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Cadernos do Arquivo Municipal
versão On-line ISSN 2183-3176
Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.12 Lisboa dez. 2019
ARTIGO
E por cauza do grande terremoto que houve nesta Corte.O Bairro das Trinas, evolução urbanística e arquitetónica
And due to the great earthquake that occured in this Court.
The Trinas Neighbourhood, urban and architectural evolution
Edite Martins Alberto*
Hélia Silva**
Rita Mégre***
Tiago Borges Lourenço****
*Edite Maria da Conceição Martins Alberto, Departamento Património Cultural, Câmara Municipal de Lisboa, 1200-066 Lisboa, Portugal; CHAM Centro de Humanidades, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, 1069-061 Lisboa, Portugal. edite.alberto@cm-lisboa.pt
**Hélia Cristina Tirano Tomás Silva, Departamento Património Cultural, Câmara Municipal de Lisboa, 1200-066 Lisboa, Portugal; Instituto de Historia da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, 1069-061 Lisboa, Portugal. helia.silva@cm-lisboa.pt
***Ana Rita de Almeida Fernandes Pignatelli Mégre, Departamento Património Cultural, Câmara Municipal de Lisboa, 1200-066 Lisboa, Portugal. ana.megre@cm-lisboa.pt
****Tiago Borges Lourenço, Instituto de Historia da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, 1069-061 Lisboa, Portugal. tborgeslourenco@gmail.com
RESUMO
O"Terramoto de 1 de novembro de 1755 foi determinante para que Lisboa se expandisse para zonas da cidade até então pouco consolidadas. Uma das maiores e mais relevantes operações privadas de loteamento deste período, desenvolveu-se por iniciativa das religiosas do Convento de Nossa Senhora da Soledade (vulgo Trinas) nos terrenos agrícolas contíguos ao seu convento. O presente estudo analisa o Bairro das Trinas de um modo abrangente no tempo, ao traçar a sua evolução urbanística, construtiva e arquitetónica, desde a sua origem à atualidade.
PALAVRAS-CHAVE
Urbanismo / Arquitetura / Trinas / Bairro / Lapa
ABSTRACT
The Earthquake of November 1st of 1755 was essential for Lisbon to expand to areas of the city still poorly consolidated. One of the largest and most relevant private allotment operations of this period, was developed by the initiative of the religious nuns of the Convento de Nossa Senhora da Soledade (also known as Trinas) on the farmlands nearby the convent. The present study analyses the Trinas neighbourhood in a comprehensive way, tracing back to its urban, constructive and architectural evolution, from its origins to the present day.
KEYWORDS
Urbanism / Architecture / Trinas Nuns / Urban Neighbourhood / Lapa
Contava esta Freguezia [de Santos] antes do terremoto de mil e oitocentos fógos, e pessoas de communhão oito mil cento e cincoenta. Presentemente se tem augmentado muito com a construcção de novos edificios, e propriedades, que formão largas, e espaçosas ruas, das quaes a mayor parte ainda não tem nome.1
NOTAS INTRODUTÓRIAS. COMO OS CONVENTOS MOLDARAM LISBOA2
Desde cedo a iniciativa e ação das comunidades religiosas revelou-se decisiva para o desenvolvimento de novas urbanizações dentro do núcleo muralhado de Lisboa e para o seu respetivo povoamento.
Os Reis, as Donas de S. Tiago, a Trindade e outtros senhorios directos, acompanham o Concelho na sua emprêsa urbanizadora. Os aforamentos sucedem-se. Os Trinos, […] já em 1391 emprazavam courelas fóra dos muros […]. O declive da Pedreira povôa-se ano a ano, ligando-se aos casarios da rua direita3.
Ao longo dos séculos XV e XVI este papel ficou mais vincado, nomeadamente no aparecimento de novas áreas consolidadas, como a Vila Nova da Oliveira e o Bairro Alto, cujo desenvolvimento foi acelerado com a instalação dos Jesuítas em São Roque em 1553 e com os diversos aforamentos iniciados pelos frades da Trindade na área envolvente ao seu convento.
A partir do século XVI assiste-se a uma progressiva mudança de paradigma com a fundação de um crescente número de cenóbios em zonas mais periféricas da cidade, sobretudo ao longo e em torno das grandes vias de acesso. Ato contínuo, a expansão urbana seguiu-os, começando a estender-se para áreas até então periféricas, compostas por quintas e suas dependências. Tal aconteceu sobretudo devido à habitual prática de aforamento de franjas de terreno nas orlas das cercas conventuais, uma importante fonte de rendimento para as comunidades religiosas. Esta ação foi fundamental para consolidar os núcleos habitacionais em torno dos conventos, muitas vezes transformando-os num contínuo urbano (a exemplo das ruas das Janelas Verdes e São Francisco de Paula ou dos núcleos de Carnide e Luz), numa evolução que se verifica até ao final de Setecentos.
O Terramoto de 1755 abriu novas possibilidades de expansão urbanística para zonas da cidade até então pouco povoadas. A diversa cartografia de finais do século XVIII4 permite observar o aparecimento de novas áreas, sobretudo a norte e poente da cidade muralhada, resultado de iniciativas privadas, régias ou religiosas. Neste último particular, um conjunto inovador de planos de aforamento levou à formação de pequenos núcleos junto a arruamentos pré-existentes ou abertos para o efeito: à rua do Sol ao Rato (Convento de Nossa Senhora dos Remédios de Campolide), à rua das Janelas Verdes (Convento de Nossa Senhora dos Remédios), à rua do Salitre (Noviciado da Cotovia e Hospício de São Bruno) e na cerca do Convento de São Bento da Saúde5. No entanto, a maior e mais relevante operação privada de loteamento feita neste contexto, desenvolveu-se por iniciativa das religiosas do Convento de Nossa Senhora da Soledade (vulgo Trinas) nos terrenos agrícolas contíguos ao seu convento. O tema foi profundamente trabalhado em 1994 por José Sarmento de Matos na obra Uma Casa na Lapa6, onde são abordadas as diferentes operações urbanísticas ocorridas logo após o Terramoto de 1755 nesta zona. Embora o ponto de partida seja o mesmo, o presente estudo distancia-se deste ao analisar o Bairro das Trinas de um modo bastante mais abrangente no tempo, procurando traçar, ao longo dos quase três séculos de existência, a sua evolução urbanística, construtiva e arquitetónica.
O (NOVO) BAIRRO DAS (FREIRAS) TRINAS
Agradavel, e não menos aprasivel he o sitio, em que se acha fundado este Edificio [Convento de Nossa Senhora da Soledade]. Faz frente pela parte do Sul, a nossa dilatada, e espaçosa Marinha de Lisboa, aonde commummente se achão ancoradas imensidade de Náos, assim Nacionaes, como de diversas Nações Estrangeiras. Em distancia muito proporcionada logra igualmente a deliciosa vista do celebrado Tejo, o qual comunicado, e unindo com as aguas do Oceano, forma os seus repetidos passeios pela famosa Barra, servindo-lhe de fortíssima muralha, e de defensivo propugnáculo a parte de Além, em que na sua grande eminencia se descobrem a Villa de Almada, Caparica, e outros muitos lugares populosos, que com quintas, pomares, fontes, e arvoredos coroão os seus montes de verdes bosques, divertindo em forma de alegres paizes incomparavelmente os olhos. Ao Norte lhe fica o Valle de S. Bento, que sobindo insensivelmente faz terminar a vista em dilatados campos, e engraçados horizontes, cercados de belíssimas casas, ruas, do magnifico Convento do Santissimo Coração de Jesus, de Carmelitas Descalças, edificado no anno de 1789 pela nossa Augustissima Rainha D. Maria I, e das terras da coutada Real de Buenos Aires, a cujo sitio concorrem os curiosos a vêr as Armadas, e Frotas, que entrão, ou sahem pela dita Barra, com descanso e sem o menor trabalho possuídas.7
O Convento de Nossa Senhora da Soledade: a génese de uma nova casa religiosa.
Nas últimas décadas de Setecentos, Frei Jerónimo de São José, cronista da Ordem da Santíssima Trindade, descreve deste modo o local onde se edificara o convento dedicado a Nossa Senhora da Soledade para o ramo feminino da ordem trinitária. Este cenóbio, localizado nos arredores da cidade, teve como patronos Cornelio Vandely e Marta de Boz, um casal de flamengos que residia em Lisboa8. Embora vivessem numa área central, defronte da Igreja de Nossa Senhora dos Mártires, possuíam uma quinta no Bairro do Mocambo (atual Madragoa), onde edificaram uma ermida que dedicaram a Nossa Senhora da Soledade9.
Durante o século XVII foi frequente a compra e beneficiação de propriedades rústicas nos arredores da cidade por parte de mercadores flamengos. Seguiam esta estratégia
quer por razões de comodidade e prestigio, quer de exploração económica, quer ainda, no caso dos mercadores que já não regressam à sua pátria e estabelecem vínculos familiares em Lisboa, pela necessidade de construir um património legável aos seus herdeiros, […] garantindo assim a perenidade de parte dos capitais resultantes dos rendimentos alcançados com a actividade mercantil, que por esta via ficavam melhor defendidos de seus credores10.
Na ausência de descendentes, e com abastados proveitos, em 1658 Cornelio Vandely e Marta de Boz resolveram doar os seus bens para “obras de caridade, socorrendo pobres, casando órfãs, e amparando viúvas”11, entre as quais a fundação, nas suas casas do Mocambo, de um convento para religiosas professas da Ordem da Santíssima Trindade12. Conforme cláusula testamentária Vandely reservava para si um jazigo na capela-mor, com uma missa quotidiana pela sua alma. Quanto a Marta de Boz “querendo ela viver fora do dito [convento], reserva as casas místicas e caindo em pobreza as mesmas lhe darão ração e será ela administradora das ditas religiosas”13. Para além das casas junto à Igreja de Nossa Senhora dos Mártires, doavam também os rendimentos de uma quinta que possuíam em Povos, Vila Franca de Xira14.
Sob supervisão da viúva, as obras de engrandecimento da pequena ermida iniciaram-se em 1657, numa altura pouco propícia à fundação de novos conventos por favorecimento régio, devido à turbulência vivida após a Restauração15. Assim, foi fundamental a intervenção da rainha D. Luísa de Gusmão, na altura regente em nome do príncipe seu filho, futuro D. Afonso VI, para que se obtivesse autorização régia para a criação deste cenóbio, que ocorreria a 24 de março de 166016. Pela bula In bis auctoritatis nostrae partes do Papa Alexandre VII, de 29 de outubro desse ano, foi dada licença para a clausura e saída de duas religiosas trinitárias do Convento do Calvário da Ordem de Santa Clara, onde até então assistiam aguardando a fundação da nova casa17.
