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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.3 Lisboa jun. 2015

 

ARTIGO

Sinel de Cordes: de mercadores estrangeiros a secretários da Câmara Real

Sinel de Cordes: from businessmen to secretaries of the Royal Chamber

Jorge Miguel Lobo Janeiro*

 

RESUMO

A expansão portuguesa atraiu a Portugal muitos estrangeiros em busca de fortuna e estatuto ou, simplesmente, de uma vida melhor do que aquela que tinham nos seus países de origem. Lisboa tornou-se num empório comercial dinâmico aonde chegavam e de onde partiam pessoas e mercadorias. Verdadeiro ponto de passagem, assistiu à fixação de muitas famílias estrangeiras que viriam a assumir-se como portuguesas e a destacar-se na nossa história. Um desses casos foi o da família Sinel de Cordes, objeto do presente artigo que pretende testemunhar o processo de fixação, integração e ascensão social desta família e demonstrar que a nobreza portuguesa do Antigo Regime era permeável, permitindo a inclusão de estrangeiros de origens mercantis. Os Sinel de Cordes percorreram um longo caminho, conseguindo, após enriquecerem através dos negócios ultramarinos, alcançar a nobreza e tornar-se secretários da Câmara Real, um dos cargos mais importantes da alta burocracia do Estado.

 

PALAVRAS-CHAVE

Lisboa / Nobreza / Mercantil / Sinel de Cordes

 

ABSTRACT

The Portuguese Expansion attracted many foreigners to Portugal in seek of fortune and status or, simply, for a better life. Lisbon became a dynamic commercial city where people and commodities arrived and leaved. Point of passage, it was a place where many foreigner families established. These families would see themselves as Portuguese and they would have a place in our history. One of these cases was the family Sinel de Cordes, object of the present article that wants to testify the process of fixation, integration and ascension of this family and to demonstrate that Portuguese nobility of the Ancient Regime was permeable, allowing the inclusion of foreigners of mercantile origins. The Sinel de Cordes coursed a long way, reaching, after getting rich doing overseas business, the nobility and becoming secretaries of the Royal Chamber, one of the most important charges in the high bureaucracy of the State.

 

KEYWORDS

Lisbon / Nobility / Mercantile / Sinel de Cordes

 

 

CAPÍTULO I: OS SINEL DE CORDES E OS GENEALOGISTAS

A expansão portuguesa atraiu a Portugal muitos estrangeiros em busca de fortuna ou, simplesmente, de uma vida melhor do que aquela que tinham nos seus países de origem. Lisboa tornou-se num empório comercial dinâmico aonde chegavam e de onde partiam pessoas e mercadorias. Verdadeiro ponto de passagem, assistiu também à fixação de muitas famílias que viriam a assumir-se como portuguesas e a destacar-se na nossa história. Um desses casos foi o dos Sinel de Cordes, objeto do presente artigo que pretende testemunhar o processo de fixação, integração e ascensão social desta família ao longo de vários séculos.

A família Sinel de Cordes, apesar de origem estrangeira, formou-se enquanto tal em Portugal, vivendo entre Lisboa (primeiro na rua Direita do Loreto e depois no palácio Sinel de Cordes1, situado no campo de Santa Clara em São Vicente de Fora) e Barcarena, onde detinha a quinta de Nossa Senhora da Conceição. São, aliás, estas propriedades que nos permitem, em boa medida, afirmar que os Sinel de Cordes gozavam de um forte estatuto social. A quinta, por exemplo, enquanto reduto secular da família, deixa transparecer uma imponência senhorial em que a austeridade das construções contrasta com a magnificência da capela de S. João Baptista, raro exemplar da transição artística e arquitetónica decorrida na passagem do século XVII para o XVIII, da autoria, segundo José Meco, do arquiteto João Antunes e de Gabriel del Barco, artista espanhol de tendências inovadoras que viveu em Portugal entre 1669 e 17082.

Os Sinel de Cordes são uma família da nobreza portuguesa com pergaminhos antigos. Desconhecido para a maior parte da população, este apelido remete-nos para os compêndios da história nacional, aparecendo associado à figura do general Sinel de Cordes, Ministro das Finanças durante a Ditadura Militar3. São várias as referências dedicadas aos Cordes nas obras de genealogia e heráldica, baseadas, todas elas, no Gabinete de Estudos Heráldicos. D. Luiz de Lancastre e Távora escreveu o seguinte no Dicionário das Famílias Portuguesas4:

Parecem os Cordes portugueses provir da Flandres e os genealogistas dão-lhes origens mais ou menos remotas e de uma grande nobreza, chegando a fazê-los descendentes dos antigos Condes da Flandres. Para Portugal veio no século XVII João Baptista de Cordes, que se fixou em Lisboa e provou a sua nobreza, tendo exercido cargos nobilitantes, como o de tesoureiro do Fisco Real, naquela cidade onde casou e deixou descendência que lhe continuou o nome5.

Na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura refere-se que "No tempo de Filipe III (IV de Castela) passou a Portugal João Baptista de C., natural de Antuérpia, que se casou aqui, e deixou descendentes, de quem procederam os secretários da Câmara Real6."

Já no Armorial Lusitano de Afonso Zúquete diz-se que os Cordes são:

Uma família antiga da Flandres, que se diz descender de dois filhos dum fabricante de cerveja, os quais eram vassalos do Conde soberano de Hainaut, e quando este teve uma guerra com os Flamengos se portaram com grande valentia, defendendo a ponte de Waterpont, onde guardavam as costas um ao outro. O referido Conde chegou quando eles estavam nesta ação e os armou cavaleiros, os fez nobres e lhes deu armas. Ao irmão mais velho concedeu o senhorio de Waterpont, onde se deu a ação mencionada, e ao outro o senhorio de Cordes.

O mais interessante é o facto de, segundo o mesmo autor, tudo isto constar de um “documento autêntico que João Baptista de Cordes trouxe, cujas assinaturas foram reconhecidas por Bernardo Moniz, tabelião em Lisboa, a 6-VIII-1624”, sendo este mesmo “o primeiro que houve neste reino”, tido como:

Legítimo descendente dos Condes de Flandres, como provou com certidões. Tratou-se em Lisboa sempre à lei da nobreza, foi tesoureiro do Fisco Real na mesma cidade, onde já vivia em 1626, ano em que mandou trasladar em público todos os instrumentos da sua nobreza. Casou, deixando geração que continuou o apelido.

O brasão que os Cordes ostentam faz alusão àquele episódio (“leões adossados”, ou seja, de costas um para o outro, tal como os irmãos estavam no momento em que o conde do Hainaut chegou), muito embora as armas que usem em Portugal divirjam um pouco das dos seus parentes belgas. Em Portugal, são “de ouro, com dois leões de vermelho, adossados, e bordadura de prata aguada a azul. Timbre: cabeça e pescoço de veado de sua cor, coleirado e chocalhado de ouro”7 .

Terá sido a estas enciclopédias que todos os estudiosos, por uma razão ou por outra, recorreram em busca das informações que necessitavam: José Meco refere que os Sinel de Cordes eram “cavaleiros flamengos chamados a Portugal por Filipe II, para procederem à recolha de impostos”8. Anne de Stoop afirma que são “descendentes do flamengo João Baptista de Cordes, que veio para Portugal no reinado de Filipe II, no início do século XVII, como controlador do fisco real”9. Nos Retratos de Oeiras diz-se que os Sinel de Cordes são “descendentes do fidalgo flamengo, de Antuérpia, João Baptista de Cordes, que veio para Portugal no reinado de Filipe II, com o encargo de superintender a cobrança dos impostos reais, aqui casando, criando família”10. Fernando Silva, por sua vez, acerca da capela de S. João Baptista existente na quinta de Nossa Senhora da Conceição, afirma tratar-se

de uma capela muito antiga, datada de 1641, do século XVII, mandada construir pela família Cordes, neste caso António Luís Sinel de Cordes, ligada a cavaleiros flamengos chamados a Portugal pelo Rei Filipe II para exercerem cobranças e nela existe a imagem de S. João Baptista, considerado o patrono da família11.

A ficha existente na antiga Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais referente a este Imóvel de Interesse Público também está em concordância com o que é dito no Plano de Salvaguarda do Património Construído e Ambiental do Concelho de Oeiras, baseado, por sua vez, em Anne de Stoop. De todos, Fernando Silva, na sua obra Barcarena Ancestral, é quem mais se esforça para reconstituir a história desta família:

Também nesses documentos antigos [do Memorial Histórico de Oeiras] consta a existência de muitas quintas no território oeirense habitadas por fidalgos e pessoas importantes da época. No dia 4 de Janeiro de 1676, dá-se conta, pela primeira vez, do registo de uma quinta em nome de António Luís de Cordes, junto à ribeira que corria perto de Barcarena. Essa propriedade era pois, a Quinta de Nossa Senhora da Conceição, que seria duzentos anos mais tarde pertença da família Sinel de Cordes, a que neste período acrescenta o nome de Sinel, concluindo-se, portanto, que um daqueles primitivos donos tivera casado com uma senhora cujo apelido era Sinel, e os seus descendentes, do sexo masculino, perduraram até ao aparecimento dos irmãos João e José Sinel de Cordes, como damos conta num episódio deste trabalho12.

Depois de termos feito um pequeno périplo bibliográfico pelo que foi escrito acerca desta família, percebe-se que existe um consenso alargado entre os investigadores no que diz respeito às origens e às circunstâncias em que os Cordes chegaram a Portugal. Recapitulemos: descendentes dos condes soberanos do Hainaut, na Flandres, chegaram a Portugal no início do século XVII a pedido do rei para procederem à cobrança de impostos como tesoureiros do fisco real. Apontam-se até documentos trazidos da sua terra natal a comprovar a sua origem nobre. A existência destes documentos parece ser uma certeza, tal como a tese da origem nobre de João Baptista de Cordes.

Porém, não foi possível, após ter sido efetuada uma análise ao cartório do tabelião Bernardo Moniz, comprovar a existência desses documentos a que se faz alusão. No entanto, João Baptista de Cordes prestou provas em 1626 por ocasião da sua habilitação a familiar do Santo Ofício. A partir dela chega-se à conclusão de que ele tinha nascido em Lisboa e que procedia de uma família de mercadores. Logo, não era nobre nem tinha vindo para Portugal a pedido do rei.

Ao habilitar-se a familiar, e apesar de não ser nobre de nascimento, João Baptista de Cordes procurava distanciar-se do resto do Terceiro Estado recorrendo aos mecanismos existentes de promoção e ascensão sociais. O acesso ao chamado “estado do meio” fazia-se, em boa medida, pela familiatura do Santo Ofício cujas portas dificultavam a entrada aos judeus, mouros, ciganos, negros ou mesmo aos cristãos velhos cuja profissão, condição social ou comportamentos fossem considerados inadequados à função. Ser familiar do Santo Ofício exigia que o candidato provasse, ainda, deter meios económicos e viver limpamente13.

