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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.15 Lisboa jun. 2021  Epub 01-Jun-2021

 

Dossier temático

Novo espaço educativo para a infância: o jardim de infância

A new place for childhood: the kindergarten

Thais Palmeira Moraesi 
http://orcid.org/0000-0003-4254-9213

iInstituto de Educação, Universidade de Lisboa, 1649-013 Lisboa, Portugal. thaispalmeiramoraes@yahoo.com.br


Resumo

O presente artigo tem a intenção de referir alguns acontecimentos relacionados com a infância ao longo do século XIX, sobretudo em seu último quartel. Naquele tempo, assistiu-se à consolidação da conceção de infância enquanto período de vida, bem como ao reconhecimento da criança como um ser diferente do adulto, dotado de particularidades, que exigia cuidados e educação numa progressão de respeito ao desenvolvimento físico e mental do ser infantil. O abandono de crianças passava a ser combatido. Ganhavam força as ideias de que era junto da família que a criança deveria estar, crescer e viver, e de que a maternidade era o destino ou principal missão de vida de todas as mulheres. Em Lisboa, surgiam novos espaços educativos para a infância. Entre eles, o Jardim de Infância, escola infantil fundada no ano de 1882.

Palavras-chave: Maternidade; Educação infantil; Jardim de Infância; Froebel; Câmara Municipal de Lisboa

Abstract

This article intends to refer some events related to childhood throughout the 19th century, especially in its last quarter. In that time, were consolidated a conception of childhood as a period of life and the recognition of the child as being different from the adult, endowed with particularities, to be cared for, educated in a progression of complexity guided by respect for the physical and mental development of the child. The abandonment of children was beginning to be fought; the ideias that the child should grow and live with the family and that motherhood was the destination or main mission of life for all women were gaining strength. In Lisbon, new educational spaces for children appeared. Among them, the Kindergarten, a children´s school founded in 1882.

Keywords: Maternity; Child education; Kindergarten; Froebel; Lisbon City Hall

Introdução

Ao longo do século XIX, foram sendo consolidadas a ideia de infância e uma nova atitude perante a criança. No domínio científico, eram produzidos conhecimento e novos saberes sobre a criança. No campo social, o combate ao abandono infantil tomava corpo e, baseado numa ideia de instrução popular, estruturava-se, em Lisboa, um sistema educativo e uma rede escolar.

A Medicina atribuía uma renovada importância, na criança, à inteligência e capacidade de ser educada e de aprender. A Psicologia, que se constituía como ciência autônoma em finais dos anos de 1800, dedicava-se à investigação dos processos de formação psicológica, elegendo como objeto de estudo a criança e formando novo subcampo de saber: a Psicologia da Criança. O comportamento infantil passava a ser estudado e correlacionado ao curso das idades e disso resultava uma conceção de criança baseada na ideia de desenvolvimento cuja evolução acontecia por estágios sucessivos, hierarquizados e de progressiva complexidade (Ferreira, 1995). Este também era o tempo em que, em Lisboa, se formava um sistema educativo escolar e que professores e educadores da infância começavam a se profissionalizar. A Pedagogia emergia da Psicologia, tida como ciência mãe, e a definição psicológica de desenvolvimento infantil estava na base dos novos conhecimentos sobre a criança aplicados no campo educativo (Ferreira, 1995, p. 124-149).

Ia chegando ao fim uma época em que grande parte das crianças nascidas em Lisboa era deixada na Misericórdia local, que contava com um estabelecimento para os expostos1 e que tinha na Roda2 a principal porta de entrada de crianças, encargo este mantido, em parte, por contrato estabelecido com a Câmara Municipal. Desde as Ordenações Manuelinas, estava determinado que as crianças nascidas fora do casamento, e que eram maioritariamente abandonadas em decorrência da situação de ilegitimidade, deveriam ser socorridas; não havendo família, pessoas interessadas em criá-las e educá-las e hospitais, ou albergues disponíveis para recebê-las (quando abandonadas), cabia aos municípios custear a criação e educação de tais crianças. No reinado de D. Sebastião (1557-1578), ao se constatar que a Câmara não conseguia cumprir inteiramente esta obrigação e em virtude do bom conceito que o rei tinha daqueles que integravam a Irmandade da Misericórdia, foi determinado que a assistência direta às crianças seria executada pela Misericórdia de Lisboa, mediante contribuição financeira da Câmara Municipal. Nesse sentido, em 23 de junho de 1637, a Misericórdia e a Câmara celebraram um contrato3, que viria a ser renovado em anos posteriores.

Seguem alguns dados da Misericórdia de Lisboa relativos ao número anual de crianças que foram deixadas na instituição ao número das que nasceram em Lisboa, organizados na Tabela 1.

Tabela 1: número de crianças nascidas em lisboa e número de crianças deixadas na misericórdia de lisboa 

Ano Nº Crianças nascidas em Lisboa Nº Crianças entradas vivas pela Roda
1850-1851 5619 2401
1851-1852 5772 2356
1852-1853 6000 2470
1853-1854 6142 2444
1854-1855 6989 2447
1855-1856 6619 2493
1856-1857 6526 2486
1857-1858 6802 2629
1858-1859 6937 2682
1859-1860 7069 2798
1860-1861 6389 2847
1861-1862 6501 2722
1862-1863 6835 2754
1863-1864 6996 2669
1864-1865 6789 2735
1865-1866 6665 2602
1866-1867 7041 2547

Fonte: Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Relatórios e Contas da Gerência, ano económico de 1867-1868.