A passagem para o novo edifício ocorreu a 21 de agosto de 1661 com a entrega por parte de Frei Manuel da Esperança, provincial da Sagrada Ordem do Seráfico Patriarca São Francisco da Província de Portugal, a Frei Gaspar de Nogueira, provincial da Ordem da Santíssima Trindade, das duas religiosas destinadas à fundação da nova casa: Madre Catarina de Santo António, sobrinha da padroeira Marta de Boz, e Soror Ana de São Francisco18. A 18 de setembro, dia do Santíssimo Nome de Maria, a procissão habitualmente realizada na área do Convento da Santíssima Trindade foi realizada entre esta casa e o novo convento,
acompanhando-o toda a nobreza da Corte. Com muitos, e festivos instrumentos, acto, a que concorreo tanta multidão do povo, que não obstante ser tão extensa, e dilatada a distancia, que medeia entre hum Convento, e outro, mal se podia passar por entre a gente, que devotamente ocupava todo o campo19.
Como as doações de Cornelio Vandely e Marta de Boz não eram suficientes para financiar a construção de um edifício conventual de maior dimensão, foi fundamental a doação testamentária de Dona Maria Magdalena de Távora, Condessa do Redondo, que no final da vida se recolhera no convento
e por elle não ter bastantes commodos, mandou fazer no interior delle humas casas para sua habitação, as quaes falecida que foi esta Senhora, ficarão servindo de dormitório, com cuja grandeza ficou tendo maiores commodos, ainda que sempre sem aquella regularidade precisa para a vida religiosa20.
Assim esteve até 1745, altura em que o principal dormitório ameaçava tanta ruina que ficou inabitável. Iniciou-se então a construção de um novo edifício, para o qual se lançou a primeira pedra no dia 8 de março de 1745, quando era provincial da Ordem da Santíssima Trindade Frei João da Cruz e Prioresa Madre Soror Maria Josefa de Jesus. Em três anos se terminou o dormitório grande com todas as suas oficinas. As religiosas ocuparam o novo espaço a 11 de junho de 1748. Aqui permaneceram até ao dia 1 de novembro de 1755, altura em que, devido à destruição ocasionada pelo Terramoto e na impossibilidade de construção de um edifício provisório devido ao grande declive das terras da cerca, habitaram durante 14 meses as casas de Francisco Silva Lima, na Portela21.
Eram vastas as terras das religiosas Trinas do Convento de Nossa Senhora da Soledade. Compunham-se de dois casais contíguos Boa Vista e Buenos Aires divididos pelo eixo constituído pelas ruas das Trinas e de Santa Ana. Tinham-lhes sido doados pelo Duque de Cadaval em 1662, pouco depois do início das obras de adaptação da pequena ermida22.
As habitações doadas pelos Vandely possuíam um largo quintal, embora reduzido para as necessidades de uma casa conventual com a dimensão que se pretendia. Assim, e de modo a
no futuro ter mais largueza e evitar qualquer devassidão e prejuizo que podia rezultar do Cazal abacho nomeado vir a poder e dominio de qualquer outro possuidor[,] pedirão as ditas Relligiosas […] [aos duques de Cadaval] lhe quizessem largar e fazer Graça e Mercê ao dito Convento do dito Cazal que chamão da Boa Vista que pella banda do Nascente está junto e contíguo ao dito Convento com quem parte23.
Dom Nuno Álvares Pereira de Melo, 1.º duque de Cadaval, acede ao pedido e, por escritura de 4 de julho de 1662,
faz pura e irrevogavel doação dia para todo o sempre […] ao dito Convento […], Abbadeça e Relligiozas delle prezentes e futuras do dito Cazal da Boa Vista com todas as terras e propriedades e o mais a elle anexo tocante e pertecente […] com todas suas entradas sahidas direitas […] e o mais a elle tocante. [Em troca, os duques e/ou seus sucessores poderiam] apresentar dois Lugares de Rellegiosas de veo preto no dito Convento24. […] [Assim] se obrigam ella Madre Abbadeça e vigaria a que para sempre e em quanto o mundo durar que este Direito da apresentação dos ditos dois Lugares fique perpetuado e nella não haja denuncia de huma nem outra parte e sempre seja firme25.
O duque de Cadaval “defendendo valores senhoriais, como cavaleiro protector, fazia da caridade lei. Exercia-a com vontade por isso dava muito, sobretudo a instituições religiosas”26. Doaria ainda o Casal de Buenos Aires 27, contíguo ao da Boa Vista. As propriedades das religiosas trinas passavam então a ser formadas por um enorme terreno com cerca 14 hectares que confrontava a sul com a rua da Santíssima Trindade (atual rua Garcia de Orta) e com a cerca do Convento de Nossa Senhora dos Remédios, estendendo-se a poente até à rua de São Domingos, a nascente até à rua da Bela Vista (atual rua dos Navegantes) e a norte até à rua de São Ciro.
Como as Trinas moldaram a Lapa. O nascimento de um novo bairro
Entre 1756 e 1757, a Casa do Risco das Obras Públicas traçou um ambicioso plano de expansão urbana cuja intenção é ainda atualmente discutida (megalomania exequível ou pura utopia?). Estudando e dividindo a nova cidade em quatro áreas28, deveria reger o urbanismo e, consequentemente, a arquitetura para ele pretendida:
El Rei meu Senhor tem mandado delinear plano para cada hum dos Bairros de Lisboa, os quaes se publicarão com brevidade, assignando-se nelles a largura, e a direcção das ruas; a estructura exterior, e elevação dos Edificios, os quaes devem ser uniformes, tudo quanto commodamente poder observar-se29.
Uma leitura das plantas que se conhecem permite constatar a inclusão de alguns projetos de desenvolvimento urbanístico de iniciativa privada. Um desses casos é justamente o da urbanização feita pelas religiosas do Convento de Nossa Senhora da Soledade (as Trinas), cujo traçado é possível distinguir num dos desenhos régios, identificando-se também o Recolhimento da Lapa e a cerca do Convento de Nossa Senhora dos Remédios. Nessa área do desenho, uma subtil alteração de aguada diferencia o grande plano de traço real e o mais modesto projeto de iniciativa religiosa, ambos perfeitamente cosidos entre si. Por parte da Casa do Risco existiu, portanto, um assumir da plena integração do empreendimento das Trinas na nova Lisboa que se pretendia construir.
Com o pressuposto do respeito pelas futuras diretrizes deste grande plano em estudo, logo a 30 de dezembro de 1755, D. José ordena “que nenhuma pessoa de qualquer estado, ou condição […] edefique propriedade alguma de casas nos Bairros desta Cidade”30, determinação reforçada em vários decretos lavrados nos anos seguintes.
Neste contexto, a operação de delineamento, abertura de ruas e emprazamento feita pelas freiras Trinas parece constituir um desafio a estas normas régias. A sua iniciativa decorre direta e inequivocamente do Terramoto de 1 de novembro de 1755, em consequência do qual um elevado número de pessoas se viu obrigado a abarracar-se nos seus terrenos, muitas das quais mostraram intenção de aí construir a sua habitação. Na verdade, trata-se de um projeto elaborado à distância e num período de grande conturbação para a comunidade, uma vez que, como anteriormente referido, os estragos no edifício conventual obrigaram à retirada das freiras para a Portela, onde se alojaram na quinta e casas nobres de Francisco da Silva Lima. Aí ficaram enquanto durou a reparação do convento, ao qual retornaram a 8 de janeiro de 1757.
É justamente a partir da Portela que as religiosas dão início ao processo de urbanização de grande parte das suas terras. José Sarmento de Matos alude a um contrato de desistência, cessão e quitação de um pedaço de terra, a Buenos Aires, celebrado a 1 de janeiro de 1756 entre as freiras e Nicolau Possolo, que até então o trazia aforado31. Nesse mesmo documento é mencionada a pretensão das primeiras de “fazer naquele sítio vários aforamentos de chãos de terras que lhes pertenciam em que forçosamente haviam de abrir ruas”, o que data ainda de 1755 a intenção em urbanizar os seus dois casais. A 2 de fevereiro de 1756 as religiosas passaram uma procuração a Frei Caetano de Santa Inês para que “em [seus] nomes[,] p[udesse] repartir em ruas e devedir em chaons as [suas] terras […] contiguas ao [seu] convento chamadas de Boa Vista e de Buenos Aires e dar os ditos chaons de emprazamento […] ás pessoas que lhe parecer”32. À exceção de dois pequenos pedaços junto ao convento conservados para cerca, os terrenos são divididos em talhões de diferentes dimensões que se espalhavam por mais de uma dezena de ruas rasgadas para o efeito, a maioria batizadas com nomes relacionados com a Ordem da Santíssima Trindade33. De modo a cumprir as determinações do Decreto de 3 de dezembro de 1755, as religiosas requereram a avaliação dos seus terrenos pelos mestres da cidade, que determinam o valor de
cada vara de cinco palmos de frente com cem palmos de fundo [em] quinhentos e cincoenta reis; que Vem a ser cada palmo de frente com cem de fundo a cento e dez reis: e que Querendo os enfiteutas algum chão mais para o interior dos ditos cem palmos dariam por cada vara quatrocentos reis, fazendo-se a conta pelos palmos de fundo34.
Os principais elementos para compreender as caraterísticas destes emprazamentos vêm das escrituras celebradas pelas freiras nas notas do tabelião António da Silva Freire35. Encabeçadas pelos pressupostos desta iniciativa, desenvolvem-se num texto-tipo de teor semelhante ao dos contratos das operações do género coevas:
As ditas Religiosas sam senhoras e possuidoras de humas grandes terras contiguas ao dito seu Convento chamadas da Boa vista, e de Buenos aires. E que Por cauza do grande terremoto, e incendio que Houve nesta Corte em o principio do mez de Novembro do anno proximo passado, havia muitas pessoas, que Pertendiam tomar de aforamento varios chaons nas ditas terras para nelles edificarem cazas; no que as ditas Religiosas convinham por entenderem ser assim mais util ao dito seu Convento formando-se nas ditas terras com as cazas dos Enfiteutas diversas ruas36.
