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Cadernos do Arquivo Municipal
versão On-line ISSN 2183-3176
Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.11 Lisboa jun. 2019
ARTIGO
A Casa de São Lázaro de Lisboa no alvorecer da modernidade
Lisbon’s House of Saint Lazarus in the early modern period
Rita Luís Sampaio da Nóvoa*
*IEM — Instituto de Estudos Medievais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/ Universidade Nova de Lisboa, Avenida de Berna, 26-C, 1069-061 Lisboa, Portugal. ritasampnovoa@gmail.com
Bolseira de pós-doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH/BPD/114904/2016).
RESUMO
Este artigo tem como objetivo compreender algumas das componentes que caracterizaram a Casa de São Lázaro de Lisboa, uma instituição destinada a acolher indivíduos que padeciam de lepra, no alvorecer da modernidade. Focaremos, em primeiro lugar, os aspetos relacionados com a organização da instituição, nomeadamente ao nível dos seus oficiais e funcionários, do património e rendimentos que tinha à sua disposição e dos espaços que a compunham. Em segundo lugar, analisaremos aspetos administrativos, acompanhando alguns dos episódios que marcaram as disputas jurisdicionais pelo controlo da administração da gafaria. Por fim, avançaremos as conclusões possíveis sobre os enfermos que habitavam a leprosaria e sobre a sua vivência na instituição.
PALAVRAS-CHAVE
Casa de São Lázaro / Lisboa / Lepra / Leproso / Leprosaria
ABSTRACT
This article aims to understand some of the components that characterized Lisbon’s House of Saint Lazarus, an institution designed to receive individuals suffering from leprosy, during the early modern period. Firstly, we will focus on aspects relating to the organization of the institution, concerning, in particular, its officials and employees, the patrimony and the incomes it had at its disposal, and the spaces which made it up. Secondly, we will analyse the administrative aspects, following some of the episodes that marked the jurisdictional disputes for the control of the administration of the leper-house. Finally, we will advance the possible conclusions about the patients who lived in the house and about their experience in the institution.
KEYWORDS
House of Saint Lazarus / Lisbon / Leprosy / Leper / Leper-house
INTRODUÇÃO
A Casa de São Lázaro de Lisboa, também referida na documentação e na produção historiográfica como leprosaria ou gafaria de Lisboa e como Hospital de São Lázaro, foi uma instituição destinada a acolher leprosos ou gafos, isto é, indivíduos que padeciam de lepra, gafeira ou do mal de São Lázaro. Embora a tradição historiográfica faça remontar a sua fundação ao início da monarquia portuguesa, a existência desta instituição está documentada apenas a partir do século XIV e até finais do século XIX. Ao contrário de vários outros estabelecimentos assistenciais de Lisboa, a Casa de São Lázaro foi imune ao movimento de unificação que viu nascer o Hospital Real de Todos- -os-Santos entre finais do século XV e inícios do XVI, talvez por virtude da especificidade da doença que albergava1. Assim se manteve, autónoma do Hospital Grande, até 1844, data em que a sua administração passou para as mãos da comissão administrativa da Santa Casa da Misericórdia e do então Hospital Real de São José2.
O primeiro estudo de fôlego dedicado à leprosaria de Lisboa foi levado a cabo por Eduardo Freire de Oliveira na sua monumental obra Elementos para a história do município de Lisboa3. Mais tarde, ocupou algumas páginas da análise tecida por Maria Teresa Campos Rodrigues acerca da administração municipal lisboeta4 e por Miguel Gomes Martins num artigo dedicado ao papel desempenhado pelo município na administração de diversas instituições assistenciais5. Por fim, uma dissertação de mestrado por nós concluída em 2010 teve a Casa de São Lázaro de Lisboa como tema central, procurando compreender não só o modo de funcionamento e os contornos administrativos e institucionais do estabelecimento mas também as atitudes face à doença e aos portadores da enfermidade.
Esta dissertação, à semelhança dos trabalhos anteriores, sustentou-se em grande medida em documentação conservada pelo Arquivo Municipal de Lisboa6. De facto, é nesse repositório que encontramos as principais fontes para o estudo da leprosaria, as quais se concentram, sobretudo, no fundo “Casa de Santo António”, onde está depositado o designado Livro I do Hospital de São Lázaro, uma coleção documental temática que reúne vários documentos relacionados com a instituição. A par deste fundo, também a “Chancelaria da Cidade” merece destaque por ser num dos seus subfundos — “Posturas, regimentos, alvarás, assentos, portarias, providências e ordens” — que se conserva o designado Livro das posturas antigas. Foi neste códice que se inscreveu o único Regimento conhecido da gafaria lisboeta, datado de 1460, o qual foi integralmente transcrito com o remanescente do livro por Maria Teresa Campos Rodrigues7.
Assim, é com base nestes suportes historiográficos e documentais que apresentamos o presente artigo, que tem como objetivo compreender algumas das componentes que caracterizaram a Casa de São Lázaro de Lisboa no alvorecer da modernidade. Focaremos, em primeiro lugar, os aspetos relacionados com a organização da instituição, nomeadamente ao nível dos seus oficiais e funcionários, do património e rendimentos que tinha à sua disposição e dos espaços que a compunham. Em segundo lugar, analisaremos os aspetos administrativos, acompanhando alguns dos episódios que marcaram as disputas jurisdicionais pelo controlo da administração da gafaria. Por fim, avançaremos as conclusões possíveis sobre os enfermos que habitavam a leprosaria e sobre a sua vivência na instituição. Na soma destas partes, pretendemos dar a conhecer um dos mecanismos que promoviam a saúde na cidade, confinando a doença num espaço próprio, fechado, mas não alheio ao mundo são.
FUNDAÇÃO
A história dos primórdios da Casa de São Lázaro de Lisboa é marcada por diversas incertezas, nomeadamente no que toca à data e local da sua fundação, bem como à entidade ou conjunto de entidades que terão promovido a sua construção.
Apesar de, como vimos, a tradição historiográfica fazer remontar a fundação da Casa de São Lázaro de Lisboa aos primórdios da monarquia portuguesa, a data concreta do seu aparecimento é incerta. A referência mais antiga à gafaria lisboeta de que temos conhecimento encontra-se no testamento de Ousenda Leonardes, produzido em Lisboa em 1325, que contempla vinte soldos para os “gafos de São Lázaro”8. Anteriores a essa data conhecemos apenas outros dois testemunhos que, embora não mencionem diretamente a instituição, se reportam aos “gafos de Lisboa”: o primeiro é o testamento de Estevainha Peres Caseval, feito em 1300, onde deixa certa quantia em dinheiro aos “gafos de Lisboa”9; e o segundo é uma carta de escambo assinada em 1313 por Domingos Esteves, comendador dos gafos de Lisboa10.
Tendo em conta que documentação posterior atesta a existência do cargo de comendador associado à leprosaria de Lisboa e a outras suas congéneres, é possível que no documento de 1313 esteja implícita a existência do estabelecimento ou, pelo menos, de um modelo de organização ou de uma estrutura mais ou menos formal que agregasse os leprosos da cidade. Contudo, só a partir de 1325, e com maior regularidade a partir década de 5 do século XIV, é que a Casa de São Lázaro de Lisboa aparece específica e sucessivamente referenciada na documentação.
Hipóteses em aberto surgem também quanto ao local onde foi edificada a leprosaria. Segundo Freire de Oliveira, o estabelecimento situou-se desde a sua origem na atual Rua de São Lázaro, sita nas imediações do Campo de Santa Ana11. Já Fernando da Silva Correia argumenta que a gafaria foi primitivamente construída na freguesia dos Mártires “na parte mais alta” da Rua Nova do Almada, sendo depois transferida para a Rua de São Lázaro por ocasião da construção da cerca fernandina12. As referências documentais ao local de implantação da gafaria são parcas: numa carta régia enviada ao almoxarife do Celeiro de Lisboa em 1414, menciona-se que a leprosaria fora construída “fora dos muros” da cidade, sem se explicitar o local exato; sabemos também que em 1593 a Câmara de Lisboa solicitou que fosse feito um orçamento para estimar os custos necessários para a mudança de sítio da Casa de São Lázaro, ficando por determinar se a mudança ocorreu de facto13; por fim, numa carta escrita pelo Senado da Câmara de Lisboa em 1682, escreve-se que o sítio do hospital era de “terra árida” e “sem água”, tinha “grande vizinhança com o curral e com os moradores que obram cordas de viola”, e era “apartado da cidade” e de “passagem deserta”14.
