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Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.37  Braga jun. 2020

https://doi.org/10.17231/comsoc.37(2020).2687 

NOTA INTRODUTÓRIA

Crianças, jovens e media: perspetivas atuais

 

Children, youth and media: current perspectives

 

 

//

Sara Pereira*

https://orcid.org/0000-0002-9978-3847

Cristina Ponte**

https://orcid.org/0000-0002-1534-4784

Nelly Elias***

https://orcid.org/0000-0002-2891-3827

//

//*Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Portugal, sarapereira@ics.uminho.pt. //
//**Instituto de Comunicação da NOVA (ICNOVA), Faculdade de Ciências Sociais e Humanas,
Universidade NOVA de Lisboa, Portugal Cristina.ponte@fcsh.unl.pt. //
//**Departamento de Estudos da Comunicação, Faculdade de Humanidades e Ciências Sociais,
Universidade Ben-Gurion do Negev, Israel, enelly@bgu.ac.il. //

 

 

A investigação sobre crianças, jovens e media registou, nas últimas duas décadas, um avanço considerável no que diz respeito ao número de estudos produzidos, aos temas abordados e às metodologias utilizadas. Esta área, por natureza multidisciplinar, foi-se afirmando no campo das Ciências da Comunicação, marcando a agenda científica e abrindo o debate público sobre o impacto dos media na vida das crianças e dos jovens e o modo como usam, compreendem, se apropriam e produzem conteúdos mediáticos. A era digital trouxe novos meios e plataformas, gerou uma maior diversidade de conteúdos e suscitou diferentes modos de acesso e diferentes práticas de consumo e de comunicação por parte deste público. Uma realidade que trouxe outros desafios à investigação, fornecendo novos tópicos e pistas para estudar o mundo mediático e a sua ação nas identidades e nas culturas infantis e juvenis.

No momento em que esta revista está a ser lançada, o mundo vive uma situação de pandemia causada pela Covid-19, o que exigiu semanas de confinamento em casa. Para muitos, os ecrãs digitais foram os canais que permitiram aceder ao mundo lá fora. As crianças passaram, muito possivelmente, ainda mais tempo com os ecrãs, usando-os não só para se divertirem e conversarem com familiares e amigos de quem estão agora distantes, mas também para realizarem atividades escolares, uma vez que a escola passou a funcionar através de dispositivos digitais e – em Portugal como em outros países – também através da televisão. Subitamente, a consciência das desigualdades digitais foi revivida nas questões básicas do acesso.

Com esta situação pandémica, novos caminhos para a investigação se abrem, em linha com estudos já desenvolvidos ou aprofundando temas como os usos sociais e a mediação parental, que se podem tornar ainda mais relevantes.

Atualmente, as evidências empíricas indicam que as crianças mais pequenas são atraídas por dispositivos digitais cujas características de fácil manuseamento facilitam o envolvimento com aplicações e sites favoritos sem a intervenção de adultos, permitindo-lhes um sentido de ação, realização e controle sobre a tecnologia (Holloway, Green & Love, 2014; Neumann, 2014). Com efeito, vários estudos indicam que o uso de aplicações educativas por crianças de dois a três anos contribuiu para a aquisição de capacidades de pré-literacia (Troseth, Russo & Strouse, 2016). Da mesma forma, concluiu-se que o uso frequente de aplicações com ferramentas para desenhar, pintar e construir aumenta a criatividade e as destrezas motoras finas de crianças de quatro e cinco anos (Muis, Ranellucci, Trevors & Duffy, 2015; Neumann, 2014). Em ambos os casos, o retorno positivo dado pelas aplicações na realização bem-sucedida da tarefa capacitou o processo de aprendizagem das crianças, aumentando a sua perceção da competência, a realização independente e a autoestima (Muis, Ranellucci, Trevors & Duffy, 2015; Neumann, 2014).

