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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público
versão On-line ISSN 2183-184X
e-Pública vol.5 no.2 Lisboa jul. 2018
EDITORIAL
Introdução
Introduction
Maria Luísa Duarte1 Benedita Menezes Queiroz2 Rui Tavares Lanceiro3 Tiago Fidalgo de Freitas4 Pedro Moniz Lopes 5
1 - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade – Cidade Universitária, 1649-014 Lisboa. E-mail: luisaduarte@fd.ulisboa.pt
2 - Universidade Católica Portuguesa, Escola de Direito | Law School | Rua Diogo Botelho, 1327, 4169-009 Porto, Portugal. E-mail: bmqueiroz@porto.ucp.pt
3 - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade – Cidade Universitária, 1649-014 Lisboa. E-mail: ruilanceiro@fd.ulisboa.pt
4 - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade – Cidade Universitária, 1649-014 Lisboa. E-mail: tff@fd.ulisboa.pt
5 - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade – Cidade Universitária, 1649-014 Lisboa. E-mail: plopes@fd.ulisboa.pt
1. A presente obra reúne um conjunto de contributos dos conferencistas presentes na Conferência sobre “A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o activismo judicial do Tribunal de Justiça da União Europeia – um catálogo de direitos resistente às ameaças?” organizada no âmbito do projecto centrado na pesquisa do “Sistema Internormativo de protecção dos direitos Fundamentais na União Europeia” do Centro de Investigação de Direito Público (CIDP), da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, contando ainda com a colaboração do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas (ICJP).
O objectivo principal da Conferência foi o de promover o conhecimento e o debate crítico sobre a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia directamente relacionada com a actividade de interpretação e aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) como catálogo de direitos juridicamente vinculativo, desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Desde então, a questão da sobreposição de catálogos e respectivas ordens jurídicas de protecção dos direitos fundamentais (Direito da União, Direito Constitucional nacional e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem) tem sido foco do debate académico e jurisprudencial. Pretendeu-se atender às cinco áreas temáticas que correspondem às matérias mais importantes sobre as quais se tem pronunciado o Juiz da União no período então decorrido de seis anos de labor jurisprudencial. Por isso, os cinco painéis da Conferência incidiam sobre: 1) “Nacionais de países terceiros: direitos dos refugiados, dos requerentes de asilo e dos migrantes”; 2) “Cooperação policial e judicial em matérias criminais: terrorismo e privacidade”; 3) “Igualdade e solidariedade em tempos de crise”; 4) “Do Parecer n.º 2/94 ao Parecer n.º 2/13: o futuro incerto da adesão da UE à CEDH”; e 5) “O âmbito de aplicação da Carta: uma Carta para quem?”.
A organização da Conferência, com uma forte incidência interdisciplinar, atendia à relação entre o Direito da União Europeia, o Direito Constitucional, o Direito Europeu dos Direitos Humanos e as diferentes áreas da regulação jurídica material, em especial o Direito Penal, e ao plano da actividade judicial interna, tendo em conta a articulação, sob a forma de diálogo através do processo de questões prejudiciais, entre Tribunal de Justiça e os tribunais dos Estados-membros, maxime os tribunais constitucionais, sobre os aspectos mais difíceis relativos ao âmbito, conteúdo e limites das normas garantidoras da CDFUE.
2. Apresente obra centra-se no tópico que inspirou a Conferência: o tratamento dos direitos fundamentais no contexto da integração europeia. Efectivamente, no caminho da União, dos anos cinquenta, com as Comunidades Europeias, até aos nossos dias, sempre estiveram os direitos fundamentais. As condições específicas e evolutivas no domínio do reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais estão no caminho da União Europeia como sempre estiveram – e estão – no longo percurso do Estado constitucional, no sentido em que a tutela internormativa dos direitos fundamentais é uma exigência estruturante de um modelo de legitimação e de exercício do poder político baseado na ideia nuclear do respeito pela dignidade da pessoa humana, com as suas múltiplas implicações no plano jurídico, ético-filosófico, económico e social.
