1. Introdução
Na pandemia da COVID-19 um dos maiores desafios enfrentados pelos governos em todos os níveis da gestão pública foi estabelecer uma comunicação efetiva sobre a evolução da crise sanitária e as medidas de prevenção de espalhamento do vírus, o número de casos diários e, mais tarde, da vacinação. Todos esses aspectos eram fundamentais para orientar a população e organizar os serviços de atenção aos adoecidos e garantir o pleno funcionamento dos sistemas de saúde.
Em muitos países, porém, a resposta comunicacional à pandemia foi atravessada pelos modos tradicionais da comunicação política, marcada pela ausência de coordenação e cooperação entre os vários atores envolvidos na gestão da informação pública sobre a pandemia, entre os quais governantes, autoridades de saúde e especialistas (Lopes et al., 2021). No caso brasileiro, por interesses políticos do presidente da República, que desde o princípio negou a gravidade da crise sanitária (Duarte & César, 2021; Malinverni & Brigagão, 2020; Ricard & Medeiros, 2020), instaurou-se um verdadeiro caos comunicacional que contribuiu para o descontrole pandêmico.
Apesar do posicionamento do governo federal de negar ou minimizar a crise sanitária nos níveis regional e local, contudo, a maioria dos governadores e prefeitos não se furtou ao papel institucional que o cargo impõe e que o Sistema Único de Saúde preconiza, e buscou informar a população sobre a evolução da pandemia nos diferentes locais. Assim, vários municípios publicaram boletins diários com dados sobre os números da pandemia no nível local, divulgados prioritariamente por meio de redes sociais como o Facebook, Instagram e o Twitter (Santos et al., 2021).
Em um contexto pandêmico, os dados epidemiológicos são essenciais para a gestão traçar o perfil infeccioso e a transmissibilidade de uma doença em determinada região e, assim, subsidiar e orientar o processo de tomada de decisão tanto de gestores, quanto da população, em termos individuais e coletivos, segundo as características das diferentes regiões do país. Nesse sentido, não basta informar os números; é importante conceber estratégias comunicacionais que motivem a leitura e a compreensão dos dados. É nesse aspecto, portanto, que o design tem um papel fundamental, uma vez que permite a comunicação visual dos dados epidemiológicos, assim, potencialmente, ampliando as dimensões e o alcance das informações em saúde, em especial quando elas têm por objetivo o grande público e a circulação pelas mídias sociais digitais (Baldapan & Talde, 2022).
De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Pan American Health Organization, 2018), a comunicação de risco para a saúde pública e as emergências incluem: “transparência e divulgação de informação rapidamente; Coordenação da comunicação pública; Comunicação de risco para reuniões públicas e conferências de imprensa; Ouvir através do diálogo; Desenvolver a capacidade de comunicação dos riscos e planos de ação nacionais” (para. 3).
Assim, uma pandemia como a da COVID-19 demandou a criação de diversas estratégias de comunicação de risco que pudessem ampliar os conhecimentos acerca da doença, a progressão da pandemia, as estratégias de prevenção e de cuidado, bem como disseminar a importância das vacinas. Essa comunicação deve ser transparente e fidedigna para reduzir as inseguranças e preocupações e possibilitar que as pessoas avaliem os riscos e tomem decisões informadas (Lundgren & Makin, 2004). A produção diária de infográficos foi uma dessas estratégias. Isso porque estes possibilitam apresentar uma grande quantidade de informações de modo sintético e de fácil compreensão, expor os dados de modo a demonstrar as relações causa-efeito, classificar as relações entre eles e observar mudanças ou tendências (Cairo, 2011; Muñoz & Lucas-Barcia, 2022). Além disso, são facilmente moldáveis aos diferentes formatos de tela o que facilita a circulação nas mídias digitais, contribuindo para a disseminação e amplificação de mensagens, aspectos fundamentais para uma efetiva comunicação de risco (Sutton et al., 2020).
O objetivo foi analisar o processo iterativo de construção/elaboração de boletins/ infográficos da COVID-19, bem como as alterações de conteúdo, formato e cor que integraram a comunicação dos dados de saúde do município de Rio Claro1, no estado de São Paulo/Brasil.
