deficiência auditiva, visual, físico-motora e dificuldades específicas de aprendizagem. Na segunda fase, com base nessas entrevistas, foram construídos questionários para alunos com estas condições e, na terceira fase, foram construídos questionários para alunos sem necessidades educativas específicas e para professores. Para além disso, este projeto envolveu uma fase de intervenção, com a construção de cenários educativos, que teve como objetivo sensibilizar professores e alunos sem necessidades educativas específicas sobre tipos de suporte social adequados para alunos com deficiência e dificuldades de aprendizagem. Para avaliar eventuais mudanças ao nível do conhecimento de alunos e professores sobre suporte social, os questionários foram aplicados antes e depois da intervenção.
Neste artigo, serão apresentados os resultados relativos aos alunos das escolas portuguesas, que participaram na primeira fase do estudo. Nesta fase, socorremo-nos de uma metodologia qualitativa (Bogdan & Biklen, 2015), com o objetivo de explorar as perspetivas de alunos com necessidades educativas específicas sobre aquilo que consideram ser suporte social. A abordagem qualitativa, focada nas interpretações dos alunos e nos significados que eles atribuem à sua experiência na escola, como colegas e professores, pareceu-nos uma abordagem indicada para atingir os objetivos propostos (Amado, 2014).
PARTICIPANTES
Uma vez que se pretendia conhecer diferentes realidades e a diversidade de experiências de alunos com deficiência auditiva, visual, físico-motora e dificuldades específicas de aprendizagem, privilegiou-se como critério de seleção a heterogeneidade de características dos alunos. Assim, os critérios de seleção foram: a) ter idade entre os 7 e os 18 anos e b) frequentar qualquer ano ou ciclo da escolaridade obrigatória. Foram contactados os diretores de 23 agrupamentos de escola de todo o país, tendo sido recrutados seis agrupamentos que apresentavam alunos com as condições requeridas.
Foram inquiridos 15 alunos, dos quais oito alunos eram do sexo masculino. Os alunos tinham em média 14.3 anos de idade (DP = 3.2) e frequentavam diversos anos de escolaridade (do 3.º ao 12.º ano) (Tabela 1).
TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DE RECOLHA DE DADOS
Com o objetivo de conhecer as perspetivas dos alunos sobre o suporte social prático e emocional que recebem e/ ou gostariam de receber de pares e professores, foram realizadas, com os alunos, entrevistas semiestruturadas. Após autorização do agrupamento, foram encaminhadas cartas para os professores de educação especial, que identificaram os alunos e enviaram uma carta explicativa do estudo e o consentimento livre e informado para os encarregados de educação dos alunos identificados. Após a assinatura dos consentimentos, foram então marcadas as entrevistas. Como estas decorreram no período de confinamento, por motivos da pandemia do COVID-19, todas as entrevistas foram realizadas por videoconferência. Estavam presentes nas entrevistas os encarregados de educação, os professores titulares ou os professores de educação especial, no caso dos alunos mais novos; no caso de alguns alunos mais velhos, as entrevistas realizaram-se sem a presença de um adulto. Nalgumas situações, nomeadamente de limitações ao nível da expressão oral, os professores de educação especial e/ou mães facilitaram a comunicação com o entrevistador. Todas as entrevistas foram feitas pela primeira autora.
As entrevistas, cuja duração variou entre 15 minutos e 60 minutos, iniciaram-se com a apresentação de quatro textos sobre suporte social prático ou emocional, positivo ou negativo. Estes textos, com cerca de 150 palavras cada, têm como objetivo explicar o que é suporte social, apresentando, para tal, diversos exemplos de comportamentos e interações percebidos como úteis ou com efeitos positivos ao nível do bem-estar de quem recebe, ou percebidos como inúteis ou com consequências negativas ao nível do bem-estar de quem recebe. Após leitura de cada um dos textos, era colocada uma questão aos alunos, de forma a encorajá-los a partilhar exemplos de suporte que tenham recebido ou gostariam de receber de colegas e professores, que considerem úteis ou positivos para si, ou que, pelo contrário, considerem inúteis e que os fazem sentir-se tristes, zangados ou chateados, tal como no exemplo em baixo,
As pessoas recebem frequentemente ajuda e apoio dos familiares, amigos, professores, colegas de turma. Recebem apoio prático para concluir tarefas do quotidiano (…), recebem ajuda para atender as suas necessidades pessoais no horário escolar (…). Pensando especificamente na tua escola, que outras formas de apoio prático recebes nos teus professores e colegas, que é útil e positivo para ti?
