Introdução
A visão mais entusiástica da internet posiciona este artefacto tecnológico como panaceia para os problemas de um mundo fechado (Hindman, 2018; Quintanilha, 2019b), no sentido em que o objetivo principal desse artefacto tecnológico passa por eliminar as hierarquias do processo comunicacional e as hierarquias das trocas de informação que ocorrem de forma díspar e assimétrica nos ambientes fechados, monopolistas e hierárquicos, que são anteriores ao ecossistema ubíquo da internet (Quintanilha, 2019b).
Mesmo que, para alguns autores (e.g., Hindman, 2018), esta perceção generalizada da eliminação das hierarquias no processo comunicacional e nas trocas de informação possa conduzir a uma compreensão parcialmente errática do potencial positivo da internet e daquilo que esta oferece, onde normalmente se destacam os mercados descentralizados e horizontais de produção e participação por pares, vários autores, num plano mais tecno-determinista, celebram entusiasticamente aquilo que descrevem como uma feira mágica de competição plena.
É assim para aqueles que definem o poder da internet enquanto forma de sistema tecno-social per se, capaz de exponenciar e consolidar importantes movimentos sociais, participativos e deliberativos (Castells, 2012; Dahlberg, 2007), mas também é assim para aqueles que viram na internet e nas tecnologias de informação a derradeira oportunidade para responder a quatro problemas fundamentais da ciência sigilosa, de acesso fechado, tradicionalista, e, de certa forma, obsoleta: o problema da desconfiança na ciência, o problema do défice democrático na ciência, o problema do abrandamento da produtividade, e o problema das replicações (Mirowski, 2018).
Assim, a ubiquidade da tecnologia e da internet levou a uma mudança dramática no ecossistema da informação disponível, sendo que uma das grandes mudanças teve lugar no contexto científico (Skarlatidou et al., 2019), com o modelo de acesso aberto a surgir como um dos acontecimentos mais emblemáticos dessa transformação no acesso à ciência. Um modelo que foi, cedo, conotado por Castells (2004) como um verdadeiro movimento social que florescia dentro da comunidade científica. Um fruto de um novo contexto comunicacional que, após a Declaração de Berlim Sobre o Acesso Aberto ao Conhecimento nas Ciências e Humanidades de 22 de outubro de 2003, estabeleceu que a disseminação de conhecimento científico passaria por torná-lo disponível em larga escala, com base em princípios de democratização no seu acesso, e tirando partido das tecnologias de informação e das arquiteturas em rede capazes de promover a investigação colaborativa (Quintanilha, 2019a).
Contudo, passadas quase 2 décadas desde a Declaração de Berlim, a reconfiguração da discussão em torno do acesso aberto na divulgação, comunicação e partilha de conhecimento científico, exige que façamos uma incursão à dialética que hoje floresce na intersecção dos estudos da comunicação de ciência e da economia da ciência. Uma dialética discursiva onde a defesa do acesso aberto enquanto res publica encontra significativa oposição numa visão que estabelece o acesso aberto enquanto paradoxal modelo de negócio.
Assim, a pergunta de partida para este ensaio, é a seguinte: o que nos diz a literatura disponível sobre aquilo que são (a) as principais vantagens do modelo de acesso aberto para divulgação, comunicação e partilha de conhecimento científico; e (b) o que nos diz essa literatura sobre as principais derivações de um modelo cada vez mais orientado para o negócio e para a mercantilização do conhecimento científico?
Ao procurarmos situar e responder a estas duas questões, pretendemos também contribuir para o ramo da comunicação, nomeadamente a comunicação de ciência, no sentido em que não só o acesso aberto é, por definição, um movimento que defende a gratuitidade e a abertura de toda a informação de natureza académica (como publicações científicas e outros dados), como, por inerência, se consolida como movimento fortemente orientado para a comunicação de tudo aquilo que se enquadra na esfera da produção académica.
Revisão da Literatura
O Acesso Aberto Como Res Publica
O movimento de acesso aberto à ciência cresceu paralelamente a uma nova onda de entusiasmo associada àquilo que a internet poderia dar à humanidade. A visão de acesso aberto como modelo de serviço público originou-se desse pré-requisito, tendo sido imbuída do espírito de liberdade e do desejo de fornecer e garantir o bem comum, usando os recursos dos novos ambientes comunicacionais sustentados nas arquiteturas em rede.
Falando sobre as expectativas da comunidade científica, devem mencionar-se, à partida, dois documentos importantes para o movimento de acesso aberto: a Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste e a Declaração de Berlim Sobre o Acesso Aberto ao Conhecimento nas Ciências e nas Humanidades. O primeiro, juntamente com a ideia de um bem público sem precedentes, introduziu a função do acesso aberto como uma ferramenta para a democratização da ciência com o objetivo de ajudar a superar a desigualdade de informação na comunidade científica: a extinção das barreiras de acesso ao conhecimento tenderia a acelerar a pesquisa, a enriquecer a educação, e a potenciar a partilha do conhecimento de uma forma mais igualitária, estabelecendo as bases para unir a humanidade num princípio intelectual comum de busca pelo conhecimento de e para todos (Trishchenko, 2019). A Declaração de Berlim expandiu este princípio, ao promover a internet como um instrumento funcional ou uma nova infraestrutura capaz de servir como base para um conhecimento científico global (Berlin Declaration on Open Access to Knowledge in the Sciences and Humanities, 2003).