Por fim, não é também claro que entidade ou conjunto de entidades promoveram a construção da gafaria, sendo que a análise deste tema se complexifica significativamente devido às lutas de poder associadas ao controlo sobre a Casa de São Lázaro e aos argumentos utilizados para sustentar as reivindicações, como veremos com maior detalhe no ponto dedicado à administração.
De acordo com a tradição historiográfica, teria sido o município de Lisboa o responsável pela edificação da instituição. Esta ideia não é sustentada por documentos contemporâneos à fundação mas sim pela missiva régia de 1414, onde se pode ler que os corregedores e homens bons de Lisboa informaram o rei de que a “cidade de antigamente” tinha ordenado um hospital fora dos muros para se recolherem os lázaros, hospital esse que tinha sido dotado e edificado pela dita cidade e por outros “fiéis cristãos”15.
Avaliando os momentos fundacionais de outras gafarias portuguesas como, por exemplo, a de Santarém, na qual os núcleos concelhios desempenharam um papel ativo, não é de excluir a hipótese de a fundação da leprosaria lisboeta ter sido efetivamente concelhia16. Contudo, devemos considerar também a possibilidade de a iniciativa de constituição do estabelecimento ter partido dos mencionados “fiéis cristãos”, agregados por uma congregação leiga ou pela própria igreja. Seguindo a sugestão de Luís Mata para o caso de outros estabelecimentos assistenciais, a leprosaria de Lisboa poderá ter sido depois absorvida pelo concelho num movimento de centralização local ocorrido a partir do século XIV17. Desconhecemos se tal premissa é aplicável a Lisboa, permanecendo uma hipótese em aberto, tal como a intervenção do concelho no momento fundacional.
ORGANIZAÇÃO
Oficiais e funcionários
Em sintonia com o panorama das leprosarias urbanas portuguesas, eram três os principais grupos de funções desempenhados pelos indivíduos sãos que contribuíam para o funcionamento interno da gafaria, a saber, aquelas relacionadas com os ofícios civis, com os ofícios religiosos e com as lides domésticas.
No que diz respeito ao primeiro conjunto, verificamos que o oficialato civil foi evoluindo ao longo dos séculos, tornando-se progressivamente mais complexo. O primeiro modelo de que temos conhecimento, parcial ou totalmente vigente durante o século XIV, é marcado pela presença de um comendador18 e de um procurador19. Estes cargos terão sido condensados em inícios de Quatrocentos na figura do provedor ou vedor, ao qual se juntou um escrivão, sendo que a primeira referência a estes dois oficiais data de 141420 Esta alteração deu-se em sintonia com o que havia já sucedido no caso de Santarém, em 132521, e no caso de Coimbra, entre finais do reinado de D. Afonso III e de D. Dinis22.
No que toca a Lisboa, o Regimento de 1460 vem definir concretamente os contornos destes cargos, em particular o de provedor. Por intermédio deste último testemunho, sabemos que o provedor devia ser eleito de entre os vereadores e mantinha o ofício durante um ano23, práticas que remontavam pelo menos a 1426, como se verifica numa carta régia sobre a administração da leprosaria24. A partir de 1460, estipula-se que as eleições deviam decorrer no fim do mês de março, sendo que só eram elegíveis os vereadores que ao tempo da eleição já não desempenhassem qualquer função relacionada com os pelouros25.
Concluídas as eleições, cabia aos provedores uma série de tarefas que não parece apresentar variações significativas no que às leprosarias urbanas de maiores dimensões diz respeito. Assim, o Regimento de 1460 atribui ao provedor lisboeta as funções de guardar uma das duas chaves da arca das escrituras (sendo que a segunda ficava à responsabilidade do escrivão) e a chave da arca que continha os ornamentos e outros objetos de valor pertencentes à instituição; supervisionar o uso e aproveitamento das propriedades da Casa por altura do Natal e do São João; averiguar as razões das contendas entre os gafos e entre estes e pessoas de fora e comunicá--las ao concelho; escolher o pessoal doméstico; avaliar e fazer assentar os bens e posses dos enfermos que já residiam na gafaria e daqueles que viessem a residir; dar conhecimento público das vendas ilegais praticadas pelos leprosos; constranger os doentes que se recusassem a ingressar na gafaria; executar as sentenças previstas quando os enfermos não cumprissem as normas; e gerir as esmolas que anualmente eram oferecidas ao hospital26.
A este rol pediu o concelho de Lisboa em cortes que se juntasse uma outra função que era já desempenhada pelos provedores de Santarém e Coimbra, isto é, a de atuar como juiz dos enfermos nos feitos cíveis e crimes com capacidade para dar apelação e agravo nos casos em que se julgasse necessário27. De acordo com os representantes concelhios, o exercício de tal função permitiria evitar que os lázaros perdessem os seus “direitos” por razão da “defesa que lhe é posta que não saiam de seu eremitério”. Sem aceder ou negar o apelo, D. Afonso V responde em 1478, determinando apenas que se convocasse o vedor de Santarém para avaliar o privilégio requerido por Lisboa28.
Quanto ao escrivão, o texto normativo de 1460 adianta poucas informações. Sabemos somente que a este cargo estava afeta a competência de guardar a segunda chave da arca das escrituras e de participar em algumas das tarefas também desempenhadas pelo vedor, como a supervisão das propriedades29.
A partir do século XVI a estrutura de oficiais da Casa de São Lázaro parece complexificar-se. Para Quinhentos estão documentados dois outros oficiais, a saber, um porteiro30 e um recebedor31, e no século XVII vemos surgir um almoxarife32, um escrivão do almoxarife33 e um escrivão da fazenda34.
Avançando para o segundo grupo de funções afetas à organização interna da leprosaria lisboeta, os ofícios religiosos, é possível atestar a existência da figura de um capelão da gafaria pelo menos desde 1355, ano em que é apresentado como testemunha ao lado do provedor no emprazamento de uma propriedade da gafaria35. A já referida missiva de 1414 informa-nos que era a cidade que escolhia o capelão e que o pagava à sua custa36, acrescentando o Regimento de 1460 que as suas tarefas se resumiam a dizer missa três vezes por semana37.
O mesmo Regimento estipula ainda que a administração dos sacramentos aos lázaros não estava incluída neste rol de competências do capelão, recaindo sim no cura de Santa Justa conforme sentença acordada em data incerta pelas duas partes38. De acordo com um documento emitido pelo concelho lisboeta em 1682 sobre matérias relacionadas com o Hospital de São Lázaro, os representantes concelhios supunham que a Igreja de Santa Justa detivesse direitos paroquiais sobre a área onde tinha sido instalada a gafaria, o que justificaria o acordo39. Certo é que a igreja de Santa Justa continuou responsável pela administração dos sacramentos aos leprosos até pelo menos 1735, ano em que o escrivão do Senado da Câmara envia uma carta ao prior da freguesia de Santa Justa queixando-se que os beneficiados da igreja não estavam a cumprir a sua obrigação como deviam40. Por seu turno, a figura do capelão de São Lázaro permanece até pelo menos 1835, data em que é dada carta de provimento na capelania ao padre Francisco de Miranda Teixeira41.
Aos oficiais civis e ao capelão juntava-se um terceiro grupo de funcionários sãos afetos à organização interna da Casa de São Lázaro de Lisboa e responsáveis pelas lides domésticas. O texto normativo de 1460 previa a contratação de mulheres para servir os lázaros, para acender as suas candeias e para providenciar o abastecimento de carne e água de forma a evitar que os doentes tivessem necessidade de sair da gafaria. Em troca, ser-lhes-ia oferecido alojamento gratuito nas imediações do estabelecimento da parte de fora (já que o provedor não devia consentir que vivessem “dentro com os ditos lázaros”) e um mantimento mensal42. No século XVIII, algumas destas mulheres serventes parecem habitar na leprosaria, como sugere o facto de se distinguir os ofícios de “servente de fora”43 e “servente de dentro”44.