Nestas escrituras discrimina-se um conjunto de cláusulas que os futuros emprazadores deveriam cumprir, nomeadamente a obrigatoriedade de iniciarem as obras de construção dos edifícios no “prezente anno” e sua conclusão no espaço de três anos; construção dos edifícios “á face da rua na forma das mais da mesma rua de sorte que esta fique uniforme”; obrigatoriedade de colocar sobre a porta principal do edifício “huma pedra com seu letreiro, que diga = Trinas nº [do prazo]”; obrigatoriedade da reparação dos edifícios em caso de ruina por “cauza de fogo, terramotos, ou por qualquer outro motivo que seja”; “que nem elles enfiteutas, nem seus sucessores po[ssa]m em tempo algum impedir aos mais Enfiteutas o levantamento das suas propriedades com o pretexto de vista do mar, nem com outro algum por ser esta hua das principaes condiçoens deste, e mais emprazamentos”37, confirmando assim o desaparecimento de “privilégios antigos […] [dos quais justamente] os das leis «zenonianas», de carácter consuetudinário, que asseguravam desafogo de vistas”38.
A maioria das escrituras de emprazamento dos 519 talhões realizou-se entre 16 de fevereiro de 1756 e 20 de abril de 175739, por valores ligeiramente inferiores aos da avaliação. Percebe-se uma ordem rigorosa na definição sequencial do número dos lotes, que se iniciavam na rua de Buenos Aires percorrendo as vias de norte para sul e de nascente para poente. Dentro dos quarteirões a lógica é parcialmente invertida, com a numeração a ser atribuída de poente para nascente. O rigor com que são marcados os lotes até ao nº 383 é estranhamente abandonado na marcação dos derradeiros, localizados na rua das Praças, nos dois quarteirões a nascente da rua das Trinas e nos extremos noroeste do loteamento (na rua de São Ciro e extremo norte da rua da Bela Vista, atual eixo formado pelas ruas do Quelhas e dos Navegantes). Embora não tenha sido possível compreender o motivo para esta súbita alteração, parece refletir um desenvolvimento a dois tempos da planta do loteamento40.
Contrariamente ao que a sua rapidez possa indiciar, o processo de emprazamento não foi linear. Com efeito, um elevado número de contratos (mais de 20% dos talhões) foi cancelado nos meses ou anos seguintes, ainda que substituídos por outros pouco depois.
A celebração de contratos de emprazamento por três vidas41 (ocasionalmente transformados em fatiozins perpétuos ao longo das décadas seguintes) levou a que os domínios passassem de pais para filhos. Na primeira metade do século XIX, e conforme as terceiras vidas dos emprazamentos originais se foram aproximando do fim, assiste-se a um elevado número de vendas de domínios a proprietários já sem ligação aos originais. E se numa fase inicial este enorme empreendimento retirou às religiosas o usufruto de mais de 95% das suas terras agrícolas, em compensação deu-lhes um avultadíssimo rendimento anual de quase um conto e quinhentos mil réis. No entanto, o facto de estes valores serem apenas atualizados com a celebração de contratos com novos aforadores após da extinção dos emprazamentos originais, tornou estas quantias cada vez mais residuais para o quotidiano do convento42.
Embora se assuma que edifícios de pedra e cal estivessem em construção nas semanas que se seguiram ao início da operação de aforamento, a primeira vistoria camarária ocorreu apenas a 1 de julho de 1756, na sequência dos embargos feitos às obras que António José de Carvalho e José Rodrigues Teixeira estavam a fazer nas suas propriedades, as do primeiro no gaveto das ruas São João da Mata e das Praças (lotes n.º 172-175) e as do segundo apenas com frente para a última (lotes n.º 396-397). Emitido no “sabado [anterior (26 de junho)] pellas 5 Oras da tarde […] [o embargo deveu-se ao facto de] não ha[ver] ainda ruas de passagem publica”43 no local, o que demonstra que quando o bairro se começou a desenvolver as ruas estariam apenas marcadas e não abertas. O alinhamento definido deveria servir para
adoçar [mitigar] a sobida que faz a dita rua [das Praças] para a parte da rua direita das Trinas [e assim servir] de ponto para as mais que se forem edeficando com o preceito não somente de não por degraus nas ruas, mas de entulhar esta ate as couceiras [soleiras das portas] das ditas cazas fazendo as janelas destas em altura de dezasseis palmos, e não levantando mais que dous andares de sobrados, sendo obrigado a calcar a testada das ditas casas até o meio das ditas ruas44.
Estes dados permitem compreender a precariedade do sistema original de marcação das ruas e, principalmente, da realidade vivida no Bairro das Trinas no decorrer dos primeiros meses, altura em que seria pouco mais do um terreno no qual se havia demarcado o traçado das ruas com recurso a estacas e cordas. Assim, a vistoria realizada por alguns dos principais técnicos do Senado (de entre os quais o próprio Eugénio dos Santos) constituía o garante da legalidade e conformidade com as boas práticas arquitetónicas e urbanísticas, ainda que se tenha limitado apenas a assegurar uma aparente retilinearidade do traçado das ruas.
Como visto, a iniciativa das freiras Trinas esbarrava com as pretensões régias de impedir, até à publicação dos planos gerais de expansão da cidade, toda e qualquer nova construção de paredes de pedra, e cal, frontaes, ou tabiques nas áreas arruinadas. No entanto, verificou-se uma estranha complacência e cumplicidade das autoridades competentes, desde logo na forma como o Senado da Câmara foi sucessivamente vistoriando, cordeando e aprovando a construção de novas casas no bairro a partir de julho de 1756. O expedito processo de emprazamento e edificação terá decorrido com naturalidade até ao momento em que as religiosas apresentaram junto do rei uma petição solicitando ao Senado a substituição da prática de vistoria por edifício por uma única para todo o bairro (conseguindo assim reduzir os custos dos emprazadores, que pagavam mais de 11 mil réis para o efeito). Como resposta, a 16 de setembro seguinte, D. José ordena que não se permita “a execucção do Mappa, que as ditas Religiosas mandárão ordenar para o seu terreno [e que o Senado não possa] intrometer-se em fazer vistorias nas casas, que se intentarem fabricar”45. Com essa decisão, o monarca procurou travar o desenvolvimento de um dos principais núcleos habitacionais em construção sem o seu aval e, simultaneamente, acabar com o beneplácito camarário de autorizar a legalização de construções proibidas por decreto régio46. Por essa altura, as religiosas Trinas tinham já celebrado mais de 400 contratos de emprazamento, estando certamente em construção um elevado número de edifícios. O caráter ilegal da urbanização não foi suficiente para impedir novos contratos nem para parar a edificação nos chãos emprazados, principalmente porque o Procurador da Cidade, António Pereira Viveiros, se recusou a acatar a resolução régia47. Por entre esta indefinição, o loteamento continuou a ser desenvolvido e a área foi-se consolidando. O levantamento da proibição ocorreu a 12 de maio de 1758, altura em que, por Alvará com força de Lei, o Rei tornou a permitir a construção assim "querendo os Donos dos respectivos solos edificar na conformidade do sobredito Plano"48.
Esta decisão também terá influido positivamente no normal desenrolar das operações de loteamento e aforamento que então se desenvolviam em terras contíguas ou próximas às das Trinas49. Logo no início de dezembro de 1755, Francisco Xavier Pedro de Souza encontrava-se a aforar chãos da sua Quinta da Bela Vista, situada entre a face nascente da rua com o mesmo nome (atual rua dos Navegantes) e a calçada da Estrela50. Ainda no mesmo ano, começaram-se a construir barracas nos terrenos da Casa do Infantado51, encravados entre os dois casais das Trinas, de que adiante se falará mais em detalhe. A poente do loteamento das religiosas, em maio de 1756 o conde de Redondo solicita aos mestres da cidade a avaliação dos seus terrenos foreiros ao Mosteiro de Santos-o-Novo para poder “aforar e arrendar as ditas terras em partes separadas”52. Por seu turno, a 11 de dezembro de 1757, Rodrigo António de Noronha e Menezes passa a Frei Caetano de Santa Inês (também procurador das Trinas) uma procuração para que
possa ajustar os preços, e constituir foro fatuezins nas terras da Cotovîa53, e na cerca do palacio dos Mariannos para se fazerem cazas na conformidade da medição, e mappa, que para isso se fez, e aos novos foreiros poderá fazer escripturas com as clausulas de Direito54.
Deste último empreendimento surgiria um pequeno núcleo habitacional composto por algumas dezenas de chãos à rua de São João da Mata e travessa Nova de Santos, confinante a sueste com os terrenos e Convento das Trinas.
O FIM DE UMA ERA: A EXTINÇÃO DO CONVENTO55
No decorrer de uma política de verificação, inventariação e análise dos bens das Ordens Religiosas, entre 22 de dezembro de 1858 e 19 de janeiro de 1859 procedeu-se à elaboração do inventário dos bens do Convento de Nossa Senhora da Soledade, pelo secretário da Comissão da Extinção das Ordens Religiosas, Miguel Augusto Pacheco. Neste âmbito foram descritos e avaliados os prédios rústicos e urbanos “com declaração da sua situação, qualidade e natureza, nome dos enfiteutas, importância dos foros e datas dos títulos de emprazamento, com indicação dos cartórios em que foram lavrados”56. A informação recolhida encontra-se apresentada num quadro com 22 folhas e 341 registos de foros, discriminando, em colunas sucessivas, a “qualidade e natureza dos foros”, o “nome dos enfiteutas”, o montante dos “foros”, “datas de pagamento”, “datas das escrituras ou títulos de emprazamento”, “cartórios em que foram lavradas”, “valor dos prazos” e “situação dos prazos” e, por último, uma coluna “observações”57. Até ao registo número 318 todos os prazos se situam na freguesia da Lapa, então bairro de Alcântara. A partir do registo 319, os foros são referentes a prazos situados em Arruda, Oeiras, Vila Franca de Xira, Barreiro, Sintra, Cadaval, Mercês e Ourique. A importância dos foros pagos entre 1725 e 1859 era de 1996$698 e o valor total dos prazos correspondia ao montante de 39 939$370.