O idealismo associado ao possível papel do acesso aberto na transformação do sistema de comunicação científica visou promover o desenvolvimento de soluções para problemas específicos gerados pelo sistema tradicional de publicação científica, incluindo desconfiança, posição oligopolista das editoras, e um sistema hierárquico rígido suportado pelos bancos de dados cienciométricos internacionais (Mirowski, 2018). Como resultado, os meios substituíram o objetivo e “as revistas académicas tornaram-se as guardiãs do poder académico” (Whitworth & Friedman, 2009, Secção The Role of Research). A internet criou as condições para que os problemas acumulados no sistema, durante quase um século, pudessem ser superados, procurando sustentar um novo sistema de comunicação científica que se pudesse transformar num ecossistema aberto fora do espetro do negócio puro que caracterizava as grandes corporações e editoras científicas. A este respeito, Whitworth e Friedman (2009) observavam que, paradoxalmente, enquanto a academia pode fazer bons negócios, serão sempre esses motivos comerciais que farão a própria academia falir. Para os autores, e dito por outras palavras, quando um sistema académico se torna num sistema de negócio, perde-se tanto o valor académico quanto o valor de negócios, e quando as metas de negócios superam as metas académicas, ambas tendem a falir.
No entanto, nas últimas 2 décadas, o sonho do acesso aberto assumiu contornos bastante formalizados, aceites não apenas pelos académicos, mas também pela comunidade editorial. O relatório OpenAIRE (OpenAIRE, s.d.) desenhou, por exemplo, um modelo de acesso aberto justo baseado nos seguintes princípios:
Os conselhos editoriais são proprietários dos títulos das revistas académicas.
O autor possui os direitos autorais dos seus artigos, com base numa licença CC-BY.
Todos os artigos são publicados em acesso aberto.
As taxas de processamento de artigos (article processing charges, ou APCs) são baixas (máximo de 1.000€), transparentes, justificadas, e proporcionais ao trabalho realizado pelos conselhos editoriais.
Nenhum autor é responsável pelo pagamento das APCs, devendo ser os consórcios de bibliotecas, como a Open Library of the Humanities, a garantir e a financiar essas verbas necessárias.
Apesar de uma abordagem seminal que está no centro destes princípios ser uma abordagem muito prática, destaca-se o seguinte conjunto de valores orientadores: o retorno do controlo sobre a disseminação do conhecimento científico para a comunidade científica; o reconhecimento do direito do autor aos resultados do seu trabalho; a abertura e disponibilidade de informações a todos aqueles que têm acesso à internet; o papel de serviço público dos editores, que assim se demitem de ser os proprietários de todo o conhecimento.
Os especialistas dividem os aspetos positivos do impacto do acesso aberto à comunidade científica em várias categorias, nas quais podem ser colocadas todas as principais vantagens da transição para um novo modelo, e o impacto na democratização do processo científico (Trishchenko, 2019). Entre os principais efeitos positivos, destacam-se a difusão da informação e o aumento da visibilidade, o envolvimento da sociedade e dos profissionais no processo científico, a eficiência e a interação, a retenção de direitos pelos autores e a redistribuição de recursos. É de acordo com estas categorias que se fala do acesso aberto enquanto serviço público.
Um dos benefícios mais óbvios do acesso aberto é a velocidade com que um leitor pode ter acesso a um artigo, seja através do depósito de pré-impressões, seja através do recurso às novas plataformas de acesso aberto dos artigos com revisão por pares, no pós-publicação. Por exemplo, um artigo sobre plataformas, incluído no Open Research Central, na maioria dos casos, ficará disponível 1 semana após a sua submissão.
Outro benefício importante é o aumento da visibilidade dos artigos. Desde o início da década de 2000, os investigadores passaram a interessar-se na forma como o acesso aberto tende a afetar a contagem de citações. Ao longo de 2 décadas, muitos estudos foram realizados para várias disciplinas científicas, a maioria desses estudos subsidiários da hipótese de um efeito positivo do acesso aberto nas dinâmicas de citação, apesar de os dados recolhidos diferirem significativamente consoante o campo científico (Antelman, 2004, 2017; Donovan et al., 2015; Hajjem et al., 2006; Harnad & Brody, 2004; Kousha & Abdoli, 2010; Makeenko & Trishchenko, 2018; McCabe & Snyder, 2015; Norris et al., 2008; Schultz, 2017; Wohlrabe & Birkmeier, 2014; Xu et al., 2011; Zhang, 2006).