A par destas serventes, é provável que a leprosaria tivesse também ao seu serviço outros trabalhadores afetos, por exemplo, à exploração das terras ou ao fabrico de determinados bens alimentares (como pão, azeite ou vinho), à semelhança do que sucedeu na Casa de Santarém45.
PATRIMÓNIO E RENDIMENTOS
E que vias tinha a gafaria à sua disposição para sustentar estes oficiais e funcionários e para auferir rendimentos? Estas eram essencialmente três, a saber, o património com o qual o estabelecimento havia sido dotado por altura da sua edificação e que foi sendo gerido e acrescentado daí em diante; o património dos próprios lázaros; e, por último, a caridade da sociedade sã.
Sobre o património da leprosaria no alvorecer da modernidade pouco sabemos, já que são parcos os documentos compilados acerca desta matéria e insuficientes para obter uma visão de conjunto sobre as posses do hospital ou sobre o seu nível de riqueza46. De facto, a única referência que nos permite entrever parcialmente a dimensão dos rendimentos auferidos no alvorecer da modernidade data de 1498 e encontra-se numa carta régia em que se afirma que teriam sobrado entre oitenta e cento e quarenta mil reis, os quais deveriam ser gastos na compra de vinhas e na reparação do celeiro47. Cerca de dois séculos mais tarde, em 1682, afirmam os representantes do concelho que as rendas da gafaria não excediam os 450 mil réis48. Não obstante, parece seguro afirmar que, pelo menos no que toca ao tipo de propriedades (rústicas e urbanas) e à gestão que delas se fazia (vendas, emprazamentos ou aforamentos), o cenário lisboeta não destoaria daqueles conhecidos em relação às restantes leprosarias.
Com elas, Lisboa partilhava também uma outra fonte de rendimentos, desta feita oriunda das posses e patrimónios dos lázaros que residiam nos estabelecimentos, sendo comum que os bens dos doentes falecidos revertessem a favor das gafarias49. O Regimento de 1460, fixando uma prática que remontava pelo menos a 141450, determina que, depois da morte, o vestuário e roupas de cama fossem repartidos equitativamente entre os residentes e que todos os bens móveis e de raiz fossem apropriados pela instituição51. Num sentido semelhante, a leprosaria de Lisboa controlava ainda os pertences dos residentes em vida, exigindo que metade do usufruto das propriedades detidas por altura do seu ingresso no estabelecimento ficasse na posse da instituição52. Daí que o provedor tivesse a seu cargo conhecer e registar os bens com os quais os leprosos chegavam ao estabelecimento e os bens que iam adquirindo ao longo da sua estadia.
A julgar pela transversalidade da prática de apropriação dos bens e propriedades dos residentes no quadro das gafarias, é provável que o património levado pelos lázaros representasse uma percentagem significativa do conjunto total das posses do estabelecimento e, como consequência, do valor anual de rendimentos. Aliás, o próprio facto de a Casa de São Lázaro de Lisboa impedir que os enfermos legassem os seus bens aponta no mesmo sentido. Contudo, na ausência dos livros onde foram registadas as propriedades dos lázaros, fica por estabelecer com exatidão o papel que desempenharam na subsistência económica da gafaria lisboeta no alvorecer da modernidade.
Menos lacunares mas ainda assim escassas afiguram-se as informações disponíveis sobre a terceira e última via utilizada pela instituição para auferir recursos, a caridade. A par das eventuais doações em vida, a gafaria lisboeta contava também com as esmolas contempladas nos testamentos por habitantes da cidade ou por figuras régias. Aquelas podiam ser atribuídas ao próprio estabelecimento (como o fez Constança Gil em 1374 ao legar dez soldos “à gafaria de Lisboa”53) ou aos leprosos (como encontramos patente no testamento de Constança Eanes, que em 1351 deixa trinta soldos “aos de São Lázaro”54, ou no de Ousenda Leonardes que em 1325 oferece outros vinte soldos para “pitança aos gafos de São Lázaro”55). Dentro desta última opção, existe ainda uma outra variante que não se refere diretamente à leprosaria mas abrange os “gafos de Lisboa”, variante essa que consta, por exemplo, no segundo testamento da Rainha D. Isabel, esposa de D. Dinis, datado de 133656.
Em consonância com estas «esmolas facultativas», a Casa de São Lázaro de Lisboa era ainda alvo de um segundo tipo de caridade que não se encontra atestado para nenhuma outra leprosaria portuguesa. Este está previsto no Regimento de 1460, onde se estipula que cada morador da cidade e do termo devia oferecer aos leprosos um real por ano de forma a “evitar o perigo que recrescer se poderia aos ditos moradores se a pedir andassem [os lázaros] por fora do lugar a eles limitado”57. Tal “benemérito subsídio”, como lhe chamou Maria Teresa Campos Rodrigues, devia ser gerido pelo provedor, oficial que tinha também autoridade para o arrendar caso considerasse proveitoso para a Casa58.
É possível que estas «esmolas institucionalizadas» tenham representado uma parcela significativa do espólio financeiro da gafaria e desempenhado um papel importante na sua subsistência. De facto, poderão ter surgido como resposta ao decréscimo de receitas oriundas das legações testamentárias que, segundo Sílvio Conde, desde a segunda metade de Trezentos, vinham deixando progressivamente de contemplar os leprosos e as leprosarias59. Contudo, como comprova o cenário lacunar que temos vindo a descrever, é difícil apresentar conclusões sólidas sobre esta vertente da instituição. Resta-nos supor que, em consonância com as leprosarias de Évora ou Santarém, a Casa lisboeta gozava de um certo poder económico, poder esse que explica em parte as tentativas de apropriação da provedoria da leprosaria, como veremos adiante no ponto dedicado à administração.
ESPAÇOS
Pouco sólidas revelam-se também as conclusões disponíveis acerca dos espaços que compunham a leprosaria de Lisboa. Para os séculos XIV e XV é-nos possível atestar a existência da ermida ou igreja de São Lázaro60 onde o capelão celebrava as missas, do “alpendre”61 onde os lázaros se reuniam com as pessoas de fora, de um celeiro62e, por fim, da casa das mancebas no exterior da gafaria junto à porta63. A par das moradas dos gafos, temos também notícia das casas do provedor, que o rei mandou despejar em 148764, e Maria Teresa Campos Rodrigues sugere ainda que uma parcela do espaço interior estivesse reservada para propriedades agrícolas diretamente exploradas pelos lázaros65.
Este cenário torna-se um pouco mais claro com a documentação produzida no dealbar do século XVI, nomeadamente através de uma missiva emitida por D. Manuel I em 150366, onde foi ordenada uma série de trabalhos de renovação da Casa, provavelmente na sequência dos projetos maiores de reorganização da cabeça do reino encetados por aquele monarca67. Ora, no que à gafaria diz respeito, os esforços de melhoramentos concentraram-se, por um lado, na construção de novas moradas para “melhor serem agasalhados os lázaros e terem melhor aposentamento” e, por outro, na reparação dos edifícios e estruturas existentes.
Desconhecemos quantas casas havia antes da reforma manuelina mas, depois dela, sabemos que foram erguidas quinze novas “moradas”, cada uma com duas casas, obra que deve ter aumentado significativamente a capacidade da leprosaria, tendo em conta os números máximos de residentes que foi possível contabilizar tanto em Lisboa como noutras instituições68. Assim, estas novas moradas seriam térreas e teriam a sua própria chaminé, cantareira e janela, sendo que cada aposentamento mediria doze palmos de altura e quinze de largura. A par dos acabamentos em “bom tabuado de castanho”, todas as moradas contariam ainda com um “bom alpendre sobre as portas para poderem estar os lázaros”.
Em paralelo, os trabalhos de reparação focaram-se por seu turno nas casas que já existiam e que tivessem necessidade de reparos e na igreja, edifício cuja parede e altares foram corrigidos e onde se construiu uma nova grade com altura de dez palmos. A “torre das casas” foi também renovada e remodelada com o intuito de servir de escritório e de guardar a arca das escrituras. Era ali que se devia fazer todo o despacho relacionado com a Casa e que se deviam reunir os oficiais quando fosse necessário tratar de algum “negócio”. Não obstante o facto de a habitação do provedor ter sido transferida de dentro para fora da gafaria, fica então comprovado que era esperado que tanto ele como os restantes oficiais se encontrassem no interior do estabelecimento para cumprir as suas funções, facto que acentua a regularidade da convivência entre sãos e enfermos.