Embora o número de crianças deixadas na Roda da Misericórdia de Lisboa não represente o total de crianças abandonadas no município, os dados permitem ter uma ideia das que, no período compreendido entre 1850 e 1867, foram destinadas ao estabelecimento de expostos. Observa-se que, até final da década de cinquenta, houve um crescimento análogo nos dois universos. A percentagem de crianças assistidas manteve-se em torno de 40% e na década de 1860 tendeu a diminuir.

Em meados do século XIX, a Roda passou a ser estudada e criticada pela própria Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que era não somente a maior instituição de Lisboa de acolhimento de crianças, mas também modelo para as demais rodas criadas em Portugal, a cargo dos municípios (Pinto, 1828, p. 213-216)4. A Mesa, órgão dirigente e deliberativo da Misericórdia de Lisboa, afirmava:

As proporções extravagantes a que tem chegado a exposição entre nós não podem ser attribuidas a excesso de miséria [...] O mal está na franqueza mal entendida da roda, que não só promove cada vez mais o abandono das creanças, mas até parece desculpal-o [...] o sentimento moral está desvairado, e cumpre corrigil-o com disposições administrativas, com a educação e com a voz da religião.5

Neste contexto, o abandono infantil passava a ser combatido. Na sequência da abolição da Roda em Portugal (1867), a Misericórdia de Lisboa implementava reforma em seu ramo de serviço destinado à criança (1870)6, constrangida não apenas por uma questão de ordem ética e moral relativamente ao abandono infantil, mas também por dificuldades internas financeiras advindas dos gastos com a assistência prestada ao grande número de crianças deixadas sob seus cuidados.

Passava a haver consenso em torno da ideia de que a criança não deveria ser abandonada, mas criada pela respetiva família, amamentada e cuidada pela própria mãe. As exceções à regra admitidas eram os casos de crianças órfãs, de crianças filhas de genitores de comprovada pobreza e de mulheres encobertas7; para estas, a porta da Misericórdia de Lisboa permanecia aberta, mediante identificação parental, enquanto passava a haver investimento em ações que incentivavam as mães a permanecer com seus filhos e, portanto, a não abandoná-los. Era junto da família que a criança deveria estar e, para tanto, a Misericórdia passava a oferecer subsídios às de mães de comprovada pobreza. A Mesa afirmava que era chegado o momento de empregar todos os meios possíveis para salvar e moralizar a família, o que seria possível apenas onde a mulher fosse um ente virtuoso8.

A mulher, a maternidade e a criança: o binômio mãe-filho

Em 1879, era publicado, no Porto, o periódico A Mulher. De conteúdo literário e contando com diversos colaboradores, os seus redatores, Xavier de Carvalho e Xavier Pinheiro, afirmavam que o seu programa era reformador ou renovador. Consideravam falsa a educação recebida até então pela mulher e o primeiro número apresentava um conjunto de textos sobre a finalidade da sua educação: torná-la “boa mãe boa dona de casa” (Carvalho e Pinheiro, 1879). O periódico veiculava assim um discurso sobre a mulher e o papel que lhe caberia desempenhar na sociedade portuguesa da época.

Também num texto de Oscar Tidaud, intitulado O anjo bom e o anjo mau, a mulher dissimulada, vingativa e mentirosa - o anjo mau, objeto de desejo masculino - era contraposta à mulher-mãe de família, o anjo bom, assim descrita:

emprega-se unicamente nos deveres de esposa e mãe; occupa-se do governo de sua familia e então é rainha absoluta por unanime aclamação, porque sabe reinar [...] pela doçura, sobre seus filhos e pela bondade sobre seus servos: porque despida de si todas as paixões mundanas e perigosas, só se entrega d’alma e coração ao amor de mãe (Tidaud, 1879, p. 14).

A valorização da mulher no papel de mãe caminhava no sentido de redefinir a relação da mulher com a maternidade, que passava a pressupor o referido amor de mãe, concebido como capacidade natural, inata, de amar o filho, e afirmava o seu destino: ser mãe.

Num outro texto, de autoria de Francisco Carrelhas, à mulher no papel de mãe eram atribuídas virtudes como a meiguice, a afetuosidade, a intuição e a sensibilidade, enquanto educar era considerado uma das principais atribuições da maternidade: “Ela é a educadora do homem moderno, o cidadão, porque só ella tem a faculdade de innocular na alma da creança todos os principios que mais tarde, os livros, as conveniencias, os costumes, as instituições desenvolverão” (Carrelhas, 1879, p. 22). Ia sendo tecida uma trama articulada entre a mulher, que passava a pressupor a maternidade e uma ideia de família, a criança/infância, cujo primeiro tempo de ser e de estar no mundo deveriam acontecer junto da mãe, e a educação. Educar a mulher para que viesse a ser cidadã e, como cidadã, cumprir o papel de boa esposa e de boa mãe. No papel de boa mãe, educar o filho. Esta primeira educação da criança, da qual dependeria todo o futuro, envolvia:

uma rigorosa observação da natureza, temperamento e tendencias da creança, porque consistindo a educação no mais perfeito desenvolvimento das faculdades activas e especulativas, é nos primeiros annos que se deve obstar a tudo o que se opponha a esse desenvolvimento (Carrelhas, 1879, p. 23).

