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Cadernos do Arquivo Municipal
versão On-line ISSN 2183-3176
Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.14 Lisboa dez. 2020
DESTAQUE
Parlamento, Governo e produção legislativa na primeira fase da Regeneração. Normas legais e práticas políticas (1851-1865)
Parliament, Government and legislative production in the first phase of Regeneration. Legal standards and political practices (1851-1865)
António Pedro Manique*
*António Pedro Loureiro Manique, IPS/ESES – Instituto Politécnico de Santarém, Escola Superior de Educação, 2001-902 Santarém, Portugal / UAL – Universidade Autónoma de Lisboa, 1150-293 Lisboa Portugal. apmanique@gmail.com
RESUMO
O funcionamento das instituições e as práticas políticas dos agentes do poder, ao longo do século XIX, contribuíram decisivamente para a definição do regime consagrado na Carta Constitucional de 1826 e estabeleceram um intervalo significativo entre a constituição formal e a constituição real. A produção legislativa e as relações estabelecidas entre o Parlamento e o Governo evidenciam esse intervalo e revelam mecanismos de comunicação política informais e fundamentais para a aprovação das propostas legislativas governamentais. Neste artigo procede-se à análise da produção legislativa no período compreendido entre 1851 e 1865 e caracteriza-se o funcionamento interno do Parlamento, bem como o relacionamento deste com o Governo com vista à aprovação das leis. Analisa-se também o fenómeno das ditaduras e a forma com estas se tornaram uma prática política aceite por todos os intervenientes no processo legislativo.
PALAVRAS-CHAVE
Liberalismo / Carta Constitucional / Parlamento / Produção legislativa / Práticas políticas
ABSTRACT
The functioning of the institutions and the political practices of the agents of power, throughout the 19th century, contributed decisively to the definition of the regime enshrined in the Constitutional Charter of 1826 and established a significant gap between the formal constitution and the real constitution. Legislative production and the relations established between Parliament and Government highlight this gap and reveal mechanisms of informal and fundamental political communication for the approval of governmental legislative proposals. This article analyzes the legislative production in the period between 1851 and 1865 and characterizes the internal functioning of Parliament, as well as its relationship with the Government in order to approval of laws. It also analyzes the phenomenon of dictatorships and the way in which they became a political practice accepted by all those involved in the legislative process.
KEYWORDS
Liberalism / Constitutional Charter / Parliament / Legislative production / Political practices
"The importance of parliament does not derive (…) from its ‘powers’ but from the very process of representation and the legitimation of government and governmental outputs flowing from that process."
David Judge1
A CARTA CONSTITUCIONAL DE 1826 E A ORGANIZAÇÃO GERAL DO ESTADO
A compreensão do processo legislativo e da produção de leis no período abordado neste artigo exige uma explanação, ainda que parcial e breve, dos poderes estatais consagrados na Carta Constitucional de 1826, bem como dos mecanismos de comunicação política utilizados entre os órgãos participantes nesse processo. Igualmente necessária é a clarificação dos intervalos existentes entre a constituição formal e a constituição real, responsáveis pela configuração assumida pelo regime político a partir de 1834, sendo para isso determinantes as práticas políticas dos agentes do poder e o funcionamento interno das instituições. Importa também questionar até que ponto a afirmação de David Judge, acima reproduzida e respeitante ao parlamento inglês, é aplicável à realidade portuguesa, ou seja, caracterizar as relações estabelecidas entre os poderes executivo e legislativo e proceder ao balanço possível, no sentido de verificar o relevo da vertente parlamentar do regime na segunda metade de Oitocentos.
Outorgada por D. Pedro IV na sequência da morte de D. João VI, a Carta Constitucional de 1826 reflete um conjunto de influências das fontes que a inspiraram, designadamente a Carta Constitucional Francesa de 1814, a Constituição Brasileira de 1824, outorgada ao Brasil pelo mesmo soberano, e a Constituição Portuguesa de 1822. Do ponto de vista doutrinário, é ainda patente a influência marcante das ideias de Benjamin Constant, expostas no seu Esquisse de Constitution, publicado em França em 1814.
A Carta consagra os princípios genéricos de organização dos regimes liberais, isto é, o princípio da divisão dos poderes, o governo representativo e a garantia dos direitos individuais dos cidadãos, mas apresenta características peculiares que configuram um compromisso entre as ideias liberais e as velhas instituições do Antigo Regime, conferindo-lhe uma feição conservadora relativamente às outras constituições portuguesas do século XIX2.
Uma das novidades da Carta Constitucional relativamente à Constituição de 1822 e a outras constituições europeias da época é a instituição de quatro poderes distintos: aos tradicionais legislativo, executivo e judicial, acrescenta-se o poder moderador, considerado “a chave de toda a organização política”3. A conceção e teorização deste quarto poder pertenceu a Benjamin Constant, para quem, aos três poderes enunciados por Montesquieu, havia que adicionar um outro – o poder real – neutro, que assegurasse e garantisse o funcionamento regular e independente dos três primeiros, através de uma ação reguladora que mantivesse a harmonia e o equilíbrio entre eles4.
O poder moderador pertence exclusivamente ao monarca e confere-lhe atribuições típicas de chefe de Estado (o rei é designado por Chefe Supremo da Nação), permitindo-lhe intervir ativamente no poder legislativo, quer pela convocação, prorrogação ou adiamento das Cortes (Parlamento), quer pela nomeação dos membros de uma das câmaras que o compõem (Câmara dos Pares), quer ainda pela capacidade de dissolver a Câmara dos Deputados, cabendo-lhe também a sanção das leis e o direito de veto absoluto sobre as mesmas. Conjunto de atribuições que, teoricamente, condicionaria a formação das leis, colocando o poder moderador num patamar superior aos restantes poderes políticos.
O poder executivo tem por chefe o rei, que não o exerce pessoalmente, já que apenas o pode fazer através dos “Ministros de Estado”, por ele nomeados e que formam o “Ministério”. Ao contrário do que acontece com o poder moderador, para cujo exercício o monarca precisa apenas de ouvir o Conselho de Estado, os atos do poder executivo carecem de referenda dos ministros, sem a qual não podem ser executados, disposição que os responsabiliza perante as Cortes e preserva a irresponsabilidade régia, típica das monarquias constitucionais.
A Carta não prescreve a existência de um presidente do Conselho de Ministros, aparentemente desnecessário, já que o rei chefia o poder executivo, mas desde o início do reinado de D. Maria II que se institucionalizou a prática da sua nomeação, embora o cargo viesse a ser regulamentado apenas em 1855. Prática esta que moldou o “Gabinete” como órgão colegial e solidário, assumindo um enorme relevo político-institucional e tornando-se mesmo, na opinião de alguns autores, preponderante na vida política da segunda metade de Oitocentos5.
Quanto ao poder legislativo, que aqui nos interessa particularmente, pertence “às Cortes com a sanção do Rei”6, sendo o Parlamento formado por duas câmaras: a Câmara dos Pares, composta de membros vitalícios e hereditários, de nomeação régia e sem número fixo, aos quais se juntavam os pares por direito próprio (o príncipe real e os infantes, quando atingissem a maioridade); e a Câmara dos Deputados, eletiva e temporária, tendo as legislaturas a duração de quatro anos.
Das vastíssimas atribuições das Cortes, destacaremos apenas as que dizem respeito à função legislativa. Competia exclusivamente ao Parlamento “fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las”7. Aparentemente simples, o processo aqui delineado toma feição mais complexa à medida que se procura discernir os seus meandros e compreender a sua estruturação. Se é certo que a iniciativa legislativa pertencia às duas câmaras e que todas as leis careciam da aprovação de ambas, também é verdade que o Governo detinha igualmente a capacidade de apresentar propostas de lei, as quais só podiam entrar pela Câmara dos Deputados, iniciando-se aí a sua discussão. Igualmente exclusiva da câmara eletiva era a iniciativa sobre impostos e recrutamentos, bem como o início da fiscalização da ação governativa (“exame da Administração passada”)8, o que lhe conferia um nível de importância superior à da Câmara dos Pares. Aspeto compreensível por se tratar de uma câmara resultante do sufrágio dos cidadãos ativos, logo representante legítima da Nação, nos termos em que a representatividade política era então considerada.
Saliente-se que a Carta Constitucional confere ao poder executivo competência para “expedir os decretos, instruções e regulamentos adequados à boa execução das leis”9, mas nega-lhe a capacidade legislativa autónoma, ao contrário do que acontecia noutros ordenamentos constitucionais europeus da época. Daqui resulta que os produtos parlamentares correspondem ao conceito de lei em sentido formal e não em sentido material, ou seja, a lei define-se pela sua origem e não pelo seu conteúdo.