Sem ignorar o eventual carácter singular das novas construções e das renovações em Lisboa, acopladas ao projeto manuelino de reformulação espacial da cidade, o facto é que parecem contrariar a teoria tradicionalmente vigente que defende o desaparecimento gradual da lepra a partir do século XIV e a consequente despreocupação com aquela doença por parte do poder central e das autoridades locais, entretanto destronada pela peste. Se é clara a centralidade que esta última enfermidade ocupou pelo menos desde a década de 80 do século XV, tal não impediu a Coroa de executar melhoramentos significativos no contexto das gafarias.
ADMINISTRAÇÃO
O direito sobre a administração da Casa de São Lázaro de Lisboa foi uma matéria sensível ao longo de todo o século XV, encontrando-se no centro de um complexo xadrez político que articulou três atores centrais: o concelho, a Coroa e os mesteirais. No que toca ao concelho, cabia-lhe pelo menos desde 1414 nomear o provedor e o escrivão da gafaria69, sendo que o primeiro devia ser eleito de entre os vereadores de acordo com uma missiva régia de 142670 e com o Regimento de 146071. Para além desta função, este conjunto normativo previa ainda outras formas de participação na vida da instituição por parte do corregedor, vereadores e procurador. Uma delas passava pela gestão dos recursos económicos, nomeadamente pela autorização de novos emprazamentos, pela revisão e revalidação daqueles que já tivessem sido celebrados72 e pelo consentimento das vendas das heranças dos lázaros73. Em segundo lugar, aqueles oficiais tinham também poder para sentenciar os doentes em casos de altercações com outros residentes ou com pessoas de fora74 e para consentir que ingressassem na leprosaria enfermos que não tinham ligações à cidade ou ao termo75. Por fim, os representantes concelhios desempenhavam ainda o papel de supervisores do provedor, garantindo que este último cumpria devidamente as suas tarefas sob pena de ser punido. Tal aconteceria, por exemplo, se o provedor não castigasse os leprosos que saíssem da leprosaria, sofrendo parte da mesma pena que seria atribuída aos enfermos infratores (neste caso a perda da ração durante um mês, soma que deveria ser descontada do mantimento do oficial)76.
Apesar de o Regimento não prever a partilha de qualquer uma destas responsabilidades inerentes à administração da Casa com outras entidades extra-concelhias leigas ou religiosas, a restante documentação revela um cenário distinto. E a história deste último começa algumas décadas antes da redação das normas, com as sucessivas intervenções da Coroa na gestão da leprosaria (que, inclusivamente, talvez tenham motivado o concelho a elaborar o texto normativo no sentido de salvaguardar as suas prerrogativas). Tais intervenções, que se arrastaram para além do dealbar do século XVI e que tocaram a generalidade das gafarias urbanas, devem ser lidas no quadro de um movimento mais vasto compassado, por um lado, pelo reforço do poder da Coroa e pela extensão da sua jurisdição e, por outro, pelas reformas de iniciativa régia operadas no seio das instituições assistenciais.
Uma das vias de acesso das intervenções dos monarcas na leprosaria passou pelas incertezas quanto ao direito da Coroa sobre a administração da Casa e pela ausência de limites jurisdicionais claros. Nas palavras de Humberto Baquero Moreno, tal indeterminação constituiu mesmo um dos principais pontos de tensão entre a monarquia e os concelhos, “cabendo à coroa a responsabilidade de manter uma permanente incerteza, não obstante a legislação existente, para deste modo fazer vingar os seus propósitos no sentido da condução da vida política do país”77.
Estas contendas jurisdicionais aparecem evocadas pela primeira vez numa carta régia produzida em 1426, se bem que os conflitos gerados por esta matéria antecedam aquela data, como prova a alusão feita na dita carta a missivas expedidas anteriormente sobre o mesmo assunto78. O documento régio de 1426 permite-nos saber que, em data incerta, D. João I escreveu ao concelho afirmando acreditar que a administração da gafaria pertencia à Coroa e instruindo os representantes concelhios a refutar o seu direito sobre a gestão através de registos escritos. Os representantes assim o fizeram e o rei acabou por reconhecer que, de facto, a administração pertencia ao concelho.
No entanto, este reconhecimento não encerrou o assunto, como seria de supor. Isto porque, de acordo com o mesmo documento, o monarca, auxiliado pelo infante, voltou a imiscuir-se na administração da leprosaria, desta vez alegando a sua capacidade de intervenção em situações de má gestão por parte dos provedores. À semelhança do que sucedeu noutras cidades79, a legitimidade para intervir na gafaria de Lisboa em situações irregulares advinha, pelo menos em parte, de uma carta de proteção outorgada em 139280. Nela, D. João I colocou sob a sua “guarda”, “encomenda” e “defendimento” todos os gafos e gafas da leprosaria, assim como todas as propriedades da instituição, daí em diante protegidos contra a ousadia de qualquer pessoa independentemente do seu “estado” ou “condição”. Assim, face às queixas que tinham sido dirigidas ao monarca pelos lázaros residentes na leprosaria acerca dos “erros” cometidos pelo provedor, o infante ordenou que o oficial fosse removido do cargo e nomeou um contador para gerir a instituição. O concelho voltou então a reivindicar a sua jurisdição sobre a gafaria e sobre a nomeação do provedor e, mais uma vez, o rei anuiu81.
Não obstante, o assunto voltou a reacender-se já no reinado de D. Afonso V, mais precisamente em junho de 1459, embora em moldes algo distintos e mais complexos do que os anteriores. Isto porque o rei não aparece diretamente como contestador da jurisdição concelhia, ocupando antes o lugar de juiz num feito que envolveu a cidade de Lisboa e um Gonçalo Vasquez, escudeiro82.
Conforme um acordo celebrado entre o concelho e a duquesa de Borgonha, tia do monarca, o primeiro ofício concelhio que vagasse deveria ser atribuído ao referido Gonçalo Vasquez. Acontecendo que o primeiro cargo a vagar foi precisamente a provedoria da Casa de São Lázaro, os representantes concelhios recusaram-se, no entanto, a aceitar o escudeiro como provedor83. Dada a importância do ofício, imperava mantê-lo dentro do círculo fechado dos vereadores, como era costume pelo menos desde 1426, impedindo que se perturbassem as intricadas teias políticas que mantinham o equilíbrio entre as elites concelhias tradicionalmente instaladas no poder e as personagens estranhas ao círculo84.
Constatando que o prometido não era cumprido, Gonçalo Vasquez apelou ao rei que, por seu turno, redigiu uma primeira carta exortando o concelho a ceder o ofício, uma vez que tinha sido essa a promessa acordada com a duquesa85. Ao verificar que a cidade mantinha a sua posição, D. Afonso V enviou um segundo documento, a referida carta de 1459, reforçando a obrigatoriedade da entrega do cargo não só por razão da dita promessa mas também porque a administração pertencia à Coroa e, portanto, o rei podia delegá-la conforme a sua mercê86.
Perante tais invetivas, o núcleo concelhio acabou por solicitar a abertura do feito e deu conhecimento ao monarca da sentença julgada por D. João I em 1426, na qual se provava, como vimos, o direito do concelho sobre a administração. Sem contestar a determinação do seu avô, D. Afonso V optou então por a confirmar, declarando que a “provedoria e administração” pertenciam “direitamente e exemptamente à dita cidade” e revogando a nomeação de Gonçalo Vasquez87.
Mas a questão não ficou por aqui. De facto, D. João II e D. Manuel I voltaram a interferir na nomeação dos provedores, o primeiro em 1487, ordenando a substituição do provedor que então ocupava o cargo por um outro de nome Manuel Pestana88, e o segundo em 1498, revogando uma nomeação régia para o mesmo ofício ordenada anteriormente89.