No entanto, estudos recentes também levantaram preocupações sobre possíveis resultados negativos de dispositivos digitais no desenvolvimento de crianças mais novas. Uma questão principal diz respeito à tendência para os pais usarem telemóveis e tablets como chupetas ou brinquedos silenciosos – entregando dispositivos móveis às crianças para as manter ocupadas, as acalmar ou como recompensa ou medida reguladora (Holloway, Green & Love, 2014; Kabali et al., 2015; Wartella, Rideout, Lauricella & Connell, 2013). Os investigadores argumentam que habituar as crianças a acalmarem-se usando dispositivos digitais pode perturbar o desenvolvimento de mecanismos internos de autorregulação. Além disso, o envolvimento intenso com aplicações interativas pode substituir a linguagem e a interação baseada em brincadeiras com cuidadores, irmãos ou colegas (Radesky, Schumacher & Zuckerman, 2015).

A atenção aos longos períodos de uso tem marcado também estudos sobre a mediatização da infância, ou seja, os modos como conteúdos e plataformas mediáticas disponíveis influenciam (e são influenciados por) todos os aspetos da vida das crianças, do desenvolvimento pessoal à vida social (Krotz, 2007). Um notável estudo longitudinal é a investigação realizada por Paus-Hasebrink, Kulterer e Sinner (2019) que acompanharam 18 crianças austríacas e as suas famílias de meios sociais desfavorecidos durante 12 anos. O estudo analisa não só os modos como os media estiveram presentes e foram usados nas várias fases do desenvolvimento das crianças, da infância ao final da adolescência; analisa também como a mediação parental é marcada por condições objetivas de existência (options to action), pela leitura subjetiva dessas condições (outlines for action) e por cognições e motivações para agir (competences for action). Olhar ambientes de mediação entre famílias portuguesas separados por duas décadas permitiu também revelar pistas sobre como os media digitais se tornaram partes constitutivas dos modos de vida familiar. Em comparação com as rotinas e as mediações de famílias com crianças pequenas em 1996, vinte anos mais tarde encontraram-se mais mediações parentais que parecem encapsular os mais novos numa confiante bolha de proteção que prolonga o imaginário da infância e os seus valores românticos (Ponte, Pereira & Castro, 2019).

Uma componente significativa do comportamento mediático pais-filhos consiste nas estratégias que os pais aplicam para mediar o uso dos media pelos seus filhos. Até recentemente, eram três as estratégias principais de mediação parental identificadas pela investigação: mediação restritiva, em que os pais definem regras em relação ao tempo de uso dos media e à seleção de conteúdos; mediação avaliativa, incluindo conversas sobre o conteúdo visualizado, partilha de explicações e respostas emocionais e expressão de atitudes críticas em relação aos media; e co-visionamento, quando os pais realizam atividades mediáticas em conjunto com as crianças (Lemish, 2015; Nathanson, 1999; Pereira, 1999; Valkenburg, Krcmrar, Peeters & Marselha, 1999).

Com o avanço dos media digitais e a sua crescente presença na vida das crianças, os investigadores começaram a explorar novas estratégias de mediação. Embora a mediação restritiva e a avaliativa continuem a abranger todos os media, a prática de co-visionamento foi ampliada e passou a dizer respeito à utilização em conjunto dos vários tipos de meios. Uma inovação foi a inclusão de novas categorias de mediação - supervisão e mediação tecnológica. A supervisão inclui os esforços por parte dos pais para permanecerem perto dos filhos quando estes se envolvem no uso dos media e para seguirem o que fazem no ecrã; os pais que recorrem à mediação tecnológica ajudam as crianças a adquirir capacidades de uso dos media (Li & Shin, 2017; Nikken & Jansz, 2014; Nikken & Schols, 2015). Os media digitais também favoreceram a introdução da aprendizagem participativa, quando pais e filhos usam os media para interagir e colaborar (Chiong & Shuler, 2010; Nikken & Schols, 2015; Schofield-Clark, 2011).