Um dos estudos mais abrangentes sobre o tema, baseado numa amostra de dezenas de milhões de artigos, indica que os artigos em acesso aberto recebem em média 30% mais citações (Piwowar et al., 2017), sendo que a situação com monografias parece ser semelhante (Snijder, 2016).
Também são dedicados vários estudos à questão de como o acesso aberto afeta positivamente a disseminação e o impacto dos resultados da pesquisa.
Tal como observa Chang (2006), a publicação em acesso aberto permite uma divulgação mais ampla dos resultados e maiores avanços na ciência. Um artigo publicado na Nature Communications ilustra que, em média, o número de visualizações dos artigos em acesso aberto é 3,26 vezes maior, e as taxas de citação nos média sociais são 1,37 vezes superiores às dos artigos consultados sob assinatura (Wang et al., 2015). Resultados semelhantes foram evidenciados pelas revistas académicas da American Psychological Society: durante o primeiro ano, a leitura integral dos artigos disponíveis gratuitamente foi 2,19 vezes superior àquela registada para os artigos disponíveis por assinatura, e 61% mais frequentes em formato PDF (Davis, 2010).
O acesso aberto, ao constituir-se de acordo com os princípios norteadores de qualquer serviço público, permite também que os investigadores escolham entre uma ampla variedade de artigos relevantes e não apenas de acordo com a coleção limitada à qual as organizações, como as universidades, têm acesso. Isto significa que as citações são potencialmente distribuídas de maneira mais justa, uma vez que o reconhecimento é feito principalmente pela via da qualidade dos artigos, independentemente da classificação das revistas académicas onde são publicados.
Além disso, o acesso aberto simplifica muito o processo de pesquisa dos conteúdos científicos relevantes, uma vez que mecanismos de pesquisa como o Google Scholar, devido a enormes investimentos no desenvolvimento de funcionalidades específicas de apoio à pesquisa, são muito mais eficientes para fins de pesquisa do que instrumentos académicos especializados nessa procura. Estes mecanismos podem efetivamente indexar o conteúdo que é consultável abertamente, mas, ao mesmo tempo, garantem acesso a tudo o que é aberto na internet, oferecendo aos cientistas uma variedade muito maior de fontes. Por exemplo, o Google Scholar ultrapassa a Web of Science e a Scopus em cobertura, pelo menos em ciências sociais e humanas (Martín-Martín et al., 2018). O idioma principal dos dois bancos de dados cienciométricos é o inglês, o que reduz seriamente a sua capacidade de cobrir literatura regional, e influenciando negativamente o critério da pluralidade, ainda que, em muitos países, incluindo Rússia, Japão e China, a comunidade científica use maioritariamente o seu idioma nativo para troca de informações científicas (Obuhova et al., 2011). Ao mesmo tempo, é extremamente difícil para fontes não inglesas entrarem em bancos de dados cienciométricos internacionais, o que cria uma grave lacuna de informações e de visibilidade entre cientistas de diferentes países.
Adicionalmente, o acesso aberto permite que mais pessoas se envolvam no processo científico, incluindo cientistas de organizações que não têm condições, nomeadamente financeiras, para se inscrever ou sequer tentar as revistas académicas mais caras, geralmente com altos fatores de impacto. Os estudantes são outro grupo de pessoas que mais frequentemente sentem dificuldade em consultar informação, e o acesso aberto ajuda a superar esse problema (Pisoschi & Pisoschi, 2016). Dito por outras palavras, mais pessoas com diferentes níveis de experiência criam a base para uma colaboração participativa, descobertas e inovações mais eficazes (Pöyhönen, 2017).
Em resumo, a comunidade científica não é o único beneficiário do acesso aberto. Profissionais e representantes da ciência civil também ganham acesso à participação no processo científico, o que ajuda a própria ciência a enriquecer com diferentes perspetivas e instrumentos, a estreitar laços com a sociedade, e, portanto, a superar a crise de confiança nos cientistas e na ciência (Papadopoulos, 2014).
Esta ciência cidadã dá assim uma contribuição significativa ao desenvolvimento científico, ao restaurar a confiança do público na ciência, ao reorientar a ciência para lidar com a complexidade dos problemas mais prementes, como os problemas ambientais, e ao instalar a governança democrática da própria ciência (Bäckstrand, 2003). Além disso, esta ciência cidadã, ou cívica, vincula o vasto potencial da ciência às capacidades cívicas das diferentes comunidades, de maneiras que revitalizam os propósitos democráticos da ciência em termos de bem público (Garlick & Levine, 2017).
Por outro lado, o acesso aberto também aumenta as chances de um artigo ser citado na Wikipedia em 47% (Teplitskiy et al., 2017), Wikipedia essa que se torna muitas vezes o “ponto de entrada” para um dado tópico (Scaffidi et al., 2017).
Em última análise, a tendência para a abertura da ciência à sociedade vai muito além de simplesmente permitir que alguém se familiarize com os resultados da pesquisa científica. Nesse sentido, o acesso aberto define uma tendência muito mais significativa - a reorientação da comunidade científica e dos seus interesses e valores fechados, para os interesses e valores de toda a sociedade, o que redunda numa espécie de transposição ética da própria ciência, que se coloca verdadeiramente ao serviço da sociedade (Brüggemann et al., 2020).