Esta problemática foi bastante discutida no século XIX, devido à frequência com que os governos assumiam a função legislativa nos períodos em que o Parlamento não se encontrava em atividade. Tratava-se, então, de saber se tais medidas, designadas por “decretos”, tinham ou não força de lei. Noutros países europeus, os ordenamentos constitucionais permitiam aos governos a publicação de medidas legislativas excecionais (por exemplo, os decretos-leis, em Itália, e as “ordenanças” ou ordenações de necessidade, na Alemanha), desde que aprovadas em Conselho de Ministros e por todos assinadas10. Imperava aí o conceito material de lei, segundo o qual a mesma seria “toda a prescrição que, independentemente da forma, revestisse o carácter de norma jurídica”11. De acordo com este entendimento, um ato legislativo pode ser simultaneamente uma lei formal e material, mas também pode não haver coincidência entre forma e conteúdo; à forma de lei nem sempre corresponde um conteúdo normativo, enquanto decretos e regulamentos podem constituir materialmente leis12. O que importa salientar é que a Carta Constitucional de 1826 reservava ao Parlamento o poder legislativo, pelo que qualquer decreto governamental produzido à margem do mesmo correspondia à usurpação de uma competência parlamentar, configurando o que então se designava por ditadura. Voltaremos adiante a esta temática.
Despreza-se aqui o poder judicial, bem como todo o restante conjunto de normas prescritas pela Carta Constitucional, uma vez que não é objetivo deste trabalho tratar exaustivamente os conteúdos da Carta. Importa antes verificar a forma como foram entendidos e aplicados os poderes legislativo, moderador e executivo, e como a sua aplicação prática contribuiu para a configuração do regime político.
NORMAS E PRÁTICAS POLÍTICAS: CONSTITUIÇÃO REAL VS. CONSTITUIÇÃO FORMAL
A observação do funcionamento do Parlamento e das relações estabelecidas entre este e o Governo, bem como a comparação dos discursos dos agentes do poder com as suas práticas institucionais, permitem verificar a existência de assinaláveis contradições entre a oratória e os comportamentos dos titulares de funções políticas. Contradições que são particularmente evidentes no interior das câmaras legislativas e nos padrões de relacionamento destas com o poder executivo, bem como nas relações deste com o poder moderador.
Por outro lado, as práticas políticas dos agentes do poder e das instituições evidenciam frequentes afastamentos das normas constitucionais13, determinando assinaláveis intervalos entre a constituição formal (conjunto de normas prescritas pela Lei Fundamental) e a constituição real (práticas políticas de indivíduos e instituições), que importa analisar14. Tais práticas, bem como o sistema de relações estabelecidas entre os órgãos do poder logo a partir de 1834, foram moldando o ordenamento jurídico-normativo prescrito na Carta Constitucional e ajudaram a definir e a clarificar um regime dúbio e conservador, cuja vertente parlamentar se acentuou com o Acto Adicional de 1852. Práticas que se tornaram normas pela força da sua repetição, ainda que contrariassem o espírito e a letra da Carta e que, frequentemente, representassem o contrário do discurso político de quem as executava.
Uma análise breve do funcionamento dos poderes moderador, executivo e legislativo e da comunicação política entre os seus titulares evidencia o referido intervalo e clarifica a definição orgânico-funcional do aparelho de Estado liberal. Tal definição incluiu, por um lado, mecanismos de deslocação efetiva de poderes atribuídos ao Chefe de Estado para a esfera governamental e, por outro, a afirmação da componente parlamentar do regime, em detrimento de um protagonismo régio que a Carta consentia, mas que os tempos não aconselhavam. Apesar de alguma historiografia continuar a afirmar este protagonismo, baseando-se mais no texto da Carta do que na observação das práticas políticas, é o próprio D. Pedro V, um dos monarcas que mais tentou impor a autoridade régia, a confessar que “desde tempos imemoriais os Ministérios têm-se sempre habituado a ver o Soberano completamente submisso a eles […], tradição má e muito perigosa para a Monarquia e que tem de ser eliminada aos poucos”15.
O poder moderador, que a Carta define como “a chave de toda a organização política”, competia “privativamente ao Rei”16 e tem sido geralmente considerado responsável por uma presumida superioridade dos poderes régios, uma vez que parece colocar a verdadeira sede do poder no monarca, que depois o partilha formalmente com as Cortes17. Era este poder que permitia ao soberano interferir no poder legislativo, como atrás se disse, ao passo que o direito de veto absoluto permitiria, teoricamente, a anulação de qualquer medida legislativa aprovada pelas Cortes, o que, a verificar-se, teria inviabilizado o desenvolvimento da vertente parlamentar do regime, ao contrário do que aconteceu.
Nos termos da Carta Constitucional, no exercício do poder moderador o soberano é “limitado” apenas pela audição do Conselho de Estado, órgão meramente consultivo e cuja composição é da exclusiva responsabilidade dos soberanos, embora o caráter vitalício dos seus membros pudesse impor a cada monarca conselheiros previamente nomeados18. Sublinhe-se uma vez mais que, de acordo com a Carta, os atos do poder moderador não carecem de referenda ministerial, ao contrário dos do poder executivo, o que garante ao Chefe do Estado a plenitude de um poder que formalmente o coloca num nível superior aos outros.
Nas práticas políticas, o exercício do poder moderador terá um recorte bem diferente do que é definido pelas normas constitucionais, como revelam os exemplos seguintes. O primeiro governo de D. Maria II, logo na sua terceira reunião (29 de setembro de 1834), capturou o poder moderador, ao decidir que todos os seus atos seriam referendados pelo chefe do governo19, figura constitucional e juridicamente inexistente, dado que, apesar da nomeação de um presidente do Conselho de Ministros logo em 1834, o cargo só muito mais tarde viria a ser regulamentado20. A referenda imposta aos atos do poder moderador significava a equiparação deste ao poder executivo, ficando o governo responsável por todos os atos do Chefe do Estado e este limitado no exercício das prerrogativas consignadas na Lei Fundamental21.
Já na sua primeira reunião (25 de setembro de 1834), o mesmo governo de D. Maria II decidira, na ausência da soberana, que a assinatura régia só teria lugar nas reuniões do Conselho de Ministros e que estas ocorreriam duas vezes por semana, com a rainha, e três vezes sem ela22. As medidas relativas ao funcionamento do Ministério traduziam-se numa autonomia deste face ao monarca, configurando um “governo de gabinete” próximo do existente nos regimes parlamentares e contribuindo para a evolução do poder régio no sentido da fórmula de Thiers – o Rei reina mas não governa – tornando-se progressivamente mais simbólico do que real23.
As práticas políticas conduziram, assim, a que as competências régias relativas ao Parlamento, embora carecessem da assinatura do monarca, passassem a ser exercidas, de facto, pelo Governo. Desde 1834 que todas as nomeações de Pares do Reino são de iniciativa governamental, conhecendo-se apenas um caso de recusa por parte do Chefe do Estado24. E há mesmo nomeações contra a vontade régia, como aconteceu com a de Almeida Garrett, em 1852, quando D. Maria II viu goradas as tentativas que efetuou para inviabilizar a sua ascensão ao pariato25. A correspondência de D. Pedro V com Sá da Bandeira, em 1861, mostra também a resistência oposta pelo monarca à fornada daquele ano, admitindo e sugerindo a nomeação de três Pares, mas vindo a consentir numa lista de quinze, que lhe foi imposta pelo Ministério do marquês de Loulé26.
No que diz respeito à dissolução da Câmara dos Deputados, também a iniciativa pertenceu sempre aos governos desde que, em 1836, se recorreu pela primeira vez a esse mecanismo constitucional, sendo então a “proposta dos Ministros” aprovada por unanimidade pelo Conselho de Estado27. Houve, aliás, dissoluções decretadas contra o voto expresso e maioritário do Conselho de Estado, evidenciando a solidariedade do monarca com os seus governos relativamente ao exercício de um poder que, constitucionalmente, pertencia em exclusivo ao Chefe de Estado28. Com a agravante de que, na segunda metade do século XIX, a prática da dissolução viria a banalizar-se e a ser utilizada como forma de punir as câmaras menos obedientes e de forjar maiorias parlamentares para os governos em funções.
A produção legislativa evidencia igualmente um enorme fosso entre as normas constitucionais e as práticas políticas. Embora pertencesse ao Parlamento a exclusividade da função legislativa, com a sanção régia, os governos usurpavam constantemente um poder que lhes estava constitucionalmente vedado e produziam legislação abundante na ausência dos trabalhos parlamentares. As ditaduras foram, aliás, responsáveis por algumas das mais importantes reformas do liberalismo oitocentista, constituindo uma das mais flagrantes violações dos preceitos constitucionais. Para além das ditaduras de D. Pedro IV, enquanto Regente, e de Passos Manuel, recorde-se que, em 1853, o primeiro governo da Regeneração fez aprovar nas Cortes, de uma só vez e sem qualquer discussão na especialidade, um conjunto de 224 decretos ditatoriais produzidos em cerca de um ano, número que ultrapassou a produção normal do Parlamento nas quatro sessões legislativas compreendidas entre 1850 e 1854. E saliente-se que a “legalização” dos decretos governamentais era feita em nome do respeito pela Carta mas, de facto, contra ela, pois o mecanismo utilizado, pomposamente designado por Bill de Indemnidade, não estava, ele próprio, previsto nas normas constitucionais29.