Para além destes aspetos diretamente relacionados com a nomeação dos provedores, os monarcas procuraram intervir também noutras matérias ligadas ao cargo e à gestão da instituição. D. Afonso V, por exemplo, imediatamente depois de reconhecer o direito concelhio de nomear os provedores, estipula os moldes que deviam presidir à eleição do novo oficial e a duração do mandato90. D. João II, por seu turno, ordena a já mencionada transferência da habitação do provedor de dentro para fora da gafaria91 e D. Manuel I determina a forma como deviam ser gastos os restos de contas de 149892, para além de introduzir alterações nos mantimentos que eram atribuídos aos oficiais da Casa e aos lázaros em 150393. Deste modo, verificamos que o reconhecimento da jurisdição do concelho sobre a administração da Casa de São Lázaro por parte da Coroa não significou o recuo da intervenção régia, nem impediu os monarcas de ultrapassarem o mero debate jurisdicional e de se imiscuírem em assuntos que diziam respeito à organização interna da gafaria.
Outros exemplos de conflitos jurisdicionais partiram de dentro da circunscrição local pela voz de outra força política que começou a demonstrar interesse pela administração da Casa de São Lázaro de Lisboa: os mesteirais. Como mostrou Armindo de Sousa, estes “opositores do status quo municipal” vinham-se afirmando desde finais de Trezentos por várias das cidades do reino, sendo Lisboa um caso particular devido ao apoio que aquele grupo ofereceu ao primeiro rei de Avis e às graças régias que daí sucederam94. Aberto o século XV, as reivindicações dos mesteirais começaram a constituir uma ameaça para as elites concelhias instaladas, facto que explica o apelo que os representantes do concelho de Lisboa fizeram chegar ao rei em cerca de 1478 sobre a gafaria, queixando-se que aqueles tentavam imiscuir-se na provedoria95.
Nesse ano, D. Afonso V favorece o concelho e não autoriza a participação dos mesteirais na administração da gafaria lisboeta97. Não obstante, a decisão régia não teve efeitos duradouros, sendo provável que o assunto tenha sido novamente discutido algures entre os finais da década de 70 do século XV e os derradeiros anos do decénio seguinte. Desconhecemos os pormenores desta outra discussão, mas sabemos que os mesteirais acabaram por sair vitoriosos, já que em abril de 1489 D. João II envia uma missiva acerca da provedoria da Casa de São Lázaro endereçada aos “vereadores, procurador e procuradores dos mesteres”97. Que papel desempenharam estes últimos na administração da Casa e qual a capacidade jurisdicional que lhes foi atribuída no alvorecer da modernidade são questões sobre as quais a documentação é omissa. Contudo, o seu lugar na esfera administrativa da gafaria manteve-se ao longo da centúria de Quinhentos e arrastou-se pelo menos até meados do século XVIII98, sendo que, em 1609, o Senado da Câmara de Lisboa determina que, de acordo com as disposições régias, os procuradores dos mesteres podiam votar em assuntos relacionados com a Casa de São Lázaro99.
OS LÁZAROS
Longe, mas não totalmente alheios às questões de índole administrativa, encontramos por fim os residentes enfermos da Casa de São Lázaro de Lisboa. As informações disponíveis para o contexto moderno são escassas e permitem-nos antever apenas fragmentos sobre os leprosos e sobre como seria a sua vivência na instituição. Além disso, os vestígios documentais que nos chegaram, produzidos sobre os lázaros ou em seu nome e não pelos lázaros, traduzem somente a perspetiva da sociedade sã sobre os grupos doentes e nunca a dos doentes sobre si próprios. Por isso, é difícil tentar aquilo a que François-Olivier Touati chamou “história dos assistidos”100 ou que Iona McCleery designou “história dos pacientes”, escrita, neste último caso, a partir das reflexões que D. Duarte teceu sobre a sua própria enfermidade101.
Assim, as informações que podemos avançar acerca dos lázaros que residiram na Casa de São Lázaro de Lisboa resumem-se em alguns parágrafos. Em primeiro lugar, sabemos que o núcleo de residentes era composto por homens e mulheres que, na sua maioria, partilhavam as mesmas origens geográficas. Visto que a gafaria funcionava como uma instituição local, o ingresso no estabelecimento pressupunha a existência de uma ligação dos enfermos à cidade ou ao seu termo. O caso de Lisboa é, a este nível, particular e, tanto quanto nos foi possível estabelecer, único no contexto português e raro no contexto internacional102.
De facto, de acordo com o Regimento de 1460, o ingresso na leprosaria de Lisboa era compulsivo, determinando-se que os lázaros que não quisessem ir para a Casa deviam ser constrangidos a fazê-lo pelo provedor, mesmo que contra as suas vontades103. Esta postura difere daquela documentada para outras gafarias, em que o ingresso no estabelecimento exigia o pagamento de uma certa quantia, como ocorria em Santarém104 ou em Coimbra105, prática que, portanto, supunha um ingresso voluntário e vedava o acesso à instituição àqueles que não pudessem custear a entrada.
Sabemos que esta obrigatoriedade de ingressar na leprosaria lisboeta podia ser contornada por intermédio de uma autorização régia ou concelhia106. Do mesmo modo, o rei ou o concelho podiam autorizar também a entrada de leprosos na Casa de Lisboa que não tivessem qualquer ligação à cidade ou ao seu termo, como sucedeu com a filha de um Domingos Gonçalves, que se havia mudado de Setúbal para Lisboa e que em 1536 recebe autorização de D. João III para entrar na gafaria lisboeta107. Excluindo estas exceções, julgamos que a origem social e económica dos leprosos que residiam em Lisboa fosse mais diversa do que aquela associada aos doentes de outras gafarias, não só devido ao carácter compulsivo do ingresso mas também ao facto de a residência não estar à partida limitada pela capacidade financeira de custear a entrada no estabelecimento.
Uma vez admitidos na Casa, é de supor que a entrada dos novos residentes fosse pelo menos marcada pela inventariação dos seus bens (tarefa que, como vimos, cabia ao provedor) e pela apresentação dos deveres e das regras impostos pela instituição. Na cabeça do reino, estas últimas passavam pela obrigatoriedade de não sair dos limites do circuito (mesmo com o intuito de pedir esmola nos dias de festa), pela impossibilidade de vender a fruta concedida pelo estabelecimento, pelas restrições adstritas à venda das heranças (que só podia ser feita mediante a autorização do corregedor, vereadores, procurador e provedor) e, por fim, pelo impedimento de legar património108.
Os leprosos que não cumprissem as normas incorriam em penas, sendo que a saída da leprosaria, a mais grave das transgressões, seria punida com a supressão da ração durante um mês e com a prisão por tempo indeterminado109. Não tão gravosa apresentava-se a venda da fruta colhida na instituição, penalizada com o confisco dos rendimentos adquiridos por intermédio dessa venda e com a privação de fruta durante um ano. Num sentido semelhante, a transação de heranças sem a autorização dos oficiais da Casa resultaria na anulação do referido negócio e na apropriação dos bens transacionados a favor do estabelecimento110.
Abrangendo múltiplos aspetos da vivência quotidiana — como os hábitos religiosos, as relações interpessoais, a mobilidade ou a gestão dos bens e do património —, os deveres impostos pelas gafarias não constituíam, todavia, a única faceta da relação estabelecida entre a instituição e o indivíduo. De facto, há que considerar um segundo plano, aquele dos benefícios e das regalias que aos lázaros advinham por razão do enquadramento institucional oferecido pela leprosaria. De entre eles, o mais notório é talvez a ração, concedida diária ou mensalmente consoante o estabelecimento. Em Lisboa, os residentes podiam esperar por mês quatro alqueires de trigo para o seu “mantimento” e dois de cevada para as suas aves, em adição a dois almudes e meio de vinho (apenas dois em tempo de escassez), um cântaro de azeite entregue anualmente e a fruta colhida na gafaria111. A par dos mantimentos, os leprosos lisboetas contavam também, como vimos, com o serviço prestado por diversos funcionários1132
Por último, resta mencionar um terceiro conjunto de contornos afetos à referida relação construída entre a instituição e o indivíduo, porventura o mais significativo dos três. Referimo-nos ao grau de intervenção dos enfermos na vida do estabelecimento ou, nas palavras de François-Olivier Touati, ao papel que os assistidos desempenharam na própria conceção e organização da assistência113. Longe de se afigurarem como sujeitos passivos alheios ao processo de gestão da gafaria, os residentes desempenhavam funções variadas nesse mesmo processo. Símbolo do grau da sua intervenção é a existência do cabido, o órgão representativo dos leprosos, documentado para Lisboa114, Santarém115, Évora116 e Coimbra117.