No dia 28 de janeiro de 1859 procedeu-se à descrição e avaliação do edifício e cerca do convento, na presença da Vigária Soror Maria Bárbara do Carmo, do comissionado eclesiástico Joaquim José Tomás, de duas testemunhas nomeadas pelo administrador do bairro (Guilherme António Costa e Manuel Ferreira da Silva) e de Miguel Augusto Pacheco, secretário da Comissão. O convento foi avaliado em 10.000$000 e a cerca em 672$000. Esta compunha-se “de dois bocados de terra de semeadura, um taboleiro de orta, com um poço sem engenho, parreiras sobre esteiros de madeira, algumas oliveiras, e umas barracas anexas, e sendo a sua renda importante em 38$400”58.
Da avaliação resulta notório que o rendimento principal do convento provinha dos aforamentos dos prazos que detinha no espaço envolvente, correspondente aos terrenos da primitiva cerca.
O convento é suprimido a 14 de janeiro de 1878 na sequência da morte da última religiosa59, tomando a Fazenda Pública posse do edifício e da cerca quatro dias mais tarde60. Nesse mesmo ano as Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição instalaram-se no edifício conventual, onde ficariam até 1910, altura em que saíram por determinação do governo republicano.
Pouco tempo após a passagem da propriedade para o Estado iniciou-se uma longa batalha legal entre a Casa Cadaval e o Estado Português, na qual a primeira reclamava a posse dos direitos sobre as propriedades construídas nos antigos casais de Buenos Aires e da Boa Vista. Justificava-o com base na interpretação de que a impossibilidade de apresentar as duas freiras de véu preto prevista pelo contrato de doação de 1662 constituía motivo para a devolução dos bens aos descendentes do doador61. Os requerimentos dos descendentes da Casa Cadaval continuaram pelos anos seguintes. Em 1886, a Casa é acusada de receber indevidamente foros do casal de Buenos Aires62. Dez anos mais tarde a situação mantinha-se, levando o Conselheiro Delegado do Tesouro a remeter ao Ministério dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça, cópia da escritura de doação do casal da Boa Vista, datada de 4 de julho de 1662, feita pelos duques de Cadaval Dom Nuno Alvares Pereira e Dona Maria de Faro, juntamente com outros documentos referentes aos bens do convento63. A disputa continua até aos primeiros anos do século XX, sabendo-se que em outubro de 1904 o assunto havia subido em apelação ao tribunal64.
O processo arrastar-se-ia por várias décadas, ao longo das quais os emprazadores foram pagando e remindo os respetivos foros à Casa Cadaval, não sendo claro o seu desfecho. Sabe-se, no entanto, que na década de 80 do século passado, o Instituto Hidrográfico instalado no edifício conventual compra a denominada “Cerca Grande”65. Na altura, o espaço era ocupado por algumas famílias que habitavam em casas humildes e os terrenos encontravam-se na sua maior parte incultos e, as poucas árvores de frutos ali existentes resumiam-se a algumas vinhas e figueiras66. A “Cerca Grande” foi adquirida pelo Instituto Hidrográfico à Casa Cadaval para construção de dois novos edifícios para ampliação das instalações existentes e parque de estacionamento67.
CARATERIZAÇÃO URBANÍSTICA E EVOLUÇÃO CONSTRUTIVA E ARQUITETÓNICA DE UM BAIRRO COM MUITOS TEMPOS
O Bairro das Trinas nasceu da urbanização dos antigos casais de Buenos Aires e da Boa Vista. Implantados a meia encosta, em terrenos de elevada pendente, formavam um território com cerca de 14 hectares no qual delineadas várias ruas com cerca de 50 palmos de largura (11 metros). Este dado constitui a mais importante marca identitária do desenho urbanístico do bairro, visto que contemporaneamente apenas as seis ruas principais do plano da Baixa foram rasgadas com maior envergadura68. Assim, os arruamentos do Bairro das Trinas são mais largos do que a maioria dos que foram abertos em empreendimentos privados até às primeiras décadas do século XX69, facto importante para a salubridade do local mas estranhamente pouco de acordo com os interesses subjacentes a um loteamento privado, cuja principal preocupação tende a ser a maximização do espaço a lotear.
Embora os respetivos limites se tocassem, entre os dois casais havia uma propriedade de médias dimensões pertencente à Casa do Infantado que acabou por influir na forma como se deu o desenvolvimento urbanístico do loteamento, dividindo-o em duas zonas de características distintas, fisicamente unidas no extremo nascente pela antiga rua da Bela Vista.
Assim, na parte norte do terreno das Trinas foram rasgadas as ruas de Buenos Aires e de São Ciro, paralelas entre si e unidas pela rua de Feliciano Velho [Oldemberg], fidalgo da Casa Real, que aí tinha uma grande propriedade. O facto de não haver outras ruas de ligação entre as duas primeiras propiciou a criação do maior quarteirão do Bairro das Trinas, do qual as religiosas possuiam apenas 80% da área70, que dividiram em 30 lotes (do nº 23 ao 52), a maioria com frente para ambas as ruas. A grande dimensão destes lotes (com 30 palmos de frente por mais de 400 de fundo, cerca de 6,6x50 metros) seria potencialmente aliciante para atrair emprazadores de grandes posses que procurassem terrenos suficientemente grandes para conter edificação e jardim. No entanto, a quase totalidade destes chãos acabaria por ser tomada de emprazamento por José Rodrigues Lisboa, que neles construiu uma propriedade de casas nobres com jardim de aparato e horta, onde passou a morar. Ao longo dos tempos, a sua residência distinguiu-se das demais do bairro, constituindo-se como uma das mais importantes e faustosas de toda a Lapa71.
Na rua de Nossa Senhora da Lapa (atual rua da Lapa) e a sul desta, a configuração urbanística é diferente, pois a ortogonalidade do traçado dos arruamentos possibilitou a divisão em quarteirões e lotes mais regulares72. Assim, os chãos com frente para as ruas de São Félix, São João da Mata e Nossa Senhora dos Remédios (atual rua dos Remédios à Lapa) possuem dimensões semelhantes (30x109 palmos, cerca de 6,6x24 metros), detetando-se igualmente uma métrica regular na face sul da rua da Lapa (30x150 palmos, cerca de 6,6x33 metros). Por seu turno, os quarteirões implantados entre as ruas das Trinas e do Meio eram compostos sobretudo por lotes com frentes para ambas. Contrariamente ao que muitas vezes ocorreu em empreendimentos do género em Lisboa, foram raros os casos de fragmentação de lotes para incorporação de parte da sua área em chãos vizinhos. A ampliação de um terreno implicaria necessariamente a compra integral de um ou mais talhões contíguos, o que permitiu manter a integridade da métrica construtiva destes quarteirões, ainda hoje assente em módulos de 30 palmos de largura.
Nem tudo o que atualmente se entende como Bairro das Trinas se implanta nas propriedades das religiosas ou foi por elas emprazado. Na verdade, a forma como toda a área da Lapa se desenvolveu massivamente a partir de 1756 consolidou-a de um modo que tornou difícil traçar os limites rigorosos do bairro. Se a sul (rua da Santíssima Trindade), nascente (eixo formando pelas ruas do Quelhas e dos Navegantes) e poente (rua de São Domingos) a delimitação não levanta grandes dúvidas, traçar o limite norte é mais complicado devido à irregularidade das estremas dos terrenos das freiras (ver Figura 4).
Como visto, nos dias seguintes ao terramoto, parte do Casal d’El Rei ou Casal da Estrela da Casa do Infantado foi ocupado por diversas habitações abarracadas, “uma delas dedica[da] ao culto de Nossa Senhora da Lapa, devido a uma imagem da Senhora, que escapou milagrosamente da catástrofe”, e que esteve na origem do Recolhimento da Lapa73, o maior edifício de todo o bairro. Concretizada pela Casa do Infantado, uma operação de emprazamento semelhante e contemporânea à das freiras Trinas ocorreu na face sul da atual travessa do Combro e na rua de Santana à Lapa, um caminho pré-existente de traçado sinuoso, cuja manutenção justifica a forma precária como esta propriedade foi consolidada. Logo em 1756, no contexto do grande plano da Casa do Risco para a zona ocidental da cidade, houve uma primeira tentativa de regularização desta área. Procurando coser o bairro com outras zonas da cidade, projetou-se o prolongamento de algumas das ruas do loteamento das Trinas através do terreno da Casa do Infantado, nomeadamente a de São Félix que, entroncando na de Santana, provindenciaria uma ligação direta ao Senhor Jesus da Boa Morte. No entanto, muito provavelmente devido à elevada pendente do terreno, o plano foi abandonado, obrigando, em alternativa, ao prolongamento para norte da rua de São Domingos, que originalmente terminava na rua da Lapa. Com ele caiu também a proposta de abertura de um novo arruamento entre as ruas de Buenos Aires e de São Ciro.
A intenção de regularizar o terreno da Casa da Infantado acabaria por se manter. No final do século XVIII, Francisco António Ferreira (Cangalhas) elaborou um mapa topográfico74 que incluía uma proposta de reestruturação de toda a área central do bairro, aproveitando a ideia do projeto de 1756 de rasgar um arruamento paralelo à rua da Lapa e de prolongar a das Trinas. Uma vez mais, nada foi concretizado. Em 1781, a reconfiguração da rua de São Ciro marca a derradeira transformação urbanística do bairro, em consequência do início da construção do Convento do Santíssimo Coração de Jesus (cuja igreja ficou conhecida como Basílica da Estrela) que se implantou justamente em parte do seu traçado. Perdendo o estatuto de uma das principais saídas do bairro75 e grande parte da sua extensão, este arruamento absorveu o pequeno troço da antiga rua de Feliciano Velho, assim tomando a configuração em L que ainda hoje mantém.
Contrariamente ao que a rapidez da operação de urbanização e celebração dos contratos de aforamento poderia indiciar, o desenvolvimento do Bairro das Trinas foi lento, prolongando-se por mais de dois séculos. Em rigor, continua ainda.
Nos livros de arruamentos e propriedades da Décima da Cidade da freguesia de Santos do princípio da década de 176076, há menção a diversos chãos devolutos ou por edificar, o que prefigura, possivelmente com a complacência das freiras, uma quebra reiterada da cláusula de obrigatoriedade da edificação dos lotes no espaço de três anos, a mais importante nos contratos de aforamento do género na Lisboa de então. Este dado é também confirmado pela cartografia, na qual é possível distinguir um elevado número de chãos por construir, mesmo em épocas mais recentes. Neste particular importa distinguir duas realidades: embora fossem raros, houve lotes que se mantiveram vazios durante largos períodos, como o terreno formado pelos n.º 105 e 106 (atual rua da Lapa, 42), que só foi ocupado em 1945 por um edifício projetado por Raul Tojal.