O uso frequente dos media por crianças e jovens na sua vida quotidiana parece contudo continuar fora de sintonia com os seus usos na escola. Em 2006, Buckingham afirmou que “um número crescente de jovens considera o uso da tecnologia nas escolas limitado, aborrecido e irrelevante – sobretudo quando comparado com os modos como podem usar a tecnologia nos momentos de lazer” (Buckingham, 2006, p. 2). Mais de uma década depois, essa foi também uma das evidências do projeto europeu “Transliteracy – Transmedia Literacy”. Um estudo desenvolvido com adolescentes portugueses no âmbito deste projeto encontrou uma forte dissonância entre as suas aprendizagens na sala de aula e os seus quotidianos, concluindo:

os usos, práticas, experiências e aprendizagens relacionadas com os media chegam à escola pelas “pessoas que vivem nos alunos”, mas não são exploradas, discutidas ou conversadas. Essa lacuna educativa, cultural e tecnológica entre a vida dos jovens dentro e fora da sala de aula não é um fenómeno recente, mas tornou-se ainda mais proeminente na era digital, com os media em todos os lugares e a serem levados pelos alunos nos seus próprios bolsos. (Pereira, Fillol & Moura, 2019, p. 47)

Buckingham (2006) designa essa lacuna como o novo fosso digital entre casa e escola, considerando que, para a colmatar, é necessária uma atenção especial às culturas digitais dos jovens.

Como referimos no início, é possível supor que, à luz da recente pandemia e dos muitos constrangimentos e desafios que esta situação representa para as famílias com crianças, o lugar dos media na vida quotidiana familiar se tenha tornado ainda mais proeminente. Ou seja, é possível supor que durante o período de isolamento em casa as crianças tenham usado os media por períodos mais longos e que os pais se tenham tornado mais dependentes desses meios para facilitar as rotinas familiares. A própria escola, como vimos, chegou a casa através dos ecrãs, o que não deve ser visto como negativo. Como apontado por Dafna Lemish (2020), os mediapodem realmente ajudar as crianças e os pais durante o tempo prolongado em que estão em casa. A variedade de sites, programas de TV, aplicações e jogos de computador pode ajudá-las a divertirem-se, a aliviar a tensão e a manterem-se fora de perigo. Além disso, as novas ferramentas de comunicação interpessoal podem facilitar o contacto com amigos e familiares e fornecer estruturas de aprendizagem durante o encerramento das escolas. Os media também podem oferecer às famílias oportunidades de visionamento partilhado, o que ajuda a promover um sentimento de união e de ligação durante um período stressante; enquanto isso, os pais podem usar os mediacomo um substituto para a interação com os filhos quando sentem que a sua resistência está a diminuir.

Por outro lado, os pais também devem estar conscientes de que a exposição extensa aos media pode estimular em demasia os cérebros jovens, ensinar comportamentos agressivos, incentivar hábitos sedentários e uma alimentação não saudável, desencadear medo e ansiedade e retirar tempo para a realização de outras atividades que promovam a saúde física e mental (Lemish, 2020). Por conseguinte, a mediação dos pais sobre o uso dos media pelos filhos é ainda mais crucial quando uns e outros passam muito tempo juntos em casa, tendo em vista a obtenção de benefícios e a redução dos efeitos negativos dos media.

Num recente post no seu conhecido blogue, Parenting for a Digital Future, Sonia Livingstone (2020) afirma que essa nova realidade “digital por defeito” também evoca várias preocupações importantes. Primeiro, nem todas as famílias podem pagar a tecnologia ou a conectividade para apoiar a educação em casa e nem todas as crianças (em particular aquelas com necessidades educativas especiais) podem ser alcançadas e receber formação online. Acresce que muitos pais podem achar difícil localizar e avaliar recursos online apropriados para as capacidades dos filhos e para as circunstâncias da sua família. Finalmente, esta nova realidade destaca o perigo da dataficação e da vigilância digital, seja pelo governo, pelas empresas, ou por ambos, à medida que mais vidas privadas de famílias e crianças ocorrem online (Livingstone, 2020). Nesta nova realidade, a literacia mediática de pais e filhos é mais necessária do que nunca, para que estejam mais conscientes dos riscos online e para encontrar um equilíbrio entre os modos de vida offline e online.

Este volume temático dedicado a crianças, jovens e media teve um excelente acolhimento por parte de investigadores nacionais e estrangeiros, sendo disso sinal os cerca de 50 trabalhos submetidos. Através de um processo de revisão científica duplamente cega, alcançámos a seleção de nove artigos, que são os que compõem este volume. Provenientes de uma diversidade de geografias, encontramos transversalidade, tanto a nível temático como metodológico. Os seus contextos sociais sublinham, contudo, a importância da situação vivida e das suas condições – digitais e não digitais.

É o caso dos dois primeiros artigos, provenientes de Espanha e Brasil. Têm em comum uma orientação metodológica participativa na pesquisa com crianças e jovens, dando primazia não só à voz, mas também ao olhar de crianças e jovens, capturado pela escolha do que captam em imagem e pelo modo como o fazem.

“Participação guiada nas práticas mediáticas dos jovens”, de Julián de la Fuente Prieto, Rut Martínez-Borda e Pilar Lacasa Díaz, analisa um processo colaborativo de literacia mediática com base em atividades culturalmente significativas para jovens madrilenos entre oito e 14 anos. Essas atividades, que decorreram em oficinas sobre linguagem fotográfica, realizadas nas instalações da Telefonica Flagship Store, evidenciaram as potencialidades de um ambiente de aprendizagem colaborativa para uma atenção crítica dos participantes às suas próprias práticas. A discussão gerada destacou também que dispor de dispositivos digitais e estar ligado a outros através de redes sociais desde cedo permitiu a estes jovens articular atividades online e offline aos seus interesses; nesta linha, o conteúdo imagético que produziram sobre si e os seus pares surge como identidade e representação de hábitos que são marcados por essa intensa vivência mediática.

“Descarte e consumo: narrativas participativas visuais de crianças e adolescentes residentes no Jardim Gramacho”, de Daniel Meirinho, vai ao encontro dos ambientes de exclusão – digital e social – em que vivem os jovens moradores de uma comunidade situada num antigo aterro sanitário da cidade do Rio de Janeiro. As fotografias produzidas pelos participantes (entre quatro e 16 anos) no âmbito de oficinas que o autor dinamizou com o recurso ao método photovoice, revelam como representam visualmente práticas sociais de consumo contemporâneo e o ambiente de objetos descartados que os rodeiam. Pelas imagens fotográficas captadas pelos seus jovens autores e a sua discussão, o autor conclui que, para estas crianças e adolescentes da periferia, “os bens descartados e encontrados no lixo participam da constituição de relac¸o~es sociais e de identidades, de pertencimento ou distanciamento da sociedade de consumo” (p. 51).

Provenientes da Argentina e de Portugal, os dois artigos seguintes têm em comum a deslocação para o espaço do lar e a atenção às relações mediadas pela tecnologia que aí se encontram.

O artigo de Carolina Duek e Marina Moguillansky, “Crianças, telas digitais e família: práticas de mediação dos pais e gênero”, explora a parentalidade digital como trabalho de género. A metodologia qualitativa que as autoras usam recorre à experiência pessoal com a tecnologia (na forma de “tecnobiografias”) por parte de crianças, suas mães e seus pais. Os resultados da pesquisa junto de famílias argentinas, urbanas e de classe média, apontam como “a parentalidade digital é generizada, seguindo representações culturais mais amplas baseadas no sistema heteronormativo de atribuição de papéis” (p. 66). Para as autoras, há que desnaturalizar construções sociais de parentalidade que se refletem na intervenção mediadora das tecnologias. Como concluem, essa desnaturalização dos papéis de género e a distribuição de trabalho nas famílias em relação às atividades online das crianças serão um passo importante para as maneiras pelas quais as famílias se vinculam e enfrentam tecnologias e práticas digitais.

Por sua vez, o artigo de Carla Cruz, Catarina Franco, Fábio Anunciação e Maria João Cunha, “A domesticação de ecrãs na infância: usos e mediação parental em meios citadino e rural”, foca-se na caracterização do usode ecrãs em função da natureza dos ambientes sociais com maior ou menor grau de urbanidade onde vivem crianças portuguesas em idade pré-escolar e os modos como as suas famílias intervêm na sua introdução e utilização. A pesquisa, que recorreu à metodologia dos grupos de foco com crianças e seus pais e mães, identificou que não existe uma relação direta entre o grau de urbanidade e o uso de ecrãs – pelo contrário, mães e pais de meios mais urbanizados apresentam uma maior perceção dos riscos associados à exposição dos filhos aos dispositivos tecnológicos e propiciam menos usos deles. Também identificou como principal motivação parental para que os filhos façam uso de ecrãs a preocupação com a possível exclusão social das crianças caso não os utilizem.