É precisamente no contexto da reunião deste mesmo órgão que encontramos um dos exemplos da capacidade de intervenção dos lázaros lisboetas, nomeadamente no tocante a matérias de gestão económica. Negociando-se em 1488 uma venda de um olival pertencente à gafaria, o tabelião responsável pela produção da carta de compra dirigiu-se ao alpendre da gafaria para perguntar a João de Lisboa, Gonçalo Eanes, Diogo Fernandes, Pero Gonçalves, João Afonso, Fernão de Sousa e Rodrigo (todos enfermos) se concediam a sua “autoridade e consentimento” à venda do dito olival pelo valor de cinco mil reais118. Recusando esta última quantia, os residentes renegociaram os termos da venda e acabaram por a outorgar mediante o pagamento de cento e vinte cinco reais brancos, os quais foram logo entregues pelo comprador e recebidos pelos lázaros. É de notar que, apesar de o provedor não estar presente nesta reunião, foi necessário obter a sua confirmação para a efetivação do contrato, o que sugere que o outorgamento dos residentes não seria de per se suficiente para validar a transação.
Ainda na esfera lisboeta, temos conhecimento de um outro tipo de intervenção dos residentes, desta feita relacionado com questões administrativas. Já o explorámos brevemente quando tratámos os episódios das contendas que envolveram a Coroa e o concelho, nomeadamente aqueles decorridos em 1426 sobre os “erros” cometidos pelo provedor na gestão da Casa conforme informação contida numa carta de D. João I119. Por intermédio deste testemunho chega-nos a informação de que os leprosos terão enviado ao rei determinados capítulos, provavelmente queixando-se da conduta do oficial, o que nos leva a supor que agiram à revelia do provedor. Parece seguro afirmar que a prática mais comum não seria esta, ou seja, por norma os representantes da instituição atuavam em nome dos lázaros ou operavam em consonância com eles na defesa dos interesses da instituição. Foi o que sucedeu, por exemplo, no apelo enviado a D. Afonso V pelos residentes da Casa de Coimbra e respetivos provedor e escrivão sobre os problemas provocados pelas cheias120. Contudo, a disparidade entre os interesses da instituição, leia-se, dos oficiais que representavam a instituição, e aqueles dos lázaros, ditou a exceção à regra e justificou o apelo a uma instância superior ao provedor e ao próprio concelho, responsável pela sua nomeação.
A entrada na leprosaria não ditava, portanto, o fim do contacto com o mundo exterior, com o mundo são, nem constituía uma morte civil dos enfermos. Encontramos um exemplo ilustrativo num apelo endereçado ao rei em 1469 por Diogo Afonso, lázaro residente na gafaria, onde pedia ao monarca que perdoasse parte da sentença atribuída à sua mulher, que tinha cometido adultério121121. Aliás, o próprio carácter quotidiano da convivência entre sãos e enfermos demonstra que esse contacto era essencial para o funcionamento do estabelecimento, interligando a saúde e a doença num espaço que simultaneamente afastava e integrava os indivíduos doentes.
CONCLUSÃO
No quadro geral dos estabelecimentos assistenciais desenhados para promover a saúde na cidade durante a época moderna, a Casa de São Lázaro afigura-se, por um lado, como um exemplo em muitos aspetos semelhante aos demais. Em termos de organização e gestão interna, a gafaria funcionaria em moldes idênticos a outras instituições assistenciais. Da mesma forma, a história da sua administração foi marcada pelos mesmos contextos de conflitos jurisdicionais que opuseram as elites concelhias às tentativas de controlo régio e às reivindicações das organizações mesteirais.
No entanto, o carácter particular da doença que a leprosaria confinava faz da Casa de São Lázaro um exemplo particular, isolando-a da restante estrutura assistencial. Não cabia à gafaria curar a doença, mas, sim, confiná--la, oferecendo duas formas de proteção: proteção à cidade, que se resguardava do contacto com os indivíduos doentes; e proteção aos doentes que, ao se recolherem no estabelecimento, se tornavam dele dependentes. É por isso que, no nosso entender, é redutor entender as leprosarias como meros instrumentos de exclusão e marginalização, enfatizando, com essa leitura, apenas os benefícios que advinham à sociedade sã. Numa interpretação mais abrangente, as leprosarias devem ser entendidas também como ferramentas de abrigo e salvaguarda, de compaixão e caridade. Em suma, é esta ambivalência que sobressai, numa dialética de afastamento e integração, de promoção da saúde e de proteção na doença.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Submissão/submission: 28/02/2019
Aceitação/approval: 03/05/2019
NOTAS
NÓVOA, Rita Luís Sampaio da — A Casa de São Lázaro de Lisboa no alvorecer da modernidade. Cadernos do Arquivo Municipal. 2ª Série Nº 11 (janeiro-junho 2019), p. 27 — 45.
1 Sobre a lepra vd. NÓVOA, Rita Sampaio da — A Casa de São Lázaro: contributos para uma história das atitudes face à doença (sécs. XIV-XV). Lisboa: [s.n.], 2010. Dissertação de Mestrado em História, apresentada à Universidade Nova de Lisboa. p. 10-22 e 41-64.
2 OLIVEIRA, Eduardo Freire de — Elementos para a história do município de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1904. tomo XIV, p. 535.
3 Idem, p. 532-553.
4 RODRIGUES, Maria Teresa Campos — Aspectos da administração municipal de Lisboa no século XV. Revista Municipal. Lisboa: Imprensa Municipal de Lisboa. Nºs 101 a 109 (1968), p. 126-130. Separata.
5 MARTINS, Miguel Gomes — Entre a gestão e as ingerências: a administração hospitalar municipal na Lisboa de Quatrocentos. In João Afonso de Santarém e a assistência hospitalar escalabitana durante o Antigo Regime. Santarém: Câmara Municipal, 2000. p. 120-131.
6 NÓVOA, Rita Sampaio da — A Casa de São Lázaro: contributos para uma história das atitudes face à doença (sécs. XIV-XV). Lisboa: [s.n.], 2010. Dissertação de Mestrado em História, apresentada à Universidade Nova de Lisboa.
7 Regimento e estatuto fecto sobre a Casa de São Lázaro desta cidade de Lisboa. Transcrito em RODRIGUES, Maria Teresa Campos, ed. — Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal, 1974. p. 180-187.
8 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Hospital São José, liv. 1188, f. 19v-24v (traslado de 1752).
9 ANTT, Corporações Religiosas, Convento de S. Domingos de Santarém, 1ª inc., mç. 2, nº 8.
10 Documento transcrito em PAIVA, José Pedro, coord. — Portugaliae Monumenta Misericordiarum. Lisboa: União das Misericórdias Portuguesas, 2003. vol. 2 — Antes da fundação das Misericórdias, p.424-425.
11 OLIVEIRA, Eduardo Freire de — Elementos para a história do município de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1904. tomo XIV. p. 538.
12 CORREIA, Fernando da Silva — Origens e formação das misericórdias portuguesas. Lisboa: Henrique Torres, 1944. p. 338.
13 Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Chancelaria da Cidade, Livro 2º de Assentos do Senado, f. 7.
14 Documento transcrito em OLIVEIRA, Eduardo Freire de — Elementos para a história do município de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1894. tomo VIII, p. 456.
15 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 7.
16 CONDE, Manuel Sílvio Alves — Subsídios para o estudo dos leprosos no Portugal medievo: a gafaria de Santarém nos séculos XIII-XV. In Horizontes do Portugal medieval: estudos históricos. Cascais: Patrimonia, 1999. p. 344.
17 MATA, Luís — Ser, ter e poder: o Hospital do Espírito Santo de Santarém nos finais da Idade Média. Santarém: Magno Edições; Câmara Municipal, 2000. p. 169-170.