2. Design e Informações em Saúde
O campo da comunicação e saúde tem sido fundamental para salvar vidas, em especial durante epidemias. Na perspectiva da comunicação de risco, uma ação bem desenvolvida ajuda as pessoas e a sociedade a lidar com o medo e as incertezas diante de uma doença nova ou reemergente, fomentando a adesão coletiva a medidas comportamentais recomendadas para o seu controle ou mesmo sua erradicação (Finset et al., 2020).
Assim que o novo coronavírus (SARS-CoV-2) foi identificado na China e se propagou pela Europa, os meios de comunicação passaram a utilizar os números e indicadores que a doença já provocava para comunicar a situação das diferentes regiões do continente. Seguindo uma tradição no campo da saúde, globalmente essa divulgação focava nos números de casos (infectados), mortos ou recuperados (Jiménez-Barreto et al., 2021). Para fornecer dados para as autoridades de saúde, a comunidade científica e os meios de comunicação, algumas instituições acadêmico-científicas, como a Universidade Johns Hopkins (https://coronavirus.jhu.edu/map.html) e a Fundação Oswaldo Cruz (https:// bigdata-covid19.icict.fiocruz.br/), criaram painéis de monitoramento do coronavírus. Concomitantemente, as gestões de saúde e as vigilâncias epidemiológicas nos níveis nacional, regional e local passaram a dar publicidade aos dados da COVID-19 em seus contextos. Boa parte desses dados foi comunicada por infográficos, disseminados pelas mídias sociais e de imprensa, bem como pelos canais de comunicação das próprias gestões, caso da Fundação Municipal de Saúde de Rio Claro.
O design gráfico tem um papel significativo na resposta a doenças infecciosas, já que torna as mensagens que salvam vidas acessíveis a todos (Roberts, 2020). Nos infográficos sobre a COVID-19 ficou evidente a importância do design para a disseminação das mensagens de modo claro e eficiente.
Para Bursi-Amba et al. (2016), os infográficos - neologismo derivado da contração de “gráficos informacionais”, por sua vez originada da expressão em inglês informational graphics (Escobar & Spinillo, 2016) - são elaborados para explicitar a informação, dados ou conceitos complexos num desenho claro e sintético. Os infográficos combinam elementos visuais e textuais, o que facilita a leitura e a compreensão da informação (Bursi-Amba et al., 2016). Desse modo, embora não haja consenso quanto à definição precisa do que seja um infográfico, Lima (2015) observa que a estrutura da infografia oferece uma estratégia de leitura não linear que permite ao leitor “escolher o encadeamento da narrativa” (p. 121).
Siricharoen e Siricharoen (2018) discutindo a importância dos infográficos na comunicação em saúde, afirmam que as pessoas geralmente não buscam espontaneamente informações sobre saúde e que essas muitas vezes não são facilmente assimiláveis; assim, é fundamental que os designers encontrem modos de torná-las compreensíveis. Para eles, o infográfico deve passar a informação de modo direto e rápido e quando bem desenhado pode ampliar a consciência sobre a saúde. A potência do infográfico está em entregar mensagens valiosas acerca de cuidados de saúde e torná-los compartilháveis.
Corroborando essa perspectiva, McCrorie et al. (2016) observam que as evidências científicas sugerem que a representação da informação em formato gráfico melhora a nossa compreensão e capacidade de tomar decisões. Além disso, os infográficos modernos são visualmente atraentes e buscam facilitar a assimilação rápida de conteúdo.
3. Metodologia
A perspectiva metodológica que orienta o estudo é a da análise do discurso multimodal (Kress & Van Leeuwen, 2006) que permite analisar as estratégias de comunicação visual como formato, cores e conteúdos escritos, e, assim, compreender os infográficos como um todo. Foram analisados os infográficos produzidos pela Fundação de Saúde do Município de Rio Claro e divulgados em seu perfil oficial no Instagram, no período de 30 de março a 31 de julho de 2020. Eles foram capturados por print screen e salvos em arquivo Word, compondo o corpus de 133 boletins/infográficos.
A primeira etapa constou da análise individual de cada infográfico. Em seguida, dentro do conjunto de cada versão, o material foi analisado focalizando: o período e a frequência de publicação, o formato, as cores e conteúdos escritos. Em cada uma dessas dimensões vários aspectos foram observados, como indica o quadro abaixo (Tabela 1), sem perder a visão de que dentro dos infográficos essas dimensões estão intimamente articuladas, bem como que as três versões são um continuum.