TÉCNICAS DE ANÁLISE DE DADOS
Para analisar as entrevistas recorreu-se a uma técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2009), a partir de categorias previamente definidas (i.e., tipos de suporte social), e simultaneamente, a um método indutivo, com base no método de comparação constante (Carrero et al., 2012). As entrevistas foram lidas e comparadas, procurando-se classificar cada uma das afirmações em suporte emocional e prático, positivo e negativo - categorias previamente definidas (Tabela 2). Posteriormente, as afirmações em cada uma das categorias foram lidas novamente, comparadas e agrupadas em subcategorias com base nas suas características comuns (i.e., formas de suporte social) (Tabela 4 e 5).
Todas as entrevistas foram integralmente transcritas e, também, traduzidas para inglês. O trabalho de análise foi realizado conjuntamente pela primeira autora do artigo e dois outros parceiros do projeto, que discutiram e resolveram por consenso as ambiguidades encontradas e as afirmações mais difíceis de classificar. Para este artigo, todos os exemplos de suporte social negativo foram agrupados numa única categoria denominada comportamentos com consequências negativas para os alunos-alvo.
CUIDADOS ÉTICOS
O estudo foi aprovado pela Direção Geral de Educação, através do serviço de Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar e pela Comissão de Ética do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Os encarregados de educação deram a autorização para a realização da entrevista, através de um consentimento livre e informado. Os participantes estavam cientes do estudo e dos seus objetivos, tendo-lhes sido assegurado o anonimato e a confidencialidade das informações partilhadas. Os encarregados de educação e os seus educandos foram informados da possibilidade de desistir do estudo se assim o desejassem sem nenhuma consequência. Para assegurar o anonimato, os nomes e escolas dos alunos não são apresentados.
RESULTADOS
Os alunos identificaram uma diversidade de formas de suporte social nos professores e nos seus colegas, tendo, de uma maneira geral, referido mais comportamentos e interações com consequências positivas do que com consequências negativas, quer da parte dos colegas (respetivamente, 40 e 20 referências), quer da parte dos professores (respetivamente, 40 e 19 referências). No entanto, é de referir que os participantes tendem a referir mais vezes o suporte emocional dado pelos seus colegas (28 referências) do que pelos professores (17 referências) e mais vezes o suporte prático dado pelos seus professores do que pelos seus colegas (respetivamente, 23 e 12 referências) (Tabela 3).
No que diz respeito ao suporte prático, os alunos inquiridos valorizaram a disponibilidade dos seus colegas e professores para prestar assistência fora da sala de aula (Tabelas 4 e 5), por exemplo, informando sobre coisas que eles não conseguem ver, ajudando-os a deslocar-se, alcançando objetos necessários ou segurando nas mochilas (em particular, no caso dos alunos com deficiência visual ou físico-motoras). Mas, sobretudo, valorizam assistência/ajuda em contexto de sala de aula, identificando como úteis, comportamentos dos professores ou colegas orientados para eles próprios, tal como, ler para eles, dar assistência na interpretação de textos, ajudar na escrita, colocar os cadernos em ordem, explicar quando não compreendem (Tabelas 4 e 5). Tal como refere um aluno com deficiência visual, “para mim é importante quando os professores me ajudam a fazer exercícios de programação (explicando e ditando o exercício)” (DV3), ou como refere um outro aluno, “os meus colegas dão-me apoio prático positivo quando me ajudam nas matérias que acho difíceis” (DAE6). Esta forma de suporte social prático foi particularmente referida no caso dos professores (Tabela 3).