A criança era assim concebida como sujeito dotado de particularidades (seu temperamento, suas tendências) e como educando, desde seus primeiros anos de vida, demandava uma educação que visasse o mais perfeito desenvolvimento de suas faculdades.

A educação da criança era colocada como responsabilidade maior da mulher-mãe e, num outro texto de Francisco Carrelhas, intitulado A mulher na família, a ideia de que ela era educadora não apenas de seus filhos e no ambiente doméstico do lar, mas adequada para o ensino primário: “A mulher é muito preferível ao homem na primeira educação intellectual. Como o cerebro da creança é demasiado impressionavel, o ensino primario consiste apenas na fixação da imagem dos objectos, e ninguem melhor de que a mulher para esse ensino” (Carrelhas, 1879, p. 39).

Para a mulher, chamada a cumprir o papel de mãe/educadora, e para a criança, concebida como educanda, começavam a surgir novos espaços. Neste contexto, também emergia o trabalho assalariado feminino, que contrapunha ao ideal de mulher-mãe, a realidade de mulheres que começavam a ser empregadas em fábricas, oficinas etc. e que deixavam, portanto, de ter a possibilidade de educar os próprios filhos. Portanto, além do conhecimento e discursos produzidos pela Medicina e pelas novas ciências emergentes (a Psicologia, a Pedagogia) sobre a criança em suas particularidades e possibilidades de educação, imperativos de ordem econômica levaram à necessidade de criar instituições educativas (Ferreira, 1995, p. 244), onde as crianças pudessem permanecer e ser educadas durante o expediente de trabalho de suas mães.

Novos espaços para a infância

No último quartel do século XIX, começaram a ser criados, em Lisboa, novos espaços educativos para a infância, naturalizada como “classe de idades específicas” (Ferreira, 1995, p. 131). Para cada grupo etário, um espaço escolar próprio e subdividido em classes.

Nos anos de 1870, a Câmara Municipal de Lisboa, encarregada da instrução primária elementar obrigatória para as crianças entre os 7 e os 15 anos9, criava uma rede municipal de escolas primárias. Para tanto, contava com o Pelouro da Instrução, criado em 1873 e encarregado de tratar diretamente de questões relativas à instrução pública (Campos, 1999). Em 20 de dezembro de 1875, era inaugurada a primeira Escola Central Municipal de Lisboa. É de notar que a organização da instrução primária já tinha sido iniciada pelo marquês de Pombal, com a lei de 6 de novembro de 1772, e foi retomada ao longo dos anos de 1800, momento histórico caracterizado pela expansão da oferta escolar, pela definição e nacionalização de um currículo e pela redefinição de uma rede de escolas por municípios. A alfabetização escolar tornava-se obrigatória, considerada requisito de cidadania, e, no tocante à instrução pública, as reformas liberais visaram tornar Portugal uma nação alfabetizada. Na segunda metade do século XIX, o ensino primário público já estava organizado em torno de um modelo escolar, estabelecido numa rede de escolas municipais ajustada à reorganização político-administrativa do território (Magalhães, 2014).

Em Carta de Lei da Direção-Geral de Instrução Pública, de 2 de maio de 1878, Rodrigues Sampaio promulgava nova Reforma da Instrução Pública, para fazer valer a orientação municipalista dada pelo Código Administrativo (Magalhães, 2014, p. 80). O período de vida destinado à instrução elementar obrigatória era reajustado e passava a ser entre os 6 e os 12 anos de idade, para as crianças de ambos os sexos (Artigo 5º). Os responsáveis pela matrícula e frequência das crianças à escola deixavam de ser apenas os pais, tutores e pessoas encarregadas pela educação delas. O novo diploma atribuía, também, essa responsabilidade aos donos de fábricas, oficinas e indústrias que tivessem crianças empregadas (Artigo 7º), estando, todos eles, sujeitos à intimação e à multa caso não cumprissem a obrigação. Pela reforma, ficava determinado que todas as crianças entre 6 e 12 anos passariam a ser anualmente recenseadas, cabendo às câmaras municipais determinar a época e às juntas de paróquia executar o recenseamento. As autarquias também eram responsáveis pela definição das épocas de matrículas, o controle da frequência escolar das crianças matriculadas e pelos horários das atividades letivas10. No ano de 1882, funcionavam, em Lisboa, dez escolas centrais municipais (Terenas, 1882a).

Nos anos de 1880, começavam a ser efetivadas propostas educativas também para as crianças em idade que antecedia aquela destinada à instrução primária; para elas havia uma ideia de educação, a ser realizada não apenas junto da mãe, como apontado anteriormente, mas também em espaço escolar próprio. Os estudos médicos, psicológicos e pedagógicos alertavam para os prejuízos advindos de uma educação considerada inadequada e conferiam visibilidade ao grupo etário situado entre a primeira infância (que ia do nascimento aos 3 anos) e a idade da razão (a partir dos 7 anos) (Ferreira, 1995, p. 144). O período que ia dos 3 aos 6 anos começava a ser concebido como “uma idade de vida intermédia que se revela pelos seus progressos físicos, mentais e afectivos” (Ferreira, 1995, p. 144), o que acabava por estender as necessidades educativas a este grupo etário.