4. Resultados e Discussão
Na tipologia proposta por Siricharoen e Siricharoen (2015), o infográfico criado pelo município de Rio Claro é do tipo de visualização de dados. Os autores ressaltam que a funcionalidade deve ser priorizada, ou seja, os criadores devem considerar a estrutura principal, a precisão, a fiabilidade e a profundidade em função dos objetivos da mensagem que se quer transmitir, para depois pensar nos aspectos estéticos. Porém, espera-se que os leitores se sintam atraídos pelo conteúdo. Provavelmente devido ao cenário pandêmico que era dinâmico e se alterava continuamente, e a urgência para comunicar os dados epidemiológicos do município, os infográficos também foram se alterando. Identificamos que foram construídas três versões principais no período analisado. Esse processo de tentativa e erro demonstra que havia uma constante preocupação para melhorar a visualização dos dados disponibilizados para a população.
Neste texto fazemos a análise para cada uma das versões (Versão 1, 2 e 3) e discutimos os formatos, os conteúdos e as cores. Dentro de cada versão houve pequenas alterações ao longo do tempo para incluir/excluir informações.
4.1. Versão 1
No primeiro layout (Figura 1), o formato é quadrado e não está completamente adequado às telas de celulares, que na maioria das vezes são retangulares. Ou seja, não utiliza todo o espaço que as telas desses aparelhos possibilitam. Segundo Lupton e Phillips (1983/2008), a grelha é uma forma de organização interna do layout, divide o espaço entre linhas verticais e horizontais para ajudar na construção e alinhamentos dos elementos entre si, a depender do projeto e da escolha do designer, mas também pode ser circular, anguloso e até mesmo irregular. A grelha é uma forma de “arranjar imagens e organizar informação” (Lupton & Phillips, 1983/2008, p. 175), de ocupar espaços vazios e fazer com que todo o conjunto tenha ritmo e escala, ajudando a compor a imagem como um todo. No caso dos infográficos analisados, é possível perceber que foram utilizadas linhas horizontais e verticais, demarcando o espaço como um todo.
Fonte. Retirado de Situação de Rio Claro atualizada via informação da Vigilância Epidemiológica em 30.03.2020, 15h40 [Fotografia], por Fundação Municipal de Saúde [@fmsrioclaro], 2020a, Instagram. (https://www.instagram.com/p/B-XtkJ0H0P5/)
O infográfico possui muitas linhas retas e dois principais planos distintos. O plano de fundo deixa entrever partes de um coronavírus estilizado como marca d’água em azul mais claro. O segundo plano, grafado com fonte maior e em branco na parte superior, nomeia o boletim (“Situação de Rio Claro/SP”). A marca d’água do vírus é a única figura do infográfico, que faz uma clara opção pelas figuras geométricas, especialmente retângulos, com vistas a compartimentar as informações, quase como se fossem módulos. Por exemplo, o módulo dos suspeitos e notificações; o módulo de internações; e, por fim, o módulo de notificação por faixa etária, criando uma relação entre eles, ou seja, o primeiro módulo centralizado e superior e os outros dois abaixo, estabelecem um fluxo de leitura. As cores que compõem esses blocos informativos, majoritariamente o azul, acabam dando destaque a apenas um módulo, o vermelho, referente ao item “óbitos em investigação”. Esse destaque é devido, principalmente, ao uso das cores primárias. Segundo a teoria do círculo cromático (Heller, 2000/2013), o uso das cores primárias e suas cores opostas - aqui neste caso, predomínio do azul com um ponto em vermelho -, gera a sensação de contraste. O uso das cores primárias (azul, vermelho e amarelo) e das secundárias (verde) e suas variantes de tons, especialmente do azul, irá se manter por todas as atualizações dos infográficos.
No dia 9 de abril há uma pequena alteração: o primeiro óbito na cidade é informado em uma coluna vermelha e as mortes em investigação em preto (Figura 2). A partir daí, a coluna dos casos confirmados também passa a ser vermelha, criando um novo ponto de destaque na imagem.
Fonte. Retirado de Aviso Situação de Rio Claro atualizada via informação da Vigilância Epidemiológica em *09.04.2020, 16h30* [Fotografia], por Fundação Municipal de Saúde [@fmsrioclaro], 2020b, Instagram. (https://www.instagram.com/p/B-xl_L0nxbw/)
Nos parece que a escolha pelo vermelho nessa primeira onda pandêmica está relacionada com a noção de perigo a que essa cor remete, construída a partir do conceito físico de dispersão óptica - a cor vermelha é a que tem o maior comprimento de onda e é uma das que não se dispersam muito, mantendo-se numa faixa visível aos humanos (Halliday et al., 2003/2012). Do ponto de vista da física, essa característica é especialmente importante na emissão de sinais de alerta e perigo quando a “visibilidade” no entorno é baixa, nebulosa - por analogia, o caso da COVID-19 nos primeiros meses da pandemia.
