O desenvolvimento do teatro português ocorrido a partir da segunda metade do século XIX1 desencadeou o surgimento de novas salas de espetáculo, o aumento de espetadores2, em quantidade e diversidade, e deu origem a um género literário específico: a literatura de espetáculo3, referente não apenas à representação teatral, mas também a outras artes cénicas.
Relativamente a esta temática, o Arquivo Municipal de Lisboa conserva no seu acervo uma vasta documentação acerca da atividade artística e cultural na cidade, entre a qual se destacam os espólios do Teatro Municipal São Luiz4, da Sociedade Promotora de Educação Popular5 e do Lusitano Clube6, entidades de cariz cultural, educativo e recreativo, que contemplam informação diversificada relativa à organização, produção, gestão, promoção e divulgação de espetáculos.
Dado o particular interesse e especificidade da literatura de espetáculo, dentro do panorama cultural e na interação entre atores e espetadores, o conjunto de documentos que aqui se divulgam constituem exemplares referentes a récitas, revistas, operetas, cançonetas, comédias, fantasias, dramas, farsas, entre outras formas de representação.
Estas publicações foram produzidas e reunidas entre meados do século XIX e a primeira metade do século XX, pelas referidas entidades. O Teatro Municipal São Luiz, por se dedicar quase exclusivamente à atividade cultural, contém no seu espólio maior quantidade e diversidade de documentação sobre a produção de espetáculos, pelo que se apresenta nesta documenta um número mais significativo de exemplares. Quanto à Sociedade Promotora de Educação Popular e ao Lusitano Clube, por serem instituições de caráter associativo, mais direcionadas para fins instrutivos e recreativos, e com menos documentação constante no acervo do Arquivo Municipal de Lisboa, estão aqui representadas em menor quantidade, contudo, igualmente relevante para o estudo das artes cénicas.
Assim, este conjunto de pequenos livros permite conhecer os espetáculos apresentados ao público, as suas diferentes vertentes - nomeadamente os géneros teatrais - e formas de representação artística, remetendo para cenários, personagens e interpretações. De acordo com o género de espetáculo, assim se carateriza o conteúdo de cada livro, entre versos, narrativas, falas, canções e coplas7, sendo estas as mais representadas.
A produção dos diferentes tipos de espetáculos tinha na sua origem uma autoria, não apenas dos textos, mas também da música que os acompanhava. Assim, nesta seleção de exemplares sobressaem autores como: Alfredo da Cunha, Júlio Dantas, Henriques Lopes de Mendonça (autor do Hino Nacional), Ernesto Rodrigues8, Félix Bermudes, João Bastos - observa-se que estes três últimos constituíam, frequentemente, um trio na produção de espetáculos -, José Galhardo e Vasco Santana; e maestros e compositores como: Wenceslau Pinto, Júlio Almada, Thomaz del Negro, Filipe Duarte, Frederico Freitas, Raúl Ferrão, Visconde do Arneiro, entre outros nomes não menos importantes da produção de espetáculos.
O público tinha ainda o privilégio de assistir a algumas representações de autores estrangeiros, interpretadas depois de traduzidas, tais como: “Princeza dos dollars” (Figura 5), “Um cavalheiro particular” (Figura 7), “Edith ou a viúva de Southampton” (Figura 23) e “Dina la derelitta” (Figura 27).
Raras eram as publicações que identificavam os atores intervenientes. Ainda assim, constam nesta seleção nomes como: Virgínia Dias da Silva - conhecida por atriz Virgínia - e o seu marido Alfredo Ferreira da Silva (Figura 1), Júlia Mendes, Álvaro Cabral (Figura 6), Silvestre Alegrim (Figura 15), Francisco Alves da Silva Taborda - conhecido por ator Taborda -, Eugénia Câmara, Emília Cândida, Romão António Martins - conhecido por ator Romão - e Isidoro Sabino Ferreira - conhecido por ator Isidoro - (Figura 21), entre outros.
