1. Introdução
O jornalismo sofreu um profundo impacto com as transformações tecnológicas que afetaram o setor de mídia em todo o planeta. Em maior ou menor escala, as mudanças ameaçam a sustentabilidade do negócio e a credibilidade da instituição jornalística1 e das suas organizações como a referência de informações confiáveis para a sociedade (Anderson et al., 2012). No que tange especificamente em relação à qualidade, dois exemplos ilustram os sinais de alerta sobre a necessidade de a instituição jornalística reagir a um cenário que põe em xeque sua credibilidade. Levantamentos recentes trazidos pelo Instituto Reuters apontaram que, de 2015 a 2022, o percentual de pessoas que dizem acreditar na maior parte das notícias que consomem experimentou uma queda constante em vários países pesquisados (Newman et al., 2022). Igualmente recentes, estudos de avaliação de qualidade (Guerra, 2020; Rothberg & Garrido, 2019; Träsel et al., 2019) indicam uma incipiente adoção de boas práticas editoriais em requisitos diretamente relacionados com a credibilidade. Tem-se, portanto, um cenário crítico para o modelo de negócio, ao qual se associa, na conjuntura atual, uma baixa percepção de qualidade por parte das audiências a resultados modestos em processos de avaliação implementados.
Tratando-se especificamente de cibermeios, em cujas potencialidades se insere este trabalho, Morales-Vargas et al. (2022) apontam a necessidade de um jornalismo rigoroso e confiável ante o cenário atual de ampla disseminação de fake news (notícias falsas). Contudo, em uma extensa investigação bibliográfica sobre indicadores de qualidade, os autores constataram exatamente uma lacuna na avaliação da qualidade voltada para indicadores de confiabilidade. Considerando o cenário de convergência (tecnológica, empresarial, profissional e comunicativa), caracterizado por Salaverría (2003), este trabalho busca associar esforços de qualidade editorial, nos quais sobressaem os requisitos de confiança, aos recursos próprios dos cibermeios, como os associados ao jornalismo digital em base de dados (JDBD), para cujo ambiente tende toda a produção jornalística. E, no conjunto, ambos os grupos de indicadores, baseados em características dos meios (Palacios, 2011) e em confiabilidade do conteúdo, devem se integrar, formando ferramentais mais robustas de avaliação.
O presente estudo parte da premissa de que a qualidade é um elemento diferenciador (Fengler et al., 2014; Meyer, 2004/2007), não apenas entre organizações jornalísticas que abraçam seriamente o tema ante outras que o ignoram, mas também entre novos concorrentes, como as mídias sociais. Uma política de qualidade editorial consistente pode demonstrar virtudes que mereçam ser recompensadas com a confiança do público.
Entretanto, implementar a agenda da qualidade é apenas parte do esforço, que precisa de vir acompanhado de um conjunto propositivo de soluções capazes de elevar o jornalismo a um novo patamar de competência profissional. Para desenvolver esta proposição, o presente artigo se estrutura metodologicamente como uma pesquisa aplicada e de desenvolvimento experimental, cujos fundamentos básicos serão apresentados antes de ser retomado o problema da qualidade em si e seus desdobramentos.
O movimento proposto requer pensar a gestão de qualidade de modo a articular a inovação em gestão editorial, processos de produção e produtos, com a inovação tecnológica. Inovação deve ser entendida como “um produto ou processo novo ou aprimorado (ou uma combinação de ambos) que difere significativamente dos produtos ou processos anteriores da empresa e que foi disponibilizado para potenciais usuários (produto) ou implementado por ela (processo)” (Organisation for Economic Co-Operation and Development, 2018, p. 32). A inovação é uma necessidade para se alcançar padrões de qualidade mais rigorosos.