Por outro lado, os neurocientistas Kuniecki et al. (2015) afirmam que o vermelho é capaz de atrair a atenção dos seres humanos em contextos emocionais, aumentando sua capacidade e velocidade de resposta motora diante de um evento inesperado. Segundo o estudo, essa cor parece guiar a atenção das pessoas, especificamente em circunstâncias de valência emocional, associando-se o vermelho tanto a conotações negativas (por exemplo, sangue, fogo, perigo) quanto positivas (sexo, comida). Em síntese apertada, ao ver a cor vermelha, a mente humana é imediatamente ativada ou alertada, sendo extremamente eficaz em atrair a atenção, especialmente em condições que demandam respostas rápidas.
No dia 11 de abril, a coluna de casos “confirmados” muda para “positivos” e uma nova coluna (“positivos via teste rápido”) é inserida, em amarelo, com uma observação indicando testes realizados em laboratório particular, informação que permaneceu até ao dia 27 de maio. Embora o tom escolhido não seja intenso - não está na cor primária, mas apresenta uma variação, uma cor terciária - a informação acaba se destacando no contraponto com os tons de azul, branco e preto predominantes. A sua posição no layout (Figura 3), bem ao centro do infográfico, também funciona como ponto focal.
Fonte. Retirado de Alerta Situação de Rio Claro atualizada via informação da Vigilância Epidemiológica em 11.04.2020, 17h. *Os casos POSITIVOS VIA TESTE RÁPIDO (Laboratório Particular) não são considerados resultados finais de diagnóstico* [Fotografia], por Fundação Municipal de Saúde [@fmsrioclaro], 2020c, Instagram. (https://www.instagram.com/p/B-2rG8unplh/)
No dia 14 de abril, há outra pequena alteração: a coluna que indicava as notificações por idade passa a ser denominada “positivos por faixa etária”. Nessa modificação, a cor vermelha aparece em uma terceira coluna para indicar os casos confirmados por faixa etária. Assim, nessa versão todas as informações relativas a confirmações de casos e óbitos estão em vermelho (positivos, óbitos confirmados e positivos por faixa etária; Figura 4). Considerando o temor que a infecção pelo SARS-CoV-2 causava, a intenção do infográfico parece ser alertar para o risco de contrair a doença e ser vítima de um desfecho fatal.
Fonte. Retirado de Alerta Situação de Rio Claro atualizada via informação da Vigilância Epidemiológica em 14.04.2020, 17h [Fotografia], por Fundação Municipal de Saúde [@fmsrioclaro], 2020d, Instagram. (https://www.instagram.com/p/B--dA03HAIV/)
É importante registrar que entre 30 de março e o final de abril foi comum a publicação de mais de um boletim por dia, tendo chegado a três edições diárias em 30 e 31 de março e nos dias 4, 5, 6, 7, 12 e 29 de abril. Ao analisarmos essas edições extras, percebemos um esforço de atualização de casos novos ou óbitos a partir do sistema municipal de notificações da vigilância em saúde. A partir de maio, o boletim passou a ser divulgado uma vez ao dia, geralmente no final da tarde, entre as 16 e as 18 horas. Durante todo o período analisado, apenas nos dias 3 e 9 de maio o boletim não foi publicado.
A crise sanitária causada pela COVID-19 foi uma situação inédita e muitas coisas foram sendo aprendidas à medida que a pandemia evoluía. As mudanças incorporadas nessa primeira versão indicam que alguns conteúdos que não haviam sido previstos inicialmente foram incorporados, indicando uma flexibilidade da equipe para colocar novas informações que retratassem as ações da gestão e o que ocorria no município a cada momento. A inclusão do horário em que o boletim foi publicado parece querer demonstrar que os números deviam ser lidos levando-se em conta as horas e os minutos, já que a situação podia se transformar rapidamente.