O veto absoluto consagrado na Carta Constitucional é, porventura, um dos grandes mitos utilizados pela historiografia para justificar a suposta supremacia do poder régio. Ora, de acordo com a informação disponível, em 76 anos de monarquia liberal o veto real foi utilizado apenas duas vezes. Uma em 1837, na vigência da Constituição de 1822, quando D. Maria vetou uma proposta de lei das Cortes Constituintes que autorizava o Governo a demitir oficiais do exército e juízes; e outra em 1844, na vigência da Carta, tendo a rainha negado a sanção a um decreto parlamentar que permitia ao Governo criar lugares de tabelião30. Ou seja, diplomas menores que não afetaram qualquer aspeto fundamental da vida política da época. Nenhuma das grandes reformas liberais nem nenhuma lei estruturante para a sociedade oitocentista foram alvo de oposição formal por parte dos soberanos. Recorde-se também que um dos mais intervenientes monarcas do liberalismo, D. Pedro V, recusou-se mesmo, em 1857, a exercer o direito de veto que lhe foi sugerido pelo Conselho de Estado, evidenciando um enorme respeito pelo poder legislativo31. O direito de veto não passou, de facto, de mais um poder simbólico do monarca e a sua não utilização é plenamente compreensível no contexto da evolução do regime liberal.
Em função das práticas políticas desenvolvidas pelos agentes do poder, o soberano, teoricamente detentor de vastas competências, foi um árbitro do sistema político, exercendo formalmente os poderes que a Carta lhe conferia, mas deixando aos governos e ao poder legislativo a iniciativa e a materialização das decisões políticas. Colocando-se numa posição arbitral típica das monarquias constitucionais mais progressivas, os monarcas liberais afastaram-se de modelos autoritários que a Carta poderia ter autorizado, preservando assim a “irresponsabilidade” dos seus atos e mantendo as prerrogativas que, no plano simbólico, faziam deles atores importantes no sistema político oitocentista32, mas de forma alguma determinantes no funcionamento e na evolução do mesmo.
As práticas políticas moldaram igualmente o funcionamento das instituições no que diz respeito ao relacionamento entre os poderes executivo e legislativo. Nos termos constitucionais, o Governo era responsável apenas perante o soberano, que o nomeava e demitia livremente. O Parlamento não tinha competência para investir ou para derrubar governos e, teoricamente, só pela recusa de meios legislativos poderia dificultar a ação governativa. No entanto, desde a edificação do regime liberal que se instituiu a prática de os governos apresentarem às Cortes os seus programas, quando eram nomeados, da mesma forma que as câmaras legislativas interpelavam constantemente os ministros e votavam moções de censura que, em diversos casos, conduziram à demissão dos Ministérios.
O Acto Adicional de 1852 acentuou a vertente parlamentar do regime, consolidando-se a prática do julgamento dos governos por parte das Cortes, bem como a ideia de que a legitimidade para governar só existia quando os mesmos gozavam de apoio maioritário das câmaras legislativas.
Os exemplos citados ilustram o intervalo existente entre as normas constitucionais e as práticas políticas oitocentistas. Se, por um lado, o “poder governamental” foi o grande beneficiário do exercício do poder moderador33, a evolução do regime tornou o Parlamento no centro da vida política oitocentista34. Por seu lado, os monarcas não só respeitaram (pelo menos até ao início da decadência da monarquia) as competências do poder legislativo como, não raras vezes, solicitaram ativamente a colaboração das Cortes para a nomeação de governos, num registo em tudo semelhante ao que se passava nas monarquias parlamentares europeias. O caráter conservador da Carta não impediu a construção e a consolidação de um regime que não se afastava muito dos seus congéneres europeus, apesar das distorções resultantes das conveniências políticas dos agentes do poder.
O PROCESSO LEGISLATIVO E A PRODUÇÃO DE LEIS
O processo legislativo, isto é, o conjunto de interações que, no interior do sistema político, concorrem para a produção das leis, permitindo ao sistema dar respostas legais às exigências e solicitações oriundas do contexto social35, envolve diversos participantes, embora o seu núcleo fundamental se centre no Parlamento, sede constitucional do poder de legislar. Na análise desse processo e, particularmente, na quantificação dos produtos parlamentares, incidiremos a análise sobretudo na Câmara dos Deputados, uma vez que era ela a recetora das propostas governamentais e, portanto, a que desempenhava o papel principal na produção legislativa.
Nos termos constitucionais, o Parlamento reunia, por direito próprio, no dia 2 de janeiro, tendo as legislaturas a duração de quatro anos36. As sessões legislativas eram de três meses em cada ano, podendo ser prorrogadas por iniciativa do poder moderador. As sessões reais de abertura e encerramento obedeciam a um cerimonial prescrito no regimento e realizavam-se em reunião conjunta das duas câmaras, presidida pelo presidente da Câmara dos Pares. Na sessão de abertura, o monarca lia o discurso da Coroa, elaborado pelo governo e que resumia os factos políticos mais importantes ocorridos no interregno parlamentar e anunciava as principais medidas legislativas a apresentar ao Parlamento pelo poder executivo.
O período de funcionamento das sessões legislativas era igual para ambas as câmaras, sendo ilícita e nula qualquer reunião extemporânea da Câmara dos Pares. As sessões eram públicas, podendo ser secretas quando “o bem do Estado” assim o exigisse (isto é, quando as câmaras assim o entendessem), e as votações eram decididas por maioria absoluta dos membros presentes em cada sessão.
Qualquer lei carecia de aprovação das duas câmaras legislativas, podendo cada uma delas propor alterações às propostas vindas da outra, as quais eram, regra geral, acolhidas e aprovadas. Em caso de discordância mútua procedia-se à nomeação de uma comissão mista, composta por igual número de membros de cada câmara, que procurava conciliar pontos de vista e chegar a uma redação aceite por ambas as partes. De acordo com a informação disponível, as comissões mistas foram muito poucas ao longo do século XIX: de 1834 a 1880 nomearam-se apenas 18; no período aqui tratado reuniram-se duas (1862 e 1863), e entre 1863 e 1880 não houve qualquer comissão mista37. Realidade que desmente a ideia de que a Câmara dos Pares, por ser mais conservadora, poderia ser um entrave à produção legislativa iniciada na Câmara dos Deputados. Na verdade, os conflitos entre as duas câmaras, motivados pela aprovação das leis, foram raros, devendo ter-se em conta também que a Câmara Alta tinha formas “doces” de se opor às propostas da Câmara Eletiva sem a afrontar diretamente. Bastava, para isso, que as comissões especializadas não produzissem pareceres sobre determinadas propostas, o que inviabilizava a sua discussão, podendo sempre alegar falta de tempo (que era real) e deixar caducar os projetos eventualmente menos desejados. Tratando-se de propostas governamentais, a pressão dos ministros era exercida sobre as duas câmaras no sentido de as fazer aprovar.
A evolução da orgânica interna da Câmara dos Pares, apesar de lenta, revela alguma preocupação com a melhoria da eficácia técnica e da produtividade legislativa, acentuando-se na segunda metade do século XIX38. A nomeação do presidente e do vice-presidente competia ao rei, elegendo a câmara, no início de cada sessão legislativa, os seus secretários e vice-secretários, bem como as comissões que funcionavam no seu interior. Inicialmente era eleita uma única comissão, de 35 membros, que se dividia em cinco mesas especializadas39, às quais eram enviadas, para apreciação prévia e emissão de parecer, as “proposições” que a câmara tivesse que discutir. Esta pesada estrutura veio a ser substituída, em 1857, por 12 comissões especializadas, eleitas no início de cada legislatura e que funcionavam em permanência, examinando e dando parecer sobre os assuntos que lhes eram remetidos. Podiam ainda ser eleitas comissões especiais sempre que a especificidade das questões a tratar assim o aconselhasse.
A organização interna da Câmara dos Deputados, regulada também por Regimentos40, sofreu igualmente uma evolução significativa no sentido da eficácia e da qualidade dos trabalhos parlamentares. O presidente e o vice- -presidente da Câmara eram nomeados anualmente por decreto régio, com base numa lista quíntupla eleita pela câmara em votação secreta. Eram igualmente eleitos dois secretários e dois vice-secretários que completavam a mesa e que coadjuvavam a presidência na direção dos trabalhos.
Em virtude do papel que desempenhava e dos vastos poderes que lhe eram cometidos, o presidente da Câmara dos Deputados assumia grande importância no contexto do funcionamento das instituições políticas liberais. Além de representar a Câmara, contava com a confiança do monarca e ocupava uma posição chave na comunicação política entre o Parlamento e o Governo, atendendo a que era o recetor privilegiado das propostas de lei oriundas do Executivo. Daí que a sua nomeação não fosse estranha aos governos em exercício, que procuravam influenciar a eleição da lista quíntupla votada na Câmara, uma vez que a competência para estabelecer a ordem de trabalhos fazia do presidente o garante da prioridade sempre requerida pelos ministros relativamente às suas propostas legislativas.
