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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.10 Lisboa dez. 2018

 

ARTIGO

A escrita “manuelina” nas provisões régias quinhentistas

“Manueline” scripts in royal provisions at the early sixteenth-century

Maria Teresa Pereira Coelho*

* Maria Teresa Pereira Coelho, investigadora independente, 2775-368 Carcavelos, Portugal. tpereiracoelho@sapo.pt

 

RESUMO

No reinado de D. Manuel, a partir de 1500, surge em Portugal uma nova letra bem distinta da letra joanina (cânone gráfico fixado na Chancelaria Régia desde D. João I), com introdução de alterações e inovações semelhantes ao modelo da cortesão castelhana apresentando uma versão caligrafada e outra cursiva veloz. A introdução destas alterações numa escrita previamente canonizada deverá ter surgido através das mãos de profissionais altamente posicionados na Corte régia, com capacidade e espaço de manobra para as impor. A análise das escritas usadas pelos escrivães da Corte na redação das provisões régias permite atribuir a introdução da escrita manuelina aos escrivães Afonso Mexia e António Carneiro nas versões caligrafada e cursiva veloz respetivamente.

 

PALAVRAS-CHAVE

Paleografia / Escrita manuelina / Escrita cortesã / Provisões régias / Cânone

 

ABSTRACT

In the reign of D. Manuel, from 1500 onwards, a new kind of letter appeared in Portugal. This lettering was distinct from the johannine calligraphy (a standard graphic fixed in the Royal Chancellery since D. João I), with the introduction of changes and innovations similar to the model of the Castilian courtier characterized by a different calligraphic version and a faster cursive hand. The introduction of these variations into a previously canonized writing must have been accomplished through the hands of highly positioned professionals in the royal court, who had the capacity and authority to maneuver and imposed them. The analysis of the writings used by the court clerks in the drafting of royal provisions allows assigning the introduction of manueline writing to the writers Afonso Mexia and António Carneiro respectively in the calligraphic version and quick cursive hand.

 

KEYWORDS

Palaeography / “Manueline” script / Courtly script / Royal provisions / Canon

 

INTRODUÇÃO

Pode dizer-se que as escritas são o resultado da evolução de um tipo anterior, produto de uma região e de um movimento cultural em que se insere, sofrendo influências que se repercutem nas suas formas e vão contribuindo para a sua diferenciação que, a pouco e pouco, permitem distinguir a existência de características diferentes da escrita que a antecede.

No decorrer da evolução da forma, é possível fixar certos momentos em que a escrita assume aspetos característicos, que permitem distinguir tipos bem definidos a que se atribui um nome particular, procedendo-se deste modo a uma classificação.

Em 1969, Eduardo Borges Nunes propôs a denominação de “manuelina” para uma “letra nova”, surgida no reinado de D. Manuel, apresentando-a como “bem distinta da letra joanina”1, que desapareceu em meados do século XVI, após um processo de hibridação. Considerou que esta “letra nova”, sendo cursiva por formação, apresentava duas versões: uma caligrafada e outra cursiva veloz. Nas referências a esta nova letra foram feitas algumas comparações com o cânone joanino e com o modelo da escrita cortesã castelhana. As classificações, mais ou menos tradicionais, baseadas nas grandes “famílias” de escrita situam esta “nova letra” no campo das góticas quanto à formação e nos subgrupos das caligráficas e cursivas no que diz respeito ao modo de execução.

Tendo como ponto de partida a ideia de que esta nova escrita “foi, de facto, obra do ambiente gráfico da corte régia”2 e que a sua introdução em Portugal poderia estar relacionada com os contactos entre as cortes portuguesa e castelhana, dadas as relações familiares muito próximas durante este reinado e considerando que seria de origem cortesã (escrita usada na Corte castelhana), a análise da documentação redigida pelos escrivães permite atribuir a responsabilidade da introdução da escrita manuelina na documentação portuguesa aos escrivães Afonso Mexia e António Carneiro.

O elevado número de provisões régias (cartas missivas, mandados e alvarás) existente no acervo do Arquivo da Câmara de Lisboa tem possibilitado uma análise da escrita utilizada por vários escrivães identificados no escatocolo, passíveis de localizar temporalmente e admitindo-se a hipótese de verificar em cada autor gráfico a alteração ou permanência de um tipo de escrita, o que permite conhecer o cânone joanino, identificar as alterações introduzidas a partir de 1500 e caracterizar um novo arquétipo.