4.2. Versão 2
No dia 7 de maio, há uma grande alteração no layout do infográfico, permanecendo ainda o formato quadrado, mas a tonalidade é mais luminosa, mais clara (Figura 5). O azul escuro do plano de fundo é substituído por um azul mais claro, mais aberto. Foi adicionada uma nova camada, que emoldurou os blocos de informações iniciais, embora a disposição inicial continue semelhante. A apresentação das informações agora é mantida em um único bloco com fundo branco. Essa nova camada é destacada também por um jogo de sombra e movimento, gerando um aspecto de maior profundidade à imagem. A relação entre as zonas do infográfico, embora agora em outros tons e com maior destaque (o fundo branco), seguem o mesmo fluxo anterior - um módulo maior centralizado superior e dois blocos menores inferiores.
Fonte. Retirado de Alerta Situação de Rio Claro atualizada via informação da Vigilância Epidemiológica em 07.05.2020, 16h20. Deste total de internados, 05 estão em UTI [Fotografia], por Fundação Municipal de Saúde [@fmsrioclaro], 2020e, Instagram. (https://www.instagram.com/p/B_5o6rknLwj/)
Nessa versão há uma tentativa de deixar o infográfico mais limpo e objetivo. A única menção direta ao coronavírus que existia na versão anterior, a frase “previna-se contra vírus respiratórios, dentre eles o COVID-19”, é retirada. Isso pode indicar que as pessoas que elaboravam o infográfico acreditavam que a doença já estava naturalizada e que o público em geral sabia que os números se referiam à COVID-19.
Novas cores são adicionadas ao bloco: o verde e dois tons de cinza. A cor verde ganhou destaque, frequentemente indicada para apresentar rapidamente uma informação. No caso em análise, a coluna em verde apresenta o número de casos recuperados, um dado controverso do ponto de vista epidemiológico, pois na prática não amplia a leitura sobre a evolução de um evento epidêmico; mas que desde o início da crise sanitária passou a ser utilizado por diferentes instituições, inclusive acadêmico-científicas. O uso da cor verde para essa informação visou dar rapidez ao processo de assimilação de uma mensagem “animadora” em meio ao caos pandêmico, qual seja, a de que a temida doença tinha muitos mais curados que mortos. Já a utilização da cor cinza cumpre a função de servir de fundo das interfaces, minimizando assim o contraste entre a cor mais escura e a cor mais clara da cena, diminuindo o cansaço visual ao se passar de uma para outra (Farina et al., 2006).
Em 27 de maio de 2020 é excluida a coluna “positivos teste rápido”, e os positivos passam a ser contabilizados sem distinção, ainda em vermelho. Nessa versão, sem esse item mencionado anteriormente, o amarelo sai da paleta de cores, que agora se mantém em tons de azul, vermelho, verde e cinza, além do branco e da fonte em cor preta e branca (Figura 6).
Fonte. Retirado de Alerta Situação de Rio Claro atualizada via informação da Vigilância Epidemiológica em 27.05.2030, 17h [Fotografia], por Fundação Municipal de Saúde [@fmsrioclaro], 2020f, Instagram. (https://www.instagram.com/p/CAtJXRuHaP3/)
No dia 22 de junho são incluídas informações sobre o total de pessoas internadas em enfermarias e unidades de tratamento intensivo (UTI), divididas em instituições públicas e privadas. Aqui, a disposição dos elementos, agora com mais informações, fica mais “espremida”, com menos espaço entre as margens de cada linha. Nessa nova divisão é utilizado novamente o recurso de diferentes intensidades da mesma cor para destacar informações de um mesmo “bloco”. O “total internados” aparece em azul médio, seguido dos itens “públicos” e “particulares” em um tom de azul mais claro. Em seguida aparece a coluna “UTI” em azul mais escuro e os itens “públicos” e “particulares” num tom de azul mais claro que o anterior, porém mais saturado que os do item da internação (Figura 7). Formando uma coluna visual em degradê - primeiro o bloco mais claro (das internações), seguido do bloco mais escuro (da UTI) - buscando dar certo destaque também da gravidade da ocupação dos leitos, uma vez que o leito de internação da UTI demanda mais cuidados do que um leito de internação clínica, havendo portando uma determinada gradação da intensidade e da gravidade das internações.