Mais comuns eram os casos em que o mesmo emprazador tomava para si vários lotes contíguos, construindo nuns e transformando outros em jardins formais, quintais ou hortas, separados fisicamente da rua por muros. Embora existam contratos iniciais de emprazamento de mais do que um talhão por parte do mesmo outorgante, na maioria das vezes estes conjuntos resultaram do aproveitamento dos diversos contratos cancelados. Tomando conhecimento de que um ou mais lotes confinantes se encontravam de novo livres, muitos emprazadores tiveram a iniciativa de os tomar para si de modo a aumentar a área do seu terreno. Esta realidade tornou-se de tal forma vincada que alterou a morfologia do Bairro das Trinas, originalmente pensado para ser constituído por pequenas construções com quintal.
Assim, o bairro foi-se compondo de forma lenta e quase anárquica. Para o efeito contribuiu a falta de uma cláusula a obrigar os proprietários a construírem segundo prospetos, conforme ocorria em algumas das urbanizações então em desenvolvimento na cidade. Nos primeiros anos, em pelo menos metade dos lotes edificaram-se barracas, termo que à época não se encontrava estabilizado mas que apontaria para uma construção em materiais menos nobres e duradouros, de caráter tendencialmente provisório77. Era possível encontrar este tipo de construções em todas as ruas do bairro, o que pode indiciar uma estratégia para cumprir a já referida cláusula de obrigatoriedade de edificação ou para responder à premência das necessidades habitacionais no pós-terramoto, espelhada também no modo como, desde cedo, um elevado número de propriedades (de pedra ou abarracadas) foram total ou parcialmente arrendadas. A descrição dos primeiros edifícios de pedra e cal aponta para uma tipologia corrente, geralmente com uma ou duas loges e outros tantos andares, raramente com águas-furtadas. No entanto, em diversas localizações, desde cedo surgiram propriedades de casas ou quartos nobres, que serviam quase sempre de habitação para os seus proprietários.
Esta heterogeneidade construtiva reflete uma heterogeneidade social. Inicialmente, a maioria dos emprazadores residia em zonas próximas (Mocambo e sítio do Senhor Jesus da Boa Morte, mas também nas Janelas Verdes, Pampulha ou São Bento), sendo raros os que habitavam noutras áreas da cidade ou em construções abarracadas nas cercas de conventos, nomeadamente na de São Bento da Saúde. Esta situação altera-se a partir do final da década de 1750, altura em que a quase totalidade dos emprazadores morava no Bairro das Trinas, e, como se referiu, procuravam essencialmente lotes contíguos aos seus. Identificam-se também diferentes tipologias profissionais conforme as zonas de implantação: mais a norte (rua de Buenos Aires) e oeste (rua de São Domingos) fixam-se membros de classes elevadas (desembargadores e oficiais de diversas casas do reino, homens de negócio, capitães de mar e guerra…) que aí emprazavam terrenos compostos por vários lotes. Nas áreas mais baixas (a sul da rua da Lapa) há uma maior diversidade, encontrando-se emprazadores de lotes únicos com profissões liberais / populares (mestres pedreiros, carpinteiros e azulejadores, alfaiates, pintores, sapateiros, marinheiros, calafates…) mas também outros, mais abastados, que tomavam vários lotes. Pelo tipo de proprietário, dimensão dos lotes e características dos edifícios construídos, a área mais a norte apresenta uma imagem urbana diferenciada, mais próxima da que, a poente desta, se desenvolve na mesma altura, a Lapa aristocrática78, onde predominam os palácios e palacetes implantados em lotes de grandes dimensões79.
Até ao final do século XVIII assistiu-se a uma progressiva consolidação construtiva do Bairro das Trinas. Em 1780, as propriedades de casas são cada vez menos modestas e o número de barracas torna-se residual, acantonando-se quase em exclusivo na parte sudoeste, nomeadamente nas ruas das Trinas e do Meio, que desde o início eram as áreas mais humildes do bairro. São já vários os casos de arrendamentos de casas nobres a estrangeiros, seguindo a lógica vigente na área composta pela Lapa Aristocrática, Janelas Verdes e rua de São Francisco de Paula80.
Na transição para o século XIX, nos livros da Décima da Cidade são já escassas as menções a terrenos por construir ou a construções abarracadas. A quase totalidade do edificado é então formada por um número variável de lojas, um a três andares e águas-furtadas, numa tipologia que se desenvolveu no bairro a partir da segunda metade de Setecentos e que estabilizou ao longo do século seguinte. O facto de a consolidação construtiva ter por base um modelo de edifício progressivamente maior permitiu que mais cómodos fosse arrendados81, o que se refletiu num crescente número de residentes, na ordem dos milhares em 1800. No entanto, esta realidade alterar-se-ia nas décadas seguintes, a ponto de já se encontrarem diversos edifícios integralmente devolutos em 1833.
Do ponto de vista construtivo, o século XIX foi um tempo particularmente ativo no bairro. Além de se acentuar a construção de edifícios de dimensões cada vez maiores, foi comum a ampliação de construções setecentistas. Trata-se de uma prática profundamente enraizada na arquitetura deste período, que recorria à adição de pisos e/ou de volumes no interior dos lotes acompanhada pela alteração dos vãos82. O trabalho era feito com tal rigor que estas intervenções só eram percetíveis pela diferente aplicação de materiais e elementos ao novo gosto (nomeadamente azulejos, platibandas e elementos decorativos) ou por diferentes níveis de desgaste nas cantarias. Na atualidade subsistem ainda diversas frentes consolidadas com edifícios oitocentistas, por vezes formadas por construções de raiz e ampliações, como é o caso dos edifícios implantados nos antigos lotes n.º 120 e 121 (atual rua da Lapa, 107-111) e 122 (atual rua da Lapa, 103). O primeiro resulta do projeto de construção nova de um edifício de dois pisos que Francisco José Pereira Soares apresentou à Câmara Municipal de Lisboa em março de 1860; o segundo da ampliação de mais um piso e aproveitamento do sotão pelo proprietário Augusto Simões de Abreu em 1885 (Figuras 9 e 10).
Este período é marcado pelo alargamento da rua da Santíssima Trindade (atual rua Garcia de Orta) em 1883, levando a um processo de expropriação que culminou no quase total arrasamento das construções da face sul da rua, parcialmente edificadas nos terrenos das religiosas.
Chegado ao início do século XX, o Bairro das Trinas era então um espaço onde coexistiam várias tipologias, lógicas de ocupação e arquiteturas. É neste período que, ao consolidar as frentes de rua, o preenchimento dos vazios construtivos concretiza a lógica inicial da urbanização. Para além da substituição de edificado mais antigo83, desaparecem muitos dos jardins de origem setecentista84. Denota-se um importante incremento da atividade construtiva a partir da década de 1920, quando começam a ser consolidadas largas áreas até então por construir. Entre 1922 e 1935 é totalmente edificada a frente sudoeste da rua de Santana à Lapa, em antigas terras da Casa do Infantado que até então pertenciam ao Recolhimento da Lapa. É também neste período que se inicia a consolidação da parte sueste da rua de São Ciro85, com o conjunto de cinco edifícios que, entre 1928 e 1930, o construtor civil Álvaro António Prazeres edifica para João Rodrigues de Carvalho86.
Até meados da década de 1930, a maioria dos novos edifícios apresentam métricas e ritmos muito semelhantes aos dos que se haviam construído até então. No entanto, destacam-se pontuais mas importantes exceções, nomeadamente as de três construções que quebraram com os preceitos pós-pombalinos que o bairro sempre havia tido desde o seu início, todos assinados por arquitetos com obra reconhecida, numa tendência que se viria a enraizar até meados do século87.
Em 1901, o negociante José Lino da Silva dá entrada nos serviços camarários de um projeto para uma habitação unifamiliar de grandes dimensões para um terreno na face sul da rua da Santíssima Trindade88. Embora o desenho não esteja assinado, o nome de Raul Lino, seu filho, surge como construtor civil responsável da obra89. Assemelhando-se “a um pequeno e gracioso petit château”90 de linguagem romântica, integralmente revestido a pedra e com uma torre circular que incorpora a caixa de escada, é um edifício mais enquadrado na arquitetura sua contemporânea projetada para os Estoris, do que para qualquer bairro residencial da cidade. Para além da total rutura da linguagem arquitetónica, a sua implantação oblíqua e recuada face à frente de rua quebra com um princípio plasmado nos contratos setecentistas celebrados pelas freiras trinas e até então integralmente cumprido.
Em 1907, Úrsula Rebello Borges encomenda a Guilherme Gomes, habitual colaborador de Raul Lino, uma casa unifamiliar para o lote n.º 350, de gaveto entre as ruas de São Domingos e das Praças, que nunca havia sido construído. Tratando-se de um terreno triangular, de difícil concretização, o arquiteto acompanha inteligentemente a sua configuração através de sucessivos recuos da volumetria e cobertura de grande inclinação.
Mais recentemente, em 1921, Miguel Nogueira Júnior assina aquele que é porventura o mais emblemático edifício do século XX em todo o bairro, atualmente conhecido como a Casa dos Açores, nome do organismo aí instalado desde 1970. Encomendado por José Manuel Perestrelo d’Orey, é um edifício de 4 pisos com uma planta triangular que acompanha a morfologia do lote91. A sua modernidade reflete-se na forma como se constitui como o primeiro prédio no bairro a romper com o preceito clássico de fachada de vãos regulares ao optar por volumes salientes e fenestrações de diferentes formatos e dimensões que se vão reduzindo progressivamente nos andares mais elevados, bem como pela cobertura em terraço, possivelmente a primeira na cidade92.
A década de 1930 representa um ponto de charneira na arquitetura do Bairro das Trinas. Pela primeira vez são construídos, de forma sistemática, edifícios plurifamiliares de betão armado que, cumprindo já os novos regulamentos de edificação, são abertamente dissonantes dos demais do bairro em métricas e proporções, materiais e desenho de planta, o que se refletiu num novo modo de habitar. Dos vários exemplares, salientam-se aqueles que, ocupando maioritária ou integralmente frentes de rua, se constituem como uma secção uniforme deste novo tempo. São disso caso, os dois edifícios da autoria de Raul Tojal que ocupam um quarteirão à rua de Buenos Aires93 (1937) e o conjunto de três edifícios construídos na rua de São Félix entre 1938 e 1941 (dois da autoria do arquiteto Carlos Santos Dias e um de Rodrigues Lima, implantados nos lotes das n.º 313 a 318 do loteamento original).