 

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO: TENDÊNCIAS GRÁFICAS NOS SÉCULOS XV E XVI

Na Europa do século XV, a escrita predominante continuava a ser a “gótica”, nas versões “cursiva” e “librária” em que, se por um lado se cursivava para permitir uma escrita mais rápida, por outro se apresentava um tipo mais caligráfico “fortemente anguloso, mais adequado à natureza de manuscritos solenes”3.

O aumento da produção de documentos de caráter jurídico e económico e das atividades nas chancelarias por parte dos notários, tabeliães públicos e escrivães, levou a uma execução rápida da escrita não compatível com a forma caligráfica da “gótica”. A cursividade da “gótica” e a sua multiplicidade de estilos foram produzindo formas artificiais de ligação entre as letras que condicionavam a sua feitura. Na opinião de José Marques4, estamos perante um fenómeno de ductus inverso, ou seja, a ordem e o sentido dos traços inverte-se para uma maior facilidade de movimentos, com consequências de ordem gráfica. A ligação entre as letras feita pela parte superior desfigura algumas delas, levando ao aparecimento de novas formas. Este fenómeno, diferenciado de acordo com a região, leva-nos, por exemplo, a distinguir o cursivo português do de Castela, que embora havendo um certo parentesco entre eles e algum paralelismo na evolução, nomeadamente no arredondamento das letras e nos traços de abreviatura, apresentam características específicas.

As críticas feitas pelos humanistas italianos à forma artificial da escrita “gótica”, por um lado, e a introdução, pelo humanista Poggio Bracciolini, de uma nova forma de escrita (a “humanística”) que, imitando a “carolina”, apresentava um modo de execução rápido, contribuíram para a expansão desta última e progressivo desaparecimento da anterior.

A reaproximação, desde meados do século XV, entre os reinos de Portugal e de Castela, intensificada durante o reinado de D. Manuel, levou Borges Nunes a interrogar-se sobre a possibilidade de os escrivães portugueses terem imitado a escrita “cortesã” castelhana, considerando que poderia ter existido uma “lenta contaminação de espírito”5 sem que isso implicasse a importação pura e simples do modelo castelhano.

A escrita “cortesã”, uma derivação da letra de “albalaes” (alvarás), apresenta-se comprimida, miúda, com poucas abreviaturas, arredondamento dos traços, diminuição da altura das hastes e com muitas ligaduras em que os traços finais se prologam em forma de curva. Esta escrita empregada com grande regularidade nas cartas e despachos expedidos pela secretaria dos reis, pelo conselho ou pela chancelaria, foi pouco usada nos documentos particulares.

A escrita cortesã, que pode ter grande perfeição e beleza quando executada com cuidado, como recomendavam as pragmáticas régias sobre a redação de documentos públicos, sofreu um processo de degradação, tal como tinha acontecido anteriormente com a gótica, em virtude do cursus. Pela rapidez de redação transformou-se em escrita processual, resultante da arte de execução dos escribas, que foram suprimindo traços supérfluos e equiparando o tamanho das várias letras. A grafia das letras transformou-se num puro enlace de curvas côncavas e convexas, num traço que aparenta uma cadeia sem fim, sem separação de palavras a que se dá o nome de escrita encadeada.

Em Portugal, no último quartel do século XIV, o cursivo comum deteriora-se acentuadamente dando lugar a um tipo mais regularizado, aparentado aos cursivos franceses, semelhante à “lettre bâtarde”, para a qual Borges Nunes propõe o nome de “letra joanina”6. No século XV, e com prolongamento até ao século XVI, a escrita vigente era a “gótica”, nas versões caligráfica utilizada essencialmente nos códices e cursiva para os textos diplomáticos. No entanto, tal como aconteceu em Castela, “os escrivães da corte começaram, paulatinamente, a diminuir a agudeza das hastes, a aliviar a compressão horizontal da escrita, a acentuar-lhe a inclinação, a arredondar o traçado de letras e sinais”7, dando origem a uma nova letra para a qual Eduardo Borges Nunes propõe o apelativo de letra manuelina, afirmando ter sido ela um produto típico dos meios escreventes da Corte portuguesa do final do século XV e primeira metade do século XVI. Em simultâneo, num processo natural de contaminação, começam a surgir “elementos de um sistema gráfico diferente, neste caso do humanístico”8 podendo afirmar-se que “o processo de introdução da escrita humanística na prática escriturária dos escrivães régios teve início na década iniciada em 1520, prolongando-se pela década seguinte”9.