As comissões especializadas da Câmara dos Deputados desempenhavam um papel fulcral no desenvolvimento dos trabalhos parlamentares, uma vez que as suas produções (relatórios e pareceres) eram a base de toda a tramitação conducente à produção legislativa. Daí que o seu funcionamento fosse sujeito a regulamentação sistemática, sendo grande a preocupação com a sua funcionalidade e eficácia.
A estrutura orgânica das comissões evoluiu ao longo do século XIX. O Regimento de 1827 prescrevia a organização interna da câmara em sete secções, integrando todos os deputados e formadas por sorteio, elegendo cada uma um presidente e um secretário. Os projetos e propostas de lei eram apreciados por todas as secções, designando cada uma um relator que integrava uma comissão central, encarregada de emitir parecer sobre os objetos discutidos. Por deliberação de 1 de fevereiro de 1853, as secções foram substituídas por comissões especializadas, eleitas pelo plenário no início de cada ano, adotando-se a prática de conceder à Mesa autorização para nomear algumas delas, como forma de simplificar o processo e melhorar a funcionalidade da câmara. Criaram-se, assim, comissões permanentes que se ocupavam dos assuntos correntes, podendo sempre nomear-se comissões especiais quando a natureza das matérias o aconselhasse.
Embora o número e a designação das comissões tivessem sofrido alterações, as mais importantes foram as constantes do Quadro 2.
A comissão de resposta ao discurso da Coroa, presidida sempre pelo presidente da câmara, era geralmente a primeira a ser eleita, cessando funções com a aprovação do documento pelo qual era responsável.
A nova estrutura orgânica da Câmara dos Deputados, bem como o caráter eletivo das comissões, permitiram a designação de deputados com qualificações académicas ou profissionais adequadas à especialidade de cada uma, o que constituiu um salto qualitativo importante para a eficácia dos trabalhos parlamentares.
Papel de relevo foi atribuído à Comissão de Fazenda, em virtude das exigências do próprio sistema político. Por deliberação de 1855, o parecer sobre o Orçamento do Estado, da sua responsabilidade, passou a ser precedido da audição de delegados de todas as comissões relacionadas com os orçamentos setoriais e, em 1863, tornou- -se obrigatória a consulta da Comissão de Fazenda sobre todos os projetos de lei que implicassem aumento das despesas públicas.
Pela importância que tinham no desenvolvimento dos trabalhos parlamentares e pela influência que exerciam sobre o plenário, sendo raros os casos de reprovação dos seus pareceres, a eleição das comissões mais relevantes era também alvo das atenções dos governos, que procuravam integrar nelas os deputados em quem politicamente mais confiavam. Não são bem conhecidos os mecanismos de comunicação política utilizados para o efeito, mas sabe-se que eles eram acionados, pois, quando em 1859 o governo do duque da Terceira não se empenhou na eleição das comissões parlamentares, a imprensa previu a dissolução da Câmara que, de facto, veio a acontecer, uma vez que tal comportamento não era habitual por parte do poder executivo41. Depois da presidência da câmara, as comissões eram os mais importantes elementos da estrutura parlamentar, condicionando a opinião dos deputados e o próprio ritmo da produção legislativa.
O modus faciendi da lei obedecia a um conjunto de normas regimentais que fixavam as práticas parlamentares e imprimiam eficácia e tecnicidade aos trabalhos legislativos. A apresentação de propostas e projetos de lei fazia-se segundo o método das duas leituras, em vigor na generalidade dos parlamentos da época. Os projetos da iniciativa dos deputados eram lidos pelos seus autores (no caso das propostas governamentais a apresentação cabia à Mesa) e na sessão seguinte era feita, pela Mesa, uma segunda leitura, votando-se então a sua admissão a discussão. Sendo admitido, o projeto era enviado à comissão respetiva que sobre ele emitia um relatório com parecer, a apresentar ao plenário. Entre a leitura do parecer e o início da discussão deviam mediar, pelo menos, três dias, durante os quais o proponente podia retirar o projeto. A discussão processava-se primeiro na generalidade e depois na especialidade, sendo admitidas propostas de alteração ou substituição oriundas do plenário. As propostas governamentais seguiam os mesmos trâmites, podendo os ministros assistir e participar nas discussões, com direito a prioridade no uso da palavra.
Aprovado o projeto na Câmara dos Deputados, era então enviado à Câmara dos Pares para discussão e aprovação, podendo existir propostas de alteração que voltariam à câmara original. O produto final, designado por Decreto das Cortes, era finalmente enviado ao soberano para sanção, cabendo a apresentação do mesmo à câmara que o aprovava em último lugar.
Observemos então alguns aspetos quantitativos respeitantes à atividade parlamentar, incidindo esta análise na Câmara dos Deputados, como atrás se disse. O Quadro 3 evidencia uma enorme dinâmica do Parlamento no período que estamos a tratar, ao produzir e/ou analisar 6296 objetos legislativos, assim classificados:
A primeira evidência a reter é que a iniciativa legislativa distribuía-se de forma praticamente igual pelo Parlamento e pelo Governo, o que significa, por um lado, uma grande dinâmica interna da Câmara e dos deputados individualmente e, por outro, uma preocupação governamental com a resolução dos problemas do país, apresentando o Executivo, em média, mais de 100 propostas de lei por ano, distribuídas pelas várias áreas da governação, como veremos adiante.
O intenso trabalho das comissões parlamentares está patente, também, na grande quantidade de pareceres produzidos neste período (193 pareceres por ano, em média), a que se somam os relatórios e algumas emendas, dado que estas podiam partir dos deputados ou das próprias comissões especializadas. Ainda assim, nem todos os projetos e propostas de lei são alvo de apreciação pelas comissões, certamente por falta de tempo.
O Quadro 4 permite analisar a origem dos pareceres, considerando a totalidade das comissões (permanentes e eventuais), bem como as percentagens de aprovação relativos a cada uma. Saliente-se que estas percentagens dependiam, fundamentalmente, do número de pareceres discutidos e não da rejeição dos mesmos, uma vez que a regra geral era a aprovação, pelo plenário, dos produtos apresentados pelas comissões.
A Comissão de Fazenda é responsável por 34% dos pareceres produzidos, o que indicia o peso das questões financeiras no conjunto da legislação proposta e aprovada. A Comissão de Guerra ocupa o segundo lugar, com 14% do total, enquanto a de Obras Públicas se fica pelos 6%, seguida de outras com produção inferior. Uma hierarquia que permite avaliar o nível de acuidade dos diversos setores da governação no período em análise.
Já quanto à aprovação de pareceres, e considerando apenas as comissões permanentes, a Comissão de Petições faz aprovar 95% dos seus pareceres, revelando a grande atenção dada às representações e reclamações enviadas ao Parlamento por cidadãos e instituições, logo seguida da Comissão Diplomática, com 89%. Com aprovações superiores a 80% surgem ainda as comissões de Obras Públicas e de Comércio e Artes, enquanto as comissões de Fazenda, de Administração Pública e de Saúde Pública conseguem níveis de aprovação ligeiramente acima dos 70%. Percentagens que indiciam, por um lado, a ordem de importância dos assuntos tratados e, por outro, os níveis de prioridade atribuídos aos mesmos assuntos quando se tratava de fixar as ordens do dia a seguir pelo plenário.
A capacidade de trabalho das comissões não tem correspondência no plenário, quer pela morosidade dos debates, quer pela própria estrutura funcional da câmara, frequentemente afetada pelos atrasos dos deputados, que implicavam o retardamento do início das sessões, quer ainda pelas faltas de quórum, que determinavam a não realização de sessões plenárias e o consequente atraso dos trabalhos em curso.
O Quadro 5 permite verificar, por um lado, a situação global dos projetos e propostas de lei apreciados pela Câmara dos Deputados e, por outro, a capacidade de influência exercida pelo Governo sobre as comissões, traduzida no tratamento preferencial que é dispensado às propostas do Executivo.
Com efeito, enquanto as propostas governamentais conseguem uma taxa de aprovação global de 44%, os projetos de origem parlamentar ficam-se pelos 13,5% no período considerado. Por discutir ficam 28% dos pareceres produzidos, o que evidencia a incapacidade do plenário para acompanhar as comissões na produção legislativa.
Significativa é a seletividade exercida pelas comissões sobre o conjunto de propostas e projetos que lhes são enviados. Se dos diplomas governamentais apenas 32% não são alvo de parecer, já em relação aos projetos dos deputados essa taxa eleva-se para 71%. Ou seja, a pressão governamental exerce-se no plenário, onde o presidente da mesa, responsável pelo agendamento dos trabalhos, dá prioridade às propostas do Executivo, e também nas comissões, que analisam prioritariamente as propostas governamentais, em detrimento dos projetos oriundos dos próprios deputados. Esta influência do Executivo sobre a Câmara dos Deputados passa pela utilização de canais de comunicação política diretos e informais, quer em relação ao presidente, quer no contacto com os membros das comissões, uma vez que os ministros podiam participar nos debates parlamentares, aproveitando a presença na Câmara para estabelecer os contactos necessários ao tratamento prioritário das suas propostas.