João Baptista de Cordes, ao obter uma carta de familiar do Santo Ofício pretendeu, de certo modo, apropriar-se de uma espécie de carta de nobilitação, que constituía um meio seguro e prestigiado de comprovação da limpeza linhagística. No dizer de Isabel Drummond Braga, o familiar “não ascendia à nobreza mas tocava a nobreza” pois “a passagem desta prova, com êxito, era imediatamente interpretada como uma forma de ascensão social, pelo que se habilitara e pelos que o conheciam”14. João Baptista de Cordes reforçou ainda a sua posição no “estado do meio”, enquanto estádio de preparação para a nobilitação, com a aquisição do cargo de tesoureiro do fisco da corte. O ingresso na burocracia do Estado veio, assim, aumentar o seu capital simbólico e permitir a consolidação do seu estatuto social.

Outro aspeto a considerar é a constante associação entre João Baptista de Cordes e a quinta de Nossa Senhora da Conceição. Talvez porque o brasão existente na entrada é o dos Cordes os estudiosos lhe tenham dado valor excessivo. A quinta pertencia a Baltasar Peles Sinel, genro de João Baptista de Cordes. Os Sinel já deteriam esta propriedade há algum tempo, como se depreende de uma escritura de 1639, através da qual Baltasar Peles Sinel adquire metade da quinta a sua avó, Maria Romana, viúva de João Sinel, o velho15. Mas, apesar de terem sido os Sinel os responsáveis pela aquisição da quinta e a representar a linha varonil, a verdade é que foi o brasão dos Cordes a identificar a família daí adiante16.

 

CAPÍTULO II: OS SINEL DE CORDES: ORIGEM GEOGRÁFICA E SOCIAL

Jorge Pedreira, para o caso dos franceses radicados em Portugal entre 1750 e 1833, conseguiu identificar os traços gerais da sua integração social:

Os descendentes dos franceses formavam o grupo mais numeroso entre negociantes de origem estrangeira. Ao contrário do que acontecia em grandes praças internacionais onde o comércio francês predominava, como Cádis e Constantinopla, em Lisboa, eram raros os que chegavam com meios próprios para se estabelecerem imediatamente como comerciantes do grosso trato. Preponderavam os citadinos, em especial os parisienses, os pequenos burgueses de Paris, mas também os mercadores de regiões rurais da Normandia e os comerciantes dos portos. Em geral as suas origens eram modestas e só adquiriam alguma notoriedade em Lisboa, onde muito cedo começavam como caixeiros. Como chegavam ainda jovens, casavam já em Portugal, e não eram poucos os que encontravam uma noiva portuguesa. O meio social de que provinham, o prolongamento da sua permanência e as escolhas matrimoniais propiciavam a sua integração na comunidade mercantil nacional17.

O caso dos antepassados dos Sinel de Cordes, pertencentes a outra época (século XVI-XVII) e com outra origem (flamenga, exceto João Galão, vindo da Bretanha no início de quinhentos), apresenta algumas similitudes com o que acima foi descrito. Quanto à nobreza que lhes é atribuída aqui e ali nos textos que existem, é de difícil comprovação, e, mesmo que a ela já pertencessem nos países donde vieram, a verdade é que em nada esse estado se refletiu na sua vida em Portugal, onde se dedicaram ao comércio, atividade pouco digna para alguém da nobreza. Só os pais do desembargador João Vanvessem, parentes dos Sinel de Cordes, se dedicavam ao grosso trato. De resto, tudo vendia a retalho18.

Ora vejamos: João Galão, o mais antigo de todos, natural da Bretanha, chegou a Portugal nos inícios do século XVI, magnetizado pelas excelentes oportunidades de negócio proporcionadas pela abertura da Rota do Cabo. Casou com Maria Lisou, natural de Lisboa mas filha de pais flamengos, muito provavelmente comerciantes. Teve, pelo menos, quatro filhas: Joana Galoa, Maria Galoa, Isabel Galoa e Catarina Galoa. Esta última casou com Henrique Romão19, morando ambos na Boa Vista a Santa Ana, em “casas próprias”. Maria Galoa casou com Gaspar Condetorf, de Carpen, Isabel Galoa com Gaspar Peles, o velho, de Antuérpia20, e Joana Galoa com Duarte Smitte21.

Catarina Galoa e Henrique Romão tiveram, pelo menos, três filhos: Isabel Romana, Maria Romana e Luís Romão. Este morava na Cruz de Pau, a Santa Catarina, e tratava com encomendas, ou seja, era mercador, fazendo também parte da irmandade da confraria de Santo André dos flamengos e da família do Santo Ofício22. Casou com Ana Gris, filha de Daniel Gris e de Margarida Vandezuque, naturais de Bruxelas e vindos ao tempo d’el rei D. João III e de D. Catarina para servirem como seus tapeceiros, continuando depois o ofício por conta própria numa tenda na rua dos Escudeiros, onde moravam. Os pais de Daniel Gris eram naturais da cidade de Antuérpia. Isabel Romana, irmã de Luís Romão23, casou com Pedro Zagarces, natural de Dargus, Flandres, de quem teve Catarina Zagarces, futura mulher de Miguel Vanvessem24 e mãe do desembargador João Vanvessem. Tratavam com mercadorias grossas sem terem loja nem fazerem vendas a miúdo, pelo que eram considerados nobres. Maria Romana, a outra irmã de Luís Romão, casaria com João Sinel, o velho, natural de Duventer, Flandres, mercador e morador à Boa Vista, tendo três filhos dele: João Sinel, comandante de barcos, Henrique Sinel, negociante, e, finalmente, Catarina Sinel, mãe de Baltasar Peles Sinel. O segundo quis dedicar-se ao grosso trato sem ter balanço social nem financeiro suficiente, acabando por falir nas malhas da estratégia política de Olivares, valido de D. Filipe III de Portugal. Ainda assim, cedo puxou os seus sobrinhos, órfãos de pai desde crianças, para os negócios. Baltasar Peles era filho de Gaspar Peles, o velho, natural de Antuérpia, e de Isabel Galoa, que viviam a São José e se dedicariam a negócios seus, em que também meteram o filho até este falecer.

Do lado dos Cordes verifica-se a mesma endogamia flamenga e a mesma estratégia de ascensão a longo prazo: Simão de Cordes, filho de Jaques de Cordes e de Úrsula Bressart, era natural de Antuérpia, casando com Joana Condetorf, filha de Maria Galoa e de Gaspar Condetorf, natural de Carpen, que moravam a São Nicolau. Teve, pelo menos, dois filhos: Agostinho de Cordes, padre frei da ordem de São Domingos, morador no convento da cidade de Évora25, e João Baptista de Cordes, familiar do Santo Ofício e tesoureiro do fisco da corte. Ambos nascidos em Lisboa. João Baptista de Cordes casou com Cecília Vel, filha de João Vel26, mercador e morador ao Espírito Santo, e de Britis Bacaler27. Também Cecília Vel tinha um irmão, António Vel, padre frei no convento de São Domingos de Évora28.

Estão assim reconstituídas as gerações anteriores a António Luís de Cordes, filho de Baltasar Peles Sinel e de Maria Antónia de Cordes, filha de João Baptista de Cordes. António Luís de Cordes foi o corolário de uma estratégia matrimonial bem-sucedida cujo intento final era a ascensão a patamares mais elevados da sociedade da altura. Neste sentido, a radiografia social que Jorge Pedreira29 traçou para os franceses radicados em Portugal nos finais do século XVIII e inícios do XIX, pode ser, grosso modo, transplantada para o caso dos Sinel de Cordes, uma vez que a origem mais ou menos modesta dos estrangeiros que foram chegando a Lisboa, seduzidos pela abastança da cidade, se enquadra nos parâmetros que delimitou. Viriam por conta própria, a serviço do rei ou de alguma companhia que desejasse estender os seus braços a esta parte da península. Para tanto, não devemos esquecer a importância de Lisboa como empório comercial na distribuição das especiarias orientais e como montra viva do exotismo. Ainda em 1619 o era, pois,

num rol de conselhos que foram dados ao monarca [D. Filipe II de Portugal], aquando da sua visita a este Reino (…) recomendava-se-lhe que devia levar todas as suas guardas militares, «não porque possa haver necessidade, mas porque sendo aquela cidade tão cheia de estrangeiros de todas as nações (itálico nosso) será bom que vejam em alguns dias como Sua Majestade se serve30.

Essa presença de estrangeiros seria bem visível nos inícios do século XVII atendendo às numerosas trocas que ficaram assentadas nas notas dos tabeliães. Foi também cá que tanto os Cordes como os Sinel alcançaram alguma notoriedade através dos ofícios que desempenharam.

Normalmente, os Cordes e os Sinel associaram-se ao comércio a retalho e só por exceção ao grosso trato (e sabe--se que correu mal), fomentando as relações entre os da mesma origem geográfica. Os flamengos constituíram uma confraria para si e reforçaram os laços de nacionalidade com os de sangue mesmo depois de já terem nascido por cá. Assiste-se até a uma profusão das ligações de uma família a várias outras, numa tentativa de alargar a solidariedade entre elas. Formavam-se verdadeiros clãs, cuja vitalidade dependia, em grande medida, das redes comerciais que controlavam. Acontecia, por vezes, uma só família ter membros implantados em vários pontos chaves da atividade mercantil, sempre atentos às tendências do mercado e às oscilações dos preços das mercadorias que transacionavam. Principalmente quando os negócios se processavam a uma escala global, como era o caso dos tratos do Brasil e de África e o negócio do sal, em que tanto os Peles como os Sinel estavam empenhados31.

Os negócios eram assim feitos entre parceiros confiáveis estabelecidos, por vezes, em vários pontos do globo. Contudo, o casamento com mulheres portuguesas era relativo, pois elas eram-no somente de nascimento, já que os seus pais (ou avós) tinham vindo da Flandres e da Bretanha. Indiscutível é o facto de a sua origem social, a sua permanência alongada em Portugal (vinham ainda novos) e as atividades que cá desempenhavam (mercadores, no geral) lhes terem propiciado uma rápida integração na “comunidade mercantil nacional” como bem assinalou Jorge Pedreira para os franceses estabelecidos em Portugal nos finais do Antigo Regime32.

 

Figura 1

 

CAPÍTULO III: "À CONQUISTA DAS HONRAS"

O que salta à vista na sociedade do Antigo Regime é a rigidez das relações sociais e a promoção, pela própria Coroa, da disparidade social entre os seus súbditos:

A representação da sociedade em agrupamentos ordenados juridicamente constituía, antes de mais, um modelo mental e normativo, mas, para além da retórica discursiva, certos autores assinalam que o vocabulário social da época tinha “uma peculiar eficácia estruturante” e que a força do direito se fazia sentir na organização social, definindo grupos de status e estabelecendo uma hierarquia estatutária. Os grupos dominantes eram grupos de privilégio, capacitados pelo direito que legitimava uma estratificação caracterizada pela desigualdade dos corpos sociais perante a lei33.