Esse caminho demanda de universidades e organizações o investimento em pesquisa aplicada, um tipo de investigação direcionada principalmente “para um objetivo prático e específico” (Organisation for Economic Co-Operation and Development, 2015, p. 51). Seus resultados visam possíveis aplicações “a produtos, operações, métodos ou sistemas” (p. 51), os quais se tornam objeto de desenvolvimento experimental,
o trabalho sistemático, que se baseia no conhecimento adquirido por meio da pesquisa e da experiência prática, e que produz conhecimento adicional, direcionado para a criação de novos produtos ou processos ou para a melhoria dos produtos ou processos existentes. (Organisation for Economic Co-Operation and Development, 2015, p. 51)
Deste entendimento, o histórico de pesquisa conduzido no âmbito do Programa de Pesquisa em Qualidade, Inovação e Tecnologia Aplicada ao Jornalismo sistematizou um método de pesquisa aplicado em jornalismo2, que recorre a um conjunto de elementos teóricos e metodológicos destinados à compreensão do fazer jornalístico, para intervir nele de modo cientificamente orientado. Opera uma verticalização das abordagens teóricas em relação ao fazer profissional, desenvolvendo fundamentos e desdobramentos conceituais necessários para dar conta do conjunto normativo, técnico e processual que configura a atividade.
Parte de uma compreensão inicial do que é o jornalismo, da qual se formulam problemas para os quais o esforço aplicado de sistematização conceitual e metodológica busca oferecer uma solução inovadora. Essa solução, inicialmente conceitual, pode se tornar objeto do desenvolvimento experimental, quando transformada em um constructo que visa colocá-la em prática para testes, ajustes e revisões a fim de validá-la, ou não, para resolver o problema para o qual foi pensada.
A pesquisa aplicada em jornalismo se articula em torno de dois princípios: o da finalidade e o da complementaridade. O princípio finalidade sistematiza as responsabilidades que a instituição jornalística se propõe, ou é solicitada, a cumprir na sociedade, mediante acordos e convenções estabelecidos entre as partes interessadas, como o conjunto de requisitos de qualidade buscados pelas organizações jornalísticas. O princípio complementaridade determina o respeito a eixos que, embora se refiram a questões de diferentes e específicas naturezas, juntam-se numa particular configuração para dar sentido e efetividade ao princípio finalidade. A articulação entre os eixos demonstra coerência entre a formulação do problema, a proposta de solução e os vários saberes acionados para sua implementação.
Os seis eixos do princípio complementaridade estão definidos na Tabela 1 e discriminados conforme a aplicação neste artigo.
O problema para o qual este trabalho busca uma solução consiste no entendimento de que o modelo atual de jornalismo não dispõe em seus processos e em seus produtos de meios capazes de planejar e demonstrar a sua eficácia na entrega de conteúdo qualificado. Apenas declarar compromisso com a qualidade não é suficiente se tal esforço não vier acompanhado de resultados mensuráveis que evidenciem sua excelência. A continuar desta forma, não se vislumbra uma reação à perda da confiança experimentada nem uma ação proativa no sentido de fortalecê-la.
A solução proposta está estruturada em dois passos:
O desenho conceitual de um sistema de gestão da qualidade (SGQ), voltado para planejar, implementar e avaliar a qualidade em organizações jornalísticas. Visa, de modo simultâneo e complementar, orientar a produção para a qualidade e avaliar resultados regularmente, de modo a corrigir falhas e buscar o aperfeiçoamento contínuo da produção jornalística. Para além de falhas, o conceito do “sistema” está voltado para a obtenção da qualidade editorial e a demonstração de seus resultados positivos, a fim de oferecer razões à sociedade e demais partes interessadas para confiarem em seus produtos;
O segundo movimento oferece um roteiro de pesquisa aplicada e de desenvolvimento experimental necessário para implementar o SGQ conceitual proposto, que alie de forma indissociável soluções editoriais e soluções tecnológicas.