Quanto ao comportamento da Câmara dos Pares relativamente aos projetos que recebe da Câmara dos Deputados, registe-se a rejeição de apenas cinco projetos (dois de origem governamental e três de origem parlamentar). Já quanto aos projetos que nela ficam pendentes, verifica-se uma taxa de 3,8% relativa aos de origem governamental, contra apenas 1,8% incidente sobre os de origem parlamentar.
Não havendo justificações formais para estas retenções, pode entender-se que algumas delas corresponderiam às já referidas formas “doces” de oposição a propostas da Câmara Eletiva, mas a maioria ficaria a dever-se, seguramente, à incapacidade da Câmara Alta de dar resposta ao enorme volume de diplomas que lhe eram enviados. Incapacidade resultante do baixíssimo número de presenças regulares dos pares, o que obrigava os mais assíduos a ocuparem-se de todo o expediente. A título de exemplo, sublinhe-se que na legislatura iniciada em 2 de janeiro de 1853, o visconde de Algés integrava quatro comissões permanentes, presidindo a uma delas, o visconde de Sá da Bandeira e Francisco Silva Ferrão integravam três, e o duque da Terceira, o marquês de Loulé e o barão de Chanceleiros integravam duas42. Seria, assim, humanamente impossível emitir pareceres para todos os projetos, inviabilizando o seu debate em plenário.
Recorde-se que o problema da assiduidade da Câmara dos Pares foi sempre objeto de fortes críticas, uma vez que punha em causa a sua credibilidade e autoridade. Uma observação incidente no primeiro trimestre de 1858 revela que, dos 110 pares que então compunham a Câmara, a média de presenças no plenário foi de 38, sendo de 47 o maior número verificado43, sempre em sessões em que se debatiam problemas políticos resultantes de confrontos entre o Parlamento e o Governo e que, por isso mesmo, mobilizavam alguns pares habitualmente ausentes dos trabalhos parlamentares. O quórum regimentalmente estabelecido para o funcionamento da Câmara dos Pares espelha as dificuldades relativas à assiduidade dos seus membros. O regimento de 1826 fixava-o em 1/3 do número total de pares, mas em 1856 viria a determinar-se que a câmara podia funcionar com apenas 1/4 do total. E o regimento de 1878 reduziu para 19 o número de pares necessários ao funcionamento do plenário, revelando o agravamento de um problema que a Câmara dos Pares nunca conseguiu resolver44. Este fenómeno não era exclusivo de Portugal. Nas últimas décadas do século XIX, a Câmara dos Lordes inglesa registava uma média de presenças de apenas 15 a 20% do total dos seus membros45.
Consideremos, por fim, a origem das propostas legislativas governamentais presentes ao Parlamento e sistematizadas no Quadro 6. A Carta Constitucional estabelece que a apresentação de propostas de lei compete a qualquer ministro46, embora certos diplomas mais abrangentes sejam assinados por todos e apresentados em nome do governo. Foi o caso de 50 propostas, das quais 11 conseguiram aprovação.
O Ministério da Fazenda lidera a apresentação de propostas de lei (371), embora a percentagem de aprovações se fique pelos 53%. Liderança que se compreende à luz dos problemas financeiros que o país atravessava neste período e do próprio desenvolvimento material então empreendido, que exigia recursos mobilizáveis no âmbito deste ministério. Recorde-se que o ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda era o chefe da Fazenda do Estado e que os serviços deste ministério se estendiam a todo o país, através, designadamente, das repartições distritais e concelhias, responsáveis pela arrecadação das receitas do Estado47.
O Ministério da Guerra ocupa o segundo lugar em termos de propostas, mas a percentagem de aprovações não ultrapassa os 33%, muito semelhante à conseguida pelo Ministério da Marinha e Ultramar, indicadores que revelam a menor importância dos assuntos relacionados com estes setores da governação.
Embora com um número de propostas que o coloca em quinto lugar no conjunto dos proponentes, o Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria lidera as aprovações, que atingem 65%. Criado em 1852 e dirigido, até 1856, por Fontes Pereira de Melo, este organismo estatal foi o responsável pelos grandes empreendimentos materiais levados a cabo pela Regeneração, nomeadamente a construção de estradas e caminhos de ferro, o que justifica a importância dada às propostas legislativas que apresentava. O nível de aprovações não é estranho, também, à pressão exercida pelo próprio ministro, cuja capacidade de influência junto dos deputados era amplamente reconhecida.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros consegue o segundo nível mais alto de aprovações (60%), enquanto o do Reino se situa no mesmo patamar da Fazenda, com 53% de propostas aprovadas. O Ministério do Reino era “o grande coordenador da máquina burocrática e administrativa”, sendo vastas as suas áreas de atuação, que se estendiam, entre outras, pela segurança e ordem públicas, a instrução pública, a saúde e a beneficência, a tutela sobre os órgãos locais e a administração eleitoral48. Papel que justifica o elevado número de propostas e de aprovações, comparativamente com os restantes ministérios.
Em suma, se Governo e Parlamento andam a par no que diz respeito à iniciativa legislativa, não restam dúvidas de que o primeiro leva a melhor quando se trata de agendar, discutir e aprovar as suas propostas, evidenciando uma enorme capacidade de influência e uma clara ascendência do Executivo sobre o Legislativo.
AS DITADURAS E A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
A prática governativa de legislar, embora constituísse uma violação dos princípios constitucionais, tem de ser considerada na abordagem do processo legislativo, uma vez que representou, durante todo o liberalismo monárquico, uma importante fonte de legislação, abrangendo os mais diversos aspetos da vida nacional. Trata-se de um dos casos paradigmáticos do sistema político liberal que melhor ilustra a importância da constituição real, construída pelas práticas políticas, e o valor simbólico da constituição formal que, apesar de desrespeitada nos seus princípios fundamentais, era invocada nas praxes parlamentares para dar cobertura “legal” aos atos que contra ela eram cometidos.
A prática da ditadura (usurpação do poder legislativo por parte do Governo na ausência de funcionamento das Cortes) remonta ao nascimento do liberalismo cartista, já que foi o próprio outorgante da Carta Constitucional que, durante a guerra civil que a impôs ao país e na ausência de qualquer poder legislativo constituído, promulgou um vastíssimo conjunto de decretos “ditatoriais” (designadamente os da autoria de Mouzinho da Silveira), que permitiram a destruição de boa parte das estruturas socioeconómicas e políticas do Antigo Regime e o lançamento das bases jurídicas do regime liberal49. A segunda ditadura (a de Passos Manuel) foi, igualmente, fonte de importantes medidas legislativas que transformaram setores vitais da sociedade portuguesa. Durante o período cabralista recorreu-se também à atividade ditatorial, que continuou após a Regeneração, constituindo-se um costume legislativo sancionado por diversas leis ao longo de todo o século XIX50.
Foram tantas e tão importantes as medidas legislativas decretadas em ditadura que, nos fins da Monarquia, os tribunais invocavam já o direito político consuetudinário para considerarem válidos os decretos ditatoriais e procederem à sua aplicação, como se de leis ordinárias se tratasse. Um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1907, aprovado por todos os juízes que constituíam o seu pleno, justificava a aplicação de uma medida ditatorial, entre outras razões, pela circunstância de a assunção do poder legislativo pelo Governo ser “um facto político de constante e repetida observação, e que tem sido a principal e mais abundante fonte de legislação do nosso país desde que, por essa forma, legislaram em 1832 os fundadores do atual regímen político, e logo depois os governos de 1836, 1837 e 1852”51.
Na década e meia em análise, a ditadura foi exercida pelo governo do duque de Saldanha que aprovou, nos períodos compreendidos entre 10 de maio e 13 de dezembro de 1851 e 26 de julho e 31 de dezembro de 1852, mais de duas centenas de decretos que constituíram o mais importante conjunto de medidas legislativas ditatoriais promulgadas depois das adotadas na primeira e na segunda ditaduras. Importa, pois, analisar a forma como o fenómeno ditatorial era considerado no interior do processo legislativo.
A legislação ditatorial de D. Pedro IV nunca foi formalmente ratificada pelas Cortes. Na ausência de tradição que ditasse os comportamentos a seguir, os decretos expedidos entre 1832 e 1834 foram genericamente considerados em vigor e, alguns deles, alterados pelas vias legislativas normais. No entanto, debateu-se, no Parlamento e fora dele, a legitimidade dessas medidas, vindo a considerar-se que elas tinham força legal e vigorariam enquanto não fossem revogadas, pelo que, mesmo os mais controversos decretos de Mouzinho da Silveira viriam a ser aplicados no período subsequente à instauração do Liberalismo.