Fonte. Retirado de Alerta Situação de Rio Claro atualizada via informação da Vigilância Epidemiológica em 22.06.20, 17h [Fotografia], por Fundação Municipal de Saúde [@fmsrioclaro], 2020g, Instagram. (https://www.instagram.com/p/CBwK6jmH6o4/)
A leitura do conteúdo incluído no conjunto dos infográficos até esse momento indica que eles continuavam sendo transformados à medida que a pandemia evoluía no município. Por isso, foram excluídas as informações que não faziam mais sentido naquele contexto. Por exemplo, diante da expansão dos testes rápidos na rede pública2, não fazia mais sentido indicar número de casos positivos por esse meio realizados em laboratórios particulares.
O título do bloco “número de internações de suspeitos” pode confundir o leitor, já que nele se lê o número de pessoas hospitalizadas, inclusive na UTI, ou seja, não são “simples” suspeitos, talvez não tivessem o diagnóstico confirmado laboratorialmente (o contexto dessa época era de dificuldade de diagnóstico laboratorial, embora todas as pessoas com sintomas fossem consideradas com COVID-19), porém esse número é relativo a internação, ou seja, são pessoas com sintomas agravados da doença e que necessitam de cuidado hospitalar (clínico ou intensivo), portanto, colocar como “suspeito” não dá conta da situação que quer informar.
Ainda dentro desse bloco foram incluídas informações sobre a ocupação de leitos públicos e particulares, isso porque à medida que o número de doentes aumentava (como indica o número de pessoas internadas), tornou-se necessário informar a situação da rede de saúde como um todo.
4.3. Versão 3
Em 2 de julho, há uma terceira grande mudança no layout do infográfico. O formato passa a ser retangular e mais adequado às telas de celulares. Essa nova versão rompe com o layout anterior. Altera o esquema de organização interna e da relação entre as diferentes zonas do infográfico. Ao invés de um bloco concentrando todas as informações, com linhas internas mais definidas, o novo modelo propõe uma quebra nos padrões internos (ainda que dividida em blocos). A nova organização é um bloco maior e centralizado ocupando dois terços, uma faixa horizontal destacada no canto inferior desse bloco, e um módulo menor, centralizado, ocupando a parte inferior do infográfico.
A continuidade das cores conversa com o modelo anterior, porém a organização dos elementos internos passa a ser um bloco maior superior, subdivido em dois, sendo o da esquerda um fluxograma bastante objetivo e direto, no qual o número de casos positivos passa a ocupar uma grande coluna em vermelho, desdobrando-se em fluxograma:
azul para os casos em tratamento; verde para os recuperados; e preto para os óbitos.
Enquanto o lado direito é composto por blocos de informações referentes a internação ou isolamento domiciliar. Porém, esse lado possui muitas informações, dispostas e organizadas buscando talvez uma “ordem” de intensidade: verde para os casos em isolamento domiciliar e diferentes tons de azul para os hospitalizados. Contudo, essa “ordem” é quebrada pois a enfermaria está em um tom mais escuro do que a UTI, e essa graduação parece ser quebrada. E dentro de cada um dos módulos (enfermaria e UTI) há outra graduação de cores, porém aqui para destacar e diferenciar os leitos públicos dos particulares. Talvez uma alternativa aqui fosse graduar os leitos de enfermaria da cor mais clara, sem diferenciar em cores, mas mantendo o módulo e o bloco da UTI na cor mais escura, o que poderia passar a ideia de intensidade de forma mais evidente, conforme foi feito na Versão 2 (Figura 7).
Apesar de ainda não fazer referência textual explícita à COVID-19, neste layout é possível observar o retorno de imagem tridimensional do vírus, como marca d’água no canto inferior direito e um conjunto de vírus como fundo do título (“Situação de Rio Claro/SP”), na margem superior do infográfico. Esse modelo (Figura 8) permaneceu até ao dia 31 de julho, quando encerramos a pesquisa.
Fonte. Retirado de Alerta Situação de Rio Claro atualizada via informação da Vigilância Epidemiológica em 02.07.20, 17h [Fotografia], por Fundação Municipal de Saúde [@fmsrioclaro], 2020h, Instagram. (https://www.instagram.com/p/CCJ3GibHiQd/)
Há uma mudança em relação ao uso das tonalidades de cores, o desenho retoma a imagem mais “chapada” da Versão 1, sem nenhum jogo de luz e sombra, apenas com o recuso de sobreposição - especialmente da faixa cinza com os itens “óbitos em investigação”, “suspeitos em investigação” e “descartados”. Novas cores passam a ser utilizadas em comparação com as versões anteriores. O amarelo retorna, porém ainda em tom terciário, representando o item de “suspeitos em investigação”. Além do verde claro (em destaque), entra outro tom de verde, um verde-azulado ou azul-esverdeado (tom terciário), fazendo com que os tons predominantes continuem no azul.