A par de formas específicas de ajudar, dois alunos identificaram, também, como forma de suporte prático muito importante, a reciprocidade e cooperação com os colegas (Tabela 4). Como explicou um aluno, “Eu gosto quando tenho a oportunidade de ajudar os meus colegas em disciplinas nas quais eu sou bom (como, Inglês e Português)” (DFM2). No que diz respeito aos professores, os participantes também identificaram como forma de suporte social prático ajustar o processo de ensino-aprendizagem às suas características e necessidades, tais como diversificar estratégias, usar elementos visuais, ajustar a avaliação, e também modificar as condições do meio físico de forma a que consigam participar nas atividades (DV3, DAE2, DA1) (Tabela 5).
Fonte: Autores. DV = deficiência visual; DAE = dificuldade de aprendizagem específica; DFM = deficiência físico-motoras, DA = deficiência auditiva
Fonte: Autores. DV = deficiência visual; DAE = dificuldade de aprendizagem específica; DFM = deficiência físico-motoras, DA = deficiência auditiva
No que diz respeito ao suporte emocional, os alunos inquiridos identificam como muito importante os comportamentos e interações com os professores que os fazem sentir-se aceites e bem-vindos nas aulas, tais como por exemplo, revelar-se atentos às suas necessidades ou revelarem-se pacientes e disponíveis perante as suas dificuldades, ou repetir as vezes que for necessário, sem se zangar. Tal como refere um aluno com deficiência auditiva, “para mim é importante quando os professores olham para nós, estabelecem contacto visual, porque nos sentimos confortáveis, aceites, e conseguimos responder e acompanhar” (DA1). Ou como refere uma aluna com dislexia e com hiperatividade com défice de atenção do 7.º ano,
Ela (professora de português) ajuda-me a interpretar os textos; primeiro pede-me para eu identificar palavras que não conheço e depois ensina-me o significado dessas palavras. E ela não faz qualquer juízo de valor sobre se as palavras são simples ou familiares ou fáceis. E ela também reformula uma pergunta que eu não compreendo; e faz isso, as vezes que forem necessárias, até eu conseguir compreender e conseguir responder. (DAE3)
Contudo, muitos alunos também identificam alguns comportamentos que têm consequências negativas para si, e, em particular, a falta de disponibilidade de alguns professores em conhecê-los ou estar atentos às suas necessidades, esquecendo-se por exemplo de ajustar o ensino às suas características. Como contou um aluno, “às vezes, os professores esquecem-se e usam imagens e tabelas e diagramas quando estão a ensinar e não percebem que é difícil para mim ver imagens” (DV3). E de facto, nove alunos referiram que alguns professores não conhecem ou compreendem as suas necessidades e características únicas e, logo, as suas dificuldades. Como afirmou o aluno com deficiência auditiva do 10.º ano, “alguns professores não compreendem o que é ser surdo; eles não compreendem as nossas dificuldades” (DV1).