Dado o esforço propositivo de articular a qualidade com inovação, tecnologia e pesquisa aplicada, o texto prima por operar conexões e conceitos básicos para sustentar esse movimento. De forma deliberada, portanto, é econômico em certas passagens que, por questão de espaço, não puderam ter maior detalhamento. Tal proposta será desenvolvida em três tópicos. No primeiro, apresenta-se uma breve revisão de literatura, com a finalidade de demonstrar (a) pontos de convergência entre requisitos de qualidade elencados por diferentes trabalhos e (b) o alinhamento de abordagens aos diferentes componentes de um SGQ. A direção apontada no tópico anterior vai sustentar, no segundo tópico, a abordagem estratégica da qualidade em jornalismo (AEQJ), que molda os contornos da solução proposta, um SGQ conceitual aplicado a organizações jornalísticas. No terceiro tópico, sustenta-se que o conceito de SGQ requer o desenvolvimento de pesquisas aplicadas e de desenvolvimento experimental, para gerar tanto a inovação editorial quanto a inovação tecnológica necessárias para a sua implementação. O conjunto dessas soluções exige competências editoriais e tecnológicas inovadoras, que podem resultar nas bases de uma nova inteligência jornalística.
2. Bases Para a Perspectiva Estratégica da Qualidade em Jornalismo
Há significativo reconhecimento de que os estudos sobre qualidade em jornalismo apresentam dispersão de abordagens, de parâmetros de avaliação e de métodos para realizar as avaliações (Santos & Guazina, 2020). Apesar disso, é possível perceber como, por meio de diferentes teorias e métodos, enfrentam um conjunto de problemas comuns. Dada a urgência do tema para o futuro do jornalismo, é preciso buscar pontos de convergência que permitam à comunidade acadêmica, às organizações e aos profissionais avançarem com maior sistematicidade e profundidade sobre o assunto.
Em sua área de origem, a administração, a avaliação de qualidade procura mensurar os níveis de adequação dos produtos a parâmetros internos da organização e a expectativas dos consumidores, bem como sua percepção de qualidade sobre os produtos (Berry & Parasuraman, 1991, como citados em Slack et al., 1997/2007; Chiavenato, 2007). Esse esforço comporta vários tipos de abordagens, como as baseadas na excelência inata (transcendental), no produto, no usuário, na produção ou no valor (Garvin, 1987, como citado em Carvalho, 2005). Entretanto, abordagens pontuais sobre a qualidade têm sido superadas por uma percepção de qualidade como investimento estratégico das organizações.
A abordagem estratégica da qualidade deve considerar “cenários amplos, que vão além da organização em si mesma” e avançam para toda “a área externa em que ela atua” (Paladini, 2005, p. 26), como fornecedores, clientes, mercados, concorrentes, entre outros, sem excluir os níveis gerenciais táticos e operacionais. A busca pela qualidade constitui uma diretriz presente na ação organizacional, que abrange de modo articulado fatores internos e externos a fim de garantir o reconhecimento público e a sustentabilidade da organização no longo prazo.
Assumir a qualidade como princípio de funcionamento de uma organização requer um modelo de gestão que a efetive, como as normas de qualidade da Organização Internacional para Padronização, cujos requisitos são “genéricos e destinados a ser aplicáveis a todas as organizações, independentemente do seu tipo, tamanho e do produto e serviço que provê” (Associação Brasileira de Normas Técnicas, 2015b, p. 1). Essas normas propõem um modo de conceber e gerenciar a qualidade considerado o mais eficaz para atingi-la e passível de ser aplicado ao jornalismo (Swanepoel, 2012; Torre & Téramo, 2007).
O maior problema não reside em acolher tais referências, mas em adaptá-las a um modelo específico para organizações jornalísticas, sobretudo porque no jornalismo há um deficit de saberes relativos à gestão, processos e instrumentos de avaliação na cultura profissional e organizacional, que precisa de ser superado para uma gestão estratégica da qualidade.
Fundamentos básicos da norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (2015b, p. 1) serão usados para orientar a abordagem do problema e a construção do modelo proposto. O objetivo é demonstrar, em dois movimentos, importantes sinais de convergência que apontam a viabilidade desse esforço: primeiro, de requisitos de avaliação de qualidade em jornalismo; segundo, de adequação dos vários estudos, em maior ou menor escala, a um conjunto de aspectos relevantes para a proposta da AEQJ aqui sustentada.