Outro dos resultados da adoção do acesso aberto como modelo de publicação é o desenvolvimento de um novo tipo de empreendimento editorial - mega revistas académicas de acesso aberto, que aumentam a eficiência e a interação. Estas mega revistas académicas oferecem mais oportunidades para pesquisas interdisciplinares, mas uma das grandes concretizações deste modelo é a capacidade de permitir publicar artigos que podem parecer bastante inúteis para o editor de uma revista académica típica, mas que têm uma importância significativa para a comunidade científica. Adicionalmente, as mega revistas académicas introduziram um novo modelo de procedimento de verificação da qualidade - a chamada “revisão por pares”, tendencialmente cega. O avaliador, que também tendencialmente desconhece a autoria do artigo que lhe é destinado, leva em consideração apenas a validade científica do trabalho e a exatidão da sua metodologia, num processo que, segundo Erfanmanesh (2019), contribui para a publicação de conteúdos com francas garantias metodológico-científicas. À revisão cega por pares acresce ainda uma das abordagens mais inovadoras, que consiste numa revisão por pares aberta, um processo que é fundamentalmente oposto à revisão por pares cega, aceite quase sem qualquer controvérsia na comunidade científica, e considerada o garante da objetividade e imparcialidade das avaliações/revisões. A revisão por pares aberta pode assumir muitas formas diferentes (Ross-Hellauer, 2017), no entanto, em qualquer caso, ajuda a fornecer ao leitor mais informações do que aquelas divulgadas pelos procedimentos tradicionais de revisão por pares. As vantagens da revisão por pares aberta prendem-se com o facto de nem editores, nem revisores, poderem impedir o autor de publicar um artigo work in progress, ficando todos os trabalhos disponíveis. A revisão por pares aberta garante também que qualquer cidadão tenha a oportunidade de testemunhar uma discussão científica ou até mesmo participar dela, sendo igualmente uma boa oportunidade para estudantes e leitores não treinados se familiarizarem com novos materiais numa fase embrionária dos próprios projetos. A mais-valia deste modelo passa assim pela expansão do acesso aos resultados científicos, e pela democratização do processo de publicação e discussão de resultados (Velasquez, 2016).
Outra forma de expandir o acesso através do desenvolvimento da ciência aberta passa por fornecer acesso aos dados, o que é essencial em muitos campos científicos (principalmente nas ciências da vida), ainda que, para alguns autores, este acesso aberto aos dados possa potenciar problemas relacionados com questões de privacidade - “privacidade e ciência aberta estão frequentemente em colisão” (Dennis et al., 2019, p. 1845).
Entre os benefícios significativos da partilha de dados está a capacidade de reutilizar dados para outras pesquisas, por exemplo, em outras disciplinas, o que ajuda a economizar significativamente o tempo de pesquisa e a tornar o processo de pesquisa mais transparente (Patel, 2016). Além disso, com as licenças Creative Commons, os autores podem usar gráficos de textos, tabelas e outros materiais retirados de revistas académicas de acesso aberto, desde que citada a sua fonte, e contribuindo também para um uso mais eficiente dos financiamentos e dos tempos dos projetos. Com efeito, estatísticas sobre a reutilização de conjuntos de dados indicam que estes são fortemente procurados na comunidade científica. De acordo com estimativas conservadoras, pelo menos 20% dos conjuntos de dados são reutilizados num período de 5 a 10 anos após a publicação (Piwowar & Vision, 2013).
Adicionalmente, os autores têm por vezes medo de publicar os seus artigos em acesso aberto porque pensam que a transferência de uma quantidade tão grande de direitos cria riscos adicionais ao plágio. No entanto, a realidade parece ser exatamente a oposta. As licenças abertas exigem que se sigam certas regras para o uso de obras. O perigo de alguém usar o texto publicado em acesso aberto indevidamente é muito menor, porque o artigo que foi publicado primeiro será indexado pelos mecanismos de pesquisa juntamente com o nome do autor (Trishchenko, 2019). Além disso, com licenças abertas, o autor transmite apenas direitos não exclusivos a um círculo indefinido de pessoas, continuando a ser o proprietário do material, o que geralmente é impossível sob a abordagem tradicional quando todos os direitos exclusivos pertencem ao editor.
O uso de licenças abertas cria assim uma situação única para a comunidade científica, não havendo obstáculos para o seu uso posterior. Embora este aspeto seja frequentemente subestimado, com o avanço das tecnologias de inteligência artificial, as questões de direitos autorais tornam-se especialmente relevantes.
Além disso, a mudança no status legal das obras científicas também ajuda a impedir que os editores tradicionais obtenham direitos exclusivos e continuem a manter qualquer forma de monopólio.