À partida, a origem mercantil dos Sinel de Cordes podia ter constituído um entrave às suas ambições de ascensão social. Contudo, a sociedade do Antigo Regime, intrinsecamente caracterizada pela desigualdade orgânica entre os diversos corpos sociais, não era estanque. O acesso ao privilégio estava ao alcance de todos, desde os maiores aos mais pequenos, pelo que qualquer súbdito podia chegar à nobreza. Bastava-lhe, para tanto, preencher os requisitos exigidos e beneficiar da graça régia34. Pertencer à nobreza, pela aura de prestígio e distinção social que consubstanciava, era uma aspiração comum à maioria dos indivíduos. E, tanto os Sinel como os Cordes, mercadores de origem flamenga, passaram a acalentar esse sonho à medida que se foram integrando na sociedade portuguesa, principalmente quando a subida do corso, o ataque às possessões coloniais e a quebra do monopólio do comércio oriental começaram a lançar um clima de insegurança nos negócios, já nos finais da União Ibérica. De qualquer maneira, não nos devemos esquecer que

no quadro dos valores dominantes da época, a riqueza, sendo um importante mecanismo de mobilidade ascendente e, cada vez mais, um fator de diferenciação no interior dos corpos sociais, era uma condição necessária mas não suficiente e o trabalho, gerador de riqueza, era desvalorizado35.

Concluindo-se, portanto, que “durante a Idade Moderna e até ao início do século XIX, o comércio foi, de um modo geral, "una etapa transitoria hacia la nobleza, la renta y la propiedad agraria"36. A passagem para o estado de nobre impunha a reconversão sócio-económica dos novos membros, obrigados a abandonarem as ocupações vis dos seus antepassados e a investirem os seus capitais em bens fundiários, vivendo posteriormente dos rendimentos por eles proporcionados. Assim,

por razões diversas, de ordem material, sociológica e ideológica, a terra e todas as atividades ou rendas a ela associadas constituíam realmente o principal objeto de atração dos capitais. Mas, justamente porque as razões eram diversas, também eram diversos, ainda que por vezes concomitantes, os objetivos, os agentes sociais e a incidência desse investimento, e nem todos tiveram as mesmas possibilidades e o mesmo comportamento durante este período. Basicamente, podemos considerar três sentidos principais de investimento. Um deles, porventura o dominante, era dirigido prioritariamente à posse territorial. Nalguns casos, haveria a preocupação de consolidar a propriedade com a exploração, mas, maioritariamente, visava apenas a propriedade da terra enquanto fonte de rendas, ou enquanto refúgio duradouro da riqueza acumulada nos sectores da economia mais dinâmicos e de maior risco. Além disto, constituía seguramente a forma de aplicação de capitais preferida pelos grupos sociais economicamente (mas não sociologicamente) mais fortes, que procuravam, desse modo, uma espécie de reprodução sociológica do investimento. Isto é: visto que, de acordo com o quadro mental e ideológico da época, a posse territorial era a principal expressão/condição de prestígio social, de riqueza e de poder, o investimento na mesma era indispensável à afirmação do status social e a qualquer estratégia individual de mobilidade social37.

O percurso dos Sinel de Cordes obedece em grande medida à caracterização aqui feita, já que vinham, por assim dizer, "refugiados" do comércio e dos seus riscos, para se estabelecerem como gente detentora de riqueza fundiária. A "conquista das honras" pressupunha a nobilitação prévia das famílias que receberam mercês da Coroa. Por vezes, um caminho longo, mas mesmo assim mais fácil do que noutros países, pois, em Portugal

a assunção do limiar tácito de nobreza era adquirida pelo «viver nobremente», pelo desempenho de funções nobilitantes (pertencer ao corpo de oficiais do exército de primeira linha ou das ordenanças, à magistratura, ou simplesmente a uma câmara municipal, etc.) ou, negativamente, pelo não exercício de funções mecânicas38.

Daí resultou uma “grande abertura no acesso aos hábitos das ordens militares, evidente ao longo do século XVII, [que] seria muitas vezes ironizada no século seguinte”. Estas “práticas institucionais setecentistas”39 puseram então em causa a identidade tradicional da fidalguia: na base da hierarquia nobiliárquica, a fronteira alarga-se progressivamente, ao mesmo tempo que o topo se redefine e reestrutura em função dos títulos concedidos pela coroa40.

Esta “dupla mutação do estatuto nobiliárquico protagonizada pela monarquia”41 procurava responder às dinâmicas sociais que então se processavam, nomeadamente, à “ampliação do estrato terciário urbano”42 cuja pujança económica não passava incólume aos olhos da Coroa, aparentemente pouco preocupada “com o correspondente risco de banalização”43 do estatuto de nobreza. Coube à “doutrina jurídica criar diferenciações internas e estatutos privilegiados intermédios”, nomeadamente,

o conceito de nobreza civil ou política (por oposição a nobreza natural), já perfeitamente incorporado na literatura jurídica, e não só, do século XVII, decorrente, ao que parece, da forma singular e tardia como os juristas portugueses integraram a categoria de “nobreza” do direito comum europeu44.

Tal como muitos dos seus coetâneos, os Sinel de Cordes tornaram-se familiares do Santo Ofício, pois

nos séculos XVII e XVIII, as cartas de Familiar do Santo Ofício constituíram um importante mecanismo de nobilitação para os elementos do estado do meio. Para além de atestarem que os seus detentores estavam limpos de sangue impuro, estes documentos asseguravam importantes privilégios e isenções. Deste modo, as cartas de familiar eram procuradas também por membros da aristocracia, se bem que fossem os indivíduos do terceiro estado que as procurassem com maior empenho, pois "pela carga simbólica de distinção nobre que possuíam, aproximavam os Familiares das gentes nobres das localidades". Entre aqueles que, na primeira parte de Setecentos, mais beneficiaram com a obtenção da carta de familiar, contam-se os lavradores, os letrados e, sobretudo, os homens de negócio, estes dois últimos grupos frequentemente conotados com os cristãos-novos45.

O mesmo se passava com a atribuição dos hábitos das Ordens Militares, que constituíam honras ainda maiores. Esta ânsia pela nobilitação tornou-se premente quando os “estatutos de limpeza de sangue passaram a ter uma aceitação crescente em muitas instituições portuguesas”46. A luta contra os inimigos do catolicismo (protestantes, mouros e judeus) assim o exigia. Mas, para se entrar na nobreza tinha-se de obedecer, genericamente, aos seus cânones:

Como é sabido, não bastava ter a mercê do hábito; depois disso, para obter a provisão de lançamento era necessário ver aprovadas as habilitações na Mesa da Consciência. Este último processo, salvo exceções, era feito nos locais de natalidade de todos os envolvidos (do pretendente, dos pais e dos quatro avós) e também no sítio onde morava o próprio candidato. As exigências eram grandes para todos os que eram alvo de inquérito: pureza de sangue, o que implicava não descender de judeus, cristãos-novos e mouros; limpeza de ofícios, isto é não ter ofício manual; nobreza, ou por outras palavras, ter um estilo de vida reputado como tal; não ser herege, nem ter cometido crime de lesa-majestade; não provir de gentios ou de mulatos. Ao próprio habilitante ainda se impunham mais condições: ter idade entre 18 e 49 anos; ter nascido de matrimónio legítimo; não ser portador de doença, nem aleijão físico que impedissem o uso de armas; não ter dívidas, nem crimes pendentes, nem ser infamado de caso grave que tocasse na reputação do candidato; não ser professo noutra religião, nem ter voto de ir a Roma, Jerusalém ou Santiago; sendo casado, saber se a mulher não se opunha à sua entrada numa Ordem Militar47.

Todavia, e muito embora o acesso à familiatura do Santo Ofício e às Ordens Militares parecesse muito difícil, conveniências várias, como demonstrou Fernanda Olival, produziram uma outra realidade:

ainda através da mesma bula de 1570, foram também textualmente excluídos das Ordens Militares os filhos e netos de oficiais mecânicos. Note-se que não foi pedida fidalguia (como acontecia em Castela), mas sim limpeza de sangue dos ofícios até à geração dos avós. Este era, apesar de tudo, um requisito mais fácil de provar do que a linhagem fidalga – mesmo para quem não a tinha, como se verá. Desenhara-se, assim, o novo modelo de cavaleiro que irá perdurar claramente até 1773. Até essa época, a insígnia de uma Ordem Militar no peito procurava veicular esse imaginário de servidor destacado do rei, limpo de sangue e com património suficiente para não sujar as mãos com trabalho. Um ideal que muitos homens dos séculos XVII e XVIII lutaram por alcançar. Desta forma, a Coroa portuguesa, depois de ter incorporado a tutela das Ordens, ampliou o valor destes expedientes ao propiciar que novos significados fossem reinvestidos nestas velhas distinções. A Monarquia não ganhara deste modo apenas mais recursos; com o tempo conseguiu potenciar-lhe conteúdos simbólicos fortemente vantajosos, em função dos parâmetros da sociedade da época e dos seus interesses: uma realidade não era independente da outra. Simultaneamente, através deste processo, a Coroa assumia-se cada vez mais como centro legitimador – e pouco ou nada contestado – das classificações sociais, mesmo daqueles que repousavam em jurisdições com alguma tradição de autonomia, como eram os Mestrados48.

Esta arbitrariedade na concessão de hábitos, que resultou num número de cavaleiros muito superior ao que existia em qualquer um dos outros reinos ibéricos, foi possível porque, ao contrário deles,

até à reforma mariana das Ordens, os monarcas [portugueses] podiam conceder quantas insígnias quisessem, ou considerassem necessárias. O único ónus resultante seria o da tença, pensão ou comenda que quase sempre a acompanhavam. E destas três modalidades de encargos, teoricamente apenas a última correspondia a uma distinção claramente limitada, e também por isso mais difícil de obter49.

Convém também salientar que

em Portugal, tal como no resto da Península, o rigor posto na apreciação deste obstáculo nem sempre foi o mesmo. No entanto, na prática, no período em estudo, os ofícios manuais eram copiosamente dispensados pelos monarcas portugueses, embora nem sempre com grande facilidade: às vezes sim outras não. Tudo dependia de um amplo conjunto de fatores que iam desde o tipo de mecânica à negociação de contrapartidas, como se tornou corrente a partir do último quartel do século XVII50.