Apesar da analogia funcional entre União Europeia e Estado Constitucional, expressamente acolhida pelo Tribunal de Justiça sob a fórmula “União de Direito” no caso Les Verts, (caso C - 294/83, de 23 de Abril 1986), a União Europeia, em virtude da sua notória atipicidade como entidade política, coloca problemas diferentes e de vincada complexidade no que toca à protecção jusfundamental do indivíduo.
Depois da entrada em vigor do Tratado de Lisboa em 2009, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) adquiriu força jurídica equivalente à dos Tratados (v. artigo 6 º nº 1 do Tratado da União Europeia). O passo assim alcançado no sentido da positivação dos direitos deixou, contudo, em aberto muitos problemas sobre os quais o Tribunal de Justiça se tem pronunciado, no quadro de diferentes vias processuais, em especial o processo de questões prejudiciais. No contexto da referida conferência cujos trabalhos agora se reúnem, é de referir que o ano de 2014 registou um grande número de decisões em que o Tribunal de Justiça foi chamado a interpretar e a aplicar a CDFUE: v.g. em matéria de direitos dos trabalhadores (caso Association de médiation sociale, C-176/12, de 15 de Janeiro de 2014 e caso Hérnandez, C-198/13, de 10 de Julho de 2014), política de asilo (caso Diakite, C-282/12, de 30 de Janeiro de 2014), protecção de dados pessoais (caso Google Spain, C-131/12, de 13 de Maio de 2014) e, com ligação indirecta à CDFUE, decisões relativas às medidas restritivas de direitos no contexto da luta anti-terrorismo e na sequência da jurisprudência Kadi (v. caso Alchaar, T-203/12, de 3 de Julho de 2014 e caso Mayaleh, T-307/12 e T-408/13, de 5 de Novembro de 2014). Com uma incidência directa sobre as condicionantes internormativas de aplicação da Carta, referem-se, entre os mais importantes, os arestos seguintes:
- - caso Fransson (C-617/10, de 26 de Fevereiro de 2013), sobre o artigo 51.º CDFUE e o âmbito de aplicação em relação aos Estados-membros, o Juiz da União precisou que os direitos fundamentais garantidos no quadro da ordem jurídica eurocomunitária devem ser respeitados pelos Estados-membros quando a legislação nacional entra no âmbito de aplicação do Direito da União. Com maior grau de precisão sobre os critérios resultantes de densificação da expressão “apenas quando (os Estados-membros) apliquem o direito da União”, v. caso Hernández (C-198/13, de 10 de Julho de 2014);
- - caso Melloni (C-399/11, também de 20 de Fevereiro de 2013), decisão de especial relevância sobre a questão complexa do nível de protecção dos direitos fundamentais garantidos pela Carta em comparação com o nível de protecção assegurado pelo direito nacional (artigo 53.º CDFUE); neste processo, com origem em pedido de decisão prejudicial feito pelo Tribunal Constitucional Espanhol a propósito da execução de um mandado de detenção europeu, o Tribunal de Justiça acabou por concluir que, existindo um acto de harmonização das legislações nacionais, o artigo 53.º CDFUE não pode ser invocado para limitar o primado e a aplicação da norma comunitária em nome de padrões nacionais mais elevados de protecção dos direitos fundamentais. Uma decisão que preserva o primado e segue uma interpretação muitíssimo discutível do sentido e alcance do artigo 53.º CDFUE, bem como do princípio da identidade constitucional dos Estados-membros;
- - caso Kamberaj (C-571/10, de 24 de Abril de 2012), sobre o artigo 6.º, n.º 3, TUE na referência que faz à CEDH. Para o Tribunal de Justiça, do artigo 6.º, n.º 3, TUE, não se pode extrair uma regra de prevalência da CEDH sobre as normas nacionais contrárias; em rigor, o Direito da União não regula as relações entre a CEDH e as ordens jurídicas dos Estados-membros nem as consequências que o Juiz nacional deve tirar em caso de conflito entre os direitos previstos pela CEDH e uma norma de direito estadual.