Duas habitações unifamiliares construídas no final desta década merecem menção pela raridade da tipologia neste período, sua autoria e pela forma como se integram no bairro. Num terreno contíguo à Casa dos Açores, originalmente da Casa do Infantado (travessa do Combro 1), Raul Rodrigues Cohen encomenda em 1938 a Raul Lino um edifício de pequenas dimensões. O arquiteto utiliza uma linguagem que se afasta da Casa Portuguesa mas que se integra em pleno na que utiliza nas suas “construções urbanas”, caso das casas Ribeiro Ferreira ou Elisa Vaz. A Casa Rodrigues Cohen é, assim, marcada por um elevado número de fenestrações e subtis volumes, destacando-se na fachada uma bow window. No plano oposto, encontra-se a casa que, entre 1939 e 1940, Tertuliano de Lacerda Marques projeta para Pedro de Queiroz Gaivão para a face sul da rua da Lapa (atual n.º 73), uma das maiores habitações unifamiliares construídas em Lisboa no decorrer do século XX. Edifício com 4 andares e cobertura plana, apresenta uma fachada que se apropria de vários referenciais (modernos e tradicionais) em uso na arquitetura da primeira metade do século XX, nomeadamente beirados e grelhas de ventilação em cimento. É, ainda hoje, um exemplar de características únicas na cidade, profundamente disruptivo e dissonante, que tal como o projeto da Casa dos Açores pode ser entendido como uma experiência.
Terminada a década de 1930, a tendência de construção de edifícios assinados por arquitetos conceituados diminui progressivamente, sendo incontornável o edifício de grandes dimensões que Cassiano Branco (1949) projeta para um terreno com duas frentes situado no extremo noroeste do loteamento original das freiras (rua dos Navegantes, 53 / rua de São Ciro, 65)94, com localização privilegiada para a Basílica da Estrela. Apesar da volumetria, tem uma presença discreta na envolvente, o que não diminui a enorme qualidade do tratamento dos volumes da sua fachada ou da forma como se implanta no terreno, constituindo-se como um dos melhores exemplares da Lisboa do seu tempo.
Do ponto de vista urbanístico, neste período, destaca-se o plano de urbanização da Lapa (não executado) elaborado pelos serviços camarários em 1957 que previa um realinhamento dos traçados das algumas da ruas95 e a consequente demolição de grande parte do edificado.
NOTAS FINAIS
Espraiando-se sobranceiro ao Tejo, o Bairro das Trinas foi, a par com o da Cotovia, um dos maiores loteamentos privados delineados no pós-Terramoto de 1755, tendo de imediato sido incorporado nos planos oficiais da Casa do Risco. A forma como foi sendo progressivamente diluido na cidade levou a que hoje se insira num núcleo urbano mais alargado, a Lapa. Não obstante, este espaço manteve uma identidade própria conferida pelo seu urbanismo diferenciador, pela toponímia das suas ruas relacionada com a Ordem da Santíssima Trindade e pela forma como, desde a sua implantação, o termo Bairro das Trinas96 tem sido empregado para o designar. A conjugação quase perfeita da pendente do seu terreno com a largura e orientação das ruas em direção ao rio (e consequente luminosidade), resultam num espaço urbano com uma vincada imagem na cidade.
Urbanisticamente consolidado desde a sua construção, foi revelando distintos ritmos construtivos e dinâmicas de ocupação do seu território, num processo que se prolongou por mais de dois séculos. Com o progressivo preenchimento dos lotes vazios, as edificações mais recentes resultam da substituição de pré-existências de pequena e média dimensão, a maioria setecentista e devoluta. Em rigor, o século XXI limita-se a acompanhar a tendência dos anteriores, perpetuando o caráter de constante mutação de um bairro que, mantendo intacta a sua matriz urbanística original, sempre recebeu as tendências arquitetónicas e construtivas dos diferentes tempos.
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FONTES
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SILVA, João Mosteiro de Nossa Senhora da Soledade / Convento das Trinas de Mocambo / Instituto Hidrográfico da Marinha. In SIPA Sistema de Informação para o Património Arquitetónico [Em linha]. [Lisboa]: DGPC, 1992. [Consult. 30/10/2019] Disponível na Internet: http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=3151. [ Links ]
SIMÕES, João Miguel O Convento das Trinas do Mocambo: estudo histórico-artístico. Lisboa: Instituto Hidrográfico, 2004. [ Links ]
TEIXEIRA, Maria Francisca Assis O Convento das Trinas. Lisboa: Instituto Hidrográfico, 1990. [ Links ]
RECURSOS ONLINE
Lisboa em Azulejo [Em linha]. Lisboa: Faculdade de Ciências Socias e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa. [Consult. 29/10/2019]. Disponível na Internet:http://lisboaemazulejo.fcsh.unl.pt/.
Lisboa Interativa[Em linha]. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa [201-]. [Consult. 30/10/2019]. Disponível na Internet: http://lxi.cm-lisboa.pt/lxi/
LXCONVENTOS: da cidade sacra à cidade laica: a extinção das ordens religiosas e as dinâmicas de transformação urbana na Lisboa do século XIX [Em linha]. Lisboa: Câmara Muncipal de Lisboa, 2013-2019. [Consult. 30/10/2019]. Disponível na Internet: http://lxconventos.cm-lisboa.pt/.
Submissão/submission: 03/11/2019
Aceitação/approval: 12/12/2019
NOTAS
1CASTRO, João Baptista de Mappa de Portugal antigo, e moderno. Lisboa: Officina Patriarcal de Francisco Luís Ameno, 1763. tomo terceiro, parte V, p. 429.
2A investigação para o presente artigo foi realizada no contexto do projeto LxConventos Da cidade sacra à cidade laica. A extinção das ordens religiosas e as dinâmicas de transformação urbana na Lisboa do século XIX [Em linha]."(PTDC/CPC-HAT/4703/2012). Disponível na Internet: http://lxconventos.cm-lisboa.pt/.
3 SEQUEIRA, Gustavo de Matos - Depois do Terramoto: subsidios para a história dos bairros ocidentais de Lisboa. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1933. vol. IV, p. 109-110.
4 SILVA, Augusto Vieira da Plantas topográficas de Lisboa. Lisboa: Oficinas Gráficas da Câmara Municipal de Lisboa, 1950.
5 Corresponderá a uma versão posterior e de menores dimensões do projeto inicial. Cf. SILVA, Raquel Henriques da Práticas urbanísticas dos monges de S. Bento no final do século XVIII em Lisboa: entre a tradição e inovação. In O Mosteiro de São Bento da Saúde: de casa religiosa a sede do Parlamento. Lisboa: Assembleia da República. No prelo.
6 MATOS, José Sarmento de Uma casa na Lapa. Lisboa: Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento: Quetzal Editores, 1994.
7 SÃO JOSÉ, Frei Jerónimo de - Historia chronologica da esclarecida Ordem da SS. Trindade, Redempção de Cativos, da Provincia de Portugal […]. Lisboa. Officina de Simão Thaddeo Fereira, 1794. vol. II, p. 210.
8 Sobre a comunidade flamenga em Lisboa ver o artigo de MENDES, Rui Manuel Mesquita Comunidade flamenga e holandesa em Lisboa (séculos XV a XVIII): algumas notas históricas e patrimoniais. In AMMENTU: Bollettino Storico e Archivistico del Mediterraneo e delle Americhe. Villacidro: Centro Studi SEA di Villacidro e Casa Editrice Aipsa di Cagliari. Nº 7 (luglio-dicembre 2015), p. 57- 90.
9 A preferência pelo título de Soledade é justificada pelo cronista trinitário Frei Manuel de Santa Luzia como advir da “especial devoção que tivessem a tão misterioso titulo, ou pela solidão do sitio o pedir assim”. SANTA LUZIA, Frei Manuel de Nobiliarquia trinitária: catalogo de varões ilustres em letras, virtudes e nascimento, filhos por profissão da Ordem da Santíssima Trindade da Provincia de Portugal. Lisboa: Officina de Miguel Manescal da Costa, 1766. p. 215.
10 Ver levantamento de propriedades e extensas referências documentais e bibliográficas em MENDES, Rui Manuel Mesquita op. cit., p. 75-82 e notas.
11 SANTA LUZIA, Frei Manuel de op. cit., p. 214.
12 Sobre o ramo feminino da Ordem da Santíssima Trindade, fundado por Frei António da Conceição ver SÃO JOSÉ, Frei Jerónimo de op. cit., p. 211 e segs.
13 ARQUIVO NACIONAL TORRE DO TOMBO (ANTT), Hospital de São José, Registo de instituição de capelas, liv. 180, f. 72-81v. Escritura de doação da quinta do Mocambo de 29 de janeiro de 1659 e testamento de 31 de dezembro de 1658.
14 ANTT, Hospital de São José, Registo de instituição de capelas, liv. 180, f. 72-81v. e liv. 241, f. 811-811v.
15 História dos mosteiros, conventos e casas religiosas de Lisboa. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1972. vol. II, p. 454.
16 SÃO JOSÉ, Frei Jerónimo de op, cit., vol. II, p. 211-212.
17 SÃO JOSÉ, Frei Jerónimo de op. cit., vol. II, p. 211.
18 SANTA LUZIA, Frei Manuel de op. cit., p. 218-219. Para a história do Convento de Nossa Senhora da Soledade ver ALBERTO, Edite Convento de Nossa Senhora da Soledade. In LXCONVENTOS Da cidade santa à cidade laica. A extinção das ordens religiosas e as dinâmicas de transformação urbana na Lisboa do século XIX [Em linha]. 2014. [Consult. 30/10/2019]. Disponível na Internet: http://lxconventos.cm-lisboa.pt/base-de-dados/
19 SANTA LUZIA, Frei Manuel de op. cit., p. 220.
20 SANTA LUZIA, Frei Manuel de op. cit., p. 221.
21 SANTA LUZIA, Frei Manuel de op. cit., p. 223-230.
22 ANTT, Ministério das Finanças, Inventário de extinção do Convento de Nossa Senhora da Soledade, cx. 1965, fts 701-775.