No topo das dispensas havia determinados grupos, sendo que

o tipo ideal de cavaleiro com mecânica nele próprio estava geralmente ligado ao comércio; era, quase sempre, homem de negócios do grande trato ou caixeiro, quando recebia o hábito. Tinha, em regra, bons recursos financeiros51. [Desta forma,] no século XVIII, praticamente metade dos cavaleiros de Cristo exibiam a insígnia sem de facto reunirem todos os requisitos estatutários. A larga maioria deles com mecânicas – 39%. Este valor é tão ou mais expressivo, quanto ficou demonstrado que algumas atividades que em Seiscentos eram consideradas incapazes deixaram de o ser ao longo da centúria seguinte. Muitas delas eram marcantes no universo em apreço, como era o caso do lavrador de terras próprias, do comerciante do grosso trato e do caixeiro52. [Mas,] como foi referido, o grande abalo ocorreu em 1773, quando por via legislativa a insígnia perdeu a exigência de limpeza de sangue. A partir daí, apenas referenciava Nobreza e serviço à Coroa, tinha, por isso, outros concorrentes, neste campo simbólico. Aparentemente o hábito tornou-se menos atrativo. Até essa altura, eram as exigências de serviços para alcançar a mercê, a herança religiosa-reconquistadora do passado, a isenção de foro, o rigor das provanças, e o facto de se inserirem numa cultura de identidade nobiliárquica, reconhecida nas diversas monarquias europeias, que davam valor a estes ícones. Acresce que em Portugal, boa parte da severidade das habilitações resultava das suas capacidades para apurar a pureza de sangue. A exibição dos hábitos exaltava este quadro de valores, traduzia fidelidade à Coroa e vivia de todo este caldo, em grande medida alimentada pela realeza. No entanto, perante os problemas e as necessidades crescentes do Reino e do Império, foi o próprio núcleo duro do centro político que mais se esforçou por facilitar as provanças. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, frequentemente o monarca prometeu e pagou serviços com honras, designadamente com a mercê do hábito53. [E,] para quem não tinha feito quaisquer serviços, restava a hipótese de os ter herdado ou conseguido por algum meio (dote, doação, compra)54.

Assim, entre 1644 e 1777 ingressaram cerca de 12 024 cavaleiros na ordem de Cristo. Sendo que entre 1701 e 1710 entraram 60 cavaleiros na ordem de Cristo55, um dos quais foi António Luís de Cordes, em 1709. Um aspeto a salientar é o facto de, apesar de o hábito ser intransmissível, a mercê poder ser alienada.

Os ascendentes dos Sinel de Cordes, na primeira metade do século XVII, pertenciam ao "estado do meio". João Baptista de Cordes tornou-se familiar do Santo Ofício em 1626, e o seu genro, Baltasar Peles Sinel, em 1643. Convém, portanto, referir que

se, no Vocabulario Portuguez e Latino, o "estado do meio" ainda não surge como "verdadeiramente nobre", por não possuir nobreza política, nem hereditariedade, aqueles que pertenciam a esse estado já não corriam o risco de serem confundidos com os mecânicos, quer pelo seu modo de vida e comportamento (o "trato da pessoa"), quer pelos seus privilégios. E, gradualmente, por via de um alargamento do limiar da nobreza, seriam assimilados ao grupo nobre56.

O que veio a acontecer com António Luís de Cordes, neto de João Baptista de Cordes e filho de Baltasar Peles Sinel. A "verdadeira nobreza" estava prestes a abrir as suas portas a esta família, o que ocorreu em 1686, quando o rei deu foro de fidalgo cavaleiro a António Luís de Cordes57. Estava assim consumado o objetivo pelo qual os seus ascendentes andavam a batalhar há várias gerações58. Mais uma vez, é Fernanda Olival quem melhor expressa o modo como se processava a integração das famílias de pé fresco no círculo brasonado:

A adoção do comportamento nobiliárquico por parte dos primogénitos era questão de uma ou duas gerações, no máximo. Para esse efeito seriam coadjuvados pelo diferencial de riqueza que representavam os morgados, e que os pais ou avós instituíram no final das respetivas vidas (muitas vezes no próprio testamento), quando o destino da maioria dos restantes filhos estava já traçado. Com base neste rendimento que administravam, estariam mais aptos a servir a Coroa, e a partir daí, ter serviços indispensáveis à captação de mercês régias; estas – por seu turno – complementariam os réditos vinculares e trariam a necessária atualização das distinções sociais. Quando o modelo vincular era adotado por estes grupos, tendia a condicionar, também, o comportamento dos descendentes daquela linha, além da conduta dos irmãos. Juristas, ou mercadores, podiam ser, deste modo, e nestas circunstâncias, ocupações transitórias. Na realidade, o ideal da sociedade portuguesa do século XVI passava por viver à maneira nobre «com cavalos, escravos e criados» e com rendimentos preferencialmente sustentados por bens de raiz, os mais sólidos e honrosos. Mas para este tipo de famílias em ascensão, não era apenas a colocação do primogénito que inquietava os pais. Havia ainda os restantes varões e as filhas. As saídas destas cingiam-se a um bom casamento – situação ideal – ou ao amparo num cenóbio reputado, possibilidade também difícil de concretizar porque os conventos quase sempre exigiam dote, embora inferior aos matrimoniais59. [Paralelamente,] os troncos fundadores apostaram também muito na Igreja, sobretudo como forma de criar uma memória, simultaneamente piedosa e honorífica, ao mesmo tempo que abrangia as respetivas casas e a descendência60.

Daí o apego dos Sinel de Cordes ao convento da Nossa Senhora da Quitação das Flamengas de Alcântara e a edificação e renovação da capela de S. João Baptista, existente na sua quinta de Barcarena. Aos poucos, os Sinel de Cordes converteram-se em verdadeiros nobres, procurando distinguir-se “dos plebeus através de despesas sumptuárias e comportamentos que afirmavam o seu poder e liberalidade. Tratava-se, em suma, de viver "à lei da nobreza", para se viver nobremente, era preciso possuir terras ou outras fontes de receita”61.

António Luís de Cordes, até obter o foro de fidalgo cavaleiro e o cargo de secretário da Câmara Real, sustentou a sua família com os proventos do morgadio que seu pai lhe deixou em herança. Explorava-o diretamente e/ou arrendava-o de acordo com as suas conveniências. Mas, depois de entrar ao serviço do rei, tanto ele como os seus sucessores, cada vez mais embrenhados nos assuntos da corte, acabam por ter menos disponibilidade para gerir o seu património fundiário. Era junto do rei que se podia conquistar a sua simpatia e beneficiar das suas mercês. E os Sinel de Cordes, servidores leais e competentes, foram diversas vezes agraciados pela Coroa, recebendo, inclusivamente, uma comenda numa altura em que estas eram “distribuídas essencialmente pelas grandes famílias da nobreza do reino”62.

A caminhada que levou "à conquista das honras" foi longa e implicou a transformação dos comportamentos e dos círculos em que esta família se movia. De mercadores estrangeiros que vendiam os seus produtos a retalho, ascenderam ao "estado do meio" com a aquisição de ofícios públicos e de terras e com a integração na familiatura do Santo Ofício e na ordem de Cristo, sustentáculos da pureza de sangue dos seus ascendentes. Finalmente, subiram à "verdadeira nobreza", desempenhando importantes funções na corte. Foi, aliás, em virtude do bom desempenho dessas funções que lhes foram concedidas diversas honras, beneficiando da generosidade real.

A ascensão dos Sinel de Cordes à nobreza do Reino foi feita de forma gradual e beneficiou da relativa fluidez existente nos múltiplos estratos sociais. A emergência de um «estado do meio», enquanto distintivo semântico e funcional das diferenças cada vez mais evidentes para os próprios membros do Terceiro Estado, acompanhada da instituição de instrumentos e formas de configuração e de controlo da ordem social consagrados no ordenamento jurídico, como eram a família do Santo Ofício e as Ordens Militares, proporcionaram soluções de mobilidade na escala social para aqueles que cumpriam os requisitos exigidos. Para alguns funcionariam, efetivamente, como trampolins para a nobilitação plena.

 

CAPÍTULO IV: DE MERCADOR A NOBRE. DOIS PERCURSOS DE VIDA

António Luís de Cordes tornou-se fidalgo cavaleiro em 1686, escrivão do Desembargo do Paço na repartição do Alentejo e do reino do Algarve em 1705 e cavaleiro da ordem de Cristo em 1709, alcançando o estatuto de nobreza para a família. Para termos noção da importância desta escalada social protagonizada por António Luís de Cordes, há que referir o relevo do Desembargo do Paço nesta época na máquina do Estado.

O tribunal do Desembargo do Paço foi, até ao pleno desenvolvimento da figura dos secretários de Estado, o principal órgão da administração central. Criado por D. João II com a função de aconselhar o rei nas suas decisões do dia-a-dia, era

formado, basicamente, pela Mesa dos Desembargadores, pela Secretaria da Repartição das Justiças e do Despacho da Mesa e por quatro outras secretarias, respeitantes às Repartições da Corte, Estremadura e Ilhas; Beira; Alentejo e Algarve; Minho e Trás-os-Montes63.

Os Sinel de Cordes estavam vinculados à repartição do Alentejo e do Algarve e tratavam também do expediente das reais audiências. Em cada repartição havia um escrivão, um oficial maior, um oficial menor e um praticante. Enquanto escrivães do Desembargo do Paço

exerciam o ofício administrativo mais importante do tribunal. Superintendiam as repartições distribuindo tarefas pelos oficiais e autenticavam, como notários da Coroa, os documentos referentes a títulos, cartas de mercê e outros benefícios régios64.

Detinham, por essa via,

a incumbência de tratar, junto da Mesa, e nos dias da semana indicados no Regimento, do despacho dos papéis referentes aos concelhos das suas comarcas. [Por conseguinte,] na sequência do expediente diário, o escrivão da Câmara Real, além da elaboração das consultas decididas no plenário da Mesa dos desembargadores, deveria ainda proceder à redacção das provisões e pedidos de informação a outros ministros para fundamentação de parecer na Mesa65.

Em comparação com os dos restantes cargos administrativos, tinham um bom ordenado, estando em sétimo lugar na lista dos que mais ganhavam (auferiam 600 mil réis em 1755 e 1200 em 1833)66.

Foi esta abundância que permitiu aos Sinel de Cordes erigir um palácio no campo de Santa Clara, em São Vicente de Fora, na cidade de Lisboa. Pese embora os méritos individuais de António Luís de Cordes em impedir que a sua mãe desbaratasse o património familiar, em arranjar um bom casamento para si e em captar a herança do seu tio João Vanvessem67, a verdade é que a sua ascensão a secretário da Câmara Real não pode ser dissociada dos percursos de vida do seu pai, Baltasar Peles Sinel e do seu avô João Baptista de Cordes, que ora vamos analisar para perceber o processo de nobilitação operado em três gerações.

O seu avô, João Baptista de Cordes, nasceu em Lisboa. Chegou ainda a investir em navios antes de se tornar familiar do Santo Ofício, em 162768, e tesoureiro do fisco da corte, alguns anos mais tarde. Antes envolvera-se numa briga com outro homem69 mas não terá sido negativamente afetado com esse episódio. As inquirições que lhe foram feitas demonstraram que ele, ao contrário do registado nos compêndios de genealogia e heráldica, descendia de comerciantes. Apesar disso, João Baptista de Cordes viu-lhe ser reforçada a sua pertença plena ao "estado do meio" com relativa facilidade. A compra do cargo de tesoureiro do fisco da corte terá desempenhado um papel essencial neste processo, proporcionando-lhe uma excelente oportunidade para capitalizar o seu esforço. No fim da vida preocupou-se bastante com o destino dos seus filhos, amealhando muito dinheiro para os dotes das suas filhas. Duas delas seguiram a vida religiosa. A terceira, Maria Antónia de Cordes, também beneficiou de um bom dote70, tendo-se casado com Baltasar Peles Sinel, um homem abastado71. Quanto ao filho Simão72, tudo leva a crer que viveu da herança paterna, a que acresceu o salário de capitão de cavalos, até receber a comenda de S. Martinho de Ranhados da ordem de Cristo, em 168473.

