SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.ser2 número15O quotidiano popular lisboeta através das «Cantigas subversivas» (1828-1832)Revolução Liberal: relação circunstanciada de testemunhos evocativos (1820-1823) índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.15 Lisboa jun. 2021  Epub 01-Jun-2021

 

Dossier temático

O Conselho de Saúde Pública, uma imanência da Revolução de 1820

The Public Health Council, an immanence of the 1820 Revolution

Carlos Louzada Subtili 
http://orcid.org/0000-0002-1372-517X

iSociedade Portuguesa de História da Enfermagem, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa, 4169-005 Porto, Portugal.


Resumo

O ano do bicentenário da Revolução de 1820 decorre em simultâneo com a ocorrência da maior pandemia que assola a humanidade, depois da peste negra, da varíola, da cólera ou da gripe espanhola e trouxe à cena a Direção-Geral da Saúde (DGS).

Com recurso à legislação régia e aos debates parlamentares no período da Monarquia Constitucional, pretende-se revisitar este momento histórico para traçar a genealogia da DGS, nas várias formas que foi assumindo desde a Revolução Vintista à implantação da República, com destaque para a criação do Conselho de Saúde Pública, gizado por Passos Manuel, em 1836. A par de outros problemas da saúde pública, o medo do contágio de doenças infeciosas foi o pretexto e o principal impulsionador de mudanças organizativas na administração da saúde. Durante todo este período, acabou por vingar o biopoder, uma nova forma de poder sobre os corpos decorrente do novo paradigma higienista.

Palavras-chave: Conselho de Saúde Pública; Planeamento em saúde; Administração em saúde; Século XIX

Abstract

The bicentennial anniversary of the 1820 Revolution takes place at the time of the greatest pandemic known to humankind after the black plague, smallpox, cholera or Spanish influenza and has placed under the spotlight the Direção-Geral da Saúde (DGS). Using Royal Legislation and Parliamentary Debates during the period of the Constitutional Monarchy, we aim to revisit this historical moment in order to understand the genealogy of the DGS in its several forms since the 1820 Revolution up to the implementation of the Republic, focusing on the creation of the Council for Public Health (Conselho de Saúde Pública) designed by Passos Manuel in 1836. Among other public health issues, the fear of contamination by infectious diseases was the pretext and the main force behind the organizational changes in health administration. During this period, biopower became leader, a new form of power on our bodies resulting from the new hygienist paradigm.

Keywords: Council for Public Health; Health planning; Health management; 19th Century

Introdução

Em tempo de ocorrência de uma pandemia à escala planetária, nunca a Direção Geral da Saúde (DGS) tinha assumido tanto protagonismo e passou a ser o centro de todas as atenções e decisões, exatamente no ano em que perfazem duzentos anos da Revolução de 1820, momento decisivo que antecedeu a criação do Conselho de Saúde Pública, em 1837.

Persistiam ainda as velhas teorias e práticas médicas fundamentadas em modelos cosmológicos que assemelhavam o corpo humano a um mundo pequeno (microcosmos) feito à imagem do mundo grande criado por Deus e que classificava os “sujeitos” em saudáveis, achacosos e enfermos (Roma, 1753)1. Ao longo da segunda metade do século XVIII, foram surgindo os primeiros sinais de rutura com estes modelos. Novas abordagens e conceções de anatomia e fisiologia, a introdução da vacinação contra a varíola e o primeiro tratado de Polícia Médica - System Einer Volständigen Medizinschen Polizey - de Johann Peter Frank, abriram caminho a um novo paradigma da saúde pública, da medicina preventiva e da higiene social que obrigaram, por sua vez, a novos modelos de administração da saúde. O velho modelo de pulverização de poderes repartidos entre físicos, cirurgiões e funcionários da administração local sem qualquer formação na área da saúde, conflituava com o emergente modelo da saúde pública, numa afirmação do biopoder e do poder médico2, de novas disciplinas como a estatística e, sobretudo, de uma nova entidade, a população.

É o percurso genealógico da DGS que se pretende traçar, sinalizando três momentos cruciais neste processo: i) as fórmulas que antecederam o Conselho de Saúde Pública, procurando traçar em detalhe o malogrado projeto de regulamento que não chegou a ser discutido nem aprovado até ao final das Cortes Constituintes; ii) o decreto de Passos Manuel, ministro do Reino, que consagrou o seminal Regulamento da Saúde Pública decorrente da vitória do Setembrismo e do restabelecimento da Constituição; iii) a criação da Direção Geral da Saúde e Beneficência Pública sob a égide de Ricardo Jorge.

As fórmulas percursoras do Conselho de Saúde Pública

O primeiro esboço de administração sanitária em Portugal deveu-se à Provedoria-Mor da Saúde cujo regulamento tinha sido estabelecido por decreto de 15 de dezembro de 1707, nele se prevendo a inspeção sobre a venda e comercialização de alimentos, fábricas, fontanários e espaços urbanos, numa palavra “todos os objectos da Saude não só da cidade, mas sinco legoas em torno” (Portugal. Conselho de Saude Publica do Reino, 1838, p. 33). Esta provedoria haveria de subsistir por todo o século XVIII.

Em 1756, António Ribeiro Sanches tinha publicado, em Paris, o “Tratado de Conservação da Saúde dos Povos” e, em 1772, procedera-se à reforma dos estudos médicos da Universidade de Coimbra, enquanto Pina Manique introduzia uma série de medidas sanitárias (Figura 1).

Finalmente, por portaria de 28 de agosto de 1813, foi criada a Junta de Saúde, marco importante na tomada de consciência sanitária e da necessidade de “tomar todas as precauções indispensáveis para preservar estes Reinos do terrível flagello da peste, que infelizmente se experimenta agora em Malta e Alexandria, e outros portos do Mediterraneo”3 face à crescente mobilidade de pessoas.

Figura 1 Tratado de Conservação da Saúde dos Povos, de António Nunes Ribeiro Sanches, médico, filósofo, pedagogo e historiador (1699-1783). 

A Junta era composta pelo provedor-mor da Saúde da Corte e Reino, membro nato, por dois oficiais militares, pelo capitão de Mar e Guerra, pelo inspetor interino do Arsenal Real da Marinha, pelo desembargador Bartolomeu José Nunes Giraldes e por seis doutores: Inácio Xavier da Silva, físico-mor da Armada Real, Bernardino António Gomes4, Francisco José de Almeida, Francisco de Melo Franco, Henrique Xavier Beata e José Pinheiro de Freitas, que reuniram pela primeira vez a 30 de agosto de 1813, dois dias após a nomeação5. Para prover às necessidades de funcionamento da Junta, as receitas consistiam em “todos os emolumentos, e rendimentos próprios da Saude, tanto os que até agora erão cobrados pelo Senado da Camara, como os que fossem por outra qualquer Repartição”6.

Logo após a Revolução, por portaria de 10 de novembro de 1820, a Junta foi substituída por uma Comissão de Saúde - um presidente, um chefe de esquadra, um desembargador da Relação e dois médicos - com o objetivo de “corrigir, suspender ou approvar o que se achava estabelecido, e propor hum plano de Policia Sanitária para obviar a introducção dos contágios do extrangeiro pelos postos de mar, e as epidemias no caso da sua desenvolução no interior” (Portugal. Conselho de Saude Publica do Reino, 1838, p. 34). Esta comissão viria a perdurar até à Revolução de setembro de 1836, mas a sua ação foi anódina.

O malogrado projeto de regulamento geral da saúde pública

O triénio vintista (1820-1823) representa uma etapa de particular relevância na transição do Antigo Regime para a contemporaneidade, embora sem expressão legislativa nem alterações na estrutura administrativa da saúde. Contudo, no plano doutrinário, foi um momento decisivo de preparação e transição para etapas subsequentes de um lento, hesitante e conturbado processo de desenvolvimento da saúde pública em Portugal que iria terminar na separação entre os assuntos da saúde e da beneficência, graças à reforma republicana de 1911, ao extinguir a Direção-Geral de Saúde e Beneficência Pública e criar a Direção-Geral da Saúde.

Foi o desejo e a vontade de criar um “Plano de Polícia Sanitária” que ocupou boa parte dos trabalhos desenvolvidos pela comissão do ramo da Saúde Pública das “Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa”, entre fevereiro de 1821 e novembro de 1822. Foi esta comissão que elaborou um projeto de Regulamento Geral da Saúde Pública que acabaria por não ser nem discutido nem aprovado, mas que funcionou como elemento de ligação entre os princípios doutrinários do “Tratado de Polícia Médica”, escrito por José Pinheiro de Freitas Soares em 1818 (Figura 2) e a criação do Conselho de Saúde Pública e respetivo Regulamento, por Passos Manuel, em 1837. Como referimos, Freitas Soares tinha sido membro da Junta de Saúde. O seu tratado não passava de uma réplica do System Einer Volständigen Medizinschen Polizey, do médico alemão Johann Peter Frank (1779), mas desempenhou, tal como o projeto de regulamento, o papel importante de manter o assunto em agenda e ambos simbolizam os esforços que viriam a ser empreendidos durante vinte anos para imprimir uma mudança de paradigma na gestão, organização e objetivos da saúde pública. Contudo, há que reconhecer a fragilidade desta comissão “em todo este processo, um facto que não pode ser dissociado da inexistência de uma classe de higienistas em Portugal, isto é, um grupo de especialistas provenientes de diferentes áreas [… ] para abarcar a complexidade das questões da saúde pública” (Abreu, 2017, p. 30).

Na continuidade doutrinária dos “Traités de Police” e, em particular, do Tratado de Policia Médica de Peter Frank, este projeto evidenciava uma nova e crescente função a que o Estado se propunha para assegurar o bem-estar físico e a saúde das populações, pressuposto de uma nova economia política fundada na preservação da saúde, aumento da longevidade e investimento nos corpos como capital humano, abrindo assim, um novo ciclo histórico para as políticas de saúde.

A importância deste regulamento reflete os esforços que vinham sendo feitos no sentido duma nova “noso-política”, procurando conciliar as iniciativas privadas e corporativas (grupos religiosos, paróquias, associações de beneficência, sociedades filantrópicas, etc.) com uma crescente intervenção por parte do aparelho de Estado, no sentido de organizar respostas e controlar os fenómenos de morbilidade e mortalidade, num período em que se verificava um desejo de desenvolvimento da indústria e do comércio e para o qual era necessária uma população livre de doenças.

Na introdução aos “Annaes da Saude Publica”, o médico F. J. S. Cruz, redator daquele Conselho de Saúde Pública, é perentório ao dizer que todos os governos se deviam empenhar no aumento da população” porque

infructifero seria promover a cultura dos campos, a industria fabril e commercial, os casamentos &c., se d’outro lado se abre uma vasta porta por onde entre hum terrível contagio, que a destrua importado do extrangeiro pelos portos de mar ou fronteiras da terra, ou mesmo que se desenvolva no interior. Sendo pois muitas as causas do incremento da população, e entre ellas a primeira o livrar o povo das differentes epidemias, não pode duvidar-se, que he do rigoroso dever de todos os Governos pôr em pratica as mais acertadas medidas de Higiene Publica, e Policia Sanitaria (Portugal. Conselho de Saude Publica do Reino, 1838, p. 34).

Como corolário da revolução, o rei D. João VI viria a jurar a Constituição a 1 de outubro de 1822, num contexto em que a família real estava exilada no Brasil, desde 1807, em consequência da Guerra Peninsular e das invasões francesas, que tinham colocado o país numa posição humilhante, de extremo empobrecimento e atraso7.

No texto da Constituição, apenas há uma referência à saúde pública a propósito das atribuições das câmaras, a par de outras competências no domínio da agricultura, do comércio, da indústria e, duma forma geral, de “todas as comodidades do concelho”. Decididamente, a saúde pública não foi um desígnio desta Constituição, que se ficou pela afirmação dos direitos humanos da primeira geração, dando primazia a questões políticas e jurídicas, ao direito à liberdade e à segurança (Garcia, 2016, p. 10-11).

É este projeto que, na linha de continuidade do modelo apresentado no “Tratado de Policia Medica” (Portugal. Conselho de Saude Publica do Reino, 1838, p. 38-39), reflete os esforços para introduzir uma nova ordem na governação da saúde pública, até então repartida por diferentes entidades - provedor-mor da saúde, municípios e almotacés - ou sujeita a grande instabilidade quanto ao modelo (Junta do Protomedicato, Junta de Saúde e Comissão de Saúde).

Figura 2 Tratado de Policia Medica, de José Pinheiro de Freitas Soares 

O projeto foi apresentado às Cortes no dia 13 de outubro de 1821 por Francisco Soares Franco, deputado e membro da Comissão de Saúde Pública (Portugal, 2020a), mas a sua discussão nunca chegou a fazer-se, dando origem a que o secretário de Estado dos Negócios do Reino (Portugal, 2020a, p. 237-238), passado quase um ano, enviasse às Cortes um oficio pedindo medidas urgentes, “porque nem se pode deferir às frequentes solicitações das autoridades, e dos pretendentes, nem está determinado qual há-de ser a autoridade em chefe desta repartição e as suas atribuições”.

Reconhecendo o reparo, a Comissão de Saúde Pública das Cortes deu parecer para que o projeto entrasse em discussão na primeira oportunidade, por se tratar de um aspeto essencial. É que, “sem se formar um regulamento para a administração de hospitais, expostos, misericórdias, etc.”, não seria possível pôr em prática o texto da Constituição. E foi a própria comissão que, em outubro de 1822, acabaria por propôr um projeto de lei em doze pontos para obviar esta falta8.

Durante as Cortes Vintistas, foram apresentadas 95 petições (Oliveira, 1991, p. 8-12) referentes à administração e agentes de saúde, à medicina preventiva e aos espaços de assistência pública, acompanhadas de diversas propostas feitas pelas câmaras, corporações, indivíduos ou grupos informais, vindas de todas as partes do Reino, e das quais sobressaem oito memórias sobre o regulamento, organização, melhoramento e vários aspetos do sistema da Saúde Pública e outras 6 sobre os hospitais e misericórdias (Quadro 1).

Quadro 1 Memórias apresentadas às cortes gerais e extraordinárias da nação portuguesa, por assuntos (1821-22) 

Fonte: Atas das Sessões das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza (1821-1822)

O projeto continha oito títulos (Portugal, 2020a, p. 2639-2667). Os dois primeiros estabelecem a estrutura administrativa do setor da saúde, as funções dos seus empregados e as sanções a aplicar em caso de incumprimento. O Título III ocupa-se da criação e educação dos expostos. Os Títulos V, VI e VII enunciam as diversas áreas da "policia medica": a vigilância sanitária do Reino, a vacinação, os enterros e cemitérios, as doenças contagiosas e a fiscalização dos géneros nocivos à saúde. Os hospitais também são objeto de regulamentação com novas perspetivas quanto aos seus objetivos, funcionamento e organização.

No curto preâmbulo deste projeto, começa por fazer-se uma declaração de princípio sobre a finalidade da saúde pública: “Um dos mais importantes objectos de qualquer governo he conservar a saude publica dos povos; porque he muito mais util prevenir a desenvolução das moléstias, do que passar pelo penoso trabalho de as tratar a custa de muitos riscos, e despezas”.

Nele, encontram-se ainda as razões da proposta de regulamento, mas serve, sobretudo, para traçar um retrato preciso das carências e do modo como funcionava este setor. Os médicos e cirurgiões estavam sob a dependência do Desembargo do Paço, enquanto todos os outros empregados da saúde (boticários, droguistas e outros) estavam às ordens do físico-mor ou do cirurgião-mor do Reino; os expostos e os hospitais estavam sob a jurisdição das misericórdias e das câmaras, com uma inspeção irregular e pouco ativa dos provedores e do Desembargo do Paço, “abandonadas ao roubo e à crueldade dos empregados subalternos”; o setor da saúde do porto de Belém chegou a depender do Senado de Lisboa e, depois, duma junta criada de propósito para este fim; a polícia médica no interior do Reino era inexistente ou muito pouco eficaz.

A Junta de Saúde Pública - o corpo de gestão central do sistema - estaria apoiada nos inspetores de saúde, em cada comarca. Composta por cinco vogais nomeados por el-rei - três médicos, um cirurgião e um boticário - a Junta reuniria três vezes por semana, sob a presidência do vogal mais graduado, designado inspetor-geral de saúde pública no Reino; passaria a ter as funções até então desempenhadas pelo físico-mor e cirurgião-mor do Reino.

Dessas funções, destacam-se a supervisão das provisões para os médicos e cirurgiões dos partidos das câmaras; a certificação das habilitações dos médicos formados em universidades estrangeiras e a emissão de cartas aos cirurgiões e boticários; a implementação de reformas e a promoção do bom funcionamento dos estabelecimentos de saúde pública; a elaboração de relatórios semestrais para o Ministério e anuais para as Cortes sobre o estado de saúde dos povos, reformas e melhoramentos realizados ou a realizar; a publicação dos Anais de Saúde Publica de Portugal com as “moléstias mais gerais e os meios curativos mais eficazes”, “as operações cirúrgicas mais delicadas”, “o estado dos estudos médicos, cirúrgicos e farmacêuticos”, “as diversas circunstâncias em que se acham os hospitais, casas de expostos, vacinação, asilos para inválidos, saúde dos portos do mar”, etc.

Aos inspetores de saúde pública de cada comarca, nomeados pela Junta, competia supervisar o ensino da cirurgia e da farmácia, os hospitais, boticas, casas de expostos e as condições e meios de subsistência das amas, os asilos para inválidos, o lazareto, as casas de saúde e os cárceres; fiscalizar os alimentos, a salubridade das águas e a secagem de pântanos; supervisar a atividade dos médicos do partido das câmaras e dos cirurgiões, das parteiras e dos boticários, fazendo, de dois em dois anos, visita às boticas e a todos os estabelecimentos de saúde; supervisar o serviço de vacinação e remeter relatórios trimestrais à Junta.

Empregados de saúde pública seriam os médicos, cirurgiões, boticários e as parteiras. Médicos seriam os formados pela Universidade de Coimbra e os que fossem diplomados em universidades estrangeiras, mas possuidores de carta de aprovação em exame perante um júri designado pela Junta; previa-se a criação de escolas de cirurgia no Porto e em Lisboa e a reforma da Universidade de Coimbra para a habilitar na lecionação de um curso de cirurgia completo.

Quem não estivesse habilitado, estaria sujeito a penas se, depois de advertido pelo médico do partido, reincidisse na prevaricação. Contudo, o projeto previa um período de transição enquanto não fossem criadas as condições de formação de cirurgiões, continuando a ser examinados, como até então, os que apresentassem certidões a atestar competência. Se nas comarcas houvesse algum cirurgião suficientemente instruído em obstetrícia, a Junta conceder-lhe-ia a faculdade de fazer um curso anual de partos para mulheres que se propusessem ser parteiras9.

As boticas só poderiam funcionar sob a direção de um boticário aprovado.

A criação dos expostos seria confiada às câmaras10 apoiadas por uma junta caritativa de três ou cinco senhoras das “mais principais e virtuosas”, apoiadas pelo pároco ou o médico do distrito. O projeto enunciava as condições a que deviam obedecer as rodas e casas de criação, as características e condições das amas, os procedimentos de admissão, recenseamento e registo de todas as ocorrências e o regime de isolamento das amas e das crianças em caso de doenças contagiosas. Para evitar burlas por parte de mulheres solteiras ou mesmo casadas que quisessem criar os filhos à custa dos dinheiros públicos ou cuidar de crianças supostamente enjeitadas, trocados ou que já tivessem falecido, aos expostos seria colocado “um sello de chumbo pendente ao pescoço por uma liga, que não possa ser tirada pela cabeça”.

Os hospitais continuariam a ser administrados pelas misericórdias ou pelas câmaras, através de um enfermeiro--mor, de um administrador, do médico e do cirurgião mais antigos, de um escrivão ou escriturário. As misericórdias, trimestralmente, prestariam contas às câmaras da sua receita e despesa e das contas dos hospitais que administrassem.

O Hospital Real de S. José seria objeto de um regulamento próprio e, também, duma administração separada da Misericórdia, adstrita à Câmara de Lisboa.

Uma das razões mais importantes porque se criava aquele regulamento era, sem dúvida, o Serviço da Saúde dos Portos do Mar (Título VI). No porto de Lisboa, sob a imediata jurisdição da Junta de Saúde, haveria uma repartição de saúde composta por um primeiro médico que seria, ao mesmo tempo, guarda-mor e médico da repartição, por um segundo médico, que substituiria o primeiro nos seus impedimentos e seria médico do lazareto, por um escrivão, um guarda bandeira e um meirinho.

No Porto, a estrutura seria idêntica e ficaria sob a direção da Junta e fiscalização da câmara e do inspetor da Saúde. Nos restantes portos de mar que fossem frequentados por navios de alto porte ou por embarcações costeiras ou de pesca em águas estrangeiras, haveria um serviço de saúde com uma estrutura básica idêntica, de acordo com as necessidades e recursos.

Os guardas de saúde - que o seriam também das alfândegas, ouro e tabaco - seriam escolhidos de entre os oficiais inferiores e soldados incapazes do serviço ativo, mas que tivessem força suficiente para este emprego, que soubessem ler e escrever e tivessem habilitação atestada por oficiais seus comandantes.

As casas de saúde de cada porto continuariam debaixo da administração e vigilância do guarda-mor.

A junta formalizaria um regimento de saúde para o porto de Belém, com disposições a observar em situações de normalidade, outras quando fosse declarado contágio em países distantes e outras para quando as situações de contágio fossem em países vizinhos ou até no interior do Reino. Também manteria correspondência com os cônsules portugueses para que, caso se declarasse algum contágio, a Junta tivesse todas as informações sobre o contágio.

Os lazaretos teriam por função assegurar as quarentenas. A Junta de Saúde elaboraria um regimento para o lazareto, baseado num conjunto de princípios enunciados no projeto.

O projeto vintista punha a nu o estado a que o país tinha chegado: dispersão dos poderes, caos organizativo e urgência de medidas que foram sendo adiadas, insuficiência ou inexistência da polícia médica por todo o Reino, insuficiência de recursos e proliferação de indivíduos não habilitados a exercer como físicos, cirurgiões, boticários ou parteiras, hospitais com modelos de gestão, recursos humanos e instalações inapropriados, insuficiência de amas para o crescente problema dos expostos, uma quantidade indiscriminada de mendigos, dificuldade de controlar as doenças infectocontagiosas vindas do exterior ou desenvolvidas endemicamente, entre muitas outras fragilidades. Depois da Guerra Peninsular e das invasões napoleónicas (1807-1814), só na aparência, o “velho Portugal” ressuscitou, o país sobrevivera, mas as sequelas ficaram, tudo estava por fazer (Bonifácio, 2010, p. 21-22).

Finalmente, o conselho e o regulamento de saúde pública

O quadro que acabamos de descrever e que o projeto vintista tinha denunciado persistiu em consequência da luta permanente entre liberais e absolutistas, até que Passos Manuel, secretário de Estado dos Negócios do Reino, criou, em governo de “ditadura”, o Conselho de Saúde Pública e a respetiva lei regulamentar de 3 de janeiro de 1837, que “estabelece, organiza e regula a Saude Publica em Portugal, como nunca até hoje existio [itálico nosso]” (Portugal. Conselho de Saude Publica do Reino, 1838, p. 39).

O processo político que estava em curso tinha gerado um novo pensamento sobre os mais diversos aspetos da vida social, da economia e das finanças, da educação e da saúde pública, com

consequências profundas na relação entre o poder, a sociedade e o indivíduo [… ]. O poder passava a estar interessado em agir nas relações entre os indivíduos e menos na ação direta sobre cada um, como era timbre nas relações entre soberano e súbditos. Compreende-se que neste novo paradigma político-administrativo, o objeto da ação passasse a incidir sobre entidades abstratas como a população e o território (Subtil e Hespanha, 2014, p. 146).

Estas duas novas entidades - população e território - passaram a ser objeto de vigilância, análise e intervenção pelo que havia necessidade de desenvolver toda uma tecnologia demográfica: registo e análise dos diferentes aspetos relacionados com o nascimento, educação, casamento, doenças, atividade profissional, morte, etc., como, aliás, se verifica neste regulamento através das indicações que são dadas para se elaborarem anais com o registo de todos os aspetos da saúde dos povos, o registo dos expostos e amas, e o seu estado de saúde, relatórios com o movimento de doentes, doenças e mortes nos hospitais, registo da vacinação e registo, e classificação dos mendigos.

O novo Conselho de Saúde (Diário do Governo 9, 1837, p. 28-35)11, criado para substituir a Comissão de Saúde Pública, dando “nova forma á Repartição de Saude Publica, que esteja em harmonia com a novíssima legislação, e com o atual sistema de Administração Geral”, era composto por doze vogais: três médicos, dois cirurgiões e dois farmacêuticos, nomeados pelo governo e seis delegados em representação da Administração Geral de Lisboa, da Câmara Municipal de Lisboa, do Diretor Geral da Alfândega, do Exército e da Marinha (Figura 3).

O regulamento definiu uma estrutura orgânico-funcional sólida e coerente, com o quadro de competências e atribuições do Conselho e dos seus delegados à periferia (Quadro 2).

Competia ao Conselho de Saúde propor ao governo todos os agentes de saúde nos portos e nomear delegados em cada distrito.

Os domínios da higiene e saúde pública sob sua jurisdição eram sobreponíveis aos que já tinham sido enunciados no projeto de 1821.

Quadro 2 Índice do regulamento do Conselho de Saúde 

Fonte: Diário do Governo [Em linha]. 9 (1837-01-11), p. 28-35. [Consult. 14/12/2019]. Disponível na Internet: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/18/15/p49.

Fonte: Diário do Governo [Em linha]. 9 (1837-01-11), p. 28. [Consult. 14/12/2019]. Disponível em: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/18/15/p49

Figura 3 Decreto com parte do Regulamento do Conselho de Saúde, de 3 de janeiro de 1837 

Também no que diz respeito ao controlo do exercício das várias profissões, repetiam-se as atribuições que já tinham sido definidas para a Junta, isto é, competia ao Conselho examinar e conferir os diplomas a boticários, a farmacêuticos e a cirurgiões que pretendessem exercer medicina e a médicos formados em universidades estrangeiras - enquanto não se estabelecessem as escolas de medicina, cirurgia e farmácia - e a parteiros e parteiras, a sangradores, algebristas e dentistas e fazer o cadastro de todos estes empregados e profissionais.

A mortalidade passou a ser uma área de particular relevância para o Conselho, que começou a elaborar mapas necrológicos do exército e da marinha e a criar modelos de atestados médicos, bilhetes de enterro, guias dos hospitais e misericórdias e mapas necrológicos, de forma a uniformizar o sistema em todo o Reino.

Quanto às epidemias, continuava a competir ao Conselho regular as quarentenas, mas é-lhe atribuída, pela primeira vez, a incumbência de publicar instruções sobre higiene e conservação da saúde e velar pela educação dos habitantes, especialmente das crianças a viver nas casas de expostos, nos orfanatos e em colégios.

Finalmente, competia-lhe fiscalizar o serviço dos delegados distritais e, a estes, por sua vez, fiscalizar e fazer cumprir as orientações emanadas pelo Conselho, remetendo-lhe relatórios sobre as principais doenças, tratamentos efetuados, mortalidade, condições e melhoramentos a efetuar nos estabelecimentos de saúde, bem como a relação dos seus empregados e suas competências.

O subdelegado concelhio estava incumbido de aplicar as determinações do delegado distrital, através da visita aos portos, da verificação da validade dos títulos dos vários empregados da saúde, da inibição da venda de remédios proibidos, da vigilância da venda pública de comestíveis e bebidas e remeter as contas da subdelegação.

O cabeça de saúde, isto é, o regedor da paróquia, tinha por missão não permitir que se enterrassem cadáveres nas igrejas ou em qualquer outro local que não fosse o cemitério, que se conferissem os bilhetes de enterramento sem atestado médico ou ordem da autoridade judicial ou administrativa e remeter ao subdelegado, mensalmente, a relação de enterro do mês anterior, acompanhada dos respetivos atestados e o valor dos emolumentos recebidos e devidos ao Conselho de Saúde.

Os trabalhos do Conselho deviam ser compilados e publicados mensalmente, referindo as medidas tomadas e resultados, a inclusão de mapas necrológicos e todas as observações que demonstrassem o estado sanitário e os progressos obtidos.

Avanços, recuos e hesitações

A vida do Conselho de Saúde viria a ser bastante atribulada, mas o Conselho acabou por dar

inúmeras provas do seu zelo e sabedoria em mais do que uma ocasião perigosa e a sua atitude perante as ameaças ou invasões de epidemia foi recta e digna. Incitou muitas reformas, fez uma propaganda firme em favor de muita ideia avançada e generosa em matéria de polícia sanitária, e tentou educar o espirito publico (Jorge, 1885, p. 23).

Perante o caos em que o sistema de saúde se encontrava, era difícil instalar em todo o território a máquina administrativa prevista para que o Conselho regulasse a prática de médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras, sangradores, algebristas e dentistas, exercesse as funções de polícia médica no Reino e promovesse a educação higiénica e sanitária dos habitantes. Os recursos humanos eram insuficientes para preencher tantos lugares: um delegado por distrito - obrigatoriamente, um facultativo -, um subdelegado por concelho e cabeças de saúde por paróquia. A acrescer às dificuldades da quantidade, a rede periférica continuava a estar entregue aos administradores de concelho e aos regedores, gente sem qualquer formação em saúde.

Assim se compreende que, passados quase dois anos sobre a data da sua criação, os administradores dos concelhos de Lisboa ainda não tivessem cumprido as suas funções (Portugal, 2020b, p. 456), nem os administradores dos restantes distritos do Reino tivessem respondido aos ofícios do Conselho a pedir informações e esclarecimentos, como foi o caso de Évora (Portugal, 2020b, p. 290); nas estações de saúde, havia conflitos entre os pilotos de barra (Portugal, 2020b, p. 409) e os empregados das alfândegas (Portugal, 2020b, p. 90); não estava feito ou estava desatualizado o recenseamento dos empregados da saúde pública (Portugal, 2020b, p. 419); o regulamento não se cumpria na Madeira e o próprio Conselho não sabia quem eram os seus empregados naquela ilha nem tinha ainda elaborado um regulamento para os territórios insulares (Portugal, 2020b, p. 264); em Belém, o principal porto, o serviço funcionava muito mal, dando origem a reclamações e queixas sobre a forma como eram classificados os portos de proveniência dos navios e a duração das quarentenas; os empregados não residiam na estação e ausentavam-se frequentemente; os médicos não visitavam os navios com prontidão e, quando impossibilitados, não avisavam o seu substituto para fazer o serviço (Portugal, 2020b, p. 32).

Em 1844, a composição do Conselho ficou reduzida a cinco vogais efetivos de nomeação régia (três médicos e dois cirurgiões), quatro adjuntos (três médicos e um cirurgião) e um farmacêutico, sendo abolidos os lugares dos representantes da Administração Geral de Lisboa, da Câmara, da Alfândega, do Exército e da Marinha. Os delegados distritais passaram a ser de nomeação régia e a designar-se provedores e, nos concelhos, o subdelegado passou a chamar-se vice-provedor. Todas as câmaras passaram a ficar obrigadas a ter um médico de partido, não obstando o disposto no Código Administrativo que suprimia os partidos. Os cabeças de saúde - regedores - passaram a ser designados comissários de saúde. As estações de saúde nos portos passaram a ser 32, distribuídas por quatro categorias e a Instituição Vacínica foi anexada ao Conselho (Portugal, 2020b, p. 243).

Em maio de 1845, face a protestos de cirurgiões e boticários, acerca das condições de exercício das suas profissões, e de droguistas e donos de casas de comidas e bebidas, sobre as taxas que eram obrigados a pagar à Repartição de Saúde, foram introduzidas alterações pontuais ao regulamento (Portugal, 2020b, 1845, p. 404). Em novembro, foi promulgado um novo decreto que, mantendo o figurino anterior, redefiniu o número de estações de saúde dos portos, a atribuição da presidência do conselho ao próprio ministro e a possibilidade de as funções dos comissários de saúde serem desempenhadas por outros que não os regedores e exercidas em mais do que uma paróquia (Portugal, 2020b, p. 349).

Por sua vez, em 1846, o duque de Palmela suspendeu este último decreto, voltando-se ao regulamento de 1837 (Portugal, 2020b, p. 69) e Mouzinho de Albuquerque repôs a composição do Conselho aí definida (Portugal, 2020b, p. 76).

Na década seguinte, marcada por surtos epidémicos - cólera (1856) e febre amarela (1857) - as reformas sanitárias e a composição do conselho foram-se sucedendo até que, por decreto de 3 de dezembro de 1868, o Conselho foi extinto pelo ministro do Reino, D. António Alves Martins, bispo de Viseu.

Não deixando de reconhecer que o regulamento de 1837 tinha constituído um importante avanço na organização do serviço de saúde, até então sujeito a disposições legislativas dispersas e incoerentes, o ministro considerava, contudo, que também esse regulamento, não estava isento de defeitos e que as alterações legislativas produzidas na década de quarenta tinham sido fruto de “vicissitudes políticas”. E enunciou os princípios e objetivos do novo decreto: diminuir a despesa pública e aumentar a receita do serviço de saúde. Criticava o Conselho de Saúde por acumular funções deliberativas com funções executivas, tornando-se num setor excessivamente autónomo e independente em relação ao governo, e por criar, por vezes, “embaraços e dificuldades” em variados e importantes assuntos da saúde apesar da sensatez e justeza das suas deliberações. O regulamento era acusado de não ter uma organização uniforme no território, isto é, nos distritos, os serviços de saúde eram autónomos da administração geral, criando-se conflitos frequentes entre estas duas instâncias de poder. Nos concelhos, ao invés, a autoridade sanitária estava acometida aos administradores de concelho que, não estando organicamente dependentes do delegado de saúde, “‘tornaram-se frouxos e negligentes”.

Extinto o Conselho de Saúde Pública, as suas funções deliberativas e executivas passaram para as mãos do ministro dos Negócios do Reino, coadjuvado por uma junta consultiva da qual faziam parte cinco vogais ordinários, facultativos nomeados pelo governo e onze vogais extraordinários. Nos distritos, a autoridade foi conferida ao governador civil, aconselhado pelo delegado de saúde, um médico nomeado pelo governo, com funções meramente consultivas. De igual modo, nos concelhos, a autoridade sanitária passou a estar atribuída ao administrador do concelho, aconselhado por um subdelegado de saúde, médico nomeado pelo governador civil, sob proposta do administrador do concelho. Nas freguesias, continuou o regedor, agora com o título de comissário de saúde.

Note-se que, desde a fundação do Conselho de Saúde até à Regeneração, o orçamento do Ministério do Reino, que tutelava as áreas da saúde, beneficência e educação, era apenas de 20% do orçamento geral, enquanto para os negócios da guerra eram despendidos 44% e para os da marinha 15%. Em 1837, deste parco orçamento, à saúde pública propriamente dita estavam atribuídos apenas 4,2% porque o restante era aplicado nos estabelecimentos pios. Até ao final deste período, as despesas com a saúde pública e a polícia preventiva oscilaram entre 13,5% (1841-1841) e 17,9% (1851-1852), continuando o remanescente a ser absorvido pelos estabelecimentos de beneficência, onde se incluía o principal hospital do Reino, o Hospital Real de S. José (Subtil, 2016, p. 407-450).

Ao longo da segunda metade do século XIX e até à implantação da República, o orçamento foi sistematicamente deficitário a avaliar pelo recurso recorrente e continuado a transferências extraordinárias do Ministério da Fazenda para o Ministério do Reino, com particular relevância nas décadas de 1860 e 1890 e na primeira década do século XX, algumas, por certo, por necessidade de combate a surtos endémicos ou epidemias, ou outras ocorrências inesperadas.

Em 1892, face ao desenvolvimento da epidemia de cólera morbus em vários pontos da Europa e sendo necessário promover a defesa sanitária do Reino, o delegado e os subdelegados de saúde de Lisboa passaram a integrar a Junta Consultiva do Conselho de Saúde (Portugal, 2020b, p. 685). Dois anos depois, pelas mesmas razões, a junta foi acrescentada com nove professores jubilados e efetivos da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa (Portugal, 2020b, p. 250).

A peste bubónica, Ricardo Jorge e a criação da Direção geral da saúde e beneficência pública

O decreto de 1868 fora alvo de violento ataque por parte de Ricardo Jorge (Figura 4) que o considerou um “verdadeiro escândalo da sciencia, do senso commum e da saude publica […] gerado e gestado no ventre augusto da governação, […] filho de damnado coito burocratico, em sacrilegio aberto com a sciencia” (Jorge, 1885, p. 24-25).

Figura 4 Ricardo Jorge (1858-1939) médico, investigador e higienista, professor de medicina e introdutor em Portugal das modernas técnicas e conceitos de saúde pública. 

A deflagração da peste bubónica no Porto a 5 de junho se 1899 e o protagonismo assumido por este médico serviram de pretexto para a criação da Direção Geral da Saúde e Beneficência Pública e para uma profunda reorganização dos serviços de saúde que já tinha sido tentada através de uma proposta de lei de 1988. O surto epidémico obrigou a medidas rigorosas de contenção da doença através de um cordão sanitário que foi decretado pelo governo a 13 de setembro, o que suscitou violentas reações políticas por parte dos adversários do governo, da população e dos setores económicos da cidade (Portugal, 2020b, p. 357).

Acusado de ter tomado diversas medidas em “ditadura”, José Luciano de Castro, presidente do Conselho de Ministros, viria a apresentar às Cortes uma proposta de “bill de indemnidade”, para que as Cortes legitimassem as medidas por si tomadas naquela situação de emergência. Para tanto, apresentou um relatório pormenorizado com a cronologia dos acontecimentos e as circunstâncias que estiveram na origem de vários decretos emitidos sob “ditadura”, com o objetivo de permitir a transferência de fundos para acorrer à epidemia, de estabelecer e reforçar o cordão sanitário no Porto, de ampliar a composição da Junta Consultiva da Saúde, do Conselho Superior de Saúde e Higiene Pública e do Instituto Bacteriológico de Lisboa, de tornar obrigatória a declaração de casos e aplicar penas por desobediência qualificada se aqueles forem ocultados, de reorganizar os serviços de saúde, higiene e beneficência publica, e de reprimir os excessos da imprensa sobre os acontecimentos.

A reorganização ora implementada tinha por objetivo autonomizar e especializar a Direção da Saúde em relação a outras direções do Ministério do Reino, dar-lhe unidade técnico-administrativa e juntar as áreas da higiene e da beneficência (hospitais, asilos, creches, albergues e outras instituições similares), na impossibilidade de as tornar independentes, por razões económicas.

O diretor geral e o inspetor geral da Saúde passaram a ser médicos ou cirurgiões formados na Universidade de Coimbra ou nas Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e do Porto. O carácter meramente consultivo que a Junta vinha assumindo tornavam-na incapaz de agir perante crises sanitárias. Por isso, as suas funções passaram para o Conselho Superior de Saúde composto por um presidente, o ministro dos negócios do Reino, um vice-presidente, o diretor geral dos serviços de saúde e beneficência e vogais ordinários, substitutos e extraordinários.

Por decreto de dezembro de 1899, procedeu-se à definição do modelo organizativo dos serviços de saúde pública do Reino. Na justificação que José Luciano de Castro apresenta para esta reorganização, também ele considera o decreto de 1868 “tão apertado e mesquinho, que trouxe um manifesto definhamento da hygiene publica”.

Os serviços de saúde internos seriam objeto de um “regulamento geral de sanidade maritima e internacional”; os serviços externos compreendiam os serviços de estatística demográfico-sanitária, prevenção e combate de moléstias infecciosas, higiene da indústria e do trabalho, salubridade dos lugares e das habitações, inspeção das substâncias alimentícias, polícia mortuária, exercício médico-profissional e outras áreas de higiene pública.

Os médicos passaram a ser considerados “funcionários técnicos de saúde”, devendo prestar toda a colaboração às autoridades sanitárias quando se tratasse de “molestia contagiosa, epidemica ou suspeita”.

A nível local e regional, os serviços passaram a estar regulados e articulados técnica e administrativamente com os princípios enunciados no decreto. Nos concelhos, o facultativo municipal passou a designar-se subdelegado de saúde e estava prevista a criação de “hospitaes para molestias inficiosas e de isolamento para molestias epidémicas”.

Nas capitais de distrito, seria constituída uma junta de saúde pública presidida pelo delegado de saúde, que passou a ser o facultativo municipal; de igual modo, ficou prevista a criação de “laboratorios de higiene e postos de desinfecção”. Em Lisboa, previa-se a criação de um Instituto Central de Higiene, com o objetivo de formar técnicos sanitários nas áreas estatística, laboratorial, epidemiológica, vacínica antivariólica e desinfeção pública.

Os acontecimentos do Porto e a legislação entretanto produzida pelo Governo entre junho e dezembro provocaram um aceso debate nas Cortes entre regeneradores, progressistas e republicanos, do qual destacamos a parte respeitante ao novo modelo de organização dos serviços de saúde.

A primeira crítica foi formulada pelo deputado Pereira da Costa, doutor em medicina e lente catedrático da Universidade de Coimbra, que reclamou “um projecto de codigo sanitario completo,” pois o decreto remetia para vários regulamentos que iriam ser elaborados para regular os serviços de saúde internos e externos previstos naquela reorganização. Além disso, o decreto tinha sido assinado três dias antes da abertura do Parlamento e publicado em Diário do Governo já depois das Cortes terem reunido. Em sua opinião, o Governo não devia ter dispensado, salvo caso urgente, as deliberações do Parlamento em questões de saúde pública. Manifestou-se contra a criação do Instituto Central de Higiene, por “absorver” todas as escolas do país, não só as de ensino médico, mas também o veterinário, agrónomo e da engenharia aplicadas à saúde, passando a ser o centro nevrálgico dos serviços sanitários e uma afronta às três escolas médicas do país onde já era ministrado o ensino de higiene pública.

Moreira Júnior, destacado parlamentar e médico sanitarista formado na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, saiu em defesa do Governo, anotando que a criação do Instituto se destinava à formação pós-graduada e não a alunos de medicina, que só abordavam as questões da Higiene no 5º ano do curso e que, além disso, a vacinação antivariólica ficaria sob a sua jurisdição. Lima Duque, major médico do Exército Português, também deputado da maioria progressista, alegou que a nova legislação já devia ter sido implementada aquando de um outro surto em 1894, seguindo o princípio da “inspiração no passado, ação no presente e prevenção no futuro”; para realçar a importância e impacto da nova legislação, anteviu que “mais tarde, quando outros estadistas vierem occupar as cadeiras do poder, e, n’uma hora do perigo para a saude publica, olharem para o paiz, e o encontrarem preparado para a defeza de uma invasão epidemica, n’esse momento, […] esses estadistas, no foro da sua consciencia, hão de abençoar o sr. conselheiro José Luciano”; dissertou sobre as virtudes da higiene pública e da higiene individual, advertindo para a necessidade de incrementar esta última; estando de acordo com o decreto, manifestou a sua discordância acerca da criação do Instituto Central de Higiene e apresentou algumas propostas de emenda ao diploma.

Em matéria de saúde pública, a última década de vida da monarquia haveria de caracterizar-se pelas sucessivas transferências de montantes significativos do orçamento para acudir a despesas extraordinárias, como já referimos, pela publicação do Regulamento Geral dos Serviços de Saúde e Beneficência Pública (Portugal, 2020b, p. 239), pela reorganização de vários serviços, nomeadamente nas ilhas dos Açores e medidas relativas à gestão corrente deste setor.

Tal como refere Jorge Alves, este regulamento foi a pedra de toque da modernização do sistema sanitário, colocando o poder médico no centro do sistema e a higiene pública como postulado primeiro e fundamental no combate às doenças (Alves, 2008, p. 85-90). Com a queda da monarquia e o estabelecimento do regime republicano, em 1910, a Direção-Geral da Saúde “corta o secular cordão umbilical que ligava saúde dos portugueses à beneficência pública” (Viegas, Frada e Miguel, 2009, p. 65), tendo como seu primeiro diretor Ricardo Jorge que, a 4 de maio de 1911, seria nomeado pelo Ministério do Interior para representar o país na Conferência Sanitária Internacional, em Paris.

Conclusões

Quais as principais linhas de força que traçaram o itinerário da atual DGS nos vários matizes que foi assumindo ao longo da Monarquia Constitucional e do qual sobressai o Conselho de Saúde Pública enquanto expressão de biopoder e de um novo poder médico?

O Regulamento de Saúde de 1837, em linha com a “novíssima legislação e com o actual Systema de Administração Geral”, da iniciativa de Passos Manuel, consagrou, em definitivo, um novo modelo de administração da saúde pública que, influenciado pelos princípios da “ciência de polícia” e do código napoleónico, era vincadamente centralizado e hierarquizado. Tinha por objetivo definir a organização e funções de todos os agentes da máquina administrativa, mais do que enunciar os persistentes problemas de saúde que tinham ocupado todo o articulado do projeto de1821. O sistema de saúde ficou organizado em torno de um conselho com extensos poderes, maioritariamente constituído pelos principais ofícios da saúde e hierarquizado numa rede periférica constituída por delegados, subdelegados e cabeças de saúde, a nível distrital, concelhio e de freguesia, respetivamente. Mas este corpo periférico era frágil e continuava a ter necessidade de recorrer a oficiais régios ou municipais, por falta de recursos financeiros e humanos, num quadro de permanente instabilidade política. O poder médico, que acabava de emergir da composição do Conselho de Saúde Pública, não pôde, assim, alargar-se a todo o Reino, apesar dos esforços para suprir as dificuldades em recursos humanos e financeiros.

O país continuou a debater-se com inúmeros problemas de saúde pública como, por exemplo, a multidão de expostos e amas, os enterros e os cemitérios, a vacinação ou a falta de polícia médica para fazer a vigilância sanitária da venda de alimentos ou das águas pantanosos, mas foram o medo da “invasão” de doenças contagiosas e a debilidade dos serviços de saúde dos portos de mar e dos lazaretos que serviram de catalisador para todas as reformas que se verificaram neste período, como está declarado no ato de criação da Junta de Saúde, em 1813, no malogrado projeto de 1821, nos “Annaes” do Conselho de Saúde Pública do Reino e na génese da criação do Conselho de Saúde Pública e Beneficência, já no declinar do século, após a epidemia de peste bubónica no Porto.

Uma terceira nota para referir que a organização e a necessidade de atribuição de mais recursos humanos e financeiros ao setor da saúde pública estiveram sempre presentes na agenda política e ocuparam debates inflamados em várias sessões legislativas. Contudo, as Cortes apenas iam conseguindo legislar de forma avulsa e conjuntural, deixando a porta aberta para que as duas grandes mudanças se fizessem em períodos em que estiveram fechadas e se governou em “ditadura”. Assim foi no governo setembrista de Sá da Bandeira, com Passos Manuel como ministro do Reino (1837), assim foi com José Luciano de Castro, em 1899.

Ao longo de todo este período, o país viveu mergulhado em profundas crises económicas e com défices orçamentais crónicos que se refletiam, de imediato, nas áreas sociais da governação, em particular na saúde pública.

É certo que os constrangimentos financeiros terão condicionado a eficácia do Conselho de Saúde Pública, mas a escassez e impreparação dos agentes de saúde a nível regional e local tornaram os serviços inoperantes e criaram a ilusão política de que a solução estaria na reorganização do sistema, mais do que na dotação e requalificação dos seus agentes. Havia os “funcionários” da saúde, isto é, médicos, cirurgiões, boticários, parteiras e outros ofícios menores, mas também muitos agentes da administração central e local sem qualquer formação na área da saúde, para não falar de charlatães e curiosos.

Por outro lado, o poder político viu com maus olhos que setor tão importante estivesse autonomizado e entregue a um Conselho em que metade dos seus elementos eram médicos, cirurgiões e boticários, excessivamente autónomos e independentes em relação ao Governo e que criavam, por vezes, embaraços e dificuldades, apesar da sensatez e justeza das suas deliberações. Foi por todas estas razões que, em 1868, o Conselho foi extinto e despromovido a comissão consultiva do próprio ministro.

Uma última nota sobre a Direção Geral da Saúde e Beneficência Pública, que foi criada para suprir constrangimentos financeiros, mas que estava cientificamente legitimada pelo axioma de Edwin Chadwick acerca das relações entre a pobreza e a saúde, estrategicamente usado por Ricardo Jorge. A autonomização da DGS não tardaria, pela mão de António José de Almeida, no alvor da 1ª República.

Referências bibliográficas

JORGE, Ricardo de Almeida - Higiene Social Applicada à Nação Portuguesa. Porto: Livraria Civilização, 1885. [ Links ]

PORTUGAL. Conselho de Saude Publica do Reino - Annaes do Conselho de Saude Publica do Reino. Lisboa: Typographia Lisbonnense, 1838-1842. vol. 1. [ Links ]

ROMA, Francisco Morato - Luz da medicina, pratica racional, e methodica, guia de enfermeyros. Coimbra: Officina de Francisco de Oliveyra, 1753. [ Links ]

ABREU, Laurinda - Saúde pública nas Constituintes (1821-1822): ruturas e continuidades. Análise Social [.Em linha]. N.º 222 (março 2017), p. 30. [.Consult. 08/05/2020 ]. Disponível na Internet: Disponível na Internet: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0003-25732017000100001&lng=pt&nrm=iso . [ Links ]

ALVES, Jorge Fernandes - Ricardo Jorge e a saúde pública em Portugal. Arquivos de Medicina [Em linha]. V. 22 N.º 2-3 (2008), p. 85-90. [Consult. 11/05/2020]. Disponível na Internet: Disponível na Internet: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0871-34132008000200008&lng=pt&nrm=iso . [ Links ]

BONIFÁCIO, Maria de Fátima - A Monarquia Constitucional (1807-1910). Alfragide: Texto Editores, 2010. [ Links ]

GARCIA, Maria da Glória - Como defender hoje a dignidade humana. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2016. [ Links ]

OLIVEIRA, Luísa Tiago de - A saúde pública no vintismo. In PEREIRA, Miriam Halpern - A crise do Antigo Regime e as cortes constituintes de 1821-1822. Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1991. [ Links ]

SUBTIL, Carlos Louzada Lopes - A saúde pública e os enfermeiros entre o vintismo e a Regeneração (1821-1852). Porto: Universidade Católica Editora, 2016. [ Links ]

SUBTIL, José; HESPANHA, António Manuel - Corporativismo e Estado de polícia como modelos de governo das sociedades euro-americanas do Antigo Regime. In FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. F. - O Brasil Colonial (1443-1580). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. [ Links ]

VIEGAS, Valentino; FRADA, João; MIGUEL, José Pereira - A Direcção-Geral de Saúde. Notas Históricas. Lisboa: Gradiva, 2009. [ Links ]

Diário do Governo [Em linha]. 9 (1837-01-11), p. 28-35. [Consult. 14/12/2019 ]. Disponível na Internet: Disponível na Internet: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/18/15/p49 . [ Links ]

PORTUGAL. Assembleia da República (2020a) - Monarquia Constitucional 1821-1910: Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa [Em linha]. Lisboa: Assembleia da República, 2020. [Consult. 08/05/2020 ]. Disponível na Internet: Disponível na Internet: http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821 . [ Links ]

PORTUGAL. Assembleia da República (2020b) - Legislação Régia [Em linha]. Lisboa: AR, 2020. [Consult. 14/12/2019]. Disponível na Internet: Disponível na Internet: http://legislacaoregia.parlamento.pt/Pesquisa/Default.aspx?ts=1 . [ Links ]

1 Deste tratado fizeram-se várias edições, sendo a primeira datada de 1664 por Henrique Valente de Oliveira (Lisboa), e as subsequentes editadas em 1672, 1700, 1726 e 1753. Nesta última impressão, foi-lhe acrescentado o “Compendio de muitos e variados Remedios de Cirurgia, e outras cousas curiosas”, recopilado do Thesouro de Pobres, e outros Autores e um “Tratado único de tersans perniciosas e malignas”.

2Para uma compreensão dos conceitos de biopoder e de biomedicina sugere-se a leitura de FOUCAULT, Michel - The politics of health in the eighteenth century. Foucault Studies [Em linha]. N.º 18 (October 2014), p. 113-127. [Consult. 2020/05/08]. Disponível na Internet: http://rauli.cbs.dk/index.php/foucault-studies/article/download/4654/5087; PEREIRA, Pedro - A biomedicina como sistema cultural. Antropologia Experimental [Em linha]. N.º 19 (2019), p. 105-119. [Consult. 08/05/2020]. Disponível na Internet: https://doi.org/10.17561/rae.v19.10.

3Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Chancelaria Régia, Livro 2º de registo de consultas e decretos de D. Maria I e regência de D. Pedro, f. 58 a 61.

4Sobre o médico Bernardino António Gomes, botânico, dermatologista e sanitarista, fundador da Instituição Vacínica, consultar biografia detalhada em: SUBTIL, Carlos - Bernardino António Gomes, ilustre médico iluminista nascido em Paredes de Coura. Paredes de Coura: CMPC, 2017.

5AML, Chancelaria Régia. Livro 2.º de registo e consultas e decretos de D. Maria I e regência de D. Pedro, f. 63.

6Idem, f. 62 a 62v.

7Para uma imagem do ambiente político no país, na península e na Europa, consultar SUBTIL, José - Portugal y la Guerra Peninsular: el maldito año 1808. Cuadernos de Historia Moderna. Madrid. A. VII (2008). p. 135-177. Anejos.

8O projeto de lei continha as principais orientações do projeto de regulamento que aguardava discussão e aprovação, PORTUGAL. Assembleia da República (2020a) - Monarquia Constitucional 1821-1910: Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa [Em linha]. Lisboa: Assembleia da República, 2020. p. 886. [Consult. 08/05/2020]. Disponível na Internet: http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821.

9Sobre parteiras, consultar CARNEIRO, Marinha - Ajudar a nascer: parteiras, saberes obstétricos e modelos de formação (século XV-1974). Porto: Universidade do Porto, 2008.

10Para além desta função e de outras que a Constituição lhes vier a atribuir, as câmaras terão a seu cargo a responsabilidade de zelar pelo bom serviço dos hospitais e da polícia de saúde, sob a supervisão do inspetor da comarca.

11Regulamento do Conselho de Saude.

Recebido: 22 de Maio de 2020; Aceito: 19 de Agosto de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons