Introdução
O cancro do pâncreas é uma das principais causas de morte por cancro, quer em homens, quer em mulheres.(1,2) O adenocarcinoma ductal pancreático (PDAC) corresponde a 80% dos casos de cancro de pâncreas, seguindo-se os tumores neuroendócrinos.(1) O PDAC apresenta uma sobrevivência de apenas 5% a 5 anos,(3) pois em 80% dos doentes, ao diagnóstico, a doença já se encontra localmente avançada ou com metástases,(4,5) invalidando a hipótese de uma ressecção cirúrgica, o único tratamento potencialmente curativo.(6)
Para o diagnóstico e estadiamento de PDAC, a tomografia computorizada (TC) é a modalidade de imagem preferencial.(7) Por norma, o tumor pancreático é visível na TC como uma massa ou nódulo hipocaptante, quando comparada com o parênquima normal.(8)
Atualmente, a classificação de estadiamento mais aceite para o PDAC é a da National Comprehensive Cancer Network, que é baseada no sistema TNM9. Para além disto, é feita uma divisão dos tumores em não ressecáveis, ressecáveis e borderline, de acordo com a presença/ ausência de metástases e invasão vascular, o que condiciona a abordagem terapêutica.(3,10)
Classicamente, a primeira opção terapêutica para doentes com tumores ressecáveis era a ressecção cirúrgica com quimioterapia adjuvante. Da mesma forma, doentes classificados como borderline eram frequentemente tratados com cirurgia, dependendo da experiência do centro e, por vezes, recorrendo a ressecções cirúrgicas mais alargadas.(5) Porém, existe uma tendência crescente para a realização de quimioterapia ou quimioradioterapia neoadjuvante previamente à cirurgia, em particular nos tumores classificados como borderline. Contudo, atualmente ainda não é claro quais destes doentes poderão beneficiar mais desta abordagem.(3) Os avanços na área da Radiologia têm permitido um melhor diagnóstico e estadiamento do PDAC e, deste modo, uma melhor seleção dos doentes com doença ressecável que beneficiam de cirurgia.(11)
Com este estudo pretende-se avaliar o valor da TC pré-operatória na previsão do envolvimento das margens cirúrgicas e identificar características clínicas e/ou imagiológicas preditoras de sobrevivência em doentes com adenocarcinoma ductal pancreático.
Métodos
Estudo retrospetivo aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde do Centro Hospitalar Universitário do Porto. O estudo incidiu sobre a população de doentes submetidos a ressecção de adenocarcinoma ductal pancreático, entre 1 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2019. Foram incluídos no estudo todos os doentes com tumores considerados ressecáveis/borderline pela avaliação multidisciplinar e com diagnóstico anatomopatológico de adenocarcinoma ductal pancreático. Excluíram-se os casos em que a TC pré- operatória não estava disponível para consulta, apresentava limitações técnicas ou as imagens eram de fraca qualidade. Foram ainda excluídos todos os casos em que houve perda de seguimento ou o doente foi submetido a terapêutica neoadjuvante.
Dados clínicos
Para cada indivíduo foram registadas as seguintes variáveis de interesse: género, idade ao diagnóstico, valor analítico de CA 19.9 pré-operatório, tipo de ressecção cirúrgica realizada, estadio AJCC, status da margem cirúrgica (R0, R1 ou R2), intervalo de tempo entre o diagnóstico e a cirurgia e a sobrevivência (definida como tempo entre a data da cirurgia e a data de morte). Os óbitos foram atualizados à data de 19 de novembro de 2019.R0 corresponde a margem cirúrgica negativa. R1 representa a presença de células tumorais a ≤ 1 mm da margem cirúrgica. R2 denota envolvimento macroscópico da margem. R1 e R2 foram classificados como margem cirúrgica positiva.(10)
Dados imagiológicos
Para todos os 62 doentes, as imagens de TC foram revistas pelo mesmo radiologista, no Picture Archiving and Communication System. Os exames foram efetuados em equipamentos de TC de 16 ou 64 cortes, com alguma variabilidade nos equipamentos dado que alguns exames foram efetuados fora da instituição.