No que diz respeito ao suporte emocional pelos colegas, este é um aspeto particularmente importante para os alunos inquiridos, e, em particular, o apoio e proteção dos seus amigos. Ser amigo é de facto um dos aspetos que os alunos mais identificam como sendo suporte emocional, bem como a manifestação de empatia, cuidado e atenção por parte dos seus amigos. Segundo palavras de uma aluna, “Eles (amigos) tranquilizam-me, dizem-me para falar com calma e devagar; para não ficar nervosa” (DFM1), ou como refere um outro participante, “sempre que eu necessito, eles (amigos) ‘estão lá’ para mim” (DAE4). Para além da amizade, os alunos inquiridos também mencionam o sentir-se aceite tal como é, o ser compreendido. Tal como explica um dos alunos, “os meus colegas dão-me suporte emocional positivo quando me aceitam como eu sou, como uma pessoa” (DV3). Contudo, ser compreendido implica também conhecer o outro e dar-se a conhecer, tal como é explicitamente mencionado por dois dos participantes. Refere o aluno com baixa visão do 3.º ano que “(…) gostaria de celebrar o dia do Braille na escola e lembrar esse dia, para ensinar aos meus colegas sobre o Braille” (DV1), ou como contou uma aluna Surda do 12.º ano:
Quando estamos todos a falar e eu peço aos meus colegas para repetirem algo que eu não percebi e eles respondem: - “Não te preocupes. Não é importante“. Ou quando dizem: -“Esquece!”. Mas eu quero saber o que eles estão a falar, eu quero participar. Eles não têm paciência para mim. Mas um dia, eu disse-lhes. Eu perguntei-lhes como é que eles se sentiriam se eu lhes fizesse o mesmo... Uma delas... ela percebeu o que eu estava a dizer e começou a comportar-se de forma diferente. Agora, somos melhores amigas. (DV2)
Finalmente, os participantes referem a importância de se sentir envolvidos com os colegas em atividades sociais no recreio e nos intervalos. Comportamentos como passar tempos juntos, falar consigo, chamar para participar em atividades, não deixar sozinho nos intervalos, foram muito identificados pelos alunos inquiridos. Por exemplo, um aluno com deficiência físico-motora, que joga Boccia com uma colega sem essas limitações, referiu que “… Eu gosto de fazer parte de equipa de Boccia com o (colega) e quando os nossos colegas assistem aos nossos jogos e nos apoiam” (DFM3). Ou uma outra aluna que mencionou que, “os colegas não me deixam sozinha no intervalo; além de que tenho o meu melhor amigo no coração, (…) e esperamos um pelo outro no portão da escola” (DAE2).
Contudo, a par da importância que dão às amizades, ao sentir-se aceite como é e sentir-se envolvido nas atividades com os colegas, os alunos inquiridos também identificaram um conjunto de comportamentos dos colegas que têm consequências negativas. Com efeito, a dimensão exclusão e rejeição em contexto de sala de aula e do recreio e dos intervalos foram aspetos muito referidos pelos alunos. Os alunos inquiridos afirmaram que não gostam de ser excluídos pelos colegas, por acharem que eles não são capazes. Como referiu uma aluna, “Eu não gosto quando não me chamam para participar no trabalho de grupo ou não me pedem a minha opinião” (DAE6) ou “Eu não gosto quando me dizem para não fazer uma coisa, por acharem que não sou capaz” (DV1). No contexto dos intervalos, dois alunos com deficiência visual referiram que não gostam quando os seus colegas lhe dizem para não jogar futebol com eles, porque acham que eles não podem jogar e porque têm medo que eles se magoem (DV1, DV2). Outra ainda refere que não gosta quando os colegas se riem dela quando lê uma palavra mal (DAE3), sendo que seis alunos mencionaram que não gostam de ser gozados pelos colegas nos intervalos e que lhes chamem nomes, com a intenção de magoar.
DISCUSSÃO
O objetivo do presente estudo foi conhecer a perspetiva de alunos com deficiência visual, auditiva, físico-motora ou com dificuldades específicas de aprendizagem sobre que comportamentos e interações com colegas e professores consideram úteis (ou inúteis) para facilitar a sua participação no contexto escolar, e que podem ser geradores de bem-estar ou, pelo contrário, causar zanga ou mágoa. Os alunos do presente estudo identificaram um conjunto de comportamentos dos colegas e dos professores que dificultam o seu envolvimento, quer nas atividades em aula, quer em interações e relações significativas e positivas com os pares, sobretudo em contextos de recreio e intervalos. Dos colegas, os participantes do estudo referiram comportamentos de rejeição, tal como ser indiferente e gozar, ou de exclusão, tal como ativamente não permitir que participem em atividades por motivos diversos. Simultaneamente, também identificaram um conjunto de comportamentos e interações com os colegas que são úteis para os ajudar a ultrapassar algumas dessas dificuldades e que os fazem sentir-se bem consigo mesmos, em particular ser amigo, ser aceite como é e ser envolvido em atividades sociais.
A literatura tem vindo a revelar a importância dos pares para o desenvolvimento social e emocional dos alunos e para o seu ajustamento à escola (e.g., Rubin et al., 2006; Wentzel et al., 2021) e, simultaneamente, maiores dificuldades de alunos com deficiência em estabelecer interações e desenvolver relações positivas com os pares, dadas as suas características (e.g., Batten et al., 2016; Pinquart & Behle, 2021). Outros estudos têm vindo, no entanto, a demonstrar que a experiência social dos alunos difere em função de certas características da turma (e.g., Mamas et al., 2019). Assim, a rejeição e exclusão não resultam de características únicas dos alunos, mas de uma complexa interação entre as características dos alunos que compõem uma turma e as características da própria turma (Farmer et al., 2018; Freire, 2021; Mikami et al., 2010), sendo que os professores podem desempenhar um papel importante na criação de dinâmicas sociais de turmas positivas (Farmer et al., 2018; Mikami et al., 2010). Entre outros, os professores podem intervir ao nível das dinâmicas sociais de turma através do suporte social que dão aos seus alunos (e.g., Ruzek et al., 2016).
O suporte social dos professores pode ser de diferentes tipos e diferentes autores apresentam categorias distintas. Alguns estudos revelam que, muito embora os alunos tendam a identificar mais formas de suporte prático nos professores, tal como dar informação e conselhos úteis para a aprendizagem (Malecki & Demaray, 2003) ou providenciar recursos e ajuda prática para a aprendizagem (Federici & Skaalvik , 2014), e que, muito embora o suporte social prático esteja associado a melhor envolvimento e desempenho académico (Federici & Skaalvik, 2014; Malecki & Demaray, 2003), o suporte emocional pelo professor é também uma dimensão central da experiência dos alunos. Com efeito, a demonstração de cuidado e preocupação genuína e respeito pelos alunos e desejo de compreendê-los e ao seu ponto de vista (Ruzek et al., 2016) favorece experiências positivas entre os pares e a perceção de que os colegas são solidários e atenciosos (Danielsen et al., 2010; Ruzek et al., 2016), com efeitos ao nível do seu envolvimento com a aprendizagem e desempenho (Danielsen et al., 2010; Wentzel et al., 2021). Contudo, o suporte emocional na ausência de suporte instrumental (ou prático) pode comunicar expectativas negativas ao aluno sobre a sua competência e desempenho académico, e para além disso, não facilita a progressão do aluno na sua aprendizagem (Federici & Skaalvik, 2014). É, assim, importante que o suporte emocional do professor seja acompanhado da partilha de recursos e ajuda prática para aprender (Federici & Skaalvik, 2014). De acordo com Semmer et al. (2008), a partir de um estudo com uma população adulta em contexto clínico, o suporte prático (i.e., ajudar na resolução de problema ou na concretização de uma tarefa) é percecionado como útil pelos sujeitos pela sua qualidade emocional, i.e., pela forma como esse suporte comunica cuidado, empatia, respeito e aceitação do indivíduo que o recebe. Assim, não se trata apenas de prestar assistência prática, mas da forma como se presta essa assistência e da mensagem emocional que se comunica ao outro. Parece que, também no contexto de escola, é fundamental que o professor forneça suporte prático aos alunos, de forma a favorecer a sua aprendizagem e participação na sala de aula, mas sobretudo fazê-lo num contexto de uma relação, que revele cuidado, atenção e respeito pelo aluno com necessidades específicas. E de facto, no presente estudo, apesar dos participantes terem identificado inúmeras formas de suporte prático do professor, também identificaram como suporte emocional uma relação positiva com os professores, marcada pela atenção, empatia, cuidado, respeito, e referiram como negativo o facto de alguns professores desconhecerem e/ou não compreenderem as suas características e necessidades únicas. Estes resultados sugerem a importância de os dois tipos de suporte social coocorrerem em contexto de sala de aula.