A “humanística librária” está associada à fase de reforma dos forais e à cópia da documentação régia referente a cada uma das comarcas do reino, cuja coleção ficou conhecida pela designação de “Leitura Nova”.

 

CARACTERIZAÇÃO DAS ESCRITAS UTILIZADAS PELOS ESCRIVÃES NAS PROVISÕES RÉGIAS

Nas provisões régias produzidas na última década do século XV predomina o cânone “joanino” (ver Figuras 1e 2) em que os traços angulosos, as hastes altas, o prolongamento inferior das caudas e os longos traços de abreviatura ocupam o espaço entre as linhas, dando um aspeto carregado, sem grande contraste de finos e cheios.

Na redação das provisões régias após 1500 a maioria dos escrivães utilizava um novo modelo que se caracteriza, em termos gerais, pela alteração da sua feitura, pelo aparecimento de novas formas em algumas letras e pelo desaparecimento de outras, tornando-se evidente a tendência para o arredondamento dos traços, a diminuição do tamanho das hastes e dos prolongamentos, libertando espaço entre as linhas e comprimindo as letras de cada palavra.

 

 

 

 

Na execução dessa nova escrita, a que foi dado o apelativo de manuelina, foram identificadas duas técnicas: uma caligrafada (ver Figuras 3) e uma cursiva comum10 (ver Figuras 4) que se diferenciam pelo número de traços da feitura e pelo espaço entre palavras, que na cursiva é ocupado por ligaduras.

 

 

 

 

A escrita “manuelina comum” cursiva, com união das letras de cada palavra e ligaduras entre algumas palavras, apresenta as letras pequenas11 de dimensões reduzidas com traços arredondados (a, c, m, n, r, u) e laçadas redondas em algumas formas (e, s, t). As letras altas12 apresentam hastes curtas com laçadas (b, l, h, d) ou traços oblíquos arredondados (v) com predomínio da inclinação para a esquerda. As letras baixas13, sem grandes prolongamentos, revelam formas arredondadas com simplificação na feitura, através da diminuição do número de traços de execução, o uso de laçadas em algumas formas (f, j, z). É frequente a coexistência, no mesmo documento, de várias formas das mesmas letras, como é o caso de f, g, p, s. Registou-se uma escassez de uso de abreviaturas e a diminuição do uso de i e s longo bem como de r caudado; predominância do r arredondando semelhante ao número 2, do e com laçada e i com pinta.

No sistema de numeração, mantém-se o uso de letras e números com maior frequência para formas mistas e em que o numeral 5 é aquele que apresenta maior variedade de formas.

 

 

Na escrita “manuelina caligrafada”, para além do arredondamento dos traços, da diminuição da extensão das hastes e dos prolongamentos, podemos verificar a separação das palavras, o menor uso de ligaduras e a compressão horizontal da escrita com maior número de palavras por linha, o frequente uso do s gótico em final de palavra e variadas formas do sinal de conjunção e. Na variante caligrafada é mais frequente o uso de vírgulas, pontos finais e cedilhas.

Os primeiros escrivães a apresentar alterações ao modelo joanino são António Carneiro e Afonso Mexia, respetivamente nas versões “comum” e “caligrafada” a quem, provavelmente, poderão ser atribuídas as responsabilidades pela inovação.

Tendo em consideração que cada escrita é o resultado da evolução de um tipo anterior, em que entram em ‘competição' vários elementos e causas múltiplas, interessa averiguar as condições políticas e culturais ou elementos exteriores que possam estar na base destas alterações.

É sabida a proximidade entre as cortes portuguesa e castelhana através dos sucessivos matrimónios do rei D. Manuel, cuja evidência, dentre outras, é a vinda para Portugal de membros da Corte castelhana. Assim, como é certo que no século XV a letra utilizada em Castela nas cartas e despachos expedidos pela secretaria dos reis era a cortesã pode-se afirmar que a nova letra manuelina é de inspiração cortesã.

Tendo em consideração as características apresentadas por Muñoz y Rivero relativamente à escrita cortesã, nomeadamente o facto de apresentar um arredondamento dos traços, ser comprimida, miúda, não muito pródiga em abreviaturas, com muitas ligaduras e o prolongamento dos traços finais em forma de curva e comparando a manuelina caligrafada com a cortesã, podemos verificar a existência de algumas semelhanças.