18 Encontramos referência ao comendador numa carta de escambo datada de 1313 (PAIVA, José Pedro, coord. — Portugaliae Monumenta Misericordiarum. Lisboa: União das Misericórdias Portuguesas, 2003. vol. 2 — Antes da fundação das Misericórdias, p. 424-425) e em duas cartas de emprazamento datadas de 1355 (AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 4) e 1358 (AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 5), onde o oficial surge como interveniente nos negócios celebrados pela Casa na qualidade de representante dos lázaros e da própria instituição.
19 Encontramos referência ao procurador numa contenda datada de 1360 que envolveu os raçoeiros da Casa de São Lázaro de Lisboa e Gomes Peres, hortelão, acerca de umas penhoras que este último havia feito quando desempenhava funções de porteiro da cidade (AML, Chancelaria Régia, Livro dos Pregos, f. 70-70 v).
20 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 7.
21 CONDE, Manuel Sílvio Alves — Subsídios para o estudo dos leprosos no Portugal medievo: a gafaria de Santarém nos séculos XIII-XV. In Horizontes do Portugal medieval: estudos históricos. Cascais: Patrimonia, 1999. p. 129.
22 ROCHA, Ana Rita da — A institucionalização dos leprosos: o Hospital S. Lázaro de Coimbra nos séculos XIII a XV. Coimbra: [s.n.], 2011. Dissertação de Mestrado em História, apresentada à Universidade de Coimbra. p. 54.
23 “Regimento e estatuto fecto sobre a Casa de São Lázaro desta cidade de Lisboa”, transcrito em RODRIGUES, Maria Teresa Campos, ed. — Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal, 1974. p. 186.
24 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 8.
25 “Regimento e estatuto fecto sobre a Casa de São Lázaro desta cidade de Lisboa”, transcrito em RODRIGUES, Maria Teresa Campos, ed. — Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal, 1974. p. 186.
26 Idem, p. 181-186.
2727 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 10.
28 Idem.
29 Regimento e estatuto fecto sobre a Casa de São Lázaro desta cidade de Lisboa". transcrito em RODRIGUES, Maria Teresa Campos, ed. — Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1974. p. 181-182.
30 AML, Chancelaria da Cidade, Livro 2º de assentos do Senado, f. 29v.
31 AML, Chancelaria da Cidade, Cópia do Livro 1.º de registos de posturas, regimentos, privilégios e ofícios, f. 50-50v.
32AML, Chancelaria da Cidade, Livro 3.º de fianças dos oficiais da Câmara 1625-1634, f. 144-145v.
33 AML, Chancelaria da Cidade, Cópia do Livro 1.º de renunciações 1603-1628, f. 84v-86v.
34 AML, Chancelaria da Cidade, Livro de registo da Chancelaria da Cidade 1690-1691, f. 13-14v.
35 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 4.
36 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 7.
37 Regimento e estatuto fecto sobre a Casa de São Lázaro desta cidade de Lisboa. Transcrito em RODRIGUES, Maria Teresa Campos, ed. — Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal, 1974. p. 183.
38 Esta sentença é referida no Regimento de 1460 (Regimento e estatuto fecto sobre a Casa de São Lázaro desta cidade de Lisboa. Transcrito em RODRIGUES, Maria Teresa Campos, ed. — Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal, 1974. p. 183).
39 Documento transcrito em OLIVEIRA, Eduardo Freire de — Elementos para a história do município de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1894. tomo VIII, p. 456-457.
40 Documento transcrito em OLIVEIRA, Eduardo Freire de — Elementos para a história do município de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1903. tomo XIII, p. 82-83.
41 AML, Chancelaria da Cidade, Livro de registo da chancelaria da cidade 1734-1735, f. 3-3v.
42 Regimento e estatuto fecto sobre a Casa de São Lázaro desta cidade de Lisboa. Transcrito em RODRIGUES, Maria Teresa Campos, ed. — Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal, 1974. p. 184.
43 AML, Chancelaria da Cidade, Livro de registo da Chancelaria da Cidade 1722-1723, f. 13-13v.
44 AML, Chancelaria da Cidade, Livro de registo da Chancelaria da Cidade 1756, f. 342-342v.
45 CONDE, Manuel Sílvio Alves — Subsídios para o estudo dos leprosos no Portugal medievo: a gafaria de Santarém nos séculos XIII-XV. In Horizontes do Portugal medieval: estudos históricos. Cascais: Patrimonia, 1999. p. 350.
46 Estes resumem-se a um emprazamento de uma quinta, celebrado em 1355 (AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 4); um emprazamento de três parcelas de vinha, feito em 1358 (AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 5); e um contrato de venda de um olival, datado de 1488 (AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 14).
47 Documento transcrito em OLIVEIRA, Eduardo Freire de — Elementos para a história do município de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1904. tomo XIV, p. 539.
48 Documento transcrito em OLIVEIRA, Eduardo Freire de — Elementos para a história do município de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1894. tomo VIII, p. 456-457.
49 Regimento da Gafaria do Hospital de São Lázaro de Coimbra. Transcrito em PAIVA, José Pedro, coord. — Portugaliae Monumenta Misericordiarum. Lisboa: União das Misericórdias Portuguesas, 2003. vol. 2 — Antes da fundação das Misericórdias, p. 90; para Santarém vd. ANTT, Leitura Nova, Estremadura, liv. 11, f. 72.
50 Numa carta régia de 1414 é referido que quando os gafos morriam os seus bens revertiam a favor do hospital: AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 7.
51 Regimento e estatuto fecto sobre a Casa de São Lázaro desta cidade de Lisboa. Transcrito em RODRIGUES, Maria Teresa Campos, ed. — Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal, 1974. p. 184-185.
52 Idem.
53 ANTT, Corporações Religiosas, Convento de S. Domingos de Lisboa, liv. 4, f. 253.
54 ANTT, Corporações Religiosas, Colegiada de S. Lourenço de Lisboa, mç. 3, nº 53.
55 ANTT, Hospital de São José, liv. 1188, f. 19v-24v.
56 Documento transcrito em PAIVA, José Pedro, coord. — Portugaliae Monumenta Misericordiarum. Lisboa: União das Misericórdias Portuguesas. 2003. vol. 2 — Antes da fundação das Misericórdias, p. 508. Ver também ANTT, Corporações Religiosas, Convento de S. Domingos de Santarém, 1ª inc., m. 2, nº 8; ANTT, Corporações Religiosas, Colegiada de Sto. Estêvão de Alfama de Lisboa, m. 10, nº 188.
57 Regimento e estatuto fecto sobre a Casa de São Lázaro desta cidade de Lisboa. Transcrito em RODRIGUES, Maria Teresa Campos, ed. — Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal, 1974. p. 186-187.
58 RODRIGUES, Maria Teresa Campos — Aspectos da administração municipal de Lisboa no século XV. Revista Municipal. Lisboa: Imprensa Municipal. Nºs 101 a 109 (1968), p. 127. Separata.
59 CONDE, Manuel Sílvio Alves — Subsídios para o estudo dos leprosos no Portugal medievo: a gafaria de Santarém nos séculos XIII-XV. In Horizontes do Portugal medieval: estudos históricos. Cascais: Patrimonia, 1999. p. 337.
60 Documentada numa carta régia de 1414 (AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 7). Em 1597, a Câmara de Lisboa determinou que fosse construído um novo púlpito na igreja e que se colocassem grades no alpendre (AML, Chancelaria da Cidade, Livro 2º de Assentos do Senado, f. 64v).
61 Onde, em 1488, os lázaros se reuniram com o tabelião e com um comprador para confirmar a venda de uma das propriedades da gafaria (AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 14).
62 Que, de acordo com uma carta de D. Manuel I datada de 1498, tinha nesse tempo necessidade de reparação (documento transcrito em OLIVEIRA, Eduardo Freire de — Elementos para a história do município de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1904. tomo XIV, p. 539).
63 Regimento e estatuto fecto sobre a Casa de São Lázaro desta cidade de Lisboa. Transcrito em RODRIGUES, Maria Teresa Campos, ed. — Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal, 1974. p. 184.
64 Documento transcrito em OLIVEIRA, Eduardo Freire de — Elementos para a história do município de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1904. tomo XIV, p. 539.