Escolas infantis: tempo de instituição

Estes estabelecimentos foram marcados, nas suas denominações, pelos modelos pedagógicos francês e alemão (escolas maternais/jardins de infância), mas tendo como propósito a educação de crianças de idade pré-escolar.

No ano de 1801, em Paris, a marquesa de Pastoret criou a primeira salle d’hospitalité e, em 1826 fundou, na mesma cidade, uma nova instituição, semelhante e inspirada na infant school inglesa, nomeando-a salle d’asile.

Com caráter mais próximo ao da creche do que ao de um estabelecimento para educação infantil, as salles d’asile francesas ganharam configuração educativa quando foram remodeladas segundo as infant schools inglesas. Estas, por sua vez, foram organizadas pelo escocês James Buchanan, operário do industrial Robert Owen, que, em 1816, decidiu criar, anexo a sua fábrica, uma grande instituição escolar. As crianças pequenas foram confiadas àquele operário, que, anos mais tarde e em decorrência do êxito alcançado, esteve em Londres, a convite de um político escocês, para organizar as infant schools.

Tais estabelecimentos, que nasceram de iniciativas privadas no começo do século XIX, em 1848 passaram a ser assumidos pelo Estado francês, já concebidos como lugares para a instrução de crianças, passando a ser chamados de écoles maternelles, sobretudo a partir do último quartel dos anos de Oitocentos.

O termo jardim de infância remete para a influência alemã, ao kindergarten de Friedrich Froebel (1782-1852), voltado para a educação da infância, que marcou fortemente a decisão da criação do primeiro jardim de infância de Lisboa (e de Portugal), como se verá adiante:

para indicar que, como as plantas são tratadas num jardim com a protecção de Deus, em harmonia com a natureza e sob o cuidado de jardineiros experimentados, também as crianças, como plantas delicadas e embriões do homem de amanhã, devem ser tratadas de harmonia com Deus, com a natureza e com elas mesmas (Gomes, 1977, p. 17).

Apresenta-se de seguida um breve histórico na tentativa de oferecer ao leitor um quadro com alguma cronologia relativa à evolução das discussões e decisões (do Governo central e da Câmara Municipal de Lisboa) acerca da criação de escolas infantis.

• A Carta de Lei de Rodrigues Sampaio (2 de maio de 1878), no artigo 68º, determinava que as Juntas Gerais de Distrito e as Câmaras Municipais deveriam promover a criação de asilos para as crianças entre três e seis anos de idade, estabelecimentos estes auxiliares das escolas primárias.

• Em sessões da Câmara dos Deputados de 7 e 9 de maio de 1879, o deputado José Joaquim Rodrigues de Freitas propunha que fosse recomendado ao governo a fundação de jardins de infância, conforme o método do pedagogo alemão Froebel, para a educação de crianças em idade pré-escolar e formação de educadores da infância; ou seja, o jardim de infância como espaço educativo para crianças e para a formação e prática dos próprios educadores.

• Em Carta de Lei de 11 de junho de 1880, determinava-se que uma verba do Estado fosse repassada às Câmaras para que estas pudessem auxiliar as iniciativas particulares e associações destinadas à criação de jardins de infância.

• Uma Portaria de 9 de dezembro de 1880 determinou que os governadores civis deveriam organizar associações para a criação de jardins de infância.

• Em 11 de dezembro de 1880, José Luciano de Castro expediu ofício ao governador civil de Lisboa. Neste, o deputado afirmava que crianças em idade pré-escolar deveriam receber educação, conforme suas capacidades físicas e morais, porque era esta educação que daria a base sólida para a instrução que posteriormente o povo viria a receber; assim, ele recomendava a criação de um asilo-modelo, segundo o método Froebel (Gomes, 1977, p. 25-26). Em resposta, a Câmara Municipal de Lisboa, em sessão de 23 de dezembro de 1880, nomeou uma comissão, formada por Luís d’Almeida e Albuquerque, José Elias Garcia e Teófilo Ferreira, para que, articulada com o governador civil e Juntas Gerais, fundasse o asilo-modelo, sempre conforme o método Froebel. Anteriormente às medidas do governo central e à composição da comissão para tratar especificamente do assunto, o vereador José Elias Garcia já havia apresentado, em sessão da Câmara de 1 de junho de 1880, proposta de criação de um jardim de infância (Gomes, 1977, p. 28).

Reunida a comissão encarregada de fundar o asilo-modelo, estavam divididas as tarefas pelas quais cada órgão deveria encarregar-se. A Junta Geral do Distrito daria um auxílio pecuniário. O governador civil trataria de perguntar ao Governo central o valor do subsídio que este poderia conceder. A Câmara Municipal de Lisboa ofereceria o terreno, para a construção da escola, assim como se encarregaria das obras (plantas, orçamentos etc). Elias Garcia seria encarregado de estabelecer as condições para a criação da escola e Teófilo Ferreira cuidaria dos assuntos relativos ao preparo das professoras que viajariam ao estrangeiro para estudar o método Froebel (Gomes, 1977, p. 29). Passariam quase dois anos até que as obras tivessem início e, em alguns meses, foram concluídas.