É interessante observar que essa versão, publicada 65 dias após o primeiro infográfico, é mais objetiva e sintética em relação às anteriores. Um bom exemplo é a exclusão da nomeação “óbitos confirmados”, que nesse momento já eram 33, e passa a ser apresentada apenas como “óbitos”. O mesmo ocorre com o número de internações: eles são apresentados de modo mais organizado e o título informa que se trata de hospitalizações de um modo geral, incluindo os casos suspeitos.
Como demonstramos ao longo da análise, o layout e o conteúdo dos infográficos mudavam à medida que aparecia a necessidade de excluir ou incluir novas informações. A impressão é que a equipe responsável por essa divulgação foi testando os modelos ao longo do tempo, segundo as demandas impostas pela sucessão dos acontecimentos e das incertezas típicas de eventos sanitários extremos, como a pandemia de COVID-19. Esse último desenho, lançado em 2 de julho, parece ter sido o mais consistente, não tendo sofrido nenhuma alteração até ao término de nossa análise, em 31 de julho.
Um aspecto que chamou a nossa atenção é que em todas as versões os infográficos buscaram visualizar o número de casos positivos e/ou notificações por faixa etária. Parece que havia o interesse em alertar a população para a propagação da doença nos diferentes grupos populacionais. Além disso, implicitamente indicava a necessidade de medidas de prevenção específicas para esses grupos.
Quanto ao uso das cores, os infográficos parecem ter seguido aspectos básicos do design. Para Kress e Van Leeuwen (2006), as cores são uma materialidade que tem diversos usos e produz muitos sentidos e efeitos. Elas não possuem “funções fixas” e seus significados mudam de acordo com as sociabilidades e as culturas. Nos infográficos foi possível observar que as cores sólidas destacavam as informações segundo a natureza dos diferentes e concomitantes eventos decorrentes da epidemia: o vermelho para destacar os casos positivos e os óbitos confirmados; o amarelo, primeiro, para casos positivos via teste rápido e, depois, suspeitos; e o verde, para recuperados. Essa escolha parece fazer alusão às cores do semáforo, respectivamente, perigo/pare, atenção e siga em frente. É importante destacar que o azul, em seus diversos tons, permaneceu nos três desenhos. Largamente utilizada em peças de comunicação oficial do município, a cor remete ao slogan de Rio Claro, “cidade azul”.
Os textos têm um papel fundamental no uso de recursos gráficos para a visualização de dados, uma vez que se complementam (Unwin, 2020). No caso dos infográficos utilizados para comunicar à população informações sobre a COVID-19 no município de Rio Claro, alguns aspectos nos parecem críticos e necessitam ser discutidos, pois dificultam a compreensão e/ou confundem o leitor. São eles o título, o uso de algumas palavras como “suspeitos” e em “investigação”, que aparecem em todas as versões, às vezes mais de uma vez, e o número de hospitalizações
A opção pelo título “Situação de Rio Claro”, que a despeito de todas as mudanças no layout permaneceu ao longo do tempo, sempre sem referência explícita à COVID-19, não cumpre a função de informar de modo claro e objetivo do que tratam os infográficos. A palavra “situação” é usada no sentido dicionarizado como: “combinação ou concorrência de acontecimentos ou circunstâncias em dado momento; conjuntura” (Houaiss, 2001, p. 2587). A própria definição indica, portanto, que seria necessário informar a que acontecimento a palavra se referia. Uma hipótese que explicaria a ausência de título é que em alguns boletins a marca d’água de fundo do Sars-CoV-2 (uma imagem bastante utilizada no material do Ministério da Saúde e popularizada pela mídia de massa no Brasil) teria a função de informar por si que se tratava da pandemia da COVID-19. Mas essa hipótese não se sustenta porque não foi mantida em todos os layouts; além disso, ela se perdia no emaranhado de cores e informações que se sobrepunham. Assim, apesar de deixar explícito que eram dados oficiais, já que todos os infográficos apresentavam as logomarcas do Sistema Único de Saúde, da Fundação Municipal de Saúde e da prefeitura de Rio Claro, para ampliar o entendimento e o alcance da imagem, o título deveria explicitar que o infográfico discorria sobre a situação da COVID-19 na cidade.