3. Nos termos definidos pelos Tratados, a CDFUE não tem vocação solitária, dado que a sua aplicação se deve fazer no quadro da internormatividade que resulta da necessária articulação com as normas garantidoras de direitos fundamentais de fonte constitucional e com a CEDH. O artigo 6.º, n.º 2, TUE, prevê a adesão da União à CEDH, mas, instado a pronunciar-se sobre a compatibilidade com os Tratados do projecto de adesão, o Tribunal de Justiça concluiu no Parecer 2/13 (18 de Dezembro de 2014), como já o fizera em 1996 no Parecer 2/94, que a adesão, tal como prevista e enquadrada no projecto de acordo internacional relativo à adesão, viola as características de autonomia da ordem jurídica própria da União Europeia. Este é um desenvolvimento deveras inesperado do processo de adesão da União Europeia. Por decisão dos Estados-membros, o processo de negociação entre a União Europeia e o Conselho da Europa foi suspenso para dar lugar a um período de reflexão no qual, importa sublinhar, a comunidade académica tem o papel crucial de avaliação crítica do Parecer 2/13 na perspectiva de nele identificar critérios relevantes de construção de uma solução viável no plano jurídico e no plano político. Uma solução que ajude o Tribunal de Justiça a sair do seu próprio labirinto. Um dos painéis temáticos da Conferência é dedicado a esta questão de grande actualidade e interesse para a comunidade jurídica, tendo em conta também as possíveis implicações do Protocolo Adicional 16 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem que, no Parecer 2/13, foi alvo de críticas pela complexa coordenação e falta de garantias relativamente ao processo das questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça.
5. A presente obra reúne, assim, a intervenção inicial do Prof. Doutor Rui Moura Ramos, contendo uma reflexão profunda sobre “Situação e Desafios da Protecção dos Direitos Fundamentais na União Europeia”. De seguida, inclui-se o artigo da Prof. Doutora Ana Rita Gil relativo à “A Carta dos Direitos Fundamentais e a crise de refugiados: a garantia dos direitos das pessoas carecidas de proteção internacional posta à prova” (“The Charter and the Refugee Crisis: The Rights of Persons in need for International Protection put to the test”), onde se analisa as respostas à denominada “crise de refugiados” à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. A Prof. Doutora Patrícia Fragoso Martins participa com um artigo intitulado “Medidas restritivas e a luta contra o terrorismo na UE” (“Restrictive Measures And The Fight Against Terrorism In The European Union”, onde estuda as lições da jurisprudência do TJUE sobre essa matéria. O estudo sobre “O artigo 36.º da Carta e o acesso a serviços públicos” (“Article 36 of the Charter and access to public services: scope, extent and limits of a sui generis provision”), do Doutor Danielle Gallo, procede a uma análise deste complexo preceito. A Doutora Luísa Lourenço participa com um artigo sobre os “Direitos e princípios na Carta e princípios gerais de Direito da União Europeia: ‘somos um, mas não somos o mesmo’?” (“Rights and Principles in the Charter and the General Principles of EU law: ‘We’re one, but we’re not the same’?”), relativo ao papel dos princípios na jurisprudência do Tribunal. Por fim, publica-se igualmente a intervenção de encerramento da Prof. Doutora Maria Luísa Duarte.
NOTAS
1 Professora Associada com Agregação da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Investigadora Principal do CIDP – Centro de Investigação de Direito Público e Presidente do ICJP – Instituto de Ciências Jurídico-Políticas.
2 Professora Auxiliar Convidada da Escola de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.
3 Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Secretário-Geral e Investigador Principal do CIDP – Centro de Investigação de Direito Público e Assessor do Gabinete de Juízes do Tribunal Constitucional.
4 Assistente Convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coordenador Executivo e Investigador Associado do CIDP – Centro de Investigação de Direito Público e Consultor do Centro de Competências Jurídicas do Estado.
5 Diretor Executivo da e-Pública.