Baltasar Peles Sinel, pai de António Luís de Cordes, nasceu em Lisboa na viragem do século XVI para o XVII, no seio de uma família de mercadores. Era filho de Catarina Sinel e de Baltasar Peles, ficando órfão de pai desde criança. Por essa razão, foi educado por sua mãe e viveu sob o patrocínio do seu tio Henrique Sinel, comerciante da cidade do Porto, que o introduziu no mundo dos negócios. A sua infância terá sido passada em Lisboa, seguindo depois para o Porto. Finalmente, a mando do seu tio Henrique, mudou-se para Aveiro, onde, em 1632, o encontramos a desempenhar as funções de feitor. Não seria também de estranhar que, entretanto, tivesse acompanhado o seu outro tio, João Sinel, o moço, nas viagens que este fazia a Espanha, ao norte da Europa e ao Brasil74. Para esta família os negócios eram quase tudo, pois era deles que lhe advinha a riqueza e o estatuto. Era neles, também, que residia a esperança de um dia alcançarem a nobreza. Por isso, o seu comportamento tinha sempre em conta esse objetivo, sujeitando-se aos sacrifícios que estas ocupações exigiam.

Henrique Sinel estava envolvido no trato brasileiro e negociava, como testa-de-ferro de Nicolas Masibradi (pois não lhe era reconhecida grande fortuna) o asiento relativo ao transporte do sal português para armazéns de sal (alfolins) da Galiza e das Astúrias, por um período de 10 anos75. Como arma, dispunha

"de uma ótima rede de correspondentes comerciais, a começar pela sua esposa, instalada no Porto; por João Sinel, seu irmão e comandante dos seus barcos; e por seu sobrinho, Baltasar Peles Sinel, feitor em Aveiro"76.

Tinha, também, no outro lado do Atlântico, o seu outro sobrinho, o capitão Gaspar Sinel, assistente na baía de Todos os Santos e tesoureiro geral do Estado do Brasil77. Este era um negócio muito apetecido, atendendo à importância que o sal tinha na época, pois era uma matéria-prima estratégica para a salga de carne e para a pesca, podendo a sua falta conduzir ao surto da peste. E, como a Galiza e as Astúrias não o produziam em quantidade suficiente, eram obrigados a importá-lo de Portugal (Aveiro, Lisboa e Setúbal) e do sudoeste da França. Todavia, os conflitos em que Monarquia Hispânica estava envolvida exigiam cada vez mais recursos financeiros78, pelo que Olivares decidiu optar pelo agravamento do preço do sal para evitar o imposto extraordinário, os chamados millones, pedidos às Cortes de Castela, principalmente, porque se destinavam a pagar metade das despesas da Armada del Mar Oceano e da Armada de Portugal, encarregadas, entre 1632 e 1639, de reconquistar Pernambuco.

Madrid vivia sob constante sufoco financeiro, roçando permanentemente o limiar da bancarrota. O desejo de hegemonia e a defesa da Fé Católica exigiam sacrifícios cada vez maiores por parte dos diversos reinos, tocando de forma particularmente grave a Castela, maior financiadora dos millones que o rei pedia para combater os inimigos. Portugal ia-se furtando ao pagamento do que adicionalmente lhe pediam, até que se tornou inevitável ter de contribuir para o esforço de guerra comum, começando a pagar a proteção que os castelhanos lhe haviam prestado em diversas ocasiões. Foi então que os cargos relacionados com os impostos passaram a ter um valor muito significativo para a administração real. Para ter consciência das dificuldades financeiras da monarquia hispânica, basta pegar em testemunhos da época e perceber a gravidade da situação, recorrente ao longo de toda a primeira metade do século XVII:

quando nasceu a infanta Maurícia [1601], os apertos financeiros da corte eram inúmeros. Segundo refere o mesmo cronista [Cabrera de Córdoba], nessa altura Sua Majestade não teria dinheiro para pagar as propinas e rações dos seus criados, nem para o abastecimento da sua mesa senão tomando-a por fiado. As suas rendas estariam todas empenhadas. Desde o Cardeal de Sevilha a muitos outros nobres e ministros teriam dado dinheiro e objetos de prata ao rei, como meio de enfrentar a crise79. [Consequentemente,] a nomeação de uma comissão com poderes ao nível das finanças tinha por objetivo «que Portugal se bastasse a si mesmo» e que não fosse necessária a comparticipação de Castela no esforço financeiro. Suspeitava-se que o dinheiro era desviado ou então que não eram recolhidos os devidos impostos. Desta forma, era constituída por castelhanos80.

Henrique Sinel esperava obter lucros avultados deste negócio, porém, as circunstâncias foram de tal modo adversas que acabou por ir à falência. Eis as razões que conduziram a este desfecho: em primeiro lugar, estava impossibilitado de requisitar navios à Holanda, maior potência naval na época, porque a Espanha estava em guerra com este país; em segundo lugar, os problemas fiscais e administrativos levantados pelo facto dos navios utilizados no transporte do sal serem de proveniência estrangeira; em terceiro lugar, as frequentes requisições de navios por parte das autoridades militares; e, em último lugar, o contrabando gigantesco levado a efeito por terra em direção à Galiza. Tudo junto acabou por arrasar com o seu negócio. Perante isto, o governador Nicolas Masibradi adquire um primeiro terço do asiento em 1634 e um outro em 1636. Henrique Sinel, acossado, solicita oficialmente a proteção de uma personagem poderosa, Diogo Soares, «valido del valido», que dominava, há alguns anos, as questões relacionadas com o fisco do sal. Todavia, a falência não pôde ser evitada. As feridas deste desastre tardariam a sarar, pois, em 1645, encontramos o seu sobrinho, Baltasar Peles Sinel, ainda a tratar de dívidas desse tempo81.

O que aconteceu com o seu tio levou Baltasar a repensar a sua estratégia de ascensão social. Convencido de que o mundo dos negócios comportava demasiados riscos, Baltasar, sem abandonar totalmente o comércio, regressa a Lisboa e começa a investir o seu dinheiro em bens de raiz, muito menos rentáveis mas muito mais seguros e prestigiantes. Em julho de 1639 arrematou metade da quinta situada “junto ao lugar de Barquerena” onde vivia a sua avó, Maria Romana, viúva de João Sinel, o velho, por 550 mil réis. Essa metade correspondia ao quinhão herdado pelo seu tio Henrique, afogado em dívidas na altura82. Entretanto, foi comprando muitas outras propriedades na zona de Barcarena, e não só. Todavia, os rendimentos auferidos com elas não seriam ainda suficientes para se retirar dos negócios, continuando envolvido no comércio. Por exemplo, em outubro de 1640, constituiu António Garcia de Semedo como seu procurador para que este exigisse o pagamento das dívidas de carregações de vinho das Canárias que ele havia enviado para o Rio de Janeiro e para a Baía83. Os negócios continuariam a ser o seu principal sustento até adquirir o ofício de tesoureiro do senado da Câmara de Lisboa, por nove mil cruzados, e se tornar familiar do Santo Ofício, em 164384.

A verdade é que, em 1645, por ocasião da instituição do seu morgado, se assume como um homem "abastado de Bens", considerando que devia manter unidos esses bens em proveito do engrandecimento da linhagem que estava prestes a fundar. Casaria poucos dias depois com Maria Antónia de Cordes, filha de João Baptista de Cordes, tesoureiro do fisco da corte85. Baltasar Peles Sinel, quando casou com Maria Antónia de Cordes, era um homem de fortes cabedais. Para além do morgado86 que instituíra dias antes, entrou com

mais noue mil Cruzados que lhe Custõu o seu offisio de Thezoureiro da Camara desta Cidade// jtem em dinheiro de Contado peças d’ouro e pratta jojas e moueis de Caza, Dezaseis mil Cruzados, jtem quatro mojos de trigo a Retro que lhe pagâo em Cada hu anno Diuersas pessoas de que tem escrituras em seu poder// jtem a quarta parte de hû Cazal que estâ no termo de santarem onde Chamão o Verdelho// jtem hûns quartos de pâo e Vinho que se lhe pagâo em cada hû anno na freguesia de Barquerena foreiros às freiras de Loruão junto a Coimbra que he prazo em vidas em que elle hua primeira vida, jtem hu quarto de vinho de foro a Retro que lhe pagâo em cada hu anno na Villa de Coina, jtem mais huas terras de pâo Lauradias, de que lhe pagão de Renda em Cada hu anno Dous mojos entre trigo e seuada, jtem diuidas que lhe deuem Carregações e nauios que espera de fora que tudo jmporta e estima em Vinte e Dous mil Cruzados87.

Reunia, de facto, um bom pecúlio, resultante, também, dos negócios do Brasil, em que continuava fortemente empenhado. Receando que viessem a desbaratar o seu património, impôs cláusulas um pouco diferentes daquelas que normalmente eram aplicadas ao nível do regime de sucessão, justificando-se da seguinte forma:

e porque muitas Vezes susede que pella serteza da subçesão que tem o filho ou filha mais Velho nos morgados por fallesimento dos pais naçerem dezobidiensias disse ele jnstituidor que sendo Cazo que o subçesor deste Morgado tenha mais filhos machos que hu, e em defeito de filhos machos tenha mais filhas que hua podera nomear para a subcessão do dito morgado qualquer dos filhos machos e não tendo filhos machos podera Nomear qualquer das filhas femeas que tiuer88.

Até à sua morte, Baltasar Peles Sinel adquiriu ainda mais terras, envolvendo-se em diversos negócios. Em janeiro de 1647 dá poder a Duarte Solter, de nação inglesa, para que este receba, em Londres, o dinheiro correspondente a oito caixas de açúcar, seis de branco, com cento e trinta e sete arrobas, e duas de mascavado, com quarenta e cinco arrobas, que ele mandara carregar na ilha Terceira, em 164089. Em 19 de dezembro desse mesmo ano comprou a Manuel Fernandes e sua mulher sete alqueires de trigo que estavam vinculados a uma capela situada em Cascais de que eles eram administradores90. Quatro dias depois adquiriu a João da Costa Peixoto dois pedaços de terra, um deles, com doze pés de oliveiras, nas “Buchavelhas”, e o outro junto à ribeira, e azenhas com pomar, vinhas e terras de pão, tudo por 195 mil réis91. Em 1651 vendeu parte de um casal que tinha no Verdelho, termo de Santarém, por 40 mil réis92. A sua assinatura deixa então de ser fina e elegante e passa a ser trémula e grossa, sinal de uma saúde fragilizada. No ano seguinte é nomeado por sua mãe num prazo constituído por duas casas foreiras ao convento de Chelas93 e compra a Pedro João dois pedaços de terra nas “Buchavelhas” e outro no sítio dos Quartos, por dez mil réis94. Ainda em 1652 comprou um serrado de terra de pão, nas Abitureiras, a Antónia Vicente95. No final do ano aforou, por 13 mil réis por ano, um casal em Valverde a Pedro Lopes96. Em janeiro de 1653 movimentou 50 mil réis dos 120 mil relativos a uma dívida à misericórdia de Vila do Conde97 e recebeu de sua mãe uma fazenda situada nas “Buchavelhas” composta de duas vinhas, um laranjal e um olival como paga pelos “mais de sinquenta mil reis cada anno” com que a assistia desde há vinte anos “pera sua sustentação e de sua caza”98. Comprou um moio de trigo a António Cordovil Sequeira99, quinze alqueires de trigo ao padre Domingos Coresma100 e um moio de trigo a Pedro da Silva de Menezes101. Nesse mesmo ano comprou um laranjal no sítio de Vazasacos e um canavial abaixo da fonte do lugar de Barcarena102. Finalmente, em fevereiro de 1654, comprou a Pedro João, tanoeiro, uma vinha nas Porcariças em Barcarena103. Deve ter falecido passado algum tempo, pois a sua mulher volta a casar em janeiro de 1656, desta feita com João Pestana Pereira104.