Por outro lado, os resultados de um estudo sobre a influência do fator de impacto na contagem de citações de artigos publicados em revistas académicas de acesso aberto indicam que a resposta da comunidade à publicação nessas revistas é menos dependente do fator de impacto do que no caso de publicações de assinatura/subscrição (Chua et al., 2017). O acesso aberto democratiza, desta forma, o mercado da significância científica, e reduz a dependência aos indicadores tradicionais e medidores dos resultados científicos, ou a chamada “ditadura” ou “tirania das métricas e dos quartis” (Muller, 2018). Ditadura das métricas (Muller, 2018) esta que foi inclusive abordada por Eugene Garfield (2006), pai do termo “fator de impacto” (Garfield, 1955), que, no início do século, e relativamente à questão da significância científica via dependência dos medidores científicos, cunhou o neologismo “cienciometria” para definir o momento da produção científica.
Em resumo, a expansão do modelo de acesso aberto ao longo do tempo tende a contribuir para o surgimento de novos elementos de comunicação de ciência que garantirão a avaliação de toda a contribuição científica, incluindo o conteúdo em plataformas e em periódicos que, por um motivo ou outro, não atendem aos critérios da cienciometria internacional dos bancos de dados, mas que publicam conteúdo de alta qualidade.
Com efeito, já foram feitas várias tentativas para mudar a situação atual, sendo que uma das iniciativas mais destacadas nessa área foi a Declaração de São Francisco sobre Avaliação da Investigação (San Francisco Declaration on Research Assessment, 2012), que proclama o princípio da rejeição do uso de métricas (como o fator de impacto) para avaliar a qualidade da investigação per se e a sua importância na decisão sobre a alocação de subsídios para projetos, contratações de investigadores, entre outros.
A declaração foi assinada por várias organizações, incluindo a PLOS, eLife, PeerJ e a Associação Europeia de Editores de Ciências. No entanto, a iniciativa recebeu muitas críticas devido a contradições no documento, falta de precisão na terminologia, e várias outras razões (Kiermer, 2016). Por este motivo, acredita-se que o uso de métricas alternativas se possa tornar um passo significativo em direção à abertura da ciência. O manifesto do grupo de cientistas da iniciativa de São Francisco contém uma afirmação sobre a possibilidade de as métricas alternativas se tornarem numa ferramenta de revisão por pares, coletando informações sobre a discussão do artigo e suas referências, levando em consideração o contexto (San Francisco Declaration on Research Assessment, 2012). Esse método aumentaria significativamente a velocidade de verificação dos resultados das atividades científicas e promoveria o desenvolvimento de novas plataformas para a ciência, o que só será possível mediante a verdadeira abertura do conhecimento científico.
O Acesso Aberto Como Modelo de Negócio
Tal como explicado anteriormente, é inegável o contributo que o acesso aberto desempenhou no ímpeto da democratização do conhecimento produzido, seja ele de cariz científico, intelectual ou performativo. Também nos parece evidente que, com a abertura dos canais de disseminação, comunicação e partilha de conhecimento, a partir das lógicas horizontais e descentralizadas de colaboração entre pares, se abrem novas oportunidades no combate à duplicação de conhecimento, no sentido em que este fica mais rapidamente exposto a um modelo de natureza abertamente reflexiva, e, em certo sentido, refratária.
Contudo, a sofreguidão da produção de conhecimento, que visa dar resposta aos princípios de recompensa académica (Quintanilha, 2019a), potencia os designados “episódios de desregulação e descontrolo” associados à produção em massa, quase industrializada, onde investigadores e centros de investigação procuram desesperadamente responder às ditaduras das métricas científicas (Muller, 2018), produzindo outputs de uma forma por vezes desenfreada que visam sobretudo a visibilidade e o reconhecimento rápidos. Yeoh et al. (2017) chamaram-lhe o desafio da avidez da produção académica exponenciadora dos designados mercados saturados, onde a procura por tempos de submissão-publicação mais curtos (Beall, 2012) incentiva o aparecimento não só de revistas predatórias cujo objetivo passa unicamente pela publicação (rápida) do maior número de artigos a troco de uma determinada APC, com um impacto importante na própria cultura e agência científicas, como também incute num número considerável de equipas editoriais o sentimento de que é possível, dada a procura dos slots para publicação, tirar benefícios financeiros de uma atividade que, por princípio, deveria ser orientada não só para o princípio da democratização do acesso ao conhecimento, mas também para a democratização da própria publicação.
É neste sentido que se pode falar de uma derivação do debate historicamente entusiástico associado ao acesso aberto e ao que este pode fazer pela ciência e pelo conhecimento para um debate mais polarizado, onde, para além dos pontos positivos, também se começam a discutir as grandes implicações negativas do modelo. Falamos de uma tendência crescente para tirar proveito económico desse modelo, a partir da captura e diluição da sua função social (res publica) que vai sucumbindo às bolsas de mercantilização do conhecimento (produzido e disseminado) em acesso aberto, muitas vezes na forma de pseudo-ciências e dos pseudo-conhecimentos nas designadas “revistas predatórias” que constituem, por si só, um tema bastante complexo.