Estas semelhanças traduzem-se não só no arredondamento dos traços e na forma de algumas letras, como sejam, as letras A e S maiúscula, o d, f, v, a e y minúscula, mas também na compressão horizontal da escrita e nas dimensões reduzidas das letras pequenas.

Tem-se constatado que é frequente, no mesmo período temporal em que há uma proliferação da escrita manuelina (ver Figuras 5), a presença de escritas realizadas sem obediência aos cânones estabelecidos (ver Figuras 6), permitindo identificar para o mesmo autor gráfico vários tipos de escrita, incluindo formas de escrita espontânea, ou variantes gráficas da escrita usual no quotidiano, como se pode exemplificar através de alguns documentos redigidos por Damião Dias, entre outros escrivães.

 

 

 

 

No caso de Afonso Mexia, o escrivão usou, durante a sua longa carreira, o modelo joanino, o novo modelo de escrita manuelina nas versões comum e caligrafada (ver Figuras 7) e uma outra escrita que poderá ser considerada espontânea ou usual (ver Figuras 8).

 

 

 

 

A hipótese de existência de uma relação direta entre o tipo de escrita utilizada e a tipologia documental pode considerar-se nula já que foram utilizados vários tipos de escrita nos alvarás e cartas-missivas. Apenas nos mandados se observa alguma maior frequência do uso das escritas mais cursivas e usuais. A escolha do tipo de escrita parece ficar ao critério de cada escrivão com exceção de algumas cartas mais solenes em que predominou uma escrita caligrafada.

 

TIPOLOGIA DOCUMENTAL E FORMULÁRIOS

As provisões régias no reinado de D. Manuel apresentam formulários específicos para cada um dos tipos (alvarás, mandados e cartas-missivas) não se verificando diferenças significativas entre os vários escrivães.

Os alvarás têm início com a subscriptio régia (Nós el rei), seguida da notificação (fazemos saber) e da inscriptio14 (a vos F.). O texto pode ter início com a narração seguida do dispositivo (Nos praz ou havemos por bem) ou o contrário, terminando com a cláusula de notificação (vos mandamos). O escatocolo começa com o particípio “feito” ou “escrito” seguido da datatio (elemento topográfico, elemento cronológico: dia, mês e ano), sendo, por vezes, interrompido entre o mês e o ano pela identificação do escrivão (“F. o fez”) ou tendo início com a identificação do autor, seguindo-se a data.

Nos mandados, o protocolo tem início com o nome do destinatário, a inscriptio15 seguida do dispositivo (mandamos vos). O texto é curto, apresentando as instruções específicas de forma direta. O escatocolo começa com o particípio “feito” seguido da datatio (elemento topográfico, elemento cronológico: dia, mês e ano) idêntico ao dos alvarás.

As cartas-missivas apresentam um formulário diversificado e têm, regra geral, início com o endereço16, seguido da subscriptio régia e de uma saudação (vos enviamos muito saudar). O texto inicia-se com a narratio e termina com o dispositivo. O escatocolo é idêntico ao dos alvarás e mandados, diferindo apenas no predomínio do verbo utilizado (escrita em vez de feita).

A subscriptio mais usada nas provisões régias é concisa, expressa por “Dom Manuel et cetera” ou “Nos el rey”, tendo-se registado poucas situações em que é utilizada a forma extensa17.

No reinado de D. João III registam-se alterações no final do escatocolo, nomeadamente com introdução de frases de subscrição redigidas por escrivães que continuavam como redatores das provisões régias ou outros e, em paralelo, a existência do mesmo tipo de documentos sem qualquer subscrição sem diferenças nos formulários dos documentos com subscrição e sem subscrição.

A título de exemplo, podemos indicar duas cartas para o mesmo destinatário, redigidas pelo escrivão Manuel de Moura, uma com subscrição18 e outra sem19, em que foi utilizado o mesmo formulário: endereço, seguido da subscriptio régia e de uma saudação. O texto inicia-se com a narratio e termina com o dispositivo e no escatocolo constam os elementos topográfico, cronológico e de identificação do escrivão.

O mesmo escrivão com subscritores diferentes não apresenta formulários diferentes, como é o caso de dois mandados20 de Álvaro Neto em que o formulário é igual: nome do destinatário (inscriptio), seguido do dispositivo (mandamos vos) e de um texto curto e direto. O escatocolo tem início com o particípio “escrito” seguido do local e dos elementos cronológicos.