Antes de morrer, Baltasar Peles Sinel deve ter vivido ainda apertos financeiros resultantes da quantidade de negócios em que se ia envolvendo. Razão pela qual o seu filho menor, António Luís de Cordes, em 1657, dirige uma petição ao senado da Câmara Municipal de Lisboa solicitando a mercê de poder vender o cargo de tesoureiro da cidade, para pagar as dívidas contraídas, alegadamente, pelo seu falecido pai105. O despacho foi favorável, mas o negócio suscita-lhe ainda dúvidas aquando da elaboração do seu testamento em 1719106. Certo é que o perigo de delapidação da fortuna corria pelo lado da sua mãe, tendo António Luís de Cordes de lhe pagar uma dívida para evitar a desagregação do morgado107.

 

 

Finalizando, tanto João Baptista de Cordes como Baltazar Peles Sinel souberam aproveitar as oportunidades existentes na conjuntura turbulenta da primeira metade do século XVII, colocando-se na via acertada para a ascensão social. Não significa isto que tivessem abandonado por completo as práticas comerciais, mas, em vez de tratarem predominantemente com encomendas como os seus antepassados, passaram, cada vez mais, a investir nos bens de raiz, comprando e vendendo casas, terras e azenhas, e recebendo as respetivas rendas. O comércio mais indigno foi, gradualmente, desprezado a favor de ofícios e trocas comerciais mais dignificantes. Como corolário desta estratégia bem-sucedida, António Luís de Cordes, descendente daqueles, alcança anos mais tarde o cargo de secretário da Câmara Real, que deixará como herança aos seus sucessores até 1833, aquando da extinção do Desembargo do Paço. Acima temos um dos documentos, hoje guardado no Arquivo Municipal de Lisboa, assinado por Baltasar Peles Sinel de Cordes no decurso das suas funções de secretário ao serviço de Sua Majestade.

 

CAPÍTULO V: PALÁCIO SINEL DE CORDES. O CRISMA DA NOBREZA?

A chegada da família Sinel de Cordes à nobreza impunha a necessidade de afirmação do novo estatuto. A abundância com que certamente viveria, em função dos cargos e das mercês que detinha e da propriedade da quinta de Nossa Senhora da Conceição em Barcarena, não chegava para consolidar as novas fronteiras sociais que acabava de trilhar. Assim, terá surgido com naturalidade a ideia de construir um palácio que refletisse a sua nova situação e consolidasse a sua imagem junto da corte. Segundo Vilhena de Barbosa (citado por Elisabete Serol108), o palácio

foi construído pouco depois de 1740, sem contudo nos informar se esse pouco depois vai até ao terramoto ou se estende além dele. Por nossa parte o que sabemos é que os Cordes moraram nas suas casas da rua Direita do Loreto até às proximidades do cataclismo de 1755, conforme nos elucidam os livros paroquiais da freguesia da Encarnação. Lá estavam em 1751 quando na respectiva paroquial, em 8 de Setembro, se baptizou com o nome de Manuel um filho de António Luiz Sinel de Cordes e de sua mulher D. Ana Margarida Sanches de Almeida do Amaral, filha do desembargador António de Sanches Pereira; em 1752 quando no dia 24 de Maio faleceu Baltazar Peles Sinel de Cordes escrivão da Câmara do Dezembargo do Paço, casado com D. Marta Prudenciana Manso de Medeiros e pai do António Luiz citado; e em 1753 quando em 27 de Julho nasceu Baltazar, baptizado em 15 de Agôsto e irmão do Manuel a que já nos referimos.

Com o terramoto de 1755 terão os Sinel de Cordes passado a viver no seu palácio e abandonado as casas da rua Direita do Loreto, procurando nele o abrigo que aquelas já não ofereciam109. Em 1833, com a implantação do liberalismo e a extinção do Desembargo do Paço, os Sinel de Cordes ficaram sem o cargo que os munira de nobreza por mais de cem anos. Por essa razão, ter-se-ão refugiado em Barcarena e deixado o palácio até o venderem ao juiz do Supremo Tribunal de Justiça, José Correia Godinho da Costa, 1.º visconde de Correia Godinho, que, de acordo com Barbosa de Vilhena, citado por Elisabete Serol,“reformou o palácio acrescentando-lhe a balaustrada e vasos que o coroam”110. Em 1892, como consta de um processo de obra, o seu sucessor requereu a alteração para portas dos quatro vãos das janelas de peitos do andar térreo do palácio111.

Segundo Elisabete Serol112, no início do século XX o palácio estaria ocupado pela Legação de Itália, sofrendo um violento incêndio e obras de recuperação em seguida. Após este período terá sido transformado na Escola Primária Oficial n.º 4 e na Escola Primária Masculina n.º 70. Em 1962, o edifício foi adquirido pela Câmara Municipal de Lisboa a Carlos Machado Ribeiro Ferreira113. Em 2011, de acordo com Elisabete Serol114 o palácio terá sido fechado. Em 2012, a Câmara Municipal de Lisboa celebrou um protocolo de cedência de parte do palácio com a Associação Trienal de Arquitetura de Lisboa, organização sem fins lucrativos115.

 

Figura 3

 

Finalizando, o Palácio Sinel de Cordes terá funcionado como um género de “certidão de nobreza” significando, efetivamente, a confirmação da nobilitação da família Sinel de Cordes. Esta viu-se, assim, inserida no círculo restrito de famílias que, no século XVIII, podiam mandar construir um palácio. A imagem que desejavam poderá, por esta via, ter sido alcançada, bem como a perpetuação da sua memória.

 

CONCLUSÃO

O presente artigo centra-se na família Sinel de Cordes, como estudo de caso, para exemplificar o seu processo de fixação em Lisboa e ascensão social num período que medeia entre os finais do século XVI e os inícios do século XVIII. Lisboa assumiu-se como o polo de atração de estrangeiros devido às oportunidades proporcionadas pela expansão ultramarina, surgindo negócios no Oriente, em África e no Brasil que geravam rendimentos avultados a quem neles participava.

Muitos desses mercadores estrangeiros acabaram por se estabelecer em Portugal, fazendo parte de redes comerciais cujos tentáculos se estendiam a vários pontos do globo. Inicialmente optaram por criar comunidades endogâmicas, alimentando as teias comerciais com a celebração de casamentos entre elementos do grupo. Depois, olhando-se como portugueses, começaram a aplicar os seus rendimentos em bens de raiz e em cargos públicos, afastando-se progressivamente do perfil mercantilista. Esta estratégia conduziu, em pouco mais de cem anos, à nobilitação da família Sinel de Cordes, concluindo-se, deste modo, a sua integração plena na alta sociedade portuguesa.

As referências, na nossa literatura, às origens nobres dos Sinel de Cordes na Flandres, não encontram eco na documentação existente. Neste artigo foi possível identificar claramente a origem geográfica e social desta família bem como o processo de "Conquista das Honras" através da análise de dois percursos de vida. A Lisboa cosmopolita do século XVI recebeu estrangeiros em busca das riquezas do império marítimo, conseguindo fazer com que estes se transformassem em portugueses e com que se afastassem do comércio e passassem a servir a Coroa. Logo, mais do que uma capital nacional, Lisboa galvanizou interesses um pouco por toda a Europa, gerou redes mercantis espalhadas pelo mundo e ofereceu oportunidades para nacionais e estrangeiros. Lisboa foi uma plataforma de uma globalização que serviu para algumas famílias, à luz dos valores da época, aproveitarem as riquezas para darem um salto na hierarquia social que, de outro modo, teria sido, certamente, mais difícil.

 

FONTES E BIBLIOGRAFIA

Fontes

 

Arquivo Municipal de Lisboa

Livro 1º de consultas e decretos de D. Afonso VI.

Livro 9º de consultas e decretos de D. João V do Senado Ocidental.

Livro de escrituras n.º 250-A.

Obra n.º 20851,Processo 5917/1ªREP/PG/1892.

Protocolo celebrado entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Associação Trienal de Arquitectura de Lisboa para a cedência de parte do segundo e do terceiro pisos do Fotógrafo não identificado, Palácio Sinel de Cordes,PT/AMLSB/CMLSB/ADMG-P/02/001497.

 

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Cartório dos Livros do Distribuidor.

9º A Cartório Notarial de Lisboa.

Chancelaria Régia de D. Filipe II.

Chancelaria Régia de D. Filipe III.

Chancelaria Régia de D. Pedro II.

Coleção Casa Sinel de Cordes.

Habilitações Familiares do Santo Ofício.

Leitura de Bacharéis.

Feitos Findos, Registo Geral de Testamentos.

Registo Geral de Mercês.

 

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submissão/submission: 10/02/2015

aceitação/approval: 25/03/2015

 

 

NOTAS

* Licenciado em História (2005), pós-graduado (2007) e mestre (2009) em Ciência da Informação e da Documentação, ramo da Arquivística, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Detentor do Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública pelo Instituto Nacional de Administração (2009). Mestre em Administração Pública pelo Instituto Universitário de Lisboa (2011). Diretor do Arquivo Distrital de Évora. Correio eletrónico: jorge.janeiro@hotmail.com

1 No final do presente artigo faz-se uma síntese da história do palácio.

2STOOP, Anne de – Quintas e palácios nos arredores de Lisboa. Lisboa: Livraria Civilização, 1985. p. 119-123. Esta quinta iria permanecer nas mãos da família Sinel de Cordes até ao século XX. Depois de 1833, após a extinção do cargo de secretário da Câmara Real, a família refugiou-se em Barcarena, passando a residir na quinta. Os filhos do último dono, José Maria Sinel de Cordes, venderam a quinta ao senhor Costa Ferreira. Os herdeiros deste terão vendido a quinta à Indreso – Sociedade de Representações Industriais, S.A.R.L., detida por um engenheiro belga, Georges Philippe Brognon, em 27 de janeiro de 1970. Por sua vez, a Indreso vendeu-a à Fundação D. Belchior Carneiro, em 4 de julho de 2001, que ali queria construir um retiro para os reformados da função pública macaense. Perante a impossibilidade de fazer qualquer tipo de edificação naquela propriedade, esta instituição decidiu aliená-la. Foi precisamente enquanto se processava a transação que a Câmara Municipal de Oeiras exerceu o seu direito de preferência, adquirindo-a em 2006 pela quantia de dois milhões de euros. Hoje está instalada na quinta a Oeiras International School.