2.1. Requisitos de Qualidade em Jornalismo: Pontos de Convergência
Qualidade é o grau no qual um produto satisfaz a requisitos - necessidades e/ ou expectativas declaradas, de forma implícita ou explícita - que “podem ser gerados por diferentes partes interessadas ou pela organização propriamente dita” (Associação Brasileira de Normas Técnicas, 2015a, p. 21). Os requisitos são fundamentais porque constituem os parâmetros pelos quais a qualidade é avaliada. Nos estudos sobre a qualidade em jornalismo, há uma diversidade que precisa de ser equacionada para construir consensos mínimos.
Para exemplificar a convergência entre diferentes propostas, foi extraído um levantamento a partir de Santos e Guazina (2020) e Chistofoletti (2010). Santos e Guazina (2020) fizeram um recorte de trabalhos norte-americanos, europeus e latinos, mapeando a diversidade de perspectivas sobre o tema. Chistofoletti (2010) fez uma lista a partir de entrevistas com 22 gestores editoriais de empresas brasileiras. A Tabela 2 apresenta os requisitos explorados pelas autoras, a partir dos seus trabalhos de origem, reunidos aqui por grupo de afinidades.
Esse levantamento sinaliza a dispersão, dada a variação terminológica dos requisitos, mas também o potencial de convergência, quando agrupados por afinidade.
2.2. Pontos de Convergência Entre Estudos em Jornalismo Sobre a Qualidade e o Sistema de Gestão da Qualidade
Para se atingir a qualidade, é necessário um SGQ, o conjunto de atividades pelas quais a organização identifica seus objetivos e determina os processos e recursos necessários para alcançar os resultados desejados. Os estudos em jornalismo considerados individualmente exploram, em alguma medida, questões pertinentes ao que demanda um SGQ, mas não constituem um sistema porque não formam um “conjunto de elementos inter-relacionados ou interativos” (Associação Brasileira de Normas Técnicas, 2015a, p. 19).
Na sequência, será feita a apresentação dos sete componentes de um SGQ conforme a norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (2015b), associando a eles tipos de pesquisa sobre a qualidade produzidas nos estudos em jornalismo. O objetivo é sinalizar que, embora não diretamente associados à norma, dialogam com os termos nela contidos.
Contexto da organização: definição de questões externas e internas pertinentes ao direcionamento estratégico da organização, que afetem sua capacidade de atingir os resultados, a partir das expectativas e necessidades das partes interessadas. Há trabalhos sobre a qualidade em jornalismo que discutem a origem dos requisitos por segmento de atores. Há dois grupos. Um destinado à identificação de atores diretamente envolvidos na produção, como jornalistas, organizações, academia, audiência e suas respectivas demandas de qualidade (Lacy & Rosenstiel, 2015; Vehkoo, 2009/2010). Neste grupo, se inserem as pressões de atores políticos e econômicos, por exemplo, como mencionado por Odriozola-Chéné et al. (2019), a partir de entrevistas com jornalistas latino-americanos, que sentem sua autonomia editorial afetada por interferência em suas rotinas e, por consequência, a qualidade de seu trabalho. O outro grupo é orientado para macro atores, como o mercado, o sistema legal, o sistema de mídia e o público e suas demandas para os produtos jornalísticos (Bertrand, 1999/2002; Fengler et al., 2014; McQuail, 2003, 2013; Mompart & Sampio, 2013; Pinto & Marinho, 2003). Ao abordar esses atores, faz-se um mapeamento das partes interessadas capazes de propor requisitos de qualidade a orientar o trabalho das organizações. Não raro, contudo, os requisitos originados nestes segmentos são apresentados como concorrentes. Nesse sentido, avaliar a qualidade sob uma perspectiva poderia resultar em baixa qualidade sob outra. Em regra, cada perspectiva tem um olhar próprio que pode divergir de ou convergir com outras perspectivas. Para a AEQJ, interessam esforços para fazer convergir esses requisitos, tanto quanto possível.