De modo a recolher dados imagiológicos relevantes de forma sistematizada, foi utilizado um relatório imagiológico estruturado adaptado do relatório resultante do consenso entre a Society of Abdominal Radiology e a American Pancreatic Association.(9,12,13) Este relatório foi simplificado e foram adicionadas outras características imagiológicas com valor prognóstico identificadas na literatura.
Assim, avaliaram-se as seguintes características imagiológicas: localização e tamanho da massa tumoral, valor de densidade média e rácio entre a massa tumoral e o tecido pancreático normal, sinais de metastização, de invasão dos gânglios linfáticos; contacto vascular, envolvimento da margem retroperitoneal, invasão duodenal e envolvimento perineural (extrapancreático).
O tamanho da lesão usado nos modelos do estudo foi obtido nas imagens de TC através do valor de medição (em centímetros) mais elevado obtido em um dos três planos ortogonais. A densidade tumoral foi calculada em unidades Hounsfield (HU) na fase portal, com recurso a uma região circular de interesse (ROI), localizada sobre a massa tumoral. Para o cálculo do rácio referido foi também colocada uma ROI no tecido pancreático normal. A metastização foi considerada positiva quando existiam lesões hepáticas metastáticas ou carcinomatose peritoneal na TC. A invasão de gânglios linfáticos foi considerada por critérios dimensionais (eixo curto superior a 10mm) ou presença de necrose central. O contacto vascular foi considerado positivo quando se verificou contacto com a AMS, VMS ou VP, independentemente do grau de envolvimento dos mesmos. O envolvimento da margem retroperitoneal foi considerado quando existia densificação dos planos de gordura do retroperitoneu adjacente ao tecido pancreático. A invasão duodenal foi considerada presente na TC quando o tecido tumoral tinha continuidade com a parede do duodeno, sendo este infiltrado tumoral de densidade semelhante ao tumor primário. O envolvimento perineural extra-pancreático foi considerado quando se verificava invasão de pequenos vasos peri-pancreáticos na aquisição em fase arterial da TC.
Análise estatística
Todas as análises estatísticas foram efetuadas com recurso ao Statistical Package for Social Sciences (SPSS)®, versão 25.0. Realizou-se uma análise descritiva das variáveis de interesse. Testou-se a associação entre variáveis qualitativas com o teste do Qui-quadrado. Foi usado o coeficiente phi (Φ) como medida de magnitude do efeito, considerando- se um efeito baixo para valores entre 0,10-0,30; efeito médio para valores de 0,30-0,50; e efeito alto para valores iguais ou superiores a 0,50(14). Relativamente às variáveis quantitativas, compararam-se os grupos com o Teste de Mann-Whitney. Criou-se um modelo preditivo de margens cirúrgicas, recorrendo à regressão logística binária.
Para a análise de sobrevivência usou-se o método de Kaplan-Meier e o teste de Log-Rank. Depois de uma análise univariada, os fatores prognósticos significativos foram incluídos num modelo de regressão de Cox. Para todos os testes, os resultados foram considerados estatisticamente significativos para valores de p ≤ 0.05.
Resultados
Neste estudo foram analisados 62 doentes, 30 homens e 32 mulheres, com idades ao diagnóstico compreendidas entre os 37 e os 85 anos (mediana de 69 anos, AIQ:62-76).A mediana do tamanho tumoral na TC pré-operatória é 3,0 cm (AIQ:2,2-3,8). O tempo médio de seguimento foi de 20,5±23,7(0,2-114,9) meses. No período de tempo incluído no estudo, faleceram 48 dos doentes, correspondendo a 77,4% dos casos. A taxa de mortalidade pós-operatória a 90 dias é de 8,1%. Das 62 intervenções cirúrgicas, 4 delas com recurso a ressecção vascular, obtiveram-se 35 com margens R0, 24 com margens R1 e 3 com margens R2.
As características clinicopatológicas (Tabela 1) e imagiológicas (Tabela 2) dos doentes foram resumidas, agrupadas de acordo com o resultado da ressecção do tumor pancreático (margens cirúrgicas negativas versus positivas).
Nos doentes com margens cirúrgicas positivas, existia contacto vascular na TC pré-operatória em 20 (74,1%) doentes e envolvimento da margem retroperitoneal em 18 (66,7%). Nos 35 doentes em que as margens cirúrgicas foram negativas, 10 (28,6%) tinham contacto vascular na TC e 12 (34,3%) doentes tinham sinais de envolvimento da margem retroperitoneal.
Características dos doentes | 72.Margens cirúrgicas negativas N=35 | 73.Margens cirúrgicas positivas N=27 |
Género 76. Masculino, n (%) 77. Feminino, n (%) | 78.79. 14 (40,0) 80. 21 (60,0) | 81.82. 16 (59,3) 83. 11 (40,7) |
Idade (em anos) | 86.69 (AIQ: 63-77) | 87.70 (AIQ: 60-76) |
Valores analíticos 90. CA 19.9 (U/mL) 91. Não disponível 92. CEA (ng/mL) 93. Não disponível | 94.95. 114,8 (AIQ: 26,8-360,4) 96. 2 97. 3,1 (AIQ: 1,4-4,2) 98. 3 | 99.100. 167,9 (AIQ: 42,5-1372,5) 101. 5 102. 3,4 (AIQ: 2,3-5,3) 103. 7 |
Tipo de cirurgia 106. Duodenopancreatectomia cefálica, n (%) 107. Pancreatectomia distal, n (%) | 108.109. 30 (85,7) 110. 5 (14,3) | 111.112. 24 (88,9) 113. 3 (11,1) |
Tempo entre TC e cirurgia 116. (dias) | 117.118. 10 (AIQ: 6-27) | 119.120. (AIQ: 5-21) |
Os valores entre parêntesis encontram-se em percentagem, salvo indicação em contrário. AIQ: Amplitude Interquartil
Características dos doentes | 126.Margens cirúrgicas negativas N=35 | 127.Margens cirúrgicas positivas N=27 |
Localização do tumor 130. Cabeça 131. Cabeça e corpo 132. Corpo 133. Cauda | 134.135. 27 (77,1) 136. 1 (2,9) 137. 5 (14,3) 138. 2 (5,7) | 139.140. 23 (85,2) 141. 0 142. 2 (7,4) 143. 2 (7,4) |
Tamanho (cm) | 146.2,5 (AIQ: 1,9-3,2) | 147.3,3 (AIQ: 2,5-4,0) |
Estadio* 150. IA 151. IB 152. IIA 153. IIB 154. III 155. IV | 156.157. 3 (8,6) 158. 8(22,9) 159. 6 (17,1) 160. 10 (28,6) 161. 6 (17,1) 162. 2 (5,7) | 163.164. 1 (3,7) 165. 5(18,5) 166. 2 (7,4) 167. 12 (44,5) 168. 5 (18,5) 169. 2 (7,4) |
Densidade tumoral (UH) | 172.60,0(AIQ: 40,0-72,0) | 173.51,0 (AIQ: 30,0-66,0) |
Rácio densidade tumoral / densidade pancreática | 176.0,59 (AIQ: 0,43-0,76) | 177.0,50 (AIQ: 0,41-0,62) |
Contacto vascular | 180.10 (28,6) | 181.20 (74,1) |
Envolvimento da margem retroperitoneal | 184.12 (34,3) | 185.18 (66,7) |
Envolvimento peri-neural extra-pancreático | 188.4 (11,4) | 189.6 (22,2) |
Invasão duodenal | 192.13 (57,1) | 193.12 (44,4) |
Metástases presentes | 196.3 (8,6) | 197.1 (3,7) |
Atingimento ganglionar | 200.18 (51,4) | 201.16 (59,3) |
Os valores entre parêntesis encontram-se em percentagem, salvo indicação em contrário.