Apesar de serem elaborados para informar a população em geral, a linguagem utilizada manteve-se muito vinculada aos jargões da epidemiologia e da saúde. Fica evidente que no conjunto de informações sobre os casos informados, conseguiram excluir a palavra “notificações” na primeira alteração da Versão 2. Essa é uma mudança importante porque “notificação” não é um repertório familiar para a maioria da população. Porém, não fizeram esse esforço com outros termos, como “suspeitos” e “investigação”. Esses dois termos estão diretamente associados a crimes e à noção de que há algo errado, oculto, que demanda um trabalho de detetive para ser desvendado. Assim, terem sido utilizadas em infográficos que buscavam informar a população em geral, Finset et al. (2020), discutindo a efetiva comunicação em saúde na pandemia da COVID-19, afirmam: “é importante fornecer informação numa linguagem leiga clara, específica, inequívoca e consistente” (p. 874). Além disso, é importante considerar a discussão apresentada por Oxman et al. (2022) sobre a comunicação de órgãos públicos, na qual apontam que precisa ser transparente e fidedigna, o que também evita “culpabilizar as vítimas”, ao se utilizar termos ou ameaças que contribuem para a estigmatização das pessoas com determinadas patologias.
O uso de números absolutos parece ter sido útil para a maioria dos aspectos que os infográficos queriam informar. Mas, no caso das internações, os números totais ou divididos em pessoas internadas na UTI e em enfermarias e em leitos públicos e privados foi uma informação de pouca utilidade prática, já que não indicava a quantidade de leitos disponíveis no município, impossibilitando identificar a taxa real de ocupação dos leitos.
5. Considerações Finais
Em eventos epidêmicos, dados estatísticos sobre o espalhamento de um vírus são fundamentais para mensurar a evolução de uma doença e os óbitos que ela pode causar. Na pandemia de COVID-19 não foi diferente e os números assumiram um papel central na agenda pública mundial e local. Como esse configura-se um problema compartilhado pela maioria dos países, esses dados auxiliam no estudo e na compreensão do evento pandêmico, permitindo aos organismos internacionais, como a Organização Mundial de Saúde, cobrar dos governos nacionais transparência nos modos de coleta e de divulgação dos dados. Além disso, na atual pandemia, é inquestionável que o entendimento da população sobre os números de casos e a evolução da pandemia pode ampliar a sua adesão a estratégias públicas de controle da doença. No Brasil, essa perspectiva impeliu muitos gestores municipais a investir na divulgação transparente dos números da COVID-19, de que são exemplo os boletins epidemiológicos ora analisados.
Os infográficos de Rio Claro foram elaborados e aprimorados ao longo do tempo para serem bem visualizados em celulares - o desenho, o tamanho e a distribuição das informações consideraram a modelagem dessas telas. Essa opção está alinhada com uma importante característica dessa tecnologia no Brasil: de acordo com pesquisas (Maioria dos Brasileiros Acessa Internet Apenas Pelo Celular, 2022), os telefones celulares são os aparelhos mais utilizados pelos/as brasileiros/as para acessar as redes sociais. Assim, a escolha de informar a população através de infográficos disseminados via redes sociais como o Instagram foi uma decisão acertada que possibilitou a um grande número de pessoas ter acesso a informações sobre a pandemia de modo rápido e fácil. Mas, o grau de incerteza da COVID-19, a necessidade de dar respostas rápidas às demandas da sociedade por informação fez com que, em Rio Claro fosse adotada uma estratégia de erros e acertos, bem como fossem sendo testados em tempo real diferentes modelos de infográficos. Nesse sentido, espera-se que esse trabalho e outros estudos sobre os infográficos para a comunicação de dados epidemiológicos possam contribuir para a reflexão acerca das escolhas de design quando se trata de comunicar dados de saúde em situação de crise sanitária e que nas próximas crises não seja necessário um processo tão longo para atingir um formato final de infográfico.
Desse modo, espera-se que as aprendizagens sobre design e comunicação em saúde ao longo da pandemia de COVID-19 sejam assimiladas pelas equipes de gestores para que em futuras crises sanitárias a comunicação seja pautada pelas diretrizes preconizadas pela Organização Mundial de Saúde. E que se reconheça a importância do design das informações no processo comunicativo em saúde.