Liderança: estabelecer propósitos, compromissos e responsabilidades, expressos na política de qualidade, com foco no cliente e nas partes interessadas.Torre e Téramo (2007) declaram que a adoção de um SGQ deveria ser uma decisão da alta direção das organizações jornalísticas. Iniciativas como o The Trust Project (2023), Journalism Trust Initiative (Reporters Without Borders, 2021) e News Guard (2023) têm sido desenvolvidas para avaliar o compromisso das organizações com práticas e valores que elevem sua credibilidade. Todos os indicadores dessas iniciativas dependem de uma decisão das lideranças organizacionais para que sejam adotadas. Isto é, ao analisar a disponibilidade das ferramentas requeridas, esses trabalhos avaliam não apenas a mera existência desses instrumentos, mas o compromisso das lideranças organizacionais em adotá-los.
Planejamento: incluem itens anteriores para assegurar que o SGQ atinja seus resultados, previna e evite efeitos indesejados e alcance a melhoria. Incluem-se neste grupo trabalhos que propõem avaliar documentos de planejamento editorial, como o manual de redação e estilo, projeto editorial, carta de princípios, entre outros, que oferecem diretrizes de ação para o trabalho das organizações jornalísticas, tais como Rothberg e Garrido (2019), Guerra (2010), Christofoletti (2010) e Swanepoel (2012).
Apoio: garantia de meios, de pessoas, de infraestrutura, de ambiente, de monitoramento e medição, e por aí adiante, para a implementação do SGQ. Este item é explorado em trabalhos como o que propõe o índice laboral (Pablo & Mateos, 2004, como citados em Mompart & Sampio, 2013), que avalia indicadores sobre as condições de trabalho oferecidas aos profissionais ou quando se avalia, por exemplo, os processos de treinamento oferecido pelas organizações a seus profissionais. A falta de recursos materiais, que resulta em falta de tempo, de ferramentas e até compromete salários, por exemplo, também afeta o alcance de padrões mínimos de qualidade, conforme indicam os jornalistas entrevistados por Odriozola-Chéné et al. (2019).
Operação: planejamento e controle operacionais para a provisão de produtos, determinação de requisitos, comunicação com o cliente, análise crítica, projeto e desenvolvimento de produtos, entre outros. Trabalhos que visam, direta ou indiretamente, o processo de produção, desde a seleção da informação até a sua veiculação pública. Gordillo et al. (2013), por exemplo, explicam que o método do Valor Agregado Periodístico diferencia processos de produto jornalístico e estabelece que é possível analisar o processo sobre a base do produto publicado (Pellegrini, 2011, como citado em Gordillo et al., 2013). O tipo de pesquisa que melhor se debruça sobre os processos são os estudos do newsmaking, embora não tenham a finalidade de avaliar a qualidade, pois empregam métodos de inserção na organização para entender internamente o processo de produção.
Avaliação de desempenho: monitoramento, medição, métodos, análise e avaliação, incluindo o tratamento dos resultados. Item mais desenvolvido nos trabalhos sobre qualidade em jornalismo, abarcam três grupos de questões: requisitos (já abordados na Seção 2.1), o objeto e o método de avaliação, ambos abordados a seguir. Sobre o objeto, os objetos de avaliação podem ser distinguidos entre produto e pacote, respectivamente, a unidade informativa específica (uma notícia) ou o conjunto de unidades informativas (um programa ou edição), que apresentam características de conteúdo (a informação) e características de composição e estilo (a mensagem). Há variadas classificações, como as de van Cuilemberg (2000, como citado em Lacy & Rosenstiel, 2015), Rosengren et al. (1996) e o “índice jornalístico” (Pablos & Mateos, 2004, como citados em Mompart & Sampio, 2013). Sobre os métodos, Lacy e Rosenstiel (2015) sistematizaram quatro métodos: (a) análise do produto, aplicada para avaliar o equilíbrio político, a variedade da cobertura, as fontes, entre outros; (b) as preferências da audiência, por meio de inquéritos; (c) o julgamento dos experts, inquéritos junto a especialistas, editores, profissionais e prêmios profissionais; e (d) indicadores indiretos, como resultado financeiro, número total de notícias/equipe; número de notícias por serviço de agências; entre outros.