*De acordo com a 8ª edição da AJCC. AIQ: Amplitude Interquartil
Modelo preditivo de margens cirúrgicas
Encontrou-se uma associação estatisticamente significativa entre contacto vascular e margens cirúrgicas positivas (χ2(1, n= 62)=12,636,p=0,001), classificando-se como uma associação de médio efeito (Φ=0,451, p=0,001). A associação entre o envolvimento da margem retroperitoneal na TC e as margens cirúrgicas positivas também é estatisticamente significativa (χ 2(1, n=62)=6,399, p=0,011), classificando-se como uma associação de médio efeito (Φ=0,321, p=0,011). Relativamente às variáveis quantitativas, testaram-se as diferenças entre os dois grupos, sendo estatisticamente significativo apenas para o tamanho (U=2,93; p=0,011;r= 0,32).
Com base nos resultados anteriores, testou-se o impacto das variáveis contacto vascular, envolvimento retroperitoneal e tamanho no resultado margens cirúrgicas positivas.
Como apresentado na Tabela 3, só uma das variáveis foi considerada estatisticamente significativa no modelo: o contacto vascular. Assim, doentes com contacto vascular visualizado na TC pré-operatória têm mais probabilidades de ter margens positivas na ressecção tumoral.
Análise da sobrevivência
Foi efetuada uma análise de sobrevivência da população em estudo, obtendo-se uma sobrevivência média de 26,3± 4,6 meses. A taxa de sobrevivência a 5 anos é de 6,5%. Avaliou- se ainda a sobrevivência dos 2 grupos de doentes em estudo (Fig. 1). Doentes com margens cirúrgicas negativas tiveram uma sobrevivência média de 32,9 (95% CI: 19,2-46,7) meses, ao passo que os doentes com margens cirúrgicas positivas tiveram uma sobrevivência média de 16,5 (95% CI: 9.3-711) meses.
Modelo preditivo de sobrevivência
Criou-se um modelo preditivo de sobrevivência para avaliar o impacto das variáveis em estudo na sobrevivência dos doentes com adenocarcinoma ductal pancreático. A escolha dos preditores a incluir no modelo baseou- se numa análise univariada, selecionando as variáveis: densidade tumoral (p=0,032) e envolvimento perineural extra-pancreático (p=0,029). Com base na literatura15, incluíram-se ainda no modelo as variáveis tamanho tumoral e presença de metástases. Como apresentado na Tabela 4, as variáveis densidade tumoral e envolvimento perineural extra-pancreático foram consideradas estatisticamente significativas no modelo.
Variável | 246.p-value | 247.HR | 248.I.C. de 95% para HR |
---|---|---|---|
Densidade tumoral (UH) | 251.0,035 | 252.0,985 | 253.0,972-0,999 |
Envolvimento perineural extra-pancreático | 256.0,048 | 257.2,324 | 258.0,186-0,993 |
Metástases | 261.0,570 | 262.1,383 | 263.0,237-2,209 |
Tamanho (cm) | 266.0,273 | 267.0,835 | 268.0,605-1,152 |
Para a densidade tumoral, o hazard ratio é de 0,985 (p=0,035; 95% CI: 0,972-0,999), pelo que valor de densidade tumoral superior é preditor de maior sobrevivência. (Fig. 2 e 3).
Quanto ao envolvimento perineural extra-pancreático, o hazard ratio é de 2,324 (p=0,048; 95% CI: 0,186-0,993), pelo que doentes com envolvimento perineural extra- pancreático na TC terão uma menor sobrevivência.
