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Comunicação e Sociedade
versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575
Comunicação e Sociedade vol.spe2019 Braga jun. 2019
https://doi.org/10.17231/comsoc.0(2019).3056
NOTA INTRODUTÓRIA
Culturas, memórias, diálogos em construção
Cultures, memories, dialogues under construction
//
Ana Maria Costa e Silva 1
https://orcid.org/0000-0001-8598-7243
Rosa Cabecinhas 2
https://orcid.org/0000-0002-1491-3420
Rob Evans 3
https://orcid.org/0000-0003-1168-4121
//*Instituto de Educação, Universidade do Minho, Portugal, anasilva@ie.uminho.pt. //
//**Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Portugal, cabecinhas@ics.uminho.pt. //
//***Language Centre, English Department — Otto-von-Guericke-Universität, Alemanha, rob.evans@ovgu.de. //
As sociedades contemporâneas apresentam-se numa diversidade abrangente e pluriforme — de pessoas, de culturas, de pensamentos, de movimentos… — uma paleta de possibilidades e desafios interpeladores dos conhecimentos, dos valores e das ações da vida quotidiana. Uma tela que recupera memórias, evidencia culturas e identidades, potencia discussões, reivindica diálogos construtivos e transformadores.
A diversidade e complexidade que caracteriza as sociedades contemporâneas, apela ao pensamento complexo (Morin, 2001), pensamento que supere lógicas binárias e se interesse "pelas possibilidades criativas que brindam as diferenças, a diversidade e a complexidade" (Schnitman, 1999, p. 20).
A comunicação intercultural e o diálogo colaborativo constituem condições essenciais para "construir colaborativamente, descobrir saídas inesperadas ou diferenciar-se e concordar sobre aquelas áreas em que se pode e é preciso coordenar" (Schnitman, 1999, p. 20) convivendo na diferença. Neste caso, a comunicação constitui-se num processo de criação conjunta de significados através do qual se constroem relações, identidades e visões do mundo, num processo de interações permanentes (Berger & Luckmann, 1966). Este paradigma promove uma ação comunicacional, construtiva do diálogo e de perspetivas epistémicas, dialógicas, argumentativas, narrativas e transformadoras emergentes, assente numa racionalidade comunicacional e emancipadora (Costa e Silva, 2018; Habermas, 1984) que subjaz à mediação.
Ao debater a comunicação intercultural nas sociedades contemporâneas não podemos esquecer que neste mundo dito globalizado, muitas fronteiras (físicas e mentais) permanecem e muitas outras são (re)edificadas, daí a necessidade cada vez mais urgente de superar uma mera retórica multicultural, de modo a desconstruir "velhas" e "novas" fronteiras. Como salientam Cabecinhas e Cunha (2017, p. 7) não podemos esquecer as profundas desigualdades e assimetrias que continuam a marcar o nosso quotidiano e "confundir diálogo com simetria e interculturalidade com igualdade das partes". O tão proclamado diálogo com o "outro" muitas vezes reduz-se a uma dimensão folclórica, que não desafia as estruturas de pensamento que continuam a reforçar velhos binarismos. A abertura ao "outro" significa necessariamente uma transformação recíproca, uma visão transcultural (Lopes, 2018), desafiadora, que possa alargar horizontes e permitir a criação de modos de vida mais justos e inclusivos.
Comunicação intercultural e mediação nas sociedades contemporâneas é o título deste número especial da revista Comunicação e Sociedade que resulta de uma seleção de textos submetidos e apresentados no II Congresso Internacional de Mediação Social, realizado na Universidade do Minho em abril de 2018 sob o tema "A Europa como espaço de diálogo intercultural e de mediação".
Este número especial é composto de oito capítulos, uns de natureza mais teórica e outros privilegiando a componente empírica. Os textos convocam diferentes áreas científicas e abordam realidades socioculturais diversas, em diferentes contextos geográficos, apresentando reflexões sobre a comunicação intercultural e a mediação a partir de diferentes prismas.
O número abre com o ensaio de Moisés de Lemos Martins (Universidade do Minho, Portugal), intitulado "A ‘crise dos refugiados’ na Europa — entre totalidade e infinito". Ao invés de se focar apenas no efémero presente, o autor oferece-nos, através deste ensaio, uma viagem no tempo e na história das ideias de modo a uma melhor compreensão das ruturas e continuidades históricas na relação entre o "eu e o outro". Este ensaio, pela sua abrangência e profundidade teórica, desafia-nos a olhar a atual "crise dos refugiados" na Europa através de uma espessura temporal que esta complexa realidade exige.