65 RODRIGUES, Maria Teresa Campos — Aspectos da administração municipal de Lisboa no século XV. Revista Municipal. Lisboa: Imprensa Municipal de Lisboa. nºs 101 a 109 (1968), p. 129. Separata. Tal sugestão baseia-se numa passagem do Regimento que proíbe aos doentes a venda da fruta que colhessem nos lugares a eles “apropriados”: Regimento e estatuto fecto sobre a Casa de São Lázaro desta cidade de Lisboa. Transcrito em RODRIGUES, Maria Teresa Campos, ed. — Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal, 1974. p. 184.
66 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 17.
67 CARITA, Hélder — Programa de reordenamento da Capital. In Lisboa Manuelina e a formação de modelos urbanísticos da Época Moderna (1495-1521). Lisboa: Livros Horizonte, 1999. p. 53-80.
68 Idem, p. 59, n. 152.
69 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 7.
70 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 8.
71 Regimento e estatuto fecto sobre a Casa de São Lázaro desta cidade de Lisboa. Transcrito em RODRIGUES, Maria Teresa Campos, ed. — Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal, 1974. p. 186.
72 Idem, p. 182.
73 Idem, p. 185.
74 Idem, p. 183.
75 Idem, p. 186.
76 Idem, p. 186.
77 MORENO, Humberto Baquero — O poder central e poder local: modos de convergência e de conflito nos séculos XIV e XV. Revista de História. Porto: Centro de História da Universidade do Porto. VII (1988), p. 60-62.
78 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 8.
79 Os gafos do Porto receberam semelhante carta de proteção em 1385 (ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. João I, liv. 1, f. 78-78 v.). Já a Casa de Coimbra viu os seus privilégios confirmados em 1357 (documento transcrito em MARQUES, A. H. de Oliveira, ed. — Chancelarias Portuguesas — Chancelaria de D. Pedro I. Lisboa: INIC/Centro de Estudos Históricos da UNL, 1984. p. 356-357), assim como as instituições de Évora em 1454 (ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. Afonso V, liv. 27, f. 29) e Santarém em 1392 (ANTT, Leitura Nova, Estremadura, liv. 11, f. 72).
80 ANTT, Leitura Nova, Estremadura, liv. 11, f. 208.
81 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 8.
82 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 9.
83 Idem.
84 MARTINS, Miguel Gomes — Para mais tarde regressar. Percursos na administração municipal da Lisboa medieval. In KRUS, Luís; OLIVEIRA, Luís F.; FONTES, João L., coord. — Lisboa medieval: os rostos da cidade. Lisboa: Livros Horizonte, 2007. p. 278-287.
85 Esta carta é mencionada em AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 9.
86 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 9.
87 Idem.
88 Documento transcrito em OLIVEIRA, Eduardo Freire de — Elementos para a história do município de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1904. tomo XIV, p. 539.
89 Idem.
90 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 9.
91 Documento transcrito em OLIVEIRA Eduardo Freire de — Elementos para a história do município de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1904. tomo XIV p. 539.
92 Idem.
93 AML Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 17.
94 SOUSA Armindo de — A socialidade (estruturas, grupos e motivações). In MATTOSO José, dir. — História de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1997. vol. 2 — A monarquia feudal. p. 346-353.
95 AML Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 10.
96 Idem.
97 AML Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 11.
98 AML Chancelaria Régia, Livro XVIII de Consultas, Decretos e Avisos de D. José I, f. 49-60. Trata-se de uma consulta sobre um requerimento de um oficial da Casa, a qual foi assinada pelo Senado, pelo procurador da cidade e pelos procuradores dos mesteres.
99 AML Chancelaria da Cidade, Livro 3º de assentos do Senado, f. 3v.
100 TOUATI, François-Olivier — Un dossier à rouvrir: l’assistance au Moyen Âge. In CONGRÈS NATIONAL DES SOCIÉTÉS HISTORIQUES ET SCIENTIFIQUES, 121, Paris, 1999 — Fondations et uvres charitables au Moyen Âge. Paris : C.T.H.S., 1999. p. 33-34.
101 MCCLEERY, Iona — Both «illness and temptation of the enemy»: melancholy, the medieval patient and the writings of King Duarte of Portugal (r. 1433-38). Journal of medieval Iberian studies. 1:2 (2009), p. 169-174.
102 RAWCLIFFE, Carole —Leprosy in medieval England. Woodbridge: The Boydell Press, 2006. p. 304.
103 Regimento e estatuto fecto sobre a Casa de São Lázaro desta cidade de Lisboa. Transcrito em RODRIGUES Maria Teresa Campos, ed. — Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal, 1974. p. 185.
104 CONDE Manuel Sílvio Alves — Subsídios para o estudo dos leprosos no Portugal medievo: a gafaria de Santarém nos séculos XIII-XV. In Horizontes do Portugal medieval: estudos históricos. Cascais: Patrimonia, 1999. p. 352.
105 Documento transcrito em PAIVA José Pedro, coord. — Portugaliae Monumenta Misericordiarum. Lisboa: União das Misericórdias Portuguesas, 2003. vol. 2 — Antes da fundação das Misericórdias, p. 90.
106 Em 1533 a rainha intervém a favor de duas gafas casadas, honradas e com fazenda, pedindo ao concelho que as permitisse permanecer em suas casas e não as obrigasse a ingressar na leprosaria: AML Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 23.
107 ANTT Chancelaria Régia, Chancelaria de D. Afonso V liv. 22 f. 64.
108 Regimento e estatuto fecto sobre a Casa de São Lázaro desta cidade de Lisboa. Transcrito em RODRIGUES, Maria Teresa Campos, ed. — Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal, 1974. p. 184-186.
109 De acordo com a transcrição do Regimento efectuada por Maria Teresa Campos Rodrigues, uma das notas à margem do corpo do texto indica que os lázaros infractores deviam ser presos “no tronco da Casa de São Lázaro” (Regimento e estatuto fecto sobre a Casa de São Lázaro desta cidade de Lisboa Transcrito em RODRIGUES Maria Teresa Campos, ed. — Livro das posturas antigas. Lisboa: Câmara Municipal, 1974. p. 184 n. 484). Tendo em conta a posição marginal da adenda, fica por estabelecer se esta determinação fazia parte das normas tal como elas foram compostas em 1460 ou se foi posteriormente adicionada.
110 Idem p. 183-185.
111 Idem p. 183-184.
112 Idem p. 184.
113 TOUATI, François-Olivier — Un dossier à rouvrir: l’assistance au Moyen Âge. In CONGRÈS NATIONAL DES SOCIÉTÉS HISTORIQUES ET SCIENTIFIQUES, 121, Paris, 1999 — Fondations et uvres charitables au Moyen Âge. Paris : C.T.H.S., 1999. p. 34.
114 Só nos foi possível localizar uma referência ao cabido lisboeta, datada de 1488 a qual se insere no contexto da negociação da venda de uma das propriedades da Casa (AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 14).
115 CONDE Manuel Sílvio Alves — Subsídios para o estudo dos leprosos no Portugal medievo: a gafaria de Santarém nos séculos XIII-XV. In Horizontes do Portugal medieval: estudos históricos. Cascais: Patrimonia, 1999. p. 128-129.
116 BEIRANTE, Maria Ângela — A gafaria de Évora. In BEIRANTE, Maria Ângela — O ar da cidade: ensaios de história medieval e moderna. Lisboa: Edições Colibri, 2008. p. 239-240.
117 ROCHA, Ana Rita da — A institucionalização dos leprosos: o Hospital S. Lázaro de Coimbra nos séculos XIII a XV. Coimbra: [s.n.], 2011. Dissertação de Mestrado em História, apresentada à Universidade de Coimbra. p. 64.
118 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 14.
119 AML, Casa de Santo António, Livro I do Hospital de São Lázaro, doc. 8.
120ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria D. Afonso V, liv. 12, f. 26-26 v. Neste documento, datado de 1452, pode ler-se que por razão das cheias do rio os leprosos ficavam isolados nas suas casas durante quinze dias ou três semanas sem poderem contactar com os oficiais ou com os funcionários e sem receberem os seus mantimentos. Face a esta situação, os residentes e os seus representantes apelaram ao rei para que este lhes concedesse autorização para pedir esmola de forma a custear as obras de deslocação da gafaria.
121 ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. Afonso V, liv. 31, f. 53.