23 ANTT, Ministério das Finanças, Inventário de extinção do Convento de Nossa Senhora da Soledade, cx. 1965,f. 705.
24 Em compensação da remissão do foro de 40 móios de trigo que aqueles casais pagavam à Misericórdia de Lisboa, os duques poderiam também apresentar uma freira professa de véu branco “por huma vez somente”. ANTT, Ministério das Finanças, Inventário de extinção do Convento de Nossa Senhora da Soledade, cx. 1965, f. 716-717.
25 ANTT, Ministério das Finanças, Inventário de extinção do Convento de Nossa Senhora da Soledade, cx. 1965, f. 706, 710, 712.
26 Como podemos avaliar pela folha de esmolas do ano de 1719, segundo a qual doou 15 moios e 54 alqueires de trigo”. Dos quais, um moio reverteu para as Trinas do Mocambo. ANTUNES, Ana Maria Pessoa de Oliveira D. Nuno Álvares Pereira de Melo, 1.º Duque de Cadaval (1638-1727). Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1997. vol. I, p. 174. Dissertação de mestrado em História Moderna. A autora refere-se à Folha das esmolas que o Duque que Deos guarde tem dado este anno de 1719, f. 94-94v. do códice 834 do Arquivo Casa Cadaval.
27 Por indisponibilidade do Arquivo Casa Cadaval, não foi possível aos autores consultar a documentação referente a estes, onde certamente se encontrará referência à sua doação.
28 Ocidental: área entre Alcântara e São João dos Bemcasados; Central: Baixa Pombalina; Norte: freguesias de S. Mamede e de S. José, na zona do Valverde (atual avenida da Liberdade); Oriental: área da Graça e Penha de França.
Embora não se conheça qualquer desenho ou referência, o facto de toda a Colina de Santana surgir estranhamente ausente poderá indicar a existência de um estudo específico para a zona.
29 Edital de 10 de fevereiro de 1756. Collecção da Legislação Portugueza…, 1830, p. 412.
30 Edital de 30 de dezembro de 1755. Collecção da Legislação Portugueza…, 1830, p. 406.
31 MATOS, José Sarmento de op. cit, p. 33-36.
32 ANTT, 12.º Cartório Notarial de Lisboa Ofício B. Livro de Notas (Cx. 1, Lv. 1, f. 100).
33 A invocação do próprio nome da ordem trinitária na rua da Santíssima Trindade (atual rua Garcia de Orta). As ruas de São João da Mata e de São Félix (de Valois), referentes aos dois santos fundadores desta regra, em França no ano de 1198. A rua de Nossa Senhora dos Remédios (atual rua dos Remédios à Lapa), dedicada à"padroeira da Ordem. E"a rua de São Ciro, uma das principais devoções"da Igreja do Convento de Nossa Senhora da Soledade,"em imagem e corpo, cuja relíquia fora trazida de Roma nos inícios de Setecentos.
34 ANTT, 12.º Cartório Notarial de Lisboa Ofício B. Livro de Notas (Cx. 1, Lv. 1, f. 53v.).
35 No contexto do presente estudo foi feito o levantamento de quase 700 escrituras de emprazamento celebradas pelas religiosas trinas entre fevereiro de 1756 e agosto de 1764.
36 ANTT, 12.º Cartório Notarial de Lisboa Ofício B. Livro de Notas (Cx. 1, Lv. 1, f. 53v.).
37 ANTT, 12.º Cartório Notarial de Lisboa Ofício B. Livro de Notas (Cx. 1, Lv. 1, f. 69v.).
38 FRANÇA, José Augusto A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina. Lisboa: Biblioteca Breve, 1989. p. 31.
39 ANTT, 12.º Cartório Notarial de Lisboa Ofício B. Livro de Notas (Lvs. 1 a 10).
40 Em última análise, poderá sugerir uma intenção inicial das religiosas em manter, para cerca, o terreno a nascente do seu convento. No entanto, o mapa encontrava-se já completo em fevereiro de 1756, uma vez que logo nesse mês foram emprazados terrenos dispersos por todas as ruas do bairro, à exceção da de São Ciro.
41 A única escritura de aforamento (perpétua) ocorreu no lote onde foi construída a Capela do Senhor Jesus dos Navegantes.
42 No entanto, este facto era compensado em parte pelo recebimento de 10% do valor de cada venda de domínio (o chamado laudémio de décima previsto nos primeiros contratos de emprazamento).
43 Arquivo Minicipal de Lisboa (AML), Livro de Cordeamentos de 1756, f. 176.
44 AML,Livro de Cordeamentos de 1756, f. 178.
45 AML, [Decreto com orientações para a reconstrução de Lisboa]. Chancelaria Régia, Livro 10.º de consultas, decretos e avisos de D. José I, f. 14-14v.
46 No Livro de Cordeamentos de 1756 existe um total de 18 documentos alusivos às vistorias, cordeamentos e aprovação de projetos de construção feitos pelo Senado da Câmara no Bairro das Trinas entre 1 de julho e 20 de setembro.
47 Apud OLIVEIRA, Eduardo Freire de - Elementos para a história do município de Lisboa. Lisboa: Typographia Universal, 1910. tomo XVI, p. 330-339.
48 Caso dos seis lotes na rua da Praças (chãos n.º 390-395) que José Taveira Botelho empraza a 14 de maio de 1756 (ANTT, 12.º Cartório Notarial de Lisboa Ofício B, Cx. 1, Lv. 3, f. 83). Tendo construído a sua habitação num dos extremos do terreno, a área do jardim só começou a ser edificada em 1937 (rua das Praças, 13-17).
49 Embora este tema tenha já sido abordado por diversos autores (nomeadamente José Sarmento de Matos, Walter Rossa e, para um período posterior, Raquel Henriques da Silva), urge um maior aprofundamento da forma como se desenvolveu o urbanismo da zona da Lapa.
50 SILVA, Raquel Henriques da Lisboa Romântica: Urbanismo e Arquitectura, 1777-1784. Lisboa: [s.n.], 1997. vol. I, p. 602. Tese de doutoramento em História da Arte, apresentada à Universidade Nova de Lisboa.
51 QUEIROZ, Mónica Ribas - O arquitecto Mateus Vicente de Oliveira (1706-1785): uma práxis original na arquitectura portuguesa setecentista. Lisboa: [s.n.], 2013. Tese de doutoramento Belas-Artes (Ciências da Arte) apresentada à Universidade de Lisboa. p. 184.
52 MATOS, José Sarmento de op. cit., p. 48-55, 216-220.
53 Situado na antiga quinta dos Soares de Noronha, na encosta sul da Cotovia, o Bairro Pombal ou da Cotovia foi começado a urbanizar ainda antes do terramoto pela Companhia Edificadora.
54 ANTT, 3.º Cartório Notarial de Lisboa, Documentos de Livros de Notas, Mç. 26, Cx.18.
55 A investigação para este ponto" decorre do estudo iniciado para a comunicação"apresentada por Edite Alberto"no Colóquio Internacional “Da cidade sacra à cidade laica: dinâmicas urbanas e novas memórias”, 4 a 6 de novembro de 2015,"intitulada “Trinas do Mocambo e Trinas de Campolide: aforamentos urbanos nas cercas conventuais após o Terramoto de 1755”.
56 ANTT, Ministério das Finanças, Inventário de extinção do Convento de Nossa Senhora da Soledade de Lisboa, cx. 1965, f. 9.
57 ANTT, Ministério das Finanças, Inventário de extinção do Convento de Nossa Senhora da Soledade de Lisboa, cx. 1965, f. 10-32.
58 ANTT, Ministério das Finanças, Inventário de extinção do Convento de Nossa Senhora da Soledade de Lisboa, cx. 1965, fts. 4-5. Cf. ALBERTO, Edite Convento de Nossa Senhora da Soledade. In LXCONVENTOS Da cidade santa à cidade laica: a extinção das ordens religiosas e as dinâmicas de transformação urbana na Lisboa do século XIX [Em linha]. 2014. [Consult. 30/10/2019]. Disponível na Internet: http://lxconventos.cm-lisboa.pt/base-de-dados/.
59 Ao contrário do habitualmente afirmado, não existiu nenhuma lei que, de forma efetiva, tenha suprimido as casas religiosas femininas por morte da última religiosa. Ao invés, tal é afirmado apenas indiretamente no decreto de 9 de agosto de 1833, ao impedir a admissão de noviças.
60 ANTT, Ministério das Finanças, Inventário de extinção do Convento de Nossa Senhora da Soledade de Lisboa, cx. 1965, f. 318-319.
61 Pela escritura de 4 de julho de 1662, entre Dom Nuno Álvares Pereira de Melo, 1.º duque de Cadaval e as religiosas Trinas, ficara acordado que “se obrigam ella Madre Abbadeça e vigaria a que para sempre e em quanto o mundo durar que este Direito da apresentação dos ditos dois Lugares fique perpetuado e nella não haja denuncia de huma nem outra parte e sempre seja firme”. ANTT, Inventário de extinção do Convento de Nossa Senhora da Soledade de Lisboa, cx.1965, f. 706-712.
62 ANTT, Ministério das Finanças, Inventário de extinção do Convento de Nossa Senhora da Soledade de Lisboa, cx. 1965, f. 687-692.
63 ANTT, Ministério das Finanças, Inventário de extinção do Convento de Nossa Senhora da Soledade de Lisboa, cx. 1965, f. 701-775.
64 ANTT, Ministério das Finanças, Inventário de extinção do Convento de Nossa Senhora da Soledade de Lisboa, cx. 1965, f. 54-64 e 799-827.
65 Após a morte da última religiosa trinitária o edifício conventual foi ocupado pelas Irmãs Hospitaleiras até à implantação da República. A partir desta data teve inúmeras utilizações: tribunal, posto médico-cirúrgico e farmácia da Federação Nacional das Associações de Socorros Mútuos, extensão provisória do Hospital de São José aquando do surto de febre tifoide, Arquivo Central de Identificação e Estatística Criminal, Arquivo da Direção-Geral das Obras Públicas, Escola Elementar de Comércio Ferreira Borges, Escola Preparatória Rodrigues Sampaio, Museu de Escultura Comparada, depósito de livros da Impressa Nacional, depósito de azulejos antes da fundação do Museu Nacional de Azulejo, entre outras.
Devido ao incêndio ocorrido a 18 de fevereiro de 1969 no Arsenal da Marinha, o edifício é colocado à disposição do Ministério da Marinha para instalação provisória do Instituto Hidrográfico. Com a descolonização pós-1974 e consequente redução da área de atuação do Instituto, foi posta de parte a passagem para um novo edifício em Paço de Arcos, e os serviços mantiveram-se no espaço do antigo convento. ALBERTO, Edite op. cit..