Como referem Whitworth e Friedman (2009), há uma acumulação de problemas no sistema de comunicação científica que muitas vezes entroncam no domínio de comercialização que raramente garante um bom serviço à comunidade científica ou à sociedade como um todo.
Num artigo onde se desenvolve uma tipologia de desafios impostos ao modelo de ciência aberta, na qual se discutem o desafio da (des)acreditação do conhecimento produzido, o desafio da informalidade das estruturas de avaliação e validação, o desafio da comodificação/mercantilização do conhecimento, e o desafio da predação do modelo de acesso aberto, Quintanilha (2019a) reforça que o conhecimento produzido voltou a ser visto como mercadoria, à imagem das estruturas de divulgação científica dos modelos tradicionais, e ao invés de se tornar verdadeiramente livre e gratuito, numa tendência que, uma vez mais, recupera os mecanismos de reificação científica segundo os quais o conhecimento é visto sobretudo como coisa vendável ou passível de gerar receita de alguma forma - uma comodidade como outra qualquer.
Esta mercantilização é, para Quintanilha (2019a), evidente durante todo o processo de produção e divulgação de artigos de índole académica numa miríade de revistas académicas que sustentaram numa primeira fase o ideal de ciência aberta e que estavam fora do poder das A-lists e das quatro maiores editoras (Sage, Elsevier, Willey e Routledge), e que começaram a sua atividade de acordo com a essência do modelo de ciência aberta, mas que entretanto derivaram para um modelo sustentado em APCs que antagonizam a outrora celebrada democratização e facilitação processual das formas de publicação. O autor conclui, referindo que
a amplitude de estratégias de monetização mais ou menos premeditadas estão assim a transformar novamente todo o panorama científico, contribuindo para o enviesamento de um sistema académico que, no início do milénio, parecia querer caminhar, na figura dos seus intervenientes, para a abertura e para a democratização do conhecimento científico. (Quintanilha, 2019a, p. 207)
Das primeiras 500 revistas académicas que aparecem no ranking Scimago/Scopus em 2019 (o ranking de 2019 foi apenas publicado no segundo semestre de 2020; SCImago, s.d.), apenas 50 têm como característica serem de acesso aberto. Destas 50 revistas em acesso aberto, que poderiam enquadrar-se nos dois principais princípios da ciência aberta (democratização na publicação do conhecimento, sem barreiras, e democratização no acesso a esse conhecimento), apenas 11 revistas determinam publicação gratuita. Sete revistas não são claras nas suas guidelines, relativamente à obrigatoriedade, ou não, de pagamento por publicação, e 37 (74%) destas revistas determinam as tais APCs que podem ir dos 600$ por artigo, aos 5.000$, a serem integralmente cobertos pelos próprios autores.
Naturalmente, a grande parte destas revistas académicas situa-se no espetro das ciências naturais, as designadas “ciências duras”. Contudo, uma análise às primeiras 50 revistas académicas em acesso aberto na área das ciências sociais, evidencia que uma mesma maioria opta pela aplicação de APCs.
E fora do espectro das revistas académicas indexadas no Scimago Journal and Country Rank, um dos casos mais elucidativos é o do grande grupo MDPI, grupo esse que, com as suas 259 revistas académicas temáticas, publica em acesso aberto, mas aplica aos autores as tais APCs no valor de centenas de francos suíços, numa atividade que foi alegadamente escrutinada por investigadores que se debruçam sobre a qualidade das revistas académicas, o que levou o próprio grupo a ser envolvido nas listas de Beall1, num processo que, inclusivamente, terá transitado para a esfera da justiça, com o grupo MDPI a explicar-se e a exigir ser retirado da lista de revistas indicadas como predatórias (MDPI, 2017).
Em resumo, as perguntas que se colocam são as seguintes: que tipo de serviços podem justificar uma taxa de publicação de 1.000$, 2.000$, 3.000$, 4.000$, ou 5.000$ por artigo? Que serviços são estes, como são calculados e justificados, e de que forma são apresentados nas guidelines das revistas de natureza académica? Por que razão os valores aplicados variam tanto de revista para revista e qual a influência da métrica ou da classificação da revista (quartis) na determinação destes valores?
Do lado das revistas que existem em acesso aberto, cobrando aos seus autores as designadas APCs, a estratégia passa sobretudo por disseminar a ideia de que a manutenção e o funcionamento de uma revista académica em acesso aberto tem custos e que esses custos devem ser suportados pelos autores que nele decidem publicar.
Exemplo 1:
custos de publicação de artigos
Enquanto revista académica de acesso aberto sem taxas de assinatura, o autor ou financiador do artigo deve pagar uma taxa para cobrir os custos associados à publicação. Isto garante que o artigo seja imediata e permanentemente gratuito a todos.