3Teve três ruas com o seu nome: a rua Sinel de Cordes (hoje rua Alves Redol), em São João de Deus, Lisboa; a rua Sinel de Cordes (hoje rua Afonso de Albuquerque), na Venteira, Amadora; e a rua General Sinel de Cordes, em Barcarena, Oeiras.

4 TÁVORA, D. Luiz de Lancastre e - Dicionário das famílias portuguesas. Lisboa: Quetzal Editores, 1989. p. 144.

5 João Baptista de Cordes teve um filho, chamado Simão de Cordes, que deu origem aos Cordes do Sardoal.

6Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura. 5ª ed. Lisboa: Editorial Verbo, 1967. vol. 5, p. 1735.

7 ZÚQUETE, Afonso – Armorial lusitano, genealogia e heráldica. Lisboa: Editorial Enciclopédia, Lda., 1961. p. 172-173.

8 MECO, José – Azulejaria no concelho de Oeiras: o palácio Pombal e a Casa da Pesca. Cadernos da Biblioteca Operária Oeirense.(1982), p. 7.

9STOOP, Anne de – op. cit., p. 119.

10CRISPIM, Mário; VASCONCELOs, Pedro (coord.) – Retratos de Oeiras. Oeiras: Publicações DAS, 1994.

11SILVA, Fernando – Religiosidades e tradições de Barcarena. Oeiras: Câmara Municipal: Junta de Freguesia de Barcarena, 2002. p. 111.

12SILVA, Fernando – Barcarena ancestral: desenvolvimento histórico e etnográfico das raízes da freguesia de Barcarena. Oeiras: Câmara Municipal, 1999. p. 30.

13BRAGA, Isabel Drummond – Santo Ofício, promoção e exclusão social: o discurso e a prática. Lusíada História. Lisboa. II Série Nº 8 (2011), p. 226-229. Isabel Drummond Braga tem vários estudos sobre a familiatura do Santo Ofício como meio de promoção e de exclusão social, detendo-se, inclusivamente sobre as dificuldades sentidas pelos judeus, pelos mouros, pelos mulatos e pelos próprios cristãos velhos no acesso à estrutura do Santo Ofício. Da análise aos seus textos deduzimos que tanto a recusa à entrada do Santo Ofício como a perseguição por este acabavam por ser um elemento negativo marcante da vida de um indivíduo e da sua família numa sociedade em que a caracterização e a mobilidade sociais podiam depender da raça, da religião, da profissão e da conduta do indivíduo e dos seus antepassados.

14Ibidem, p. 226-227.

15 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), 9º A Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas nº 145, f. 60.

16 A ligação dos Cordes à quinta remonta ao casamento da filha de João Baptista de Cordes com Baltasar Peles Sinel, herdeiro desta propriedade.

17PEDREIRA, Jorge – Os homens de negócio da praça de Lisboa, de Pombal ao Vintismo (1755-1822): diferenciação, reprodução e identificação de um grupo social. Lisboa: Universidade Nova/Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 1995. p. 230. Tese de doutoramento em História, apresentada à Universidade Nova de Lisboa.

18Aconselhamos o leitor a consultar a árvore genealógica, colocada no final deste capítulo para facilitar a sua compreensão, elaborada com base, nomeadamente, nos processos de habilitação a familiar do Santo Ofício de João Baptista de Cordes e de Baltasar Peles Sinel e na habilitação a bacharel de João Vanvessem.

19Filho de Henrique Romão e de Maria Vanoven, todos naturais de Lovaina, do ducado do Brabante, ao tempo “cidade católica e obediente a Sua Majestade”. ANTT, Habilitações Familiares do Santo Ofício, maço 1, diligência 37, Baltasar Peles Sinel.

20Na documentação aparece Ambéres, Anveres e Anvers, presumindo-se que seja Antuérpia preferiu-se a utilização desta designação para permitir uma melhor compreensão.

21 Sepultada em 2 de fevereiro de 1604 no convento de Nossa Senhora da Quietação das freiras flamengas de Alcântara.

22ANTT, Habilitações Familiares do Santo Ofício, maço 1, diligência 37, Baltasar Peles Sinel.

23ANTT, Habilitações Familiares do Santo Ofício, maço 1, diligência 38, Luís Romão.

24 Filho de Miguel Vanvessem e de Barbara António, naturais e moradores na cidade de Boldoque na Flandres. ANTT, Leitura de Bacharéis, maço 14, doc. 58, João Vanvessem.

25ANTT, Habilitações Familiares do Santo Ofício, maço 206, diligência 3078, António Vel (padre frei), 11/05/1650.

26Natural de Antuérpia, filho de João Vel e de Paulina Perpersaeque, moradores nessa mesma cidade.

27Nascida em Lisboa, filha de Abraham Bacaler, natural de Armentieres, lapidário e dono da quinta das Laranjeiras, e da primeira mulher deste, Beatris Cado. ANTT, Habilitações Familiares do Santo Ofício, maço 2, diligência 72, João Baptista de Cordes.

28“e porque diz ser Jrmão inteiro da mulher de João Bautista de Cordas familiar e thezoureiro de fisco dessa dicta cidade”. ANTT, Habilitações Familiares do Santo Ofício, maço 206, diligência 3078, António Vel (padre frei), 11/05/1650.

29PEDREIRA, Jorge – Ibidem.

30OLIVAL, Fernanda – D. Filipe II, de cognome «O Pio». Rio de Mouro: Círculo de Leitores, 2006. p. 242.

31Baltasar Peles pediu autorização para ir a Cabo Verde em 1605. ANTT, Chancelaria Régia de D. Filipe II, livro 2, f. 73v. Privilégios: próprios e comuns – Balthazar Pelles: Alvará para hir a Cabo Verde. Quanto aos Sinel, mantinham relações com o Brasil, a Espanha e a Inglaterra.

32PEDREIRA, Jorge – Ibidem.

33RODRIGUES, José Damião – A estrutura social. In MENESES Avelino de Freitas de (coord.); SERRÃO, Joel; MARQUES, A. H. Oliveira (dir.) – Nova História de Portugal. Lisboa: Presença, 2001. vol. VII, p. 406.

34Benedita Vieira, a este respeito, afirma: “conhecem-se com exatidão os limites do estatuto legal da nobreza portuguesa por um quadro traçado antes das Invasões Francesas e confirmado nas vésperas da aclamação de D. João VI. Aí se distinguia a fidalguia – nobreza cultural ou hereditária, transmitida, em geral, no respeito pelas regras de sucessão linhagística codificadas em Portugal – da nobreza civil ou política, adquirida em resultado de serviços prestados e da vontade régia, tácita ou expressa. Tradicionalmente, desde pelo menos o século XVII, fazia parte da cultura política portuguesa a defesa do direito de acesso de todos à categoria de nobres e, na referida obra de 1806, Luís Pereira de Oliveira confirmava, à entrada do século XIX, que todas as funções que andavam ordinariamente em gente nobre nobilitavam, por inerência, quem as exercia. Nesse magma distinguia o autor nove categorias que abrangiam, nos finais do Antigo Regime, quase todas as elites económicas, sociais e culturais. Uma tal abrangência da nobreza simples e a ausência de privilégios ligados a este estatuto levaram a historiografia a considerar a situação de «diluição da noção de nobreza». No limite, apenas ficavam excluídos desta nobreza «rasa» os oficiais mecânicos, entendidos estes como aqueles que «dependiam mais do trabalho do corpo do que do espírito, ou os que, não sendo mecânicos em sentido estrito (por exemplo, os boticários ou os músicos), exerciam a sua função servilmente e por ofício». Também possuir riqueza suficiente para instituir morgadio era, por si só, suficiente para a inclusão de alguém no estatuto legal da Nobreza. Daí que, embora se encontrem listas da Nobreza nas câmaras municipais, nas capitanias-mor e nas misericórdias, ninguém deste estrato se intitulava individualmente de nobre. O interesse do estatuto residia na capitalização de créditos, para quando pertencer a uma genealogia nobre fosse pré-requisito para assumir uma qualquer função ou distinção”. VIEIRA, Benedita – A sociedade: configuração e estrutura. In MARQUES, A. H. de Oliveira (coord.); SERRÃO, Joel (dir.) – Nova História de Portugal. Lisboa: Presença, 2002. vol. IX, p. 179-180.

35 RODRIGUES, José Damião Rodrigues – op. cit., p. 407.

36Idem, ibidem.

37SERRÃO, José Vicente – O quadro económico. In HESPANHA, António (coord.); MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. vol. IV, p. 80.

38 MONTEIRO, Nuno – O crepúsculo dos grandes: a casa e o património da aristocracia em Portugal (1750-1832). Lisboa: Imprensa Nacional casa da Moeda, 2003. p. 28.

39Idem, ibidem.

40Idem, ibidem.

41Idem, ibidem, p. 33.

42Idem, ibidem, p. 26.

43Idem, ibidem.

44Idem, ibidem.

45RODRIGUES, José Damião, op. cit.. p. 411.

46OLIVAL, Fernanda – juristas e mercadores à conquista das honras. Revista de História Económica e Social. Âncora Editora. Nº 4 (2002), p. 43. Separata.

47 OLIVAL, Fernanda – As ordens militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). [S.l.]: Estar Editora, 2001. p. 163-164.

48Idem, ibidem, p. 56-57.

49Idem, ibidem, p. 163.

50Idem, ibidem, p. 360.

51Idem, ibidem, p. 376.

52Idem, ibidem, p. 523.

53Idem, ibidem, p. 214-215.

54Idem, ibidem, p. 521.

55Idem, ibidem, p. 161.

56RODRIGUES, José Damião, op. cit., p. 408.

57ANTT, Registo Geral de Mercês, D. Pedro II, Livro 1, f.180. António Luís de Cordes (f. de Baltasar Peles Sinel): Carta – Fidalgo Cavaleiro com 1$600 de moradia por mês e 1 alqueire de cevada por dia, 05/11/1686. Era natural de Lisboa e genro de António Alvares Ribeiro.

58João Miguel Simões, nos seus Apontamentos Históricos e Artísticos para o Visitante do Convento das Flamengas ao Calvário, diz-nos que foram aí “sepultados membros da baixa nobreza”, entre os quais, como pudemos verificar in loco, se encontrava Joana Galoa, tia-avó de Baltasar Peles Sinel. A pertença à baixa nobreza seria certamente uma posição intermédia entre a nobreza e as profissões mais lucrativas do Terceiro Estado. Baltasar Peles Sinel foi-se nobilitando sem largar os negócios, porém, o salto para a plena nobreza, protagonizado pelo seu filho, exigiria o abandono progressivo de tais atividades e a consequente conversão do estilo de vida «à lei da nobreza».