O jardim de infância de lisboa

Em 21 de abril de 1882, dia do centenário de Friedrich Froebel, foi inaugurado o Jardim de Infância, em prédio construído no interior do Jardim da Estrela (Figura 1 e Figura 2).

Desenhado como um chalé, de estrutura em madeira, com amplas zonas envidraçadas, e concebido dentro de parâmetros de higiene, associados à iluminação natural e à ventilação dos espaços de estar da criança, consagra um programa educativo que tinha na integração harmónica com a natureza envolvente - um jardim romântico - um dos seus traços mais característicos (Bandeira, 2010, p. 79).

Os encarregados pela organização da escola foram Carlota de Brito Freire, professora do ensino complementar, e seu esposo Alfredo Júlio de Brito Freire, professor das duas escolas normais de Lisboa. Em novembro de 1882, o Jardim de Infância começou a funcionar, dividido em quatro classes, conforme a faixa etária das crianças e em decorrência do grande número de matrículas. Os organizadores da escola habilitaram, no ensino de Froebel, algumas professoras que estavam a receber formação na própria escola, definiram os horários e regulamentos, organizaram os programas, assim como as funções dos funcionários. A escola contava com uma diretora, uma professora-conservadora responsável pelo material escolar, quatro professoras provavelmente dedicadas exclusivamente ao ensino (três efetivas e uma substituta), um professor de canto, um professor de ginástica, quatro jardineiras monitoras e uma vigilante, uma jardineira auxiliar, um porteiro e uma servente. As aulas tinham início às dez horas da manhã e as jardineiras e vigilante eram encarregadas de receber as crianças e verificar se estavam asseadas, o que significava estarem “convenientemente lavadas e decentemente vestidas e calçadas” (Congresso Pedagogico Hispano-Portuguez-Americano, 1892, p. 4). As crianças usavam avental, fornecido pelas respetivas famílias, que variava de cor conforme o sexo da criança; tinham que ter os cabelos cortados mensalmente e levar, de casa, a merenda, que também era inspecionada, pelas jardineiras, em sua quantidade e qualidade. De 1882 a 1892, 2932 crianças de ambos os sexos frequentaram o jardim de infância (Gomes, 1977, p. 37) e, segundo a comunicação feita no Congresso Pedagógico Hispano-Português-Americano, a escola teve inicialmente a função de habilitar no método de Froebel as professoras das escolas municipais encarregadas das classes infantis (Congresso Pedagogico Hispano-Portuguez-Americano, 1892, p. 3).

Figura 1 Fachada do Jardim de Infância Froebel, no Jardim da Estrela. Froebel: Revista da Instrucção Primaria. Nº 1 (21 de abril de 1882), p. 5. 

No mesmo ano de inauguração do Jardim de Infância na Estrela, foi aprovado o Regulamento orgânico provisório dos jardins de infância, assinado por Teófilo Ferreira, que, na época, era vereador do Pelouro da Instrução e diretor da Escola Normal de Lisboa. No artigo 1º do regulamento, definiam-se os jardins de infância criados e custeados pela Câmara Municipal de Lisboa como “escolas destinadas à educação física, moral e intelectual de crianças de 3 a 6 anos” (Congresso Pedagogico Hispano-Portuguez-Americano, 1892, p. 7). Relativamente aos conteúdos que deveriam ser ministrados (artigo 2º), devidamente adequados à idade da criança, eles caracterizavam-se por serem:

1º - (...) exercícios físicos aconselhados pela hygiene (...) 2º - Exercícios de canto choral (...) destinados á educação dos órgãos vocaes e (...) da caixa thorácica (...) 3º - (...) trabalhos manuais (...) 4º - Exercícios de lingua materna; 5º - Principios de educação moral; 6º - Noções geraes de historia natural, hygiene e geografia; 7º - Conhecimentos acerca dos objectos de uso comum; 8º - Contos e narrações de utilidade pratica e ao alcance da intelligencia das creanças; 9º - Exercicios de contar e calculo mental; 10º - Primeiros elementos de desenho; 11º - Primeiros elementos de leitura e escripta (Congresso Pedagogico Hispano-Portuguez-Americano, 1892, p. 7-8).

Figura 2: Escola Froebel. Planta e alçado da Escola Froebel, estabelecida no Jardim da Estrela. Arquivo Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/CMLSB/UROB-PU/21/0165 

Nos artigos 3º e 4º era estabelecido que a Câmara Municipal, dependendo de seus recursos, deveria criar em cada bairro um jardim de infância central, com capacidade para 120 a 200 crianças, para um ou outro sexo e dividido pelo menos em quatro classes, e que, além dos centrais, criaria, quando possível, outros anexos às escolas centrais, com capacidade para 50 ou 60 crianças. O artigo 6º estabelecia que, sempre que fosse possível, os cargos de jardineiras seriam ocupados por alunas do asilo municipal, de preferência aquelas que possuíssem qualidades intelectuais e morais para se dedicarem ao magistério primário. A habilitação das jardineiras deveria ser realizada pela diretora do jardim de infância, que o faria através de lições práticas e teóricas (artigo 10º). Já a vigilante das jardineiras deveria aconselhá-las, dirigi-las e tê-las sob sua guarda, exercendo sobre elas inspeção rigorosa e maternal (artigo 12º) (Congresso Pedagogico Hispano-Portuguez-Americano, 1892, p. 8-10).