A taxa de publicação em acesso aberto para esta revista é de US 2.000$, sem impostos. (Elsevier, s.d., Secção Article Publishing Charge)
Exemplo 2:
a publicação em acesso aberto tem custos. Assim, a Genome Biology cobra custros de publicação de artigo de 3380£/4040€/490$ para cada artigo aceite para publicação. Os working reports têm uma taxa de processamento de artigos de 2540£/ 3035€/ 3745$ para cada artigo aceite. (BMC, s.d., para. 1)
Exemplo 3:
custos de publicação de artigos
Até ao final de 2019, a Transgender Health é uma revista de acesso totalmente aberto. Em 1 de Janeiro de 2020, tornar-se-á um modelo híbrido baseado em assinatura, com opções de acesso aberto. Os custos de manutenção e publicação, em 2019, são cobertos por Article Processing Charges (APC). (Mary Ann Liebert, s.d.)
Por contraponto, aquelas revistas que seguem a dupla política do acesso aberto, isto é, abertura da publicação e acesso aberto ao conhecimento produzido, tendem a sublinhar a ideia de que é exequível manter uma revista académica livre de encargos para os autores, com o estrito propósito de contribuir para o avanço da ciência e para a democratização do conhecimento.
Exemplo 4:
este acesso aberto permite aos autores obter a exposição máxima possível para os seus trabalhos. A internet torna viável a disseminação gratuita de pesquisas e conhecimento, e a disponibilidade gratuita de software editorial sofisticado torna mínimo o custo operacional de uma revista académica avaliada por pares. O acesso aberto à pesquisa é, portanto, socialmente eficiente. (Econometric Society, s.d., para. 1)
Exemplo 5: “garantimos o acesso aberto para que todos possam consultar as novas pesquisas importantes em química. Pagámos todas as despesas de processamento de artigos (APCs) para que não haja barreiras para publicar e partilhar qualquer trabalho” (Royal Society of Chemistry, s.d.).
Exemplo 6:
a partir de 1 de janeiro de 2020, todos os itens publicados no LLT estão sob uma licença NonCommercial-NoDerivs Creative Commons, ou CC-BY-NC-ND, que permite aos utilizadores fazer o download e partilhar o trabalho original. Aos autores não é cobrada qualquer custo de publicação de artigos quando submetem ou publicam os seus artigos aceites. (National Foreign Language Resource Center, s.d., Seccção Permission)
De referir ainda que algumas revistas adotam uma estratégia híbrida ao instituir APCs, tendo ainda assim o cuidado de garantir que aqueles e aquelas que se mostrem incapazes de cobrir os custos associados à publicação do artigo em acesso aberto, verão as ditas taxas ser reduzidas ou amnistiadas.
Exemplo 7:
a Cultural Anthropology não usa despesas de processamento de artigos (APCs) para custear a publicação de artigos. Os membros da Society for Cultural Anthropology (SCA) apoiam a revista através das suas taxas de adesão. Os autores que são membros da American Anthropological Association (AAA), mas não da SCA, devem inscrever-se na SCA antes que os seus manuscritos sejam avaliados. Os autores que não são membros da AAA pagam uma taxa de inscrição de 25$ ao decidirem não se tornar membros da AAA e da SCA. Os autores podem pagar a taxa com cartão de crédito (MasterCard, Visa ou American Express), usando o sistema de pagamento seguro da AAA; selecione a opção “Taxa de processamento do manuscrito - SCA não membro”. A equipa de redação é notificada assim que a taxa for paga e procederá de seguida com a avaliação do seu manuscrito. (Society for Cultural Anthropology, s.d., Seccção Article Processing and Submission Charges)
Exemplo 8:
a Carnegie Corporation of New York subsidiou/comparticipou APCs de acesso aberto para autores de R&P, de janeiro de 2016 a maio de 2018. A R&P está atualmente a rever e a explorar oportunidades para a revista, e a SAGE continuará a subsidiar as APCs durante este período. No futuro, uma APC será estabelecida num nível apropriado para a disciplina, com uma isenção apropriada e política de desconto disponível para os autores que não terão meios para cobrir essa APC. (Sage Publishing, s.d., Secção 2. Article processing charge)
Em resumo, aquilo que se pode depreender é que o acesso aberto gera, tendo em conta todas as características que envolvem o processo de recompensa académica focado na hiperprodução de artigos, oportunidades claras para as revistas académicas poderem rever os seus critérios de publicação, introduzindo novas formas de poderem gerar dinheiro mediante critérios mais ou menos vagos e definidos muitas vezes por cálculos ambíguos que não conseguem justificar as quantias envolvidas.
Isto produz um efeito contrário àquele pretendido aquando das primeiras discussões sobre a necessidade de democratização do conhecimento, na sua vertente da produção e também na sua vertente de disseminação e comunicação, pilares fundamentais envolvidos na ideia do acesso aberto à ciência.
Russell (2019) refere que a transformação do acesso aberto num modelo de negócio encontra fundamentalmente as suas raízes no facto de as iniciativas para o acesso aberto ao conhecimento científico terem sido epifenómenos dispersos e demasiado distantes temporalmente uns dos outros, o que levou a uma falta de consciencialização geral dos investigadores e de outros autores sobre a sustentabilidade a longo prazo do modelo aberto, favorecendo assim o aparecimento dos modelos paralelos de negócio como aquele que se sustenta nas APCs pouco transparentes, abusivas, e sem fundamentos que expliquem as quantias exorbitantes aplicadas.