A ditadura setembrista foi, pela primeira vez, objeto de ratificação parlamentar. As Cortes de 1837 debateram a necessidade de rever e aprovar as medidas legislativas decretadas pelo governo desde a Revolução de Setembro, começando por se considerar a metodologia a seguir: à proposta de nomeação de uma comissão especial para apreciação dos decretos, opunha-se a opinião de que a sua revisão deveria efetuar-se nos termos normais da tramitação das leis, ou seja, através do envio às comissões das respetivas especialidades que sobre eles emitiriam parecer. A Câmara optou pela aprovação genérica e global do conjunto dos decretos, criando um precedente que viria a condicionar, no futuro, a aprovação meramente formal das medidas ditatoriais empreendidas pelos governos na ausência de funcionamento das Cortes52.
A ditadura exercida pelo governo Terceira/Costa Cabral (1842) surgiria, aos olhos de alguns parlamentares, como algo de bem mais grave do que as anteriores. É que, estando as Cortes reunidas, o Governo fechou-as, através do mecanismo do adiamento, para a seguir empreender uma atividade legislativa que se estendeu por 28 decretos, apresentados às Cortes para ratificação em 1843. Os debates travados na Câmara dos Deputados situaram então o problema da ditadura no plano teórico e jurídico-constitucional: tratava-se de uma violação da Carta, de um autêntico “crime”, na opinião de Almeida Garret, de uma destruição da Constituição que podia conduzir ao funeral do sistema representativo, abordando-se mesmo a hipótese de procedimento judicial contra o Governo, nos termos constitucionalmente previstos.
A comissão encarregada de analisar o relatório governamental propôs um projeto com dois artigos: no primeiro concedia-se ao Executivo o chamado Bill de Indemnidade, isto é, relevava-se o Governo da falta que cometera ao usurpar o poder legislativo; e no segundo confirmavam-se as providências legislativas governamentais, que continuavam em vigor com força de leis. O projeto voltava a excluir a hipótese de apreciação específica dos decretos ditatoriais, costume que, no futuro, se tornaria norma no comportamento parlamentar 53.
Foi o que aconteceu com a ditadura de Saldanha, no período que estamos a analisar. Em rigor, trata-se de duas ditaduras, exercidas em momentos diferentes. A primeira diz respeito ao período compreendido entre 10 de maio e 13 de dezembro de 1851, em que o Governo legislou na ausência das Cortes, dado que a Câmara dos Deputados foi dissolvida na sequência do movimento regenerador; e a segunda ocorreu entre 26 de julho e 31 de dezembro de 1852, em virtude de nova dissolução da Câmara Eletiva, resultante da sua recusa em aprovar globalmente os decretos ditatoriais anteriores. No primeiro período foram publicados 100 decretos de índole tão diversa que abrangem matérias como normas eleitorais, reorganização de instituições governamentais, a capitalização dos juros da dívida pública, bem como a liberdade de imprensa e a regulamentação de impostos, para referir apenas alguns dos aspetos mais relevantes. No segundo período ditatorial foram 124 os decretos expedidos pelo Governo, abrangendo de novo aspetos tão variados como a criação do Ministério das Obras Públicas e dos ensinos Agrícola e Industrial, o estabelecimento do sistema métrico decimal, a reposição dos polémicos impostos de repartição abolidos após a revolta da Maria da Fonte, a conversão da dívida pública e a publicação do primeiro Código Penal. Ou seja, o Parlamento ratificará, de uma assentada, 224 decretos, compilados em dois volumes que totalizam 792 páginas de normas jurídicas aplicáveis aos mais variados setores da vida da Nação54.
O processo de ratificação deste conjunto de decretos não foi pacífico, envolvendo um autêntico braço de ferro entre o Governo e os deputados oposicionistas, que conduziu à dissolução da Câmara dos Deputados em julho de 1852 e mesmo a uma dissidência no bloco político progressista que daria origem à futura estruturação dos partidos Regenerador e Histórico55. Com maioria nas eleições que se seguiram, o Executivo apresentou, em 22 de fevereiro de 1853, uma proposta de aprovação dos 224 decretos que publicara, onde reconhecia ter excedido os poderes de que constitucionalmente dispunha e justificava as medidas tomadas pela urgência das necessidades públicas e pelo propósito de salvar a situação política vigente56. O Governo conseguiu ver aprovada a metodologia que propôs para a ratificação dos seus diplomas: eleição de uma comissão especial para apreciação dos decretos; emissão de um parecer que abrangia todos os diplomas e que justificava a sua aprovação em bloco; e, finalmente, a aprovação, em votação nominal e por esmagadora maioria, dos dois conjuntos de medidas ditatoriais, sem que ninguém os tivesse apreciado nas suas especificidades. Foram inúteis as tentativas feitas pelos deputados oposicionistas para enviar os decretos a comissões especializadas, declarando a comissão que os apreciara que estavam a ser cumpridas todas as formalidades legais, uma vez que uma comissão eleita procedera à análise dos decretos e emitira um parecer, sobre o qual a Câmara exercia agora os seus direitos de discussão e votação. As veleidades oposicionistas seriam definitivamente esmagadas pelo ministro do Reino, Rodrigo da Fonseca Magalhães, através da posição assumida na sessão de 20 de abril: a Câmara desacreditar-se-ia se não aprovasse as medidas ditatoriais, porque demonstraria “não conhecer os interesses do país e as suas necessidades”.
A ratificação concedida pela Câmara dos Deputados (25 de abril de 1853) aos 224 decretos ditatoriais promulgados pelo Governo tem um duplo significado: por um lado, o poder executivo aproveitava circunstâncias excecionais para decretar medidas que sabia não serem de fácil aprovação através dos mecanismos normais do poder legislativo; por outro, o Parlamento reconhecia a sua incapacidade para produzir legislação adequada às necessidades e urgências públicas, ratificando de uma só vez medidas legislativas que, ao ritmo normal da sua produtividade, demorariam vários anos a discutir e aprovar. Com efeito, em dois intervalos temporais que totalizam um ano, o Governo produzira decretos em número superior aos aprovados pelas Cortes no conjunto das sessões legislativas de 1850, 1852, 1853 e 1854.
As longas discussões travadas na Câmara dos Deputados em torno das medidas ditatoriais permitem avaliar as diversas formas de encarar o fenómeno da ditadura, identificando-se três posições de princípio bem distintas: rejeição pura e simples de toda e qualquer ditadura; aceitação de algumas ditaduras, particularmente as resultantes de movimentos revolucionários, com exclusão de outras que não apresentassem tal “legitimidade”; avaliação das ditaduras pela qualidade e utilidade das medidas que produziam, independentemente das circunstâncias que lhes davam origem57. A diversidade de opiniões acerca de uma questão tão importante como a ditadura revela o caráter difuso das ideologias de meados de Oitocentos e permite a compreensão do funcionamento do regime liberal, cujas práticas eram, por vezes, inteiramente contrárias às normas constitucionalmente estabelecidas.
No que concerne ao poder legislativo, torna-se imperioso reconhecer que ele não competia apenas “às Cortes com a sanção do Rei”, como prescrevia a Carta, mas pertencia igualmente, e de facto, ao Governo, embora este procurasse cumprir os rituais legitimadores impostos pelo simbolismo constitucional.
A CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA E A DIFUSÃO DAS LEIS
A boa execução das leis dependia dos agentes do poder central incumbidos de as fazer aplicar, designadamente os governadores civis e os administradores dos concelhos, autoridades nomeadas pelo governo e que o representavam em todo o território nacional.
As câmaras municipais desempenhavam também um importante papel na difusão da legislação, publicitando-a e fazendo-a chegar aos cidadãos. Vejamos alguns exemplos da edilidade lisboeta.
O Decreto de 30 de setembro de 1852, primeiro conjunto de normas eleitorais da Regeneração que regulamentou as eleições diretas instituídas pelo Acto Adicional de 5 de julho do mesmo ano58, foi objeto de divulgação parcial através de Edital da Câmara Municipal de Lisboa, publicado em novembro de 185459. Publicitaram-se os artigos referentes ao processo a seguir nas mesas eleitorais, para conhecimento das comissões de recenseamento da capital.
O novo sistema de medidas legislado pelo decreto ditatorial de 13 de dezembro de 1852 foi mandado aplicar em Lisboa, no referente à medida linear, pelo Decreto de 20 de julho de 1859. Através de Edital de 9 de janeiro de 1860, a Câmara Municipal publicita as disposições deste decreto e informa os cidadãos que a única medida legítima passa a ser o “metro”, ficando abolidas e proibidas todas as medidas de comprimento tradicionais, como a vara e o côvado. Adverte ainda para o facto de os zeladores da Câmara terem ordens para vigiar a aplicação do decreto, contribuindo assim “para que ninguém possa allegar ignorância” do mesmo60.
Também as portarias do Ministério do Reino, transmitidas através do Governo Civil, são objeto de publicitação pela Câmara Municipal. É o caso da Portaria de 23 de julho de 1856, referente a condições de venda de frutas e hortaliças na Capital, difundida através de Edital de 24 de julho, em que a Câmara fixa os locais e horários de venda dos referidos produtos61.