No segundo artigo, intitulado "Biografias de aprendizagem num espaço europeu de mediação social", Rob Evans (Otto-von-Guericke-University Magdeburg, Alemanha) convoca os métodos biográficos numa análise detalhada das relações da biograficidade com a linguagem e a sociedade. O texto que nos oferece, apresenta uma sustentada fundamentação do que designa de "entrevistas biográficas não estruturadas em profundidade", documentando a aprendizagem cooperativa da mediação e do que é ser mediador/a em comunidades de prática através de uma narrativa biográfica de uma mediadora em formação. O autor elabora uma análise "fina" e aprofundada desta narrativa dando conta da miríade de elementos pessoais e sociais participantes na construção da experiência e no diálogo co-construído com visibilidade no sentido atribuído à aprendizagem em mediação social através da mobilidade europeia.
No texto seguinte, intitulado "Diálogo intercultural e relações intergrupais na Europa: contributos dos Estudos Culturais e da Psicologia Social", Julia Alves Brasil (Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil) e Rosa Cabecinhas (Universidade do Minho, Portugal) convocam os contributos de diferentes disciplinas para a análise dos desafios que se colocam atualmente no campo da Comunicação Intercultural. As autoras debatem esses desafios através da articulação de perspetivas teóricas sobre processos identitários, alteridade, representações sociais, memória coletiva, colonialidade e assimetrias de poder. Advogando a importância de uma perspectiva crítica na compreensão da interculturalidade, as autoras salientam a necessidade de transformação das estruturas sociais, institucionais e epistêmicas, de modo a (re)criar formas de ser, de estar, e de se relacionar, que impliquem não apenas o mero reconhecimento e tolerância do "Outro", mas também a escuta ativa, o diálogo e transformação mútuos.
No texto "A mediação dialógica como instrumento para promover a saúde e coesão sociais: resultados e direções", Gian Piero Turchi e Michele Romanelli (Universidade de Pádua, Itália) argumentam sobre os contributos da mediação dialógica na prevenção e resolução pacífica de conflitos e na construção da coesão social. Apresentam uma teoria geral da mediação, designada de dialógica, cujo objetivo é mudar as configurações discursivas do conflito. Tomando como referência esta teoria, os autores fundamentam a importância da mediação oferecida como um instrumento de política pública que assume e desenvolve a interação dialógica entre comunidades imigrantes e a comunidade de acolhimento, fomentando a interação e a construção de uma comunidade única e diferente.
Margarida Morgado (Instituto Politécnico de Castelo Branco, Portugal), no texto intitulado "Mediação intercultural com álbuns ilustrados", analisa as potencialidades de utilização de livros-álbum no contexto da mediação intercultural com crianças e jovens. Ao longo do capítulo, a autora apresenta alguns exemplos de como um conjunto de livros-álbum da coleção IDPBC (Identity and Diversity in Picture Book Collections) pode ser usado para explorar tópicos relativos à "superdiversidade" das sociedades contemporâneas, para estimular a empatia entre os leitores e para ajudar as crianças e os jovens a compreender a complexidade do meio social envolvente, bem como as questões da migração e refugiados.
No texto "O rio como mediador — a recuperação de rios urbanos para criar novos espaços de mediação e de diálogo intercultural", Paul Chapman (PCEU Consulting Ltd, Reino Unido) revela o processo e os resultados de um trabalho participado e colaborativo de revitalização de um espaço público atravessado por um rio "abandonado" da periferia de Londres. O autor apresenta com detalhe as potencialidades dos processos participativos e conversacionais entre os diversos atores — especialistas ambientais, autarcas, comunidade local, consultores — na construção de espaços de convivência intercultural e da sustentabilidade ambiental. Neste caso, o "rio torna-se mediador" e constitui um elemento potenciador do diálogo colaborativo com resultados em que todos são ganhadores: pessoas, instituições, comunidade e ambiente.
Em "Vozes de mulheres em diáspora: hip hop, spoken word, Islão e web 2.0.", Cláudia Araújo (Universidade Nova de Lisboa, Portugal) analisa a produção artística de quatro artistas de hip hop e spoken word pertencentes à Diáspora Muçulmana, Peregrinação Poética, Alia Sharrief, Hanouneh e Alia Gabres, com o objetivo de compreender se tais práticas culturais podem ser entendidas como formas de ativismo político e social, com o potencial de ampliar esferas públicas alternativas. A diversidade de formas de expressão cultural abordadas neste artigo é apresentada como um exemplo da diversidade dentro do Islão e também como um contributo para a desconstrução de estereótipos sociais, nomeadamente sobre as mulheres muçulmanas.