Para Russell (2019), ainda existe uma significativa falta de conhecimento sobre aquilo que é efetivamente o acesso aberto, ou o que este significa na comunidade de investigação, particularmente nas ciências sociais e humanas. Mesmo entre as franjas de investigadores onde este conhecimento é mais significativo, os autores deparam-se com um dilema decorrente do forte ímpeto para publicação, onde a tirania das métricas (Muller, 2018) institui que as revistas de acesso fechado, normalmente afetas aos grandes grupos editoriais, são aquelas que melhores rankings atingem e que mais impacto assumem no processo de alocação de recursos para investigação: publicar numa revista totalmente aberta, ou numa revista fechada dependente de assinaturas e pagamentos para acesso, mas com alto grau de reconhecimento dentro da própria academia? Num estudo de Schroter e Tite (2006), que envolveu 468 investigadores autores de artigos, apenas 10% declararam ter submetido artigos a uma revista académica que, na altura, funcionava por APCs.
Para além disso, a questão das APCs enquanto modelo de negócio, não exclusivo, mas mais frequente nas revistas académicas de acesso aberto, é geradora de problemas na transparência de preços e redistribuição de recursos. Como resultado, e segundo alguns investigadores (Siler et al., 2018), a transição para o acesso aberto pode ser uma partida cruel para com os países em desenvolvimento, cujos investigadores terão acesso a toda a literatura científica, mas serão excluídos do processo internacional de comunicação científica, uma vez que não podem pagar as designadas APCs para publicar nos principais periódicos (o mesmo problema também foi declarado no relatório OpenAIRE, s.d., mencionado acima).
Os resultados do estudo das preferências de publicação em revistas académicas de acesso aberto confirmaram que autores de universidades de baixa classificação têm maior probabilidade em publicar em revistas académicas de acesso fechado mediante pagamento, mas livres de encargos para os autores dos artigos, optando dessa forma por não escolher as revistas de acesso aberto que instituem aos autores as APCs que superam, na larga maioria dos casos, os 1.000€ por publicação (Siler et al., 2018).
Conclusões
Neste artigo de reconhecimento do estado da arte sobre acesso aberto e conhecimento científico, constatámos que a discussão sobre os benefícios e as contrariedades resultantes do modelo de acesso aberto se polarizou nos últimos anos. A primeira fase de discussão sobre aquilo que o acesso aberto pode dar ao conhecimento científico, inaugurada no início do milénio, é uma discussão francamente positiva, marcada por um tom entusiástico daquilo que o modelo pode dar à ciência, nomeadamente no que à maior participação cívica diz respeito, e ao escrutínio que dessa participação resulta, para prossecução de um bem comum que se prende com a vontade de colocar a ciência ao serviço da sociedade, abrindo o conhecimento científico e combatendo as estruturas centralizadas, herméticas e rígidas do modelo de publicação mais tradicional controlado pelos oligopólios editoriais.
Entre as características mais festejadas, a democratização e a disseminação do conhecimento, a transparência do conhecimento produzido, o aumento da visibilidade do produto científico, a maior eficiência e a redistribuição de recursos associados ao processo e à agência científicos, tendem a ser os aspetos mais celebrados pelos autores que se debruça(ra)m sobre o tema e sobre a aproximação deste acesso aberto a uma res publica.
Contudo, a falta de estímulo regulatório e o escasso e desestruturado debate sobre as estruturas paralelas que passaram a alimentar-se deste mesmo acesso aberto, não têm permitido estancar os perigos de uma economia da ciência paralela. Sufocados por deadlines e estimulados a apresentar resultados permanentes (artigos, capítulos de livros, etc.), os investigadores passaram a competir num modelo de recompensa académica que se edifica na hiperprodução de artigos, onde a corrida às revistas de natureza académica para formalização e legitimação do conhecimento produzido leva muitas equipas editoriais de muitas revistas sustentadas no acesso aberto a optar por tirar o máximo proveito económico de um mercado saturado. É neste ambiente de saturação de trabalhos que o acesso aberto, pelo menos em parte, passou a atuar, levando intervenientes a agarrar a oportunidade de negócio e a afunilar os princípios por que se rege o modelo de ciência aberta, instituindo taxas de publicação muitas vezes insustentáveis a autores e a investigadores suscetíveis ao princípio da publicação tão rápida quanto possível, e em loop.
Em última análise, mais do que contribuir para uma meta-análise daquilo que se produz ou já produziu sobre os grandes prós e os principais contras do modelo aberto de ciência, este artigo teve como principal desiderato lançar as bases para uma discussão mais ampla que deverá sustentar um quadro regulador mais sólido que implique, por exemplo, a obrigatoriedade de tornar a política de preços de publicação mais transparente e devidamente fundamentada.