66 GOMES, Carlos Há vinte anos … Instituto adquire “Cerca Grande”. HIDROMAR [Em linha]. Lisboa: Instituto Hidrográfico-Marinha. Nº 96 (janeiro 2007), p. 21. [Consult. 30/10/2019]. Disponível na Internet: https://www.hidrografico.pt/recursos/files/revistas_publicacoes/20070101_Hidromar_96.pdf.
67 Portaria nº 1094/81 D.R. I Série,295 (81-12-24), 3351-3352.
Para as sucessivas ocupações do edifício do Convento das Trinas ver GOMES, Carlos O Convento das Trinas do Mocambo: da Capela de Nossa Senhora da Soledade a sede do Instituto Hidrográfico. HIDROMAR [Em linha]. Lisboa: Instituto Hidrográfico-Marinha, Nº 113 (abril 2012), p. 29-33. [Consult. 30/10/2019]. Disponível na Internet: https://www.hidrografico.pt/recursos/files/revistas_publicacoes/20120401_Hidromar_113.pdf.
68 Os planos da Casa do Risco elaborados no pós-Terramoto previam três tipos de arruamentos: ruas principais com 60 palmos de largura (13,2 metros), médias com 40 palmos (8,8 metros) e traveças com 30 palmos (6,6 metros) (Museu de Lisboa - OLIVEIRA, Philipe Rodrigues de - Planta que compreende os Terrenos das partes contiguas de Lisboa […], 1756. MC. DES. 0982.
69 A título de exemplo, as ruas do Bairro da Cotovia, construído contemporamente, têm apenas cerca de 20 palmos de largura. Somente com a postura de 12 de dezembro de 1913, os promotores de bairros privados passaram a ser obrigados abrir as novas ruas com uma largura maior (pelo menos 12 metros, cerca de 54,5 palmos), e apenas se não fossem abertas em continuação de outras pré-existentes com largura menor.
70 Com aproximadamente 183x104 metros. Os restantes 20% pertenceriam à casa do Conde de São Lourenço e a António Esteves Ribeiro.
71 O edifício sofreu uma grande campanha de obras cerca de 1860 quando foi adaptado para residência de António Teófilo de Araújo, Visconde dos Olivais. No início do século XXI foi transformado em habitação plurifamiliar.
72 Ao contrário dos existentes na área junto à rua de Buenos Aires, os quarteirões tinham aqui um formato retangular com orientação norte-sul, o que incrementou a dimensão cénica do bairro em direção ao Tejo.
73 O Terramoto de 1755 “fez com que Sua Magestade não resistisse aquelas clandestinas edeficaçoens [construídas no seu casal] antes fechando a ellas os seus Reaes olhos […] [aí] mand[ando] fabricar no mesmo Terreno hum Recolhimento para orfans […] [onde] se colocou a Imagem de Nossa Senhora da Lapa onde no dia de Natal do mesmo anno se dice a primeira Missa. […] Arruinando se porem com o tempo a Barraca, que servia de Igreja […] Sua Majestade […] ordenou logo ao Architecto Matheus Vicente fizesse risco para nova igreja” no ano de 1764. [ANTT, “Sentença do Padroado da Igreja da Lapa”, Casa do Infantado, Livro n.º 127, f.150.Apud QUEIROZ, Mónica Ribas O arquitecto Mateus Vicente de Oliveira (1706-1785): uma práxis original na arquitectura portuguesa setecentista. Lisboa: [s.n.], 2013. p.184-185. Tese de doutoramento Belas-Artes (Ciências da Arte) apresentada à Universidade de Lisboa.].
74 FERREIRA, Antonio Francisco Mapa topográfico dos Terrenos que medeião entre a Pampulha e a Calçada da Estrella / Feito Geometricamente pelo Architeto da Inspecção da Cidade de Lisboa [Em linha]. Lisboa: [s.n.], entre 1789-1808. [Consult. 30/10/2019]. Disponível na Internet: http://purl.pt/18565.
75 Formava então um eixo com a travessa dos Ladrões (atual rua da Estrela).
76 Os livros de arruamentos e propriedades da Décima da Cidade para a freguesia de Santos existem para o período entre 1762 e 1833 (Arquivo Histórico do Tribunal de Contas, Décima da Cidade, Livros de Arruamentos entre 1762 e 1833, AR1022 a AR1087).
77 Em 1712, Rafael Bluteau define Barraca como “pequena tenda armada no campo” (BLUTEAU, Rafael Vocabulario portuguez e latino […]. Coimbra: No Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1712. p. 53). No entanto, não parece ser esse o caso, visto que em diversa documentação sobre o Bairro das Trinas surgem menções a “barracas de frontal [madeira]” ou de “frontal e barro”.
78 Correspondendo à zona a poente do Bairro das Trinas e a este contígua.
79 Informação retirada dos diversos contratos de emprazamentos existentes na ANTT.
80 Casos do arrendamento que Luis Cadot faz “de casas nobres arrendadas [sitas na rua da Santíssima Trindade] em duzentos, e oitenta mil rs ao Ministro da Dinamarca” (correspondendo aos lotes n.º 380 a 384) ou das casas nobres que José Inácio Rodrigues Santa Maria arrenda ao Cônsul de Inglaterra por 512 mil reais (Arquivo Histórico do Tribunal de Contas, Décima da Cidade, Livro de Arruamentos, 1780, AR1039, f. 211 e 224v.).
81 A estreiteza dos lotes levou a que os andares fossem integralmente arrendados à mesma pessoa.
82 Embora a métrica fosse tendencialmente mantida, muitas das vezes assistia-se à substituição de portas por janelas (e vice-versa).
83 Destacando-se neste contexto o projeto de 1924 de Álvaro Machado para o n.º 51 da rua dos Navegantes no lote n.º 502 (AML, Obra n.º 12268).
84 Caso do edifício da atual rua dos Remédios à Lapa, 24. Resulta do aforamento de 4 lotes contíguos [2 voltados à rua de São João da Mata (n.º 209-210) e dois à rua dos Remédios(n.º 239-240)], onde em 1760 foi construída uma habitação unifamiliar de dois pisos e mirante, tendo os dois outros lotes sido utilizados para jardim formal com poço. Assim se manteve até 1926, altura em que o arquiteto Tertuliano Lacerda Marques desenvolve um projeto para garagens, posteriormente alterado para ateliers (nos quais trabalham alguns dos mais relevantes arquitetos do seu tempo). Em 1945 foi ampliado para habitação unifamiliar pelo arquiteto Vasco Pereira Lacerda Marques, seu filho.
85 Os edifícios contíguos foram sendo construídos até à década de 1960, destacando-se os números 56 e 65, respetivamente da autoria de João Simões (1944) e de Cassiano Branco (1956).
86 Rua de São Ciro, 40 a 52.
87 Assiste-se à multiplicação de projetos assinados por arquitetos. Para além dos casos adiante abordados,"assinaram projetos no Bairro das Trinas os arquitetos Alberto Cruz (rua da Lapa, 79, 1963), Álvaro Machado (rua dos Navegantes 51, 1924), António Lino (rua de São Ciro 38, 1943), Carlos Franco (rua de São Félix 37 e rua das Praças 100, 1961), Carlos Ramos (rua Garcia de Horta 32, 193?), Cassiano Branco (rua de São Ciro, 65, 1956), Francisco Caetano de Carvalho (rua das Trinas 38, 1934 e rua de São Domingos 68, 1941), João Simões (rua de São Ciro, 56, 1944), Luiz Benavente (rua da Lapa 120, 1951), Raul Tojal (rua de S. Félix 29, 1949) e Veloso Reis Camelo (rua das Praças 15A-B, 1938).
No bairro existem também projetos de arquitetura assinados por engenheiros de renome, nomeadamente Jacinto Bettencourt (rua de São Domingos, 34, 1939) Jacinto Robalo (rua de São Ciro, 58, 1953) e Manuel Conceição Gomes (rua das Trinas 59, 1936).
88 Em 1879 José Lino da Silva encomendou à Companhia de Crédito Edificadora Portuguesa a construção de um palacete à rua de São Domingos, 2 (AML, Obra n.º 16725), num terreno em forma de L que também tinha frente para a rua da Santíssima Trindade (correspondendo parcialmente ao lote n.º 383).
89 Não sendo possível afirmar com total certeza que o projeto de arquitetura é da sua autoria, Lino, por não ser arquiteto de formação, sempre assinou os seus trabalhos na cidade como o construtor civil n.º 134 inscrito na Câmara Municipal de Lisboa, o que parece indicar que seja efetivamente o autor da construção. A confirmar-se a autoria, é inequívoco o afastamento deste projeto com a restante obra de Raul Lino, o que se poderá justificar como uma experiência inicial ou ao gosto do encomendador.
90 COTA, António Fevereiro Álvaro Augusto Machado, José António Jorge Pinto e o movimento arte nova em Portugal. Lisboa: [s.n.], 2011. p. 514. Dissertação de mestrado em Arquitetura, apresentada à Universidade Lusíada de Lisboa.
91 Correspondendo a parte do lote n.º 88 da urbanização das trinas e o restante a terrenos originalmente da Casa do Infantado.
92 O seu “caracter artistico […] obedece ao partido de obter o maximo efeito dentro das linhas mais simples fugindo a ornamentações e detalhes custosos, procurando apenas efeitos de claro escuro pelo emprego de uma justa distribuição de grandes massas bem formadas.”(AML, Obra n.º 14503, Processo 10205/SEC/PG/1921, p. 2).
93 Correspondendo aos lotes n.º 1 e 492 a 499 dos emprazamentos das trinas, fecham o quarteirão formado pelas ruas de Buenos Aires, Santana à Lapa e travessa dos Ferreiros à Lapa.
94 AML, Obra n.º 4204.
95 Garcia de Orta, Buenos Aires, Navegantes, Santana à Lapa e São Ciro.
96 Logo a partir de 1756, em diversas escrituras de emprazamento celebradas entre as religiosas e futuros emprazadores que já residiam no local, o termo Bairro das Trinas é utilizado para designar a morada dos últimos. ANTT, 12.º Cartório Notarial de Lisboa, Ofício B. Livro de Notas (Cx. 2, Lv. 7, f. 3-4).