Especial atenção merecem, também, os eventos relacionados com a dinastia reinante, designadamente as mortes de D. Maria II e de D. Pedro V, bem como a inauguração do reinado de D. Luís e o reconhecimento de D. Carlos como herdeiro do trono.
O Decreto de 15 de novembro de 1853, que impõe luto nacional pela morte de D. Maria, foi publicitado por Edital camarário do dia seguinte, lembrando a Câmara que o luto de seis meses é obrigatório para todos os cidadãos “de qualquer condição que sejam”. Esclarece ainda que os mais pobres, impossibilitados de vestir luto rigoroso, devem sinalizá-lo através de um fumo preto no chapéu, no caso dos homens, ou do uso de um lenço preto, no caso das mulheres62. Medidas semelhantes são tomadas por ocasião da morte de D. Pedro V, publicitando a Câmara a data do funeral e o itinerário do cortejo fúnebre63.
Os festejos alusivos ao início do reinado de D. Luís, aclamado pelas Cortes em 22 de dezembro de 1861, foram amplamente publicitados pela Câmara de Lisboa, em Edital publicado em diversos jornais, para além de afixado nos locais públicos habituais64. O mesmo aconteceu com o Decreto de 6 de fevereiro de 1864, determinando a realização de festejos inerentes ao reconhecimento parlamentar do príncipe D. Carlos como herdeiro do trono, que ocorreu a 11 de fevereiro de 186465.
Em suma, a Câmara Municipal de Lisboa disponibilizava os meios de que dispunha para divulgar a legislação que mais diretamente interessava à população da Capital, cumprindo uma função que complementava as publicações nacionais, pouco acessíveis ao cidadão comum.
CONCLUSÃO
A construção do Estado liberal, a partir de 1834, foi fortemente condicionada pelo funcionamento interno das instituições e pelas práticas políticas dos agentes do poder. Práticas que contribuíram para a definição orgânico-funcional do regime conservador plasmado na Carta Constitucional de 1826, tornando-o progressivamente mais próximo dos regimes monárquico-parlamentares vigentes noutros países europeus da época. A captura do poder moderador pelo Governo contribuiu para o reforço do Executivo e para tornar cada vez mais simbólicos os poderes do monarca, cujo assentimento e assinatura eram necessários ao exercício do conjunto de prerrogativas que a Carta lhe reservava, designadamente as relativas ao poder legislativo, mas era ao Governo que cabia a iniciativa da sua utilização e a proposição ao chefe do Estado das medidas que considerava adequadas em cada momento da vida política nacional.
O processo legislativo é paradigmático na evidência do intervalo criado entre a constituição formal e a constituição real. Não só a atividade do Parlamento era condicionada pelos adiamentos e prorrogações determinados pelos governos, mas também a composição das câmaras legislativas era frequentemente alterada em virtude das “fornadas” de pares e das dissoluções da Câmara dos Deputados, igualmente solicitadas pelos governos e que se foram banalizando, particularmente na segunda metade do século XIX.
A vertente parlamentar do regime foi acentuada pelo Acto Adicional de 1852 e as Cortes procuraram corresponder às novas necessidades ditadas pelo desenvolvimento do país e que se traduziam num volume crescente de propostas legislativas. A orgânica interna das duas câmaras modernizou-se, particularmente com a criação de comissões especializadas e permanentes que imprimiram maior eficácia aos trabalhos parlamentares e aumentaram a produtividade legislativa. As relações entre a Câmara dos Deputados e a Câmara dos Pares, no respeitante à produção de leis, foram harmoniosas e permitiram a aprovação das medidas legislativas mais prementes, evidenciando-se, contudo, a incapacidade de dar resposta cabal ao enorme volume de projetos e propostas apreciados pelas comissões.
A comunicação política estabelecida entre o governo e as câmaras legislativas revela-se fundamental para a definição de prioridades no debate e aprovação das propostas de lei, evidenciando-se um claro ascendente do Executivo sobre o Legislativo, traduzido na aprovação de um número muito superior de diplomas apresentados pelos governos, comparativamente com os que surgem no interior do próprio parlamento. Comunicação que se efetuava através de canais informais e, sobretudo, por via direta, influenciando a escolha da presidência da Câmara dos Deputados e dos membros das comissões, e pressionando também a fixação de agendas favoráveis às propostas governamentais.
O fenómeno das ditaduras, que remonta à génese do próprio regime, atravessou todo o século XIX e ilustra bem a incapacidade do Parlamento para dar resposta às premências legislativas consideradas em certos momentos da vida nacional. Por outro lado, a banalização e a normalização das ditaduras evidenciam bem a forma como as práticas políticas se sobrepuseram aos normativos constitucionais, tornando-se elas próprias regras paulatinamente incorporadas no funcionamento das instituições e aceites por todos os intervenientes no processo legislativo.
Em suma, as práticas políticas oitocentistas foram determinantes na definição orgânico-funcional do regime que, de um caráter dúbio e conservador consagrado na Carta, evoluiu para uma matriz muito próxima dos paradigmas parlamentares em vigor noutros países europeus da época. A produção legislativa mostra que, à semelhança do que se passava em Inglaterra, cujo modelo de funcionamento parlamentar servia de inspiração a Portugal, o Parlamento desempenhou um importante papel na vida política portuguesa, fundamentalmente porque legitimava as políticas governamentais e, por essa via, os próprios governos. E o intervalo existente entre a constituição real e a constituição formal permitiu que a Carta Constitucional, com as alterações introduzidas pelos actos adicionais, se tornasse numa das constituições mais duradouras da Europa do seu tempo.
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NOTAS
1 JUDGE, David – The parliamentary state. London: SAGE Publications, 1993. p. 2.
2 Para uma visão geral do sistema político ver FERNANDES, Paulo Jorge – O sistema político na Monarquia Constitucional (1834-1910) [Em linha]. Lisboa: Universidade NOVA de Lisboa, [201-]. [Consult. 26/02/2020]. Disponível na Internet: http://atlas.fcsh.unl.pt/docs/Paulo_Jorge_Fernandes_O_Sistema_Politico_na_Monarquia_Constitucional.pdf.
3 Carta Constitucional da Monarchia Portuguesa. Lisboa: Impressão Régia, 1826. artigos 11º e 71º.
4 CONSTANT, Benjamin – Cours de politique constitutionnelle ou collection des ouvrages publiés sur le gouvernement représentatif. Paris: Librairie de Guillaumin, 1872. 2 vol.
5 TAVARES, José – O poder governamental no direito constitucional portuguez. Coimbra: Imprensa Académica, 1909. p. 12, 213-ss.; SOUSA, Marnoco e – Direito político: poderes do Estado: sua organização segundo a sciência política e o direito constitucional português. Coimbra: França Amado, 1910. p. 385-ss.
6 Carta Constitucional da Monarchia Portuguesa op. cit., artigo 13º.
7Idem, artigo 15º.
8Idem, artigos 35º e 36º.
9 Idem, artigo 75º.
10 TAVARES, José – Op. cit., p. 169.
11 CANOTILHO, José J. Gomes – Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1987. p. 619.
12 Ibidem.
13 Este fenómeno não é exclusivo de Portugal. David Judge chama a atenção para o “paradoxo” inglês materializado na reinterpretação, e mesmo na inversão, dos princípios básicos da constituição nas práticas políticas dos órgãos estatais. JUDGE, David – Op. cit., p. 4-5.
14 Algumas das ideias apresentadas neste texto foram por mim enunciadas, pela primeira vez, no trabalho académico, Processo legislativo e conflitualidade política na primeira fase da regeneração (1851-1865). Santarém: Escola Superior de Educação, 1992. p. 280.
15 Carta de D. Pedro V ao príncipe Alberto, de 26 de setembro de 1855. MÓNICA, M. Filomena – Correspondência entre D. Pedro V e seu tio, o príncipe Alberto. Lisboa: ICS; Quetzal Editores, 2000. p. 46-47.
16 Carta Constitucional da Monarchia Portuguesa, op. cit., artigos 71º e 74º.
17 SANTOS, A. P. Ribeiro dos – A imagem do poder no constitucionalismo português. Lisboa: ISCSP, 1990. p. 374 e 498.
18 Sobre o Conselho de Estado, ver ALMEIDA, Pedro Tavares de – O Conselho de Estado na monarquia constitucional: uma reflexão preliminar. Cultura: Revista de História e Teoria das Ideias [Em linha]. V. 22 (2006). [Consult. 13/02/2020]. Disponível na Internet: https://www.researchgate.net/publication/299338880_O_Conselho_de_Estado_na_Monarquia_Constitucional.
19 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Actas do Conselho de Ministros (1834-1840), Ministério do Interior, Livro 6 (2), f. 3-5.
20 O cargo de Presidente do Conselho de Ministros foi regulamentado apenas em 1855 (Lei de 23 de junho). Existiu, portanto, um vazio legal durante mais de vinte anos, o que constitui um bom exemplo do afastamento entre as normas constitucionais e as práticas políticas.