Ao encontro do que o regulamento dos jardins de infância recomendava em seus 3º e 4º artigos, Adolfo Coelho, professor do Curso Superior de Letras, apresentava, em 1882 à Junta Departamental do Sul (órgão que regulamentava as relações entre a administração central e a local nas questões da educação) a sua proposta de criação de uma escola modelo, edificada sobre os preceitos de higiene e da pedagogia moderna. Destinada a crianças de ambos os sexos e entre as idades de 3 e 14 anos, a escola contaria com um jardim de infância para a educação de crianças entre os três e os seis anos, etapa esta tida como imprescindível a fim de que o aluno acedesse aos níveis seguintes de ensino e prosseguisse a sua trajetória escolar. Tal educação infantil também seria orientada pelo método Froebel e consistiria no desenvolvimento físico, moral e intelectual (Terenas, 1882b).

A Câmara Municipal de Lisboa, por sua vez, já havia lançado, a 8 de maio de 1882, a pedra de fundação de uma escola modelo, a ser construída em terreno doado por Barata Salgueiro, na Avenida da Liberdade; a escola seria mista, em seus pisos superiores haveria “uma classe para o ensino froebeliano com um pequeno jardim” (C. P., 1883) e, no ano de 1883, estava em fase de construção.

A educação da infância na imprensa periódica

Além da inauguração do Jardim de Infância no passeio da Estrela, também no dia 21 de abril de 1882, foi publicado o primeiro número do periódico Froebel: Revista da Instrucção Primaria.

Entre os colaboradores da revista estava Teófilo Ferreira, diretor e professor da Escola Normal de Lisboa, médico, jornalista e vereador da Câmara Municipal de Lisboa ligado ao Pelouro da Instrução (Nóvoa, 2003, p. 552-554). Através dos escritos publicados no periódico, ele divulgou suas ideias acerca da educação. Logo no primeiro número da revista, Teófilo Ferreira deu a conhecer a sua participação na realização do jardim de infância na Estrela. Ele afirmava que a felicidade do Estado e da população decorria da educação dos jovens e que o futuro destes dependia das “primeiras impressões recebidas” (Ferreira, 1882, p. 3), as quais influiriam em seus costumes e no desenvolvimento físico que só poderia ser completo se decorresse junto da natureza, remetendo-se ao pensamento pedagógico de Froebel. Foi Teófilo Ferreira quem sugeriu, em sessão camarária, que a escola infantil deveria a ser construída no Jardim da Estrela e afirmava que a escola se orientaria pelo método de Froebel, referido como o imortal pedagogista alemão.

O entusiasmo pelas ideias de Froebel não era tão só de Teófilo Ferreira. Num texto, José António Simões Raposo, outro colaborador da revista, que desempenhava funções de docência e de direção na Casa Pia e na Escola Normal de Lisboa, estando também ligado a atividades políticas, afirmava que “A velha pedagogia abstracta e formulista, que por tantos seculos regeu os destinos da escola e da instrucção popular, vae dia a dia perdendo terreno em todos os campos e em todos os paizes” (Raposo, 1882, p. 4), para em seguida apresentar o sistema de Froebel como aquele que viria a derrubar a dita velha pedagogia. Froebel, considerado “o verdadeiro psychologo da vida da infancia” (Raposo, 1882, p. 5), era tido como aquele que havia sido capaz de criar um método de educação e desenvolvimento natural do corpo e do espírito da criança desde os seus primeiros anos de vida. Simões Raposo advertia que, no jardim de infância, cada atividade proposta à criança deveria corresponder e respeitar o seu estágio de desenvolvimento, sua força física e intelectual, o que aponta para as ideias de classe graduada conforme o nível do aluno e de vida infantil, concebida como uma progressão de desenvolvimento associado às idades. Muitos professores, escritores, estudiosos, médicos e jornalistas, de finais do século XIX e início do século XX, ocuparam tanto uma posição de saber, que provinha da formação e exercício profissionais, quanto uma posição de poder e de intervenção política, conferida pelos seus cargos políticos, o que acabava por conferir legitimidade à credibilidade dos discursos produzidos e divulgados (Ferreira, 1995, p. 83-87). Estes atores foram protagonistas na produção de conhecimento, de discursos e na proposição de práticas que contribuíram para o processo de mudança de mentalidade da sociedade portuguesa, amparados pela imprensa escrita (Ferreira, 1995, p. 83-87).

Apoiado nas ideias do pedagogista Braun, João José de Sousa Telles, sócio da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa e da Sociedade Farmacêutica Lusitana, além de professor de Português e de História Natural (Telles, 1873), explicava que a finalidade da educação infantil era permitir que a criança viesse a desempenhar da melhor forma possível o seu destino de vida; ser homem religioso, moral, intelectual, físico e social. Afirmava a importância da educação começar desde os primeiros tempos de vida e criticava os pais que não sabiam educar seus filhos, assim como aqueles que acreditavam ser educadores mas que, na realidade, não tinham os conhecimentos necessários para tal. Em sua crítica ao estado atual da educação da criança João José de Sousa Telles afirmava: “Doentes do corpo e do espirito, ainda que apparentemente sadias e intelligentes, é que quasi todas as crianças batem á porta da eschola primaria” (Telles, 1883). A escola infantil era concebida como preparatória, tanto para a escola primária, quanto para a vida, uma vez que era considerado que a trajetória de vida futura dependia da puerícia e de seu desenvolvimento. Com tais críticas, João José de Sousa Telles também apontava para a questão da formação de professores, que estava em pauta nas discussões acerca do ensino popular e começava a ser considerada imprescindível para o exercício de educar/ensinar crianças.