59OLIVAL, Fernanda – Juristas e mercadores à conquista das honras. Revista de História Económica e Social. Nº 4 (2002), p. 32-33. Separata: “No fim do século XVII observa-se uma diminuição no valor dos dotes nobres, ao mesmo tempo que estes deixaram de incluir bens de raiz. De qualquer modo, casar uma filha custava mais caro à aristocracia do que dar-lhe apenas um dote religioso para ingressar num convento”. SILVA, Maria Beatriz Nizza da - A vida quotidiana. In MENESES, Avelino de Freitas de (coord.); SERRÃO, Joel (dir.); MARQUES, A. H. Oliveira (dir.) – Nova História de Portugal. Lisboa: Presença, 2001. vol. VII, p. 445.

60Idem, ibidem, p. 42.

61RODRIGUES, José Damião, op. cit., p. 422

62BRAGA, Paulo Drummond – Igreja, Igrejas e Culto. In MENESES, Avelino de Freitas de (coord.); SERRÃO, Joel (dir.); MARQUES, A. H. Oliveira (dir.) – Nova História de Portugal. Lisboa: Presença, 2001. vol. VII, p. 103.

63SUBTIL, José – O Desembargo do Paço (1750-1833). Lisboa: Universidade Autónoma, 1996. p. 357.

64SUBTIL, José – Os poderes do centro. In HESPANHA, António (coord.); MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. vol. IV, p. 145 e 147.

65RODRIGUES, Ana Maria – Desembargo do Paço: inventário. Lisboa: Instituto Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, 2000. vol. I, p. 18.

66SUBTIL, José – Ibidem. p. 170-171.

67 ANTT, Feitos Findos, Registo Geral de Testamentos, Livro 103, Doc. 117, f. 138v.

68 João Baptista de Cordes participa em negócios com navios juntamente com Luís Romão em 14/04/1626. 2º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas nº 147, f. 63.

69 ANTT, Chancelaria Régia de D. Filipe III, livro 25, f. 38. Perdões e Legitimações: Próprios – João Baptista de Cordes: carta de perdão. De 5 de novembro de 1625.

70“e Logo por elle João Baptista de Cordes e sua mulher Dona sezillia Vel foi dito a mi tabaliam perante as testemunhas ao diante nomeadas que elles estão Contratados para Com o fauor divino e graça do espirito santo, aVerem de Cazar a sua filha Dona Maria de Cordes com elle dito Balthezar pelles sinel que aVendo o dito Casamento seu Real effeito, na forma que ordena o sagrado Consillio Tredyntino prometem e Dão em Dotte â dita sua filha asima a quantia de seis mil Cruzados pagos na forma e maneira seguinte// jtem Dous mil e quinhêntos Cruzádos em dinheiro de Contado, jtem mil Cruzados em jojas pessas de ouro e pratta, jtem quinhentos e sesenta mil reis, êm moueis e ALfãjas e hornatto de Caza, das quais peças e Vallia dellas se deCLara em hu RoL asinado por ambos, de que se tirarão Duas Copias hua para elles dotadores, e outra pera elles Dotados, jtem quatrosentos mil reis em huas terçenas que estão nesta Cidade â pampulhã por Baixô do mosteiro das freiras marianas, â façe do már que Contêm três Cazas, a saber, Logea terrea, e sobrelogea, e sobrado com suas seruentias e Logradouros que forâo de João Vel paj e sogro delles dotadores, que os ouuuerâo por Duas Cartas de aRemataçâo, Cujas sedullas entregarâo a elle Dotado que tudo faz soma dos ditos seis mil Cruzados”. ANTT, 9ºA Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas nº58, f. 34v.-35v.

71ANTT, Coleção Casa Sinel de Cordes, caixa 13, maço 16, nº 7, dotes.

72João Baptista de Cordes teve um filho chamado João de Cordes e outro Simão de Cordes. Este último deu origem à linhagem dos morgados do Sardoal, detentores da Quinta do Pouchão. De acordo com a habilitação a familiar do Santo Ofício de António Brandão de Cordes Pina e Almeida, Simão de Cordes foi batizado na freguesia de Santa Catarina do Monte Sinai, e a mulher deste, D. Catarina Tomásia Brandão Pereira, na da Sé, em 1662. ANTT, Habilitações Familiares do Santo Ofício, maço 64, doc. 1297, 29/01/1729. Simão de Cordes, de acordo com as Genealogias Manuscritas, p.229, “seruio na guerra da Aclamaçaõ, e foi Capitam de Cavalos da prouincia da Beira; teue o abito de Christo; e a merce do foro de fidalgo no anno de 669”.

73Simão de Cordes (f. de João Batista de Cordes): Carta de Padrão – 20$000 réis de pensão na comenda de S. Martinho de Ranhados com o hábito de Cristo, 23/08/1684. ANTT, Chancelaria Régia de D. Pedro II, Livro 1, f. 281v., tem junto o alvará de 27/03/1683.

74João Sinel, em 1628, era capitão de infantaria em Lisboa, tendo negócios no Rio de Janeiro. ANTT, 9º A Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas nº111, f. 6.

75SCHAUB, Jean-Frédéric – A falência de Henrique Sinel: insucesso comercial ou desafio político? Penélope. Lisboa. Nº 9/10 (1993), p. 151-162.

76Ibidem.

77ANTT, 9º A Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas nº147, f. 87v.

78MAGALHÃES, Joaquim Romero – A indústria. In MAGALHÃES, Joaquim Romero (coord.); MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1997. vol. 3, p. 258-259.

79OLIVAL, Fernanda – D. Filipe II, de cognome «O Pio». Rio de Mouro: Círculo de Leitores, 2006. p. 226.

80Ibidem. p. 180.

81ANTT, 9º A Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas nº158, f. 101v.-103.

82 Ibidem, Livro de Notas nº 145, f. 60.

83Ibidem, Livro de Notas nº 147, f. 87v.

84ANTT, Habilitações Familiares do Santo Ofício, maço 1, diligência 37, Baltasar Peles Sinel.

8585 ANTT, 9ºA Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas nº58, f. 34v.-35v.

86O morgado era composto por: Hua quinta que esta na Ribeira de Barquerena termo desta Cidade que Contem em sj Cazas grandes e nobres, Dous pumares de espinho ambos Regadios, Vinhas terras de paõ holiuais, asenha com sua atafona fontes tanque hermida, e outras pertenças tudo murado â Roda, e de fora dos muros da dita quinta, tem quatro moradas de Casas, Duas que estão de frente da dita quinta no Caminho que Vaj para o dito Lugar de Barquerena, e hua murada de Cazas no Lugar que Chamam do ferodo e outras no Lugar de Leçea, E outras Cazas que estão no Lugar de Cabanas de que hé directo senhorio e se lhe pagã de foro em Cada hu anno quatrosentos reis em dinheiro e hua gallinha// Jtem Duas Vinhas hu pumar de espinho, Dous oliuais, terras de pao que estaõ abaixo da dita sua quinta, onde Chamão as Buchauellas da mes[fólio 28]ma freguesia de Barquerena, que ouue de Compra de fernando teixeira E dos herdeiros de Catarina fernandez, Jtem, hu Cazal que esta no Lugar de queijas freguesia de são Romão de Carnachide do termo desta Cidade que Contem em sj Cazas terra de pão e huã Vinha palheiros e outras pertenças que trás de aRendamento francisco Dias, jtem outro Cazal que esta no Lugar de manique termo de Casquãis que Contem em sj Cazas terras de pão, E hua Vinha, palheiros e outras pertenças que trás de ARendamento Antonio fernandez, jtem outro Cazal que está no termo de sintra onde Chamão o Cubello que Contem em sj soomente terras de pão, E hua Vinha, e mattos, e outras pertenças que trás de ARendamento Rafael Luís, morador no Lugar do Linho junto ao dito Lugar do Cabello, jtem huns Larangaes, E oliueiras; e terras Lauradias, que estão junto ã dita quintã de Barquerena, pegado aõs muros della, onde Chamaõ Vazasáquos, jtem noue mil reis de foro em fatiotta, que lhe paga Donna Biolante soares em Casa hu anno, de hua morada de Cazas Com seu quintal grande que estão na Villa de santarem, jtem, huãs Cazas que estão ao outeiro da BoaVista, na Rua da silua da Banda da terra que forão tersenas de pão, e em hum Almazem grande per Baixo, foreiras em fatiotta a jose furtado de mendonçã em mil e quarenta reis cada anno. Ibidem, Livro de Notas nº 158, f. 27v.-28.

87Ibidem, Livro de Notas nº58, f. 34v-35v.

88Ibidem, Livro de Notas nº158, f. 27v-29.

89Ibidem, Livro de Notas nº 160, f. 148.

90Ibidem, Livro de Notas nº 161, f. 128.

91Ibidem, Livro de Notas nº 161, f. 132v.

92Ibidem, Livro de Notas nº 165, f. 82v.

93Ibidem, Livro de Notas nº 165, f. 132v.

94Ibidem, Livro de Notas nº 165-A, f. 133-135.

95Ibidem, Livro de Notas nº 166, f. 43v.

96Ibidem, Livro de Notas nº 166, f. 80.

97Ibidem, Livro de Notas nº 166, f. 95v.

98 Ibidem, Livro de Notas nº 166, f. 96v.

99Ibidem, Livro de Notas nº 166, f. 126.

100Ibidem, Livro de Notas nº 167, f. 15.

101Ibidem, Livro de Notas nº 167, f. 39.

102Ibidem, Livro de Notas nº 167, f. 61v.

103Ibidem, Livro de Notas nº 169, f. 30v.-32v.

104ANTT, Cartório dos Livros do Distribuidor, Caixa 38, Livro 47, f. 82.

105Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro 1º de consultas e decretos de D. Afonso VI, f. 224 a 225.

106“DeClaro mais que Phelippe Peixoto da Sylua ja falecido comprou o meu officio de thezoureiro da Camara de que teue merce e porque fes a dita Compra na minha menoridade e indeuidamento a entrega do preço, lhe mamdo [fólio 91 v] mando a qual está parada ja ha annos e meus herdeiros poderaõ Vzar do direito que me Competiã na dita Cauza Contra os do dito Phelippe Peixoto da Sjlua”. ANTT, Feitos Findos, Registo Geral de Testamentos, Livro 156, Doc. 29, f. 91-91v.

107ANTT, Feitos Findos, Registo Geral de Testamentos, Livro 156, Doc. 29, f. 88v.

108SEROL, Maria Elisabete – O Campo de Santa Clara, em Lisboa: cidade, história e memória: um roteiro cultural. Lisboa: Universidade Aberta, 2012. vol. I; p. 43-44. Tese de mestrado em Estudos do património apresentada à Universidade Aberta.

109Ibidem, p. 50 e p. 127.

110Ibidem, p. 79.

111AML, Obra n.º 20851, Processo 5917/1ªREP/PG/1892, f. 1

112SEROL, Maria Elisabete – Ibidem. p. 79-80

113AML, Livro de escrituras n.º 250-A, f. 49v.-51v.

114SEROL, Maria Elisabete – Ibidem. p. 154

115AML,Protocolo celebrado entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Associação Trienal de Arquitectura de Lisboa para a cedência de parte do segundo e do terceiro pisos do Palácio Sinel de Cordes.

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