Bárbara Janiques e Lídia Marôpo debruçam-se sobre as microcelebridades através do artigo “‘Tenho pena que não sinalizes quando fazes publicidade’: audiência e conteúdo comercial no canal Sofia Barbosa no YouTube”. Estudando especificamente o canal da youtuber portuguesa Sofia Barbosa e tendo por base a netnografia, as autoras analisam os comentários deixados pelos subscritores numa amostra de 10 vídeos, contemplando também na análise aspetos visuais, verbais e comerciais dos vídeos. Os dados apontam para a criação de uma relação de proximidade e de afinidade entre a youtuber e as suas audiências, que aprovam e retribuem as suas estratégias de autenticidade e de intimidade. Só muito pontualmente se encontram vozes críticas face aos constantes apelos ao consumo e à falta de transparência quanto aos patrocínios. Segundo as autoras, os resultados deste trabalho contribuem para compreender as sociabilidades infantis e juvenis geradas no contexto das culturas de consumo digital.

“Jovens, ciência e media: perceções sobre a Astronomia e Ciências do Espaço em contextos formais e informais” – da autoria de Sara Anjos e Anabela Carvalho, traz-nos a perceção de 40 jovens sobre a ciência, nomeadamente sobre Astronomia e Ciências do Espaço, explorando como se apropriam da informação científica para tomarem decisões e formarem opiniões. Combinando metodologias de natureza quantitativa e qualitativa, os resultados do estudo mostram a importância das aprendizagens informais, nomeadamente as provenientes dos media, para o desenvolvimento da literacia científica dos jovens. De um modo geral, os participantes no estudo não pesquisam deliberadamente notícias sobre ciência, fazem-no de forma casual, através de instituições que seguem nas redes sociais, por exemplo, o que impulsiona pesquisas novas e complementares. Uma conclusão importante diz respeito ao desenvolvimento de competências como potenciais produtores de conteúdos, numa convergência entre literacia para a ciência e literacia para os media.

O texto que se segue, de Aurora Labio-Bernal, Lorena R. Romero-Domínguez e María José García-Orta, intitulado “Proteção dos menores no contexto digital europeu: um diálogo necessário entre pais, academia, reguladores e indústria”, remete-nos para o contexto da regulação e da proteção de menores. As investigadoras da Universidade de Sevilha, Espanha, defendem a necessidade de alargar o âmbito da proteção das crianças, no atual ambiente mediático digital, envolvendo entidades reguladoras, indústria, academia e pais. Para fundamentar e desenvolver esta ideia, que é ponto de partida mas também ponto de chegada, utilizam a pesquisa de dados secundários a partir de uma base de documentos e programas de diferentes instituições, dirigindo também a análise para iniciativas de empresas europeias e espanholas com o objetivo de verificar se estão a ser implementadas medidas de proteção às crianças no que diz respeito aos media.

Joana Fillol e Sara Pereira assinam o artigo “Crianças, jovens e notícias: uma revisão sistemática da literatura a partir da Communication Abstracts”. Aplicando a técnica de revisão sistemática de literatura à base de dados Communication Abstracts, as autoras pretendem definir o estado da arte de um tópico específico dos estudos das crianças e dos media – a relação das crianças e dos jovens com as notícias. Baseando-se numa amostra de 146 títulos, as autoras analisam a proveniência dos estudos, as áreas mais e menos abordadas e as revistas científicas que lhes dão mais destaque. Os resultados apontam para um predomínio de abordagens baseadas na receção e na representação, uma sub-representação de estudos sobre a produção, e valores ainda mais residuais de trabalhos centrados na mediação parental e nas questões éticas da cobertura jornalística sobre casos que envolvam crianças e jovens.