Melhoria: determinação de oportunidades para a melhoria e implementação de ações necessárias para atender a requisitos do cliente; ação corretiva e melhoria contínua. Neste item, há duas formas de contribuição: direta e indireta. A direta, quando a avaliação declara os requisitos desejados e induz sua adoção pelos avaliados com a oferta de algum tipo de recompensa. Por exemplo, The Trust Project (2023), Journalism Trust Initiative (Reporters Without Borders, 2021) e News Guard (2023) atribuem uma certificação de qualidade, cada qual à sua maneira, às organizações que atendem a seus indicadores. De forma indireta, toda avaliação, ao estabelecer indicadores, sugere aos avaliados o que se reconhece, por aquele método de avaliação, como bom produto jornalístico. A diferença entre as contribuições direta e indireta é que na segunda não há um procedimento claro na indicação dos requisitos, o que dificulta sua incorporação pelas organizações avaliadas.
Em síntese, a breve análise dos requisitos aponta como, apesar da diversidade de termos, eles convergem para parâmetros de consenso potencial. A relação entre trabalhos sobre a qualidade em jornalismo com os componentes de um SGQ aponta, por sua vez, que esses estudos têm dado, em maior ou menor grau, ênfase a aspectos complementares, quando vistos sob a ótica da abordagem estratégica.
3. Para uma Abordagem Estratégica da Qualidade em Jornalismo
No cenário da avaliação estratégica da qualidade, não basta tratar apenas da avaliação de qualidade. É preciso considerar o SGQ, o conjunto de procedimentos voltados para planejar e implementar a qualidade numa determinada organização. A avaliação é uma ação, inserida no conjunto de outras, as quais devem ser pensadas e executadas de forma articulada. Daí a noção de “sistema”.
Neste tópico, o objetivo é fazer uma apropriação simples das diretrizes contidas na norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (2015a) para o SGQ, a fim de estruturar um roteiro de abordagem do tema, associado às demandas do jornalismo.
Na Figura 1, que mapeia os contextos externo e interno da organização, é possível perceber-se como os vários componentes do SGQ estão implicados na atividade jornalística (Guerra, 2020).
Contexto da organização: a Figura 1 expressa o conjunto de aspectos que configuram o contexto no qual a organização opera. As partes interessadas apresentam suas necessidades e expectativas e têm pesos diferentes em relação a fazer valer suas demandas, conforme a força econômica e política, por exemplo, de que dispõem. Em tese, as forças do mercado, que atuam diretamente para garantir a sustentabilidade financeira das organizações, têm maior influência. Em sociedades com sistemas de regulação de mídia, as partes interessadas dos eixos público e marco legal têm forças que podem contrabalancear a força do eixo mercado, quando comparadas a sociedades que não os têm. As organizações extraem dessa interação os requisitos editoriais que julgam viáveis para constituírem o produto que desejam oferecer à sua audiência, base para a sua sustentabilidade financeira, sem deixar de atender também às demandas das outras partes interessadas, no todo ou em parte.
Liderança: cabe às lideranças operarem internamente o processo de negociação, a partir dos filtros que julgam relevantes, como valores, recursos, infraestrutura, e aplicá-los à definição dos requisitos que deverão configurar o seu produto jornalístico. As lideranças precisam também de implementar o SGQ e prover os meios para seu funcionamento, a fim de avaliarem a consistente adequação da produção e do produto aos requisitos definidos.