Este número encerra com o texto de Vítor de Sousa (Universidade do Minho, Portugal), intitulado "A memória como promotora de interculturalidade em Maputo, através da preservação da estatuária colonial". O autor discute a problemática da memória coletiva e a toponímia da cidade de Maputo, fazendo referência à "nova vida", em tempo pós-colonial, de duas estátuas coloniais — a de Mouzinho de Albuquerque e a de Salazar —, e à permanência, até aos dias de hoje, da estátua evocativa da Primeira Guerra Mundial, que foi o primeiro vestígio monumental do Estado Novo em Moçambique, observando a importância que estes monumentos têm para a preservação da memória na vida de um país e as possibilidades de alterar profundamente, ou até inverter, os modos de evocação do passado colonial de modo a promover interculturalidade e construir novas dinâmicas de futuro.
No presente como no passado, estamos convocados a participar na construção dos diálogos, "entrançar pontas soltas" (Ribeiro, 2010, p. 198), fomentar as memórias, conviver na diversidade, tecer laços. Construir diálogos entre o pensamento e a ação, entre a academia e a sociedade, com as diversas culturas e conhecimentos multi, inter e transdisciplinares. Este número da revista Comunicação e Sociedade é revelador desta tecelagem múltipla e dialogante.
Referências bibliográficas
Berger, P. L. & Luckmann, T. (1966). The social construction of reality. Londres: Penguin Books. [ Links ]
Cabecinhas, R. & Cunha, L. (2017). Introdução: da importância do diálogo ao desafio da interculturalidade. In R. Cabecinhas & L. Cunha (Eds.), Comunicação intercultural: perspectivas, dilemas e desafios (pp. 7-12). Vila Nova de Famalicão: Húmus. [ Links ]
Costa e Silva, A. M. (2018). O que é a Mediação? Da concetualização aos desafios sociais e educativos. In M. A. Flores, A. M. Costa e Silva & S. Fernandes (Eds.), Contextos e abordagens de mediação e de desenvolvimento profissional (pp. 17-33). Santo Tirso: De Facto. [ Links ]
Habermas, J. (1984). The theory of communicative action. Vol 1: Reason and the rationalizalion of society. Boston: Beacon Press. [ Links ]
Lopes, A. J. (2018). Globalização, diversidade cultural e lusofonias: circulação trans-espacial da fala portuguesa e sua relação com outras falas. Comunicação e Sociedade, 34, 23-40. http://dx.doi.org/10.17231/comsoc.34(2018).2933 [ Links ]
Morin, E. (2001). O desafio do século XXI. Religar os conhecimentos. Lisboa: Edicões Piaget. [ Links ]
Ribeiro, R. (2010). Pensar a identidade atonal da modernidade: breve fantasia a quatro mãos. Comunicação e Sociedade, 18, 193-200. http://dx.doi.org/10.17231/comsoc.18(2010).998 [ Links ]
Schnitman, D. F. (1999). Novos paradigmas na resolução de conflitos. In D. F. Schnitman & S. Littlejohn (Eds.), Novos paradigmas em mediação (pp. 18-27). Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Nota biográfica
Ana Maria Costa e Silva é professora no Instituto de Educação da Universidade do Minho e investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS). Coordena o Mestrado em Educação, área de especialização em Mediação Educacional. É autora e co-autora de várias publicações nacionais e internacionais.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8598-7243
Email: anasilva@ie.uminho.pt
Morada: Instituto de Educação, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal
Rosa Cabecinhas é professora no Departamento de Ciências da Comunicação, Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho e investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade. Atualmente é diretora do Programa Doutoral em Estudos Culturais na mesma universidade. É autora de vasta obra científica na área da comunicação intercultural.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1491-3420
Email: cabecinhas@ics.uminho.pt
Morada: Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057, Braga, Portugal
Rob Evans, nascido em Londres, vive em Duisburg e é professor de Inglês Acadêmico e Inglês Comercial na Otto-von-Guericke-Universität Magdeburg, Alemanha desde 2004. Os seus interesses de investigação são os métodos biográficos de pesquisa e os discursos de aprendizagem.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1168-4121
Email: rob.evans@ovgu.de
Morada: Language Centre, English Department — Otto-von-Guericke-Universität Magdeburg, G40C-253 — Zschokkestr. 32; 39104 Magdeburg — Alemanha