O último artigo deste conjunto tem as crianças e os jovens como sujeitos indiretos, uma vez que se debruça sobre as práticas e as competências digitais de professores do ensino básico e secundário de Montenegro. As autoras, Ida Cortoni e Jelena Perovic, apresentam as principais conclusões do estudo “Global Kids Online” aplicado a uma amostra de 911 professores de escolas básicas e secundárias daquele país. Tendo como modelo de análise o conceito de “capital digital” a partir das perspetivas macro, meso e micro social, o estudo aponta para a necessidade de maior investimento na educação nestes dois últimos níveis. Para a inovação pedagógica, o estudo aponta ainda a importância do desenvolvimento de competências transversais dos professores de forma a melhorar a sua consciencialização digital e as capacidades de análise crítica dos media.

Este volume da revista encerra com uma entrevista a Henry Jenkins, professor provost de Comunicação, Jornalismo, Artes Cinematográficas e Educação na Universidade do Sul da Califórnia, conduzida por Pedro Moura, estudante de doutoramento em Ciências da Comunicação na Universidade do Minho. Em “As culturas das crianças e dos jovens encontram os desafios da participação”, Jenkins não só discute o conceito de participação – e as condições, objetivos e espaços em que ocorre – como reflete sobre a importância da cultura participativa em contexto de crise global, uma reflexão que podemos transpor para a crise provocada pela Covid-19. Na sua conversa, Henry Jenkins e Pedro Moura deixam-nos uma peça significativa para pensar e melhor entender a participação no contexto das culturas de crianças e jovens.

 

Referências bibliográficas

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Nota biográfica

Sara Pereira é Professora Associada do Departamento de Ciências da Comunicação e investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho. Tem como principais áreas de investigação as crianças, os jovens e os media, e a Literacia para os Media. Tem coordenado vários projetos nacionais e europeus e é autora de diversas publicações nestas áreas. Preside à secção Media Education Research da International Association for Media and Communication Research (IAMCR) desde julho de 2019. É cocoordenadora do MILobs – Observatório sobre Media, Informação e Literacia e coautora do programa de rádio Ouvido Crítico, emitido semanalmente na Antena 1 desde fevereiro de 2018.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9978-3847

Email: sarapereira@ics.uminho.pt

Morada: Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade – Instituto de Ciências Sociais – Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal

Cristina Ponte, doutorada em Ciências da Comunicação (2002) e com agregação em Estudos dos Media e do Jornalismo (2011) é professora catedrática no Departamento de Ciências da Comunicação, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa. Possui uma vasta experiência de supervisão de estudantes de pós-graduação e de coordenação de equipas internacionais de investigadores, como a Ação COST “Transforming audiences transforming societies” (2010-14). Atualmente, é membro da direção do projeto ySkills (Programa Horizon 2020, Comissão Europeia) e da rede europeia EU Kids Online. Com formação em Educação, foi vice-presidente da seção de Audiência e Receção (2008-2012) e do grupo de trabalho em Crianças, Jovens e Media (2012-2017), na Associação Europeia de Pesquisa em Educação e Comunicação (ECREA). Tem realizado investigação sobre media e gerações familiares, e tem uma vasta obra publicada sobre crianças e media. Entre as suas publicações mais recentes está o livro coeditado Digital parenting. Os desafios para as famílias na era digital (Nordicom, 2018).

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1534-4784

Email: Cristina.ponte@fcsh.unl.pt

Morada: ICNOVA, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, Av. de Berna, 26-C, 1069-061 Lisboa, Portugal

Nelly Elias (PhD) é Professora Associada do Departamento de Estudos da Comunicação da Universidade Ben-Gurion do Negev, Israel. Entre os seus principais interesses de investigação está o papel dos media digitais na primeira infância e nas relações entre pais e filhos. Atualmente, conduz uma série de projetos sobre a formação de hábitos mediáticos de bebés e crianças pequenas; práticas de meios digitais de pais e filhos em locais públicos; conteúdos mediáticos dirigidos a crianças pequenas; e mediação dos avós sobre os usos dos media pelas crianças.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2891-3827

Email: enelly@bgu.ac.il

Morada: Department of Communication Studies, Ben-Gurion University of the Negev, P.O.B. 653 Beer-Sheva 84105, Israel

 

Agradecimentos

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UIDB/00736/2020. O financiamento plurianual do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (UIDB/00736/2020) apoiou a tradução desta introdução.

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