A partir de 1521, a subscrição das provisões régias surgiu essencialmente associada aos assuntos da Fazenda. Alguns dos escrivães, que no anterior reinado faziam parte do grupo preferencial para a redação da documentação emanada da Câmara do Rei, terão sido “deslocados” para assuntos relacionados com a Fazenda. O ato de subscrição passou a ser frequente, tendo sido identificados como subscritores os escrivães Afonso Mexia, Antão da Fonseca, Damião Dias, Estêvão d'Álvares, Fernão d'Álvares, Garcia de Resende e Jorge de Figueiredo. No entanto, a passagem de escrivão a subscritor não parece ser sinónimo de experiência na carreira de escrivão. Com efeito, se é verdade que, apenas Afonso Mexia e Damião Dias apresentavam uma longa carreira como escrivães, não é menos verdade que o escrivão André Pires, um dos mais experientes e com carreira mais longa, não aparece como subscritor. Nem todos os subscritores que surgem a partir de 1521 constam entre os escrivães mais significativos na redação das provisões régias até essa data, como é o caso de Estêvão d'Álvares, Jorge de Figueiredo e Fernão d'Álvares, cujos primeiros documentos encontrados datam de 1519.

 

CONCLUSÃO

Entre as características gerais da escrita de 1490 a 1500 poder-se-á destacar o contraste entre o tamanho das letras pequenas, a extensão das hastes e os prolongamentos das letras altas e baixas, tipificando o cânone da escrita joanina que predomina neste período. As poucas abreviaturas e os abundantes e longos traços de significação geral preenchem o espaço entre linhas que, em conjunto com as hastes e prolongamentos, conferem um aspeto pesado a esta escrita.

A partir de 1500, registou-se uma diminuição da extensão das hastes e dos prolongamentos, arredondamento dos traços das letras com compressão horizontal da escrita, aparecimento de novas formas de algumas letras, libertação de espaço entre palavras e linhas, conferindo um aspeto mais leve à mancha de texto. Este novo modelo, que se pode designar por “escrita manuelina”, usado pela quase totalidade dos escrivães, apresenta duas variantes: uma cursiva comum e outra caligrafada.

A existência de um novo cânone apresenta um período de grande estabilidade e difusão na década de 1510-1519 por parte da maioria dos escrivães da Câmara do Rei e uma fase de hibridação com proliferação de variações gráficas e escritas usuais, após 1520, sem que desapareça até 1530.

Existem bastantes semelhanças entre a escrita manuelina e a cortesã castelhana no que diz respeito à forma, feitura de algumas letras, arredondamento dos traços, diminuição do tamanho das hastes, escassez de abreviaturas e compressão da mancha de texto. A evolução em paralelo das góticas cursivas, em Portugal e Castela, e a intensificação da troca de correspondência podem ter servido de motor de arranque a esta nova escrita que surgiu no reinado de D. Manuel.

Constata-se que é vulgar o mesmo indivíduo utilizar vários tipos de escrita, sendo o exemplo mais significativo o caso do escrivão Afonso Mexia, que usa o modelo joanino, o novo modelo de escrita manuelina nas versões comum e caligrafada e uma outra escrita que poderá ser considerada espontânea ou usual.

O novo modelo gráfico, tendo-se generalizado à maioria dos escreventes, apresenta “focos” de resistência, como é o caso de Damião Dias que redigiu muitos documentos numa escrita espontânea ou usual, que se afasta de qualquer cânone.

A tipologia documental, o teor dos documentos e os destinatários não condicionam os escrivães à utilização de um tipo de escrita, embora no conjunto de documentos redigidos por cada um pareça que, tendencialmente, tenha havido maior cuidado na execução da escrita dos alvarás e cartas-missivas do que na escrita utilizada nos mandados.

A existência de subscrição de escrivães em grande parte das provisões régias, após a subida ao trono de D. João III, parece não corresponder a uma alteração da escrita nem dos formulários em função, ou por imposição do subscritor.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FONTES

MANUSCRITAS

Arquivo Distrital de Évora

Livro 73, Coleção de Originais da Câmara Municipal de Évora.

 

Arquivo Municipal de Lisboa

Chancelaria da Cidade, Livro 1º do provimento de ofícios.

Chancelaria da Cidade, Livro 1º de serviços a El Rei.

Chancelaria Régia, Livro 3º de D. João II.

Chancelaria Régia, Livro 3º de D. Manuel I.

Chancelaria Régia, Livro 4º de D. Manuel I.