Discussão
A TC tem um papel essencial na gestão dos doentes com adenocarcinoma ductal pancreático, permitindo o seu estadiamento e ajudando na classificação dos doentes conforme a sua ressecabilidade. Existe, contudo, significativa variabilidade na perceção de ressecabilidade do tumor(16) e uma tendência crescente na utilização de terapêutica neoadjuvante, aspetos que estão a mudar a forma como os dados imagiológicos são utilizados para otimizar a estratégica terapêutica decidida para cada doente. Assim, pretende-se que os dados imagiológicos da TC possam também ajudar a estratificar os doentes conforme o grau de probabilidade de obter margens cirúrgicas positivas, de forma a que doentes com maior probabilidade possam ser ponderados para terapêutica neoadjuvante.(3)
Segundo estudos anteriores, a percentagem de ressecções R1, pode variar entre 20 a 80%.(15,17) No presente estudo, 43,5% dos casos submetidos a cirurgia tiveram margens cirúrgicas positivas, sendo que esta definição inclui não só ressecções R1 como também R2. De referir ainda o facto de, neste estudo, terem sido incluídos todos os doentes submetidos a cirurgia como tratamento de primeira linha, incluindo alguns doentes inicialmente classificados como borderline, que apresentam tendencialmente maior probabilidade de apresentar margens positivas. Adicionalmente, a definição de tumores borderline tem vindo a variar ao longo do tempo, estando também algo dependente da experiência dos diferentes centros.(5)
A presença de sinais de contacto vascular na TC foi um preditor de margens cirúrgicas positivas, quer na análise univariada quer na multivariada. O grau de envolvimento dos vasos e a natureza do vaso afetado (arterial ou venoso) tem extrema importância na avaliação da ressecabilidade da lesão, de acordo com os critérios definidos pela NCCN.(7) Este dado foi também identificado em um estudo recente que mostra o envolvimento da veia portomesentérica como um preditor do envolvimento das margens, juntamente com o tamanho das lesões(10). No nosso estudo, o contacto vascular foi considerado positivo quando se verificou contacto com a AMS, VMS ou VP, independentemente do grau de envolvimento dos mesmos. Desta forma, é reforçada a importância do contacto vascular na avaliação da probabilidade de obter margens cirúrgicas negativas, independentemente do sistema de classificação utilizado.(18) Destacam-se ainda alguns casos com envolvimento venoso submetidos a ressecção vascular com obtenção de margens cirúrgicas negativas, aspeto que deverá ser considerado em estudos futuros, à medida que a percentagem de doentes submetidos a este tipo de ressecções mais extensas for aumentando. Apesar disto, persistem questões em aberto relativamente ao benefício deste tipo de cirurgias como tratamento de primeira linha, sendo que as guidelines mais rigorosas, nomeadamente as da American Society of Clinical Oncology, não recomendam a cirurgia em doentes com contacto venoso de qualquer grau.(19)
Quanto ao envolvimento retroperitoneal, vários estudos demonstraram que é um relevante fator preditor de margens cirúrgicas positivas.(20) Na análise univariada, o envolvimento retroperitoneal foi associado a margens cirúrgicas positivas, o que se explica pela relação anatómica próxima da superfície retroperitoneal com os vasos mesentéricos superiores.(21)
No que diz respeito aos gânglios linfáticos, não se verificou associação entre a sua invasão e as margens cirúrgicas, nem se provou que fosse um indicador de baixa sobrevivência, apesar de tal ser expectável.(21) Estes resultados devem-se, muito provavelmente, à baixa acuidade da TC para a deteção de metástases ganglionares.(3)
O CA 19.9 está estabelecido como um marcador de prognóstico e ressecabilidade.(7) Porém, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas no valor de CA 19.9 nem CEA dos dois grupos, o que pode ser justificado pelo número significativo de doentes em que estes valores não estavam disponíveis (11,3 % no caso do CA 19.9). Tal, apesar de permitir a comparação entre os dois grupos, acabou por limitar a inclusão do valor de CA 19.9 no modelo preditivo de sobrevivência.
