Relato de Caso
Doente do sexo masculino, de 90 anos de idade, autónomo para as actividades da vida diária, com antecedentes pessoais de Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC). Recorreu ao serviço de urgência por quadro de dor torácica à direita, associada a desconforto respiratório, que surgiu de forma súbita dois dias após crise de tosse intensa e duradoura. O filho que o acompanhava observou que havia surgido uma saliência na parede torácica lateral direita que aparentemente mudava de aspecto durante a respiração.
Durante o exame físico, confirmou-se a presença de foco de saliência na parede torácica lateral direita, com variação durante o ciclo respiratório. À palpação desta região o paciente relatava dor significativa.
Para avaliação inicial foi realizada uma radiografia de tórax que não revelava alterações significativas passíveis de detecção.
Como os sintomas persistiam e com o objectivo de obter melhor avaliação da parede torácica foi solicitada a Tomografia Computorizada (TC) do tórax.
O exame foi realizado em aparelho de TC com múltiplos detectores (16 canais, Toshiba Aquilion), com aquisição
volumétrica, com cortes obtidos no plano axial com 1 mm de espessura, 0.5 mm de incremento, 120 Kvp e 170 mAs. Não foi utilizado meio de contraste iodado por via intravenosa. Foram obtidas reconstruções em múltiplos planos e reconstruções tridimensionais com técnicas MIP (Maximum Intensity Projection) e Volume Rendering.
O estudo por TC revelou a presença de fractura da porção posterior da oitava costela direita (figura 1a), com discreto desalinhamento dos fragmentos ósseos e que resultou em alargamento do oitavo espaço intercostal (entre a oitava e a nona costelas - figura 1b). Através desta área de alteração da parede torácica o estudo por TC revelou a presença de hérnia do lobo inferior do pulmão direito correspondente ao sítio da alteração identificada clinicamente (figuras 2a, 2b e 3). Havia também pequeno derrame pleural à direita (figura 2a). O doente foi encaminhado para o serviço de cirurgia torácica para programação da correcção cirúrgica.
Discussão
Hérnia pulmonar ou pneumocele é definida como a projecção de parte do parênquima pulmonar revestido pelas pleuras parietal e visceral para além de seus limites normais, geralmente por aumento súbito da pressão intra-torácica e a acontecer através de um defeito na parede torácica.1,2,3 A sua classificação foi proposta em 1845 por Morel- Lavalle.4 A classificação das hérnias pulmonares considera dois aspectos: localização e etiologia. Quanto a localização podem ser classificadas em cervical, diafragmática, torácica e intercostal. Do ponto de vista etiológico, podem ser classificadas em congénitas ou adquiridas, estas últimas podendo ser ainda subdivididas em traumáticas (incluindo as pós-cirúrgicas), patológicas (pela presença de uma lesão prévia como o empiema pleural, osteomielite das costelas, tuberculose ou lesão maligna na parede torácica) ou espontâneas. Aproximadamente 80% das hérnias pulmonares são adquiridas e 20% são de origem congénita, estas últimas geralmente decorrentes de disrupção da fáscia torácica interna. As hérnias pulmonares espontâneas são bastante raras.5
Em termos de localização as hérnias pulmonares intercostais representam o tipo mais frequente (como no presente caso), seguido das hérnias cervicais e mais raramente de hérnias pulmonares diafragmáticas. Um sítio comum das hérnias pulmonares intercostais é a parede torácica entre a oitava e a nona costelas, uma vez que nesta localização observa-se ausência dos músculos intercostais externo (na parede anterior) e interno (na parede posterior).1,2
Na maior parte das vezes os doentes apresentam algum factor de risco associado, a destacar-se, de entre eles, a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), história de toracotomia prévia, osteoporose, traumatismo torácico e obesidade.1,2,3
Clinicamente os indivíduos com hérnias pulmonares podem apresentar-se assintomáticos. Quando há sintomas, a principal queixa é a dor torácica aguda. Ao exame, é possível identificarem-se equimoses no sítio da herniação e eventualmente a presença de massa que se acentua com a manobra de Valsalva, em expiração ou durante a tosse. Perante suspeição clínica, um estudo com um método de imagem costuma ser necessário para avaliar a eventual presença desta alteração. A radiografia do tórax pode ser o exame inicial neste contexto. O achado de um estudo radiográfico normal é frequente nesta situação e não permite descartar a presença do mesmo. Quando alterado, podem ser identificados sinais de alargamento de um espaço intercostal com projecção de pulmão além dos limites da caixa torácica (lung beyond rib sign).1,2,7
O exame diagnóstico mais indicado para avaliação das hérnias pulmonares é a TC do tórax. Este exame permite a avaliação completa de todas as possíveis alterações presentes nos quadros de hérnias pulmonares, a saber:
Identificação da presença, da natureza e da extensão do
defeito da parede torácica;
Identificação da localização precisa do segmento pulmonar envolvido e avaliação do tamanho do segmento herniado;
Avaliação de eventuais complicações, tais como pneumotórax, derrame pleural, pneumomediastino etc.
As informações derivadas do estudo por TC, principalmente quando realizado em aparelho com múltiplos detectores, podem ser de grande valia para a avaliação pré-operatória e para programação cirúrgica, nos casos em que esta estiver indicada.1,7,8 O estudo realizado com aquisição volumétrica permite posteriores reconstruções em múltiplos planos e tridimensionais (3D) com alta resolução, permitindo uma avaliação pré-operatória detalhada, nomeadamente da parede torácica. O paciente deste caso apresentava fractura da porção posterior do oitavo arco costal direito com consequente alargamento do espaço intercostal e herniação pulmonar, alterações estas bem demonstradas nas reconstruções multiplanares e tridimensionais (figuras 2 e 3). Lembra-se ainda a possibilidade de obtenção de imagens tomográficas durante a realização da manobra de Valsalva ou na fase expiratória, o que pode acentuar a projecção do tecido pulmonar além dos limites da parede torácica no sítio de alteração da mesma (figura 4).
O tratamento das hérnias pulmonares pode ser conservador, apenas com bandagem local para imobilização e está indicado em pacientes assintomáticos e oligossintomáticos ou com pequenas herniações. A cirurgia está indicada quando há falha no tratamento conservador em pacientes oligo / assintomáticos e nos pacientes sintomáticos, aos que apresentem hérnias muito grandes ou quando há complicações associadas. A cirurgia também pode ser indicada por motivos estéticos. A técnica varia entre herniorrafia com fio não absorvível ou hernioplastia com tecido autólogo (músculos ou fáscia lata) ou ainda com a utilização de material sintético.2,3,12
Em conclusão, é importante que o radiologista conheça os principais tipos de hérnias pulmonares e os factores de risco determinantes para o aparecimento das mesmas. A TC é um exame muito importante para o diagnóstico desta condição e permite reunir informações relevantes para a programação cirúrgica, quando indicada.