CONCLUSÕES
A inclusão implica criar uma comunidade, na qual todos se sintam igualmente valorizados, respeitados e aceites (Booth & Ainscow, 2002) e na qual todos reconheçam nos outros os mesmos direitos e deveres que se reconhecem a si mesmos (Ortega, 2007).
Tal implica reconhecer e valorizar as diferenças. Conforme Sapon-Shevin (2008), a inclusão não é apagar as diferenças; “o objetivo não é tornar a diferença invisível, mas desenvolver uma linguagem e habilidades para negociar a diversidade” (p. 50). Esta habilidade de comunicar a diferença e negociá-la com os outros parece constituir-se como um aspeto central para a participação social, e alguns dos alunos do presente estudo revelaram essa habilidade, quando nas entrevistas referiram comunicar aos outros as suas necessidades (ou a vontade de o fazer), ou quando referiram informar os outros da sua condição, permitindo que os outros se ajustem às suas necessidades. Mas outros alunos nem tanto; e por isso, talvez, algumas das situações de exclusão que partilharam. Assim, poderá ser importante tornar visível a diferença para poder fomentar condições que promovam a interação positiva entre todos.
Os resultados do presente estudo sugerem que o suporte social de professores e colegas a alunos com necessidades educativas específicas facilita o seu envolvimento e participação social. E de facto, das vozes dos alunos sobressai a importância que atribuem à disponibilidade dos outros, que se manifesta numa postura atenta em relação às suas características, numa postura de procurar ativamente conhecer essas características e condições e prestar auxílio prático quando necessário (quer em sala de aula, quer nos intervalos e recreios). Contudo, o suporte social prestado a alguns alunos pode também ser uma forma de os sinalizar aos olhos dos outros, sendo que, ao fazê-lo, as características desses alunos podem tornar-se salientes aos olhos dos colegas e, eventualmente, ganhar uma valência negativa (Mikami et al., 2010). Assim, é necessário encontrar um equilíbrio entre focar a atenção em determinados alunos, sem acentuar a ideia de que existe um “eles”, que precisa de um “nós”, e que há um “nós”, que tem o dever de fazer algo por “eles”. Esse equilíbrio será fundamental para que a diferença não ganhe uma valência negativa no contexto da turma, originando interações e relações que não promovem a aceitação de todos os alunos, nomeadamente daqueles em situação de maior vulnerabilidade social.
No contexto deste projeto foram construídos seis cenários educativos que visam, a partir da discussão em torno de condições de deficiência, promover o conhecimento de todos os alunos sobre formas de suporte social. Alguns resultados sugerem que o envolvimento de alunos com estes cenários educativos promove um maior conhecimento sobre diferentes condições e o maior autoconhecimento dos alunos, e o desenvolvimento de perspetivas mais abrangentes de fontes de suporte social, percecionando-se os alunos como fontes e recetores de suporte social (Jardim, 2023). Assim, intervenções em sala de aula que visem favorecer o conhecimento acerca de determinadas condições e estimular o autoconhecimento, em que os alunos são levados a reconhecer-se como fonte e recetor de suporte social, parecem fomentar uma atitude empática e de abertura ao outro e facilitar uma compreensão mais ampla uns dos outros, que não se esgota em determinadas características. Este tipo de intervenções ao nível da turma parece, pois, contribuir para ultrapassar a visão nós-eles, que favorece a participação de todos e o desenvolvimento de uma comunidade inclusiva. Será importante, no entanto, explorar no futuro a sustentabilidade destas mudanças ao nível das dinâmicas sociais da turma e da participação social dos alunos.