Chancelaria Régia, Livro de festas.

Provimento do Pão, Livro 2º do provimento do pão.

 

Arquivo Nacional Torre do Tombo

Corpo Cronológico, Parte 1, maços de 1 a 44

Corpo Cronológico, Parte 2, maços de 2 a 12

Corpo Cronológico, Parte 3, maços de 1 a 11

 

IMPRESSAS

As gavetas da Torre do Tombo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1974. vol. X, p. 475. (GAV XIX-XX, maços 1-7).

 

ESTUDOS

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submissão/submission: 30/09/2018

aceitação/approval: 13/11/2018

 

 

NOTAS

COELHO, Maria Teresa Pereira – A escrita “manuelina” nas provisões régias quinhentistas. Cadernos do Arquivo Municipal. 2ª Série Nº 10 (julho-dezembro 2018), p. 97 – 109.

1 NUNES, Eduardo Borges – Álbum de Paleografia. Lisboa: Instituto de Alta Cultura, Centro de Estudos Históricos anexo à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1969. p. 24.

2 NUNES, Eduardo Borges, Op. cit., p. 23.

3 MARQUES, José – Práticas paleográficas em Portugal no século XV. Revista da Faculdade de Letras. Porto: Faculdade Letras, Universidade do Porto. I Série Vol. 1 (2002), p. 75.

4 MARQUES, José, Op. cit., p. 82.

5 NUNES, Eduardo Borges, Op. cit., p. 24.

6 NUNES, Eduardo Borges, Op. cit., p. 21.

7 NUNES, Eduardo Borges, Op. cit., p. 22.

8 PAULO, Jorge Ferreira – A escrita humanística na documentação régia portuguesa de Quinhentos. Lisboa: [s.n.], 2006. p. 96. Dissertação de mestrado em Paleografia e Diplomática, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

9 PAULO, Jorge Ferreira, Op. cit., p. 135.

10 COELHO, Maria Teresa Pereira – Existiu uma escrita manuelina? Estudo paleográfico da produção gráfica de escrivães da corte régia portuguesa (1490-1530). Lisboa: [s.n.], 2006. Dissertação de mestrado em Paleografia e Diplomática, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

11 Letras em que o corpo não sobressai: a, c, e, i, m, n, o, r, s, t, u, x.

12 Letras cuja haste se eleva para a parte superior do corpo: b, d, h, k, l.

13 Letras que se prolongam para a parte inferior do corpo: g, j, p, y, z.

14 Pode ser única (almoxarife…) ou múltipla (juízes e oficiais…).

15 Único (Licenciado…) ou múltiplo (vereadores, procurador, procuradores dos mesteres…).

16 Pode ser único e nominal (bispo amigo… ou Álvaro Velho) ou múltiplo (vereadores, procurador e procuradores dos mesteres…).

17Exemplo: “Dom Manuell per graça de Deus rey de Purtugall e dos Allgarves daquem e daleem mar em Africa senhor da Guinee e da comquista navegaçam comercio da Eteopia Persya e de Imdia…”. in As gavetas da Torre do Tombo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1974. vol. X, p. 475. (GAV XIX-XX, maços 1-7).

18 "Vereadores procurador e procuradores dos mesteres desta nosa cidade de Lisboa nos el rey vos enviamos muito saudar [texto] stprita na dicta cidade a xxiiij dias d'abril Manuel de Moura a fez de 1521 e eu Fernam d'Alvares a fiz estprever" (AML, Chancelaria da Cidade, Livro 1º de serviços a El Rei, doc. 40, f. 53).

19 "Vereadores procurador e procuradores dos mesteres da cidade de Lisboa eu el rey vos enviamos muito saudar [texto] stprita em cojmbra a xx dias d'outubro Manuel de Moura a fez de 1527" (AML, Chancelaria da Cidade, Livro 1º de serviços a El Rei, doc. 44, f. 59).

20 "Pantalyão Diaz mandamos vos que [texto] stprito em Lisboa a xij dias de Dezembro Alvaro Neto o fez de mil xxij e eu Afonso Mexia o ssobstprevy" (Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), Corpo Cronológico, Parte I, m. 28, d. 136, 1522). "Almoxarife de Symtra mamdamos vos que [texto] stprito em evora a xxj dias de mayo Allvaro Neto o fez de mil bc xxiiij e eu Antam de Fonseca o sobescrevy" (ANTT, Corpo Cronológico, Parte I, m. 31, d. 11, 1524).

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