Planejamento: é necessário que as organizações convertam os requisitos em especificações de produtos, de processos e de técnicas, que devem dar as referências de operação do SGQ, seja para avaliar, seja para orientar a produção. Na Figura 1, o planejamento é expresso pelo campo “gestão editorial”, que sistematiza os requisitos resultantes do processo de negociação com as partes interessadas. Os manuais, projetos editoriais e documentos similares são exemplos de planejamento já disponíveis nas organizações, ainda que sejam insuficientes, em muitos casos, por não incorporarem instrumentos de avaliação de desempenho dos requisitos que declaram seguir.
Apoio: a fim de se implementarem as ações de planejamento, é preciso garantir os meios para sua efetivação, como pessoal, capacitação e treinamento, instalações e equipamentos, entre outros.
Operação: a operação constitui a atividade fim da organização. Na Figura 1 é representada pelos processos, que devem ser capazes de implementar o planejamento editorial. Nesse escopo, estão o planejamento operacional do trabalho, as decisões editoriais da equipe, a implementação das etapas de produção com suas respectivas entregas, as técnicas para a produção do conteúdo (apuração, composição e edição, por exemplo), entre outros fatores afeitos à produção jornalística em sentido estrito.
Avaliação de desempenho: os requisitos definidos no planejamento editorial precisam de ser monitorados ao longo da produção, para o controle da qualidade sobre o que se entrega. Assim, é preciso haver mecanismos de avaliação em todas as etapas de produção. Por exemplo, desde a pauta, pelas fontes sugeridas, é possível ter uma percepção sobre a pluralidade de uma notícia. Eventual parcialidade pode ser detectada já nesta etapa e receber intervenções necessárias para seu equilíbrio. Além do processo, a organização deve monitorar regularmente se os requisitos firmados no planejamento estão adequados às demandas das partes interessadas e à sua percepção de qualidade. Tem-se aí um conjunto de pontos de avaliação que se tornam necessários para o SGQ acompanhar a qualidade, por meio de indicadores e métodos pré-estabelecidos, desde a concepção do produto, passando pela sua produção até o grau de satisfação de quem o recebe.
Melhoria: a avaliação vai detectar diferentes tipos de falhas, que vão requerer intervenções com vista a promover a melhoria do produto. Algumas poderão ser supridas com o know-how já disponível, outras vão exigir diferentes tipos de inovação. A implementação de um SGQ vai demandar inovação em gestão, processos e produtos tanto para alinhar requisitos comuns às partes interessadas quanto para alinhar modos de fazer e modos de avaliar convergentes.
O desenho do SGQ aplicado ao jornalismo requer clareza dos requisitos a serem empregados, que deverão nortear toda a concepção editorial do produto, seus processos de produção e seus métodos de avaliação. Sobre os requisitos, (a) apesar de haver uma diversidade de formas de expressão, como ilustrado na Tabela 2, foi possível identificar convergências; (b) devem expressar, em alguma medida, demandas e expectativas compartilhadas entre diferentes partes interessadas, sob pena de não ter reconhecida sua qualidade por aquelas cujos requisitos não tenham sido contemplados minimamente.
Na sequência, será apresentado um conjunto mínimo de requisitos, razoavelmente estabelecidos tanto no campo teórico e profissional do jornalismo como no horizonte normativo das sociedades democráticas. Constituem um conjunto de responsabilidades voluntárias, atribuídas ou contratadas (McQuail, 2003), que vinculam a relação das organizações jornalísticas às diversas partes interessadas. O fato de ser um número mínimo de requisitos sugere um núcleo de referências que pode alcançar maior consenso, do qual seja possível derivar, de modo alinhado, requisitos complementares para dar conta da complexidade do processo de produção jornalística.
Os requisitos são divididos em primários e secundários. Os primários resultam das entregas diretamente vinculadas à responsabilidade mais elementar do jornalismo, aqui expressa nos termos de Kovach e Rosenstiel (2001): “fornecer aos cidadãos informações de que necessitam para serem livres e se autogovernar” (p. 17). Nesse sentido, três requisitos essenciais (verdade, atualidade e relevância) tornam possível à informação jornalística conectar pessoas respectivamente com fatos, o tempo presente e temas importantes, a partir dos quais possam tomar suas decisões3.
Os requisitos secundários resultam da inserção do jornalismo num tipo particular de sociedade, no caso, as sociedades democráticas. Apesar de diferentes culturas democráticas e modos de institucionalização, que resultam em demandas específicas para o jornalismo (Anderson, 2014; Cristian, 2009; Strömbäck, 2005), há também um núcleo de valores fundamentais que pode ser utilizado como referência comum. Importa destacar que as sociedades democráticas reconhecem que o jornalismo, para cumprir suas responsabilidades e entregar os requisitos esperados e necessários, requer também prerrogativas clássicas que lhe ofereçam condições adequadas de operação (Tabela 3).
Os requisitos primários e secundários representam pontos de convergência, a partir dos quais, novos e necessários requisitos podem ser desdobrados, quer para a informação (o conteúdo) quer para a mensagem (o formato). A ampliação controlada dos requisitos é uma forma de trabalhar a coerência e o alinhamento entre eles e sua consequente incorporação a um SGQ, de modo a orientar todo o fluxo da produção jornalística, conforme se apresenta na Figura 2. Deste processo devem resultar diretrizes editoriais e especificações de processos e produtos alinhados com os parâmetros de avaliação de desempenho. Cada organização irá incorporar essas referências de modo a construir uma concepção editorial própria (para ver um exemplo de como as diretrizes de gestão se desdobram em processos de produção e avaliação de qualidade jornalística, ver Swanepoel, 2012).
Apresentadas essas diretrizes, que sinalizam a estrutura de um SGQ aplicado ao jornalismo, e o conjunto mínimo de requisitos que deve norteá-lo, o passo seguinte trata de analisar os desafios para sua implementação em organizações jornalísticas, o que vai pressupor um esforço articulado entre a concepção editorial, com alinhamento de parâmetros (Figura 2), e a tecnologia, para garantir a sua implementação (Figura 3).
4. Abordagem Estratégica da Qualidade em Jornalismo, Pesquisa Aplicada e Inovação no Jornalismo
Como já se alertou, no atual estágio da indústria jornalística, não há um know-how disponível para implementar um SGQ nos moldes aqui esboçados. Não há nem parâmetros definidos claramente, nem métricas, nem meios técnicos e tecnológicos que possam ser incorporados nos processos de produção atuais e a processos de avaliação. Ou seja, as organizações jornalísticas realizam sua produção sem gerar indicadores de qualidade que atestem para si e para o conjunto das partes interessadas o cumprimento, em níveis aceitáveis, dos requisitos declarados.
Até o tópico anterior, tentou-se esboçar (a) um conjunto claro de requisitos passível de validação entre as partes interessadas e (b) um SGQ capaz de sistematizar os requisitos desde as suas origens, passando pelos processos internos de definição, planejamento, execução, avaliação e melhoria.
O desafio que se impõe ao jornalismo, como área acadêmica e setor industrial, é gerar um know-how mais sofisticado do que o atualmente disponível, que permita o adequado planejamento editorial com base em requisitos validados pelas partes interessadas, o desenvolvimento de processos de produção cujas decisões sejam baseadas em parâmetros verificáveis e mensuráveis e de processos de avaliação ancorados nos mesmos parâmetros.
Conforme já destacado, tal movimento só pode ser realizado por meio de pesquisas aplicadas e do desenvolvimento experimental. Considerando que os requisitos primários e secundários, sumariamente apresentados, sejam reconhecidos pelas partes interessadas com algum grau de consenso, a pesquisa aplicada em jornalismo tem três grandes eixos de problemas práticos a enfrentar:
Produção de diagnósticos: (a) quais são os métodos de avaliação capazes de - interna e externamente - aferir e mensurar o nível de satisfação relativo à gestão editorial, aos processos e aos produtos jornalísticos?; (b) quais são os problemas identificados por esses métodos que precisam de receber intervenção?
Desenvolvimento de soluções