21 Recorde-se que a responsabilidade ministerial pelos atos do poder moderador foi constitucionalmente consagrada apenas com o Acto Adicional de 1885 (artigo 7º). Mais uma vez as práticas se antecipam à lei, tornando-se normas por todos seguidas.
22 ANTT – Op. cit., Livro 6 (1-2).
23 Sobre o equilíbrio de poderes na monarquia constitucional, veja-se HESPANHA, António Manuel – Guiando a mão invisível: direitos, Estado e lei no liberalismo monárquico português. Coimbra: Almedina, 2004. p. 247-288.
24 Em 1856, D. Pedro V recusou uma fornada a Saldanha, originando a demissão do primeiro governo da Regeneração.
25 CHAGAS, M. Pinheiro; COLEN, J. Barbosa – História de Portugal popular e ilustrada. Lisboa: Empreza da História de Portugal, 1907. vol. II, p. 598-599.
26 Ver correspondência trocada entre D. Pedro V e Sá da Bandeira, em VILHENA, Júlio de – D. Pedro V e o seu reinado. Coimbra: Imprensa da Universidade. 1922. p. 41-45. Suplemento.
27 ANTT, Actas do Conselho de Estado, Casa Forte, Livro 77A, sessão de 4/6/1836.
28 Sobre as dissoluções ocorridas entre 1852 e 1865 ver MANIQUE, António Pedro – Processo legislativo e conflitualidade política na primeira fase da regeneração (1851-1865). Santarém: Escola Superior de Educação, 1992. cap. III. Também, do mesmo autor, O direito de dissolução em Portugal: normas e práticas constitucionais (1852-1865). In CONGRESSO CONSTITUIÇÃO DA EUROPA, CONSTITUIÇÕES DA EUROPA, EUROPEÍSMO E NACIONALISMO NA HISTÓRIA CONSTITUCIONAL EUROPEIA, Lisboa, 1992 – [Comunicações]. Lisboa: Assembleia da República, 1992. p. 151-167.
29 Sobre a génese e evolução das ditaduras no sistema político liberal, ver MANIQUE, António Pedro – Op. cit., p. 126-141.
30 SANTOS, Clemente José dos – Estatísticas e biografias parlamentares portuguesas. Porto: [Typographia do Commercio], 1887. vol. I, p. 74-77.
31 Tratou-se uma lei que alterava a data de abertura anual das Cortes de 2 de janeiro (conforme a norma constitucional) para 4 de novembro, a qual viria a ser revogada em 1863. Ou seja, mesmo sendo uma lei claramente “inconstitucional”, o monarca decidiu respeitá-la. Ver MANIQUE, António Pedro – Op. cit., p. 154-160. ANTT, Actas do Conselho de Estado (1834-1865), Casa Forte, Livro 77B, f. 99-102.
32 Sobre a importância do poder simbólico no campo político, veja-se BOURDIEU, Pierre – O poder simbólico. Lisboa: DIFEL, 1989. Em especial o cap. VII.
33 Sobre a importância e o exercício do poder executivo, veja-se TAVARES, José – Op. cit., e também HESPANHA, António Manuel – Guiando a mão invisível: direitos, Estado e lei no liberalismo monárquico português. Coimbra: Almedina, 2004. p. 269-276.
34 BONIFÁCIO, M. Fátima – Estudos de história contemporânea de Portugal. Lisboa: ICS, 2007. p. 151-163.
35 Para uma abordagem das análises sistémicas ver, entre outros, EASTON, David – Analyse du système politique. Paris: A. Colin, 1974; LAPIERRE, Jean-William – A análise dos sistemas políticos. Lisboa: Edições Rolim, [198-?].
36 A lei de 16 de julho de 1857 viria a determinar a abertura das Cortes a 4 de novembro, prescrição que vigorou até 1863, voltando-se então à primitiva disposição constitucional.
37 Ver SANTOS, Clemente José dos – Op. cit., p. 48.
38 O funcionamento interno da Câmara dos Pares regulava-se por um Regimento adotado pela mesma, datando o primeiro de 1826. Este foi sendo alterado e acrescentado, de acordo com as necessidades ditadas pela prática, através de resoluções tomadas pela Câmara, todas elas incorporadas no Regimento de 1865.
39 Mesas de: Legislação, Negócios Externos, Negócios da Marinha e da Guerra, Negócios da Fazenda, Negócios Eclesiásticos e Instrução Pública. Ver Regimento Interno da Câmara dos Dignos Pares do Reino. Lisboa: Impressão Régia, 1826. artº 73º-ss.
40 Regimento Interno da Câmara dos Senhores Deputados de 23 de janeiro de 1827, acompanhado das deliberações que o modificam ou ampliam. Lisboa: Imprensa Nacional, 1867. Regimento Interno da Câmara dos Senhores Deputados de 22 de março de 1876. Lisboa: Imprensa Nacional, 1876.
41 A Opinião. Nº 857 (10-11-1859).
42 AHP, Comissões da Câmara dos Pares, Livro 1557, f. 9v-12.
43 Estatística Methódica do Pariato Civil e Eclesiástico desde a sua fundação até 26 de fevereiro de 1863. Lisboa: Imprensa Nacional, 1863; Diário do Governo. Lisboa: Imprensa Nacional, 1858. MANIQUE, António Pedro – Op. cit, p. 58.
44 Regimento Interno da Câmara dos Dignos Pares do Reino. Lisboa: Impressão Régia, 1826; Regimento Interno da Câmara dos Dignos Pares do Reino. Lisboa: Imprensa Nacional, 1865.
45 SMITH, E. A. – The House of Lords in british politics and society (1815-1911). London: Longman, 1992. p. 160.
46 Carta Constitucional da Monarchia Portuguesa, Op. cit., artigo 46º.
47 Para a compreensão geral da evolução deste Ministério ver SUBTIL, José – O Ministério das Finanças (1801-1996): estudo orgânico e funcional. Lisboa: Ministério das Finanças, 1996.
48 ALMEIDA, Pedro Tavares de; SOUSA, Paulo Silveira, coord. – Do reino à administração interna: história de um ministério (1736-2012). Lisboa: INCM, 2015. p. 10.
49 MANIQUE, António Pedro – Mouzinho da Silveira: liberalismo e administração pública. Lisboa: Livros Horizonte, 1989.
50 Designadamente leis de 1837, 1848, 1853, 1869, 1870, 1882, 1885, 1887, 1890 e 1896.
51 Ver Gazeta da Relação de Lisboa. Nº 6, (01-08-1907), p. 42-44. Itálicos meus.
52 Ver Diário das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, 1837, sessões de 1, 7, 8 e 10 de abril.
53 Ver Diário da Câmara dos Deputados, 1843, sessões de 4, 11 e 17 a 20 de janeiro.
54 Ver Colecção das medidas legislativas promulgadas pelo Governo desde o dia 10 de Maio de 1851… Lisboa: Imprensa Nacional, 1853. Colecção das medidas legislativas promulgadas pelo Governo desde o dia 26 de Julho de 1852 até ao dia 31 de Dezembro do mesmo ano, para ser presente às Cortes Gerais da Nação Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1853.
55 SARDICA, José Miguel – A regeneração sob o signo do consenso: a política e os partidos entre 1851 e 1861. Lisboa: ICS, 2001. p. 149-ss.
56 Diário da Câmara dos Deputados, 1853, sessão de 22/02, intervenção de Fontes Pereira de Melo. A discussão das medidas ditatoriais decorreu de 29 de março a 25 de abril.
57 Os longos debates sobre este tema decorreram em diversas sessões da Câmara dos Deputados, compreendidas entre 2 e 10 de julho de 1852, e 31 de março e 25 de abril de 1853. Ver Diário da Câmara dos Deputados, períodos referidos. Ver também MANIQUE, António Pedro – Op. cit., p. 136-141.
58 ALMEIDA, Pedro Tavares de – Legislação eleitoral portuguesa: 1820-1926. Lisboa: INCM, 1998. p. 219-ss.
59 Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Chancelaria da Cidade, Coleção de editais da Câmara Municipal de Lisboa, 1853-1861, doc. 47.
60 AML, Chancelaria da Cidade, Coleção de editais da Câmara Municipal de Lisboa, 1853-1861, doc. 95.
61 AML, Chancelaria da Cidade, Coleção de editais da Câmara Municipal de Lisboa, 1853-1861, doc. 67.
62 AML, Chancelaria da Cidade, Coleção de editais da Câmara Municipal de Lisboa, 1853-1861, doc. 22.
63 AML, Chancelaria da Cidade, Coleção de editais da Câmara Municipal de Lisboa, 1853-1861, doc. 108.
64 AML, Chancelaria da Cidade, Coleção de editais da Câmara Municipal de Lisboa, 1853-1861, doc. 111.
65 AML, Chancelaria da Cidade, Coleção de editais da Câmara Municipal de Lisboa, 1862-1869, doc. 23.