A sobrevivência a 5 anos foi de 6,5 %, o que é concordante com a literatura disponível em que a sobrevivência em doentes com ACPD operados surge, por norma, como inferior a 10%. Para a análise de sobrevivência, é essencial referir não só a inclusão de tumores classificados como borderline como a exclusão de doentes com perda de seguimento, o que poderia alterar o valor da sobrevivência.(22) A sobrevivência foi significativamente diferente entre os dois grupos do estudo, tendo o grupo com margens negativas uma sobrevivência média 16,4 meses superior ao grupo com margens positivas. Este resultado, apesar de alguma controvérsia que envolve o assunto,(15) vem reforçar os dados revelados por vários estudos que demonstram que as margens cirúrgicas positivas são um importante indicador de mau prognóstico.(26,27,28,29)
Ainda assim, e como o principal objetivo deste estudo se prende com a avaliação de marcadores prognósticos pré- operatórios, as variáveis estudadas foram também avaliadas pela sua influência na sobrevivência dos doentes, sendo este o endpoint final mais importante na avaliação prognóstica. Atualmente, grande parte dos marcadores prognósticos, nestes doentes, incluem apenas os achados pós-operatórios, quer cirúrgicos quer anatomopatológicos.(24)
Na regressão de Cox, concluiu-se que a presença de sinais sugestivos de invasão perineural extra-pancreática na TC é um preditor de menor sobrevivência, corroborando estudos prévios.(6,25) Quanto à densidade tumoral, um tumor com maior valor de densidade prediz uma maior sobrevivência, atestando resultados verificados noutros estudos relativamente a tumores isodensos, justificados com a biologia menos agressiva desses tumores.(24)
Este estudo apresenta, contudo, um conjunto de limitações. Por um lado, inclui um baixo número de doentes, que se distribuem por diferentes estadios e diferentes localizações dentro do pâncreas. Mas, por outro, foram estudados doentes de um período relativamente longo e de um centro com volume significativo de cirurgia hepato-bilio-pancréatica.
O estudo é retrospetivo, o que constitui também uma dificuldade limitando a recolha de algumas variáveis importantes. Contudo, esta limitação foi contornada pelo facto de vários parâmetros imagiológicos terem sido recolhidos após revisão das imagens e com recurso a um relatório imagiológico estruturado. Outra limitação a ter em conta é o facto de não ter sido avaliada a variabilidade intra e inter-observador para as variáveis imagiológicas, o que poderá ser particularmente relevante considerando a variabilidade encontrada na avaliação da ressecabilidade por diferentes radiologistas.(16)
De salientar ainda o facto de não terem sido contempladas as terapêuticas adjuvantes neste estudo, que também poderão ter influenciado a sobrevivência dos doentes.
Conclusão
A TC pré-operatória tem um papel estabelecido na decisão de ressecabilidade dos doentes com adenocarcinoma pancreático. É também uma ferramenta útil na identificação de doentes com neoplasia potencialmente curável com pior prognóstico após a cirurgia, permitindo reconhecer doentes com maior probabilidade de obter margens cirúrgicas positivas e menor sobrevivência. Considerando o uso crescente da terapêutica neoadjuvante neste contexto, a TC pode assumir um papel essencial na identificação dos doentes que beneficiem desta estratégia terapêutica.
Este estudo demonstra que os sinais de contacto vascular são particularmente importantes na previsão das margens cirúrgicas e que alguns dados imagiológicos recentemente explorados, como os sinais sugestivos de invasão perineural extra-pancreática ou o valor de densidade tumoral, podem ser cruciais para prever a sobrevivência dos doentes. Deste modo, torna-se cada vez mais premente uma descrição detalhada da TC pré-operatória. Para além da avaliação da ressecabilidade da lesão, é pertinente considerar a inclusão de outros dados relevantes nos relatórios estruturados, ainda que estes careçam de maior validação prospetiva que deverá ser posta em curso.