José António Simões Raposo, no discurso que proferiu na sessão de abertura das conferências pedagógicas realizadas em Lisboa, no ano de 1884, defendeu: “O professorado é hoje mais que nunca, um sacerdocio universal, cuja missão augusta é preparar as novas gerações para o reinado da sciencia, da liberdade, da justiça e do trabalho productivo e remunerador. D’esta preparação está inteiramente dependente a solução de todos os grandes problemas sociais que agitam o nosso século” (Raposo, 1884, p. 194).

Portanto, a educação infantil, referida como educação preliminar nas fontes consultadas, passava a constituir um dos ramos da instrução pública, subjacente à ideia que predominava na sociedade daquela época de que a educação escolar era a grande mestra que devia preparar as novas gerações para a vida social, apoiada nos princípios do ensino popular moderno. Entre estes princípios, a liberdade, o ideal de progresso, a ciência e o método como base de uma pedagogia inserida na escola e aplicada por professores devidamente formados.

Antes de passar à conclusão, uma breve nota relativa às conferências pedagógicas, que passaram a ser realizadas em cada circunscrição escolar, por determinação do decreto de 28 de julho de 1881. As conferências de 1884 foram presididas por Simões Raposo, inspector responsável pela primeira circunscrição que abrangia Lisboa, Alenquer, Setúbal, Santarém e Tomar. Tiveram lugar na Câmara Municipal de Lisboa e a primeira sessão contou com a presença de mais de trezentas pessoas, entre professores públicos do círculo escolar, professores do ensino particular e das escolas normais, membros das juntas escolares, administradores de concelhos, delegados de paróquias, além de toda a redação da revista Froebel, encarregada de redigir e publicar boletins especiais para divulgação dos assuntos debatidos nas conferências.

Na primeira sessão, foram eleitas diferentes comissões, cada uma delas responsável por um ramo específico do ensino público e pela elaboração de um parecer que viria a ser apresentado e debatido nas sessões posteriores. Relativamente ao ensino infantil, ou preliminar, a comissão era composta pelos senhores Alfredo Júlio de Brito, Antonio Sérvulo da Matta e D. Claudina Faria. Segundo o parecer por eles elaborado e apresentado por Alfredo Júlio de Brito, o ensino preliminar deveria ser em regra realizado por mulheres/educadoras, devidamente habilitadas e “dotadas d’aquellas qualidades especiaes e infelizmente raras que são indispensáveis para este ensino” (Brito, 1884); deveria ser organizado em escolas especiais, com as condições e materiais necessários, e, na impossibilidade destas serem criadas, classes infantis deveriam ser anexadas às escolas primárias, a contar com jardim e todo o material imprescindível para a realização das aulas. Eram colocados como objetivos do ensino preliminar: o desenvolvimento físico da criança, a educação e o exercício de seus órgãos dos sentidos, o desenvolvimento dos órgãos da fala, da habilidade manual, da inteligência, dos sentimentos da moral, de solidariedade social, de obediência e disciplina, de ordem, justiça, dever, consciência do direito e da própria dignidade. Os processos de ensino deveriam ser intuitivos, as aulas curtas e conduzidas de forma a despertar o interesse das crianças. A comissão entendia que o ensino preliminar deveria proporcionar ideias úteis, justas e exatas acerca das coisas e preparar a criança para o ingresso na escola primária.

O aforismo latino mente sã em corpo são era mencionado, por considerarem que daí derivaria uma educação normal, completa, verdadeira, a começar no ensino preliminar, considerado fonte de felicidade e terreno sólido para a instrução primária (Raposo, 1884, p. 195). Por sua vez, a mulher era tida como a educadora da infância por excelência e, para tanto, deveria ter habilitação e contar com atributos especiais considerados essenciais para o exercício de educar crianças. A formação da mulher, para educadora da infância, passava a ser debatida e contemplava tanto as lições práticas e teóricas, organizadas no interior das próprias escolas infantis, como os atributos pessoais que pareciam remeter àquilo que era considerado como sendo do universo feminino, universo este que girava em torno da maternidade, do lar e da família. A passagem de uma educação doméstica das crianças que acontecia no ambiente privado do lar, a uma educação pública, no espaço da escola, num contexto em que as mulheres se tornavam trabalhadoras assalariadas e em que surgia a demanda por novos espaços para a infância, fazia emergir a profissão de educadora da infância; no ambiente da sala de aula e junto das crianças, a professora tornava-se como que substituta temporária de suas respetivas mães e famílias (Ferreira, 1995, p. 245-246). O que sugere certa transposição educativa, ou seja, ainda que a mulher e a criança passassem do ambiente doméstico do lar ao espaço da escola, do jardim de infância, na relação entre professora e educando poderiam estar presentes os mesmos elementos da relação maternal entre mãe e filho.

Conclusão

Ao longo do século XIX, foi sendo consolidada uma ideia de infância como período de vida, constituído por estágios sucessivos e em progressiva complexidade, assim como uma conceção de criança enquanto ser dotado de particularidades, a ser respeitado em seu desenvolvimento, e educando, senhor de uma trajetória escolar adequada à sua idade e à sua etapa de desenvolvimento. O abandono infantil, que durante séculos tinha atingido grandes proporções em Lisboa, passava a ter uma representação social terrível e a ser combatido; e a mulher era chamada a cumprir o papel de esposa e de mãe, papel este que era imposto pela legislação e considerado natural de seu sexo feminino, dever moral e essencial tanto para o sadio desenvolvimento físico e mental de sua prole quanto para a formação e proteção da família - tida como base do edifício social da pátria portuguesa.

Ia começando um tempo em que para a infância passavam a ser criados espaços próprios, entre eles a escola, a qual tornar-se-ia um denominador comum a todas as crianças, assim como a própria ideia de infância. A escola infantil foi sendo, sobretudo a partir do último quartel dos anos de 1800, estruturada e organizada como ramo específico da instrução pública, a contar com um currículo específico, com professores devidamente habilitados e com um espaço e arquitetura próprios, pensados de forma a favorecer o processo de ensino-aprendizagem e o desenvolvimento da criança. A Medicina, prescritora de uma norma de higiene, adentrava e organizava a estrutura do espaço escolar; a Psicologia, ao voltar-se para o estudo do desenvolvimento infantil, generalizava a todas as crianças uma ideia de infância enquanto etapa de vida constituída por estágios; e a Pedagogia dedicava-se ao estudo do que deveria ser ensinado e como deveria ser ensinado.

Neste texto, foram introduzidos tais elementos que, entrecruzados, consolidaram uma conceção de infância, por sua vez, também entrecruzada com a educação infantil que estava em fase de estruturação.

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1Exposto era o termo utilizado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para designar as crianças que eram deixadas, naquela época, sob seus cuidados e que eram de filiação desconhecida.

2A Roda “(...) consistia numa caixa cilíndrica de madeira que rodava sobre um eixo central e que era colocada numa abertura de janela em vez das portadas. Esta caixa só tinha uma abertura e as crianças eram depositadas no seu interior. A pessoa que abandonava não podia ser vista pelo pessoal de atendimento do hospital, avisava a chegada da criança, a caixa era girada e a criança prontamente recolhida e tratada no interior do hospital.” SÁ, Isabel dos Guimarães - A circulação de crianças na Europa do Sul: o caso dos expostos do Porto no século XVIII [Em linha]. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995. p. 37. [Consult. 11/05/2020]. Disponível na Internet: http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/45169.

3SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA - Compromisso da Meza dos Engeytados sita no Hospital Real de Todos os Santos [Em linha]. Lisboa: [s.n.], 1716. [Consult. 11/05/2020]. Disponível na Internet: http://purl.pt/30235.

4Ordem Circular de 24 de maio de 1783, de Diogo Ignacio de Pina Manique, transcrita na obra de Antonio Joaquim de Gouvêa Pinto (1828).

5Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Relatório da Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa com as Contas da Gerência, ano económico de 1861-1862, SCML/GF/AC/11/Lv.001, p. 4.

6Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Relatório da Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa com as Contas da Gerência, ano económico de 1870-1871, SCML/GF/AC/11/Lv.001. Relativamente à reforma operada nos serviços destinados aos expostos, ver também o Relatório do ano econômico de 1871-1872, SCML/GF/AC/11/Lv.001.

7As mulheres encobertas eram mulheres solteiras, sem recursos e recatadas, que engravidavam. A Mesa da Misericórdia de Lisboa, em seu Relatório do ano económico de 1870-1871 (Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Relatório da Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa com as Contas da Gerência, ano económico de 1870-1871, SCML/GF/AC/11/Lv.001, p. 9), decidia adotar o artigo 13º do Regulamento de Expostos do Distrito Administrativo de Lisboa, de 13 de julho de 1870, segundo o qual estas mulheres poderiam entregar o seu filho à Misericórdia ou aos hospícios que começavam a ser criados pelas câmaras municipais; para tanto, as circunstâncias declaradas pela mulher eram averiguadas e, sendo verdadeiras, a solicitação era deferida. Uma portaria de 13 de setembro de 1870 acrescentou que nestes casos o segredo (acerca da identidade da genitora) deveria acompanhar a exposição da criança.

8Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Relatório da Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa com as Contas da Gerência, ano económico de 1870-1871, SCML/GF/AC/11/Lv.001, p. 13.

9MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS DA INSTRUCÇÃO PUBLICA - Reforma da Instrucção Primaria [Em linha]. Lisboa, Paço da Ajuda, 16 de agosto de 1870. [Consult. 20/04/2020]. Disponível na Internet: http://193.137.22.223/fotos/editor2/1870.pdf.

10DIRECÇÃO GERAL DE INSTRUCÇÃO PUBLICA - Carta de lei [Em linha]. Lisboa, 2 de maio de 1878. [Consult. 10/06/2020]. Disponível na Internet: http://193.137.22.223/fotos/editor2/1878.pdf.

Recebido: 30 de Junho de 2020; Aceito: 12 de Agosto de 2020

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