Na diversa informação que estes pequenos livros contêm, podemos ainda constatar a existência de um prémio criado pelo Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo, designado “Prémio Eduardo Schwalbach”, atribuído entre 1945 e 1948, que distinguia a empresa que apresentasse, em todas as suas áreas, o melhor espetáculo de revista portuguesa, sendo que a revista popular “Alto lá com o charuto!” (Figura 19) foi uma das contempladas.
Os livros eram impressos em diversas tipografias da cidade de Lisboa, cujas referências nas respetivas capas contribuem, igualmente, para a identificação deste tipo de estabelecimentos existentes naquele período, como se pode constatar nas legendas que acompanham as figuras que aqui se apresentam.
Depreende-se que estas publicações eram produzidas para venda pois, na sua maioria, têm na capa, o respetivo preço. O público, com a sua aquisição, podia acompanhar a narrativa e cantarolar, em simultâneo com os atores, as partes do espetáculo que o permitiam, como era o caso das coplas. Com esta participação, o entusiasmo aumentava e a representação adquiria maior dinâmica. As notas manuscritas existentes em alguns exemplares (Figuras 21, 24 e 29) levam-nos a crer que eram também utilizadas pelos responsáveis e intervenientes na preparação e realização dos espetáculos, nomeadamente, diretores, encenadores e atores.
A conservação e divulgação destes documentos demonstra a preocupação e interesse na sua salvaguarda, como uma herança para o futuro, constituindo um importante contributo para a compreensão e disseminação da literatura de espetáculo e da história do teatro em Portugal.
Índice das imagens
Figura 1 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/1999, f. 0001, 3, 9v.
Figura 2 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/1278, f. 0001, 5, 5v.
Figura 3 AML, PT/AMLSB/LCL/21/01/06, f. 0001, 4.
Figura 4 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2000, f. 0001, 4v.
Figura 5 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2002, f. 0001, 8v.
Figura 6 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/1998, f. 0001, 8.
Figura 7 AML, PT/AMLSB/SPEP/GACR/002/0056, f. 1, 3, 21.
Figura 8 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2013, f. 0001, 6v.
Figura 9 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2011, f. 0001, 8v.
Figura 10 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2004, f. 0001, 2.
Figura 11 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2008, f. 0001, 6.
Figura 12 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2014, f. 0001, 1v.
Figura 13 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2015, f. 0001, 2; AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2017, f. 0001, 8.
Figura 14 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2005, f. 0001, 5.
Figura 15 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2001, f. 0001, 1.
Figura 16 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2007, f. 0001, 7.
Figura 17 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2003, f. 0001, 1v.
Figura 18 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2009, f. 0, 4v.
Figura 19 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2010, f. 0, 1.
Figura 20 AML, PT/AMLSB/CMLSBAH-TMSL/01/2016, f. 0, 2, 6.
Figura 21 AML, PT/AMLSB/SPEP/GACR/002/0025, f. 5, 8.
Figura 22 AML, PT/AMLSB/SPEP/GACR/002/0032, f. 1, 3, 7, 26.
Figura 23 AML, PT/AMLSB/SPEP/GACR/002/0035, f. 1, 5, 100.
Figura 24 AML, PT/AMLSB/SPEP/GACR/002/0038, f. 1, 2, 9.
Figura 25 AML, PT/AMLSB/SPEP/GACR/002/0053, f. 1, 14, 17.
Figura 26 AML, PT/AMLSB/LCL/21/01/05, f. 0001, 3.
Figura 27 AML, PT/AMLSB/LCL/21/01/10, f. 0001, 2, 3.
Figura 28 AML, PT/AMLSB/LCL/21/01/04, f. 0001, 2, 3.
Figura 29 AML, PT/AMLSB/LCL/21/01/07, f. 1, 2, 3.
Figura 30 AML, PT/AMLSB/LCL/21/01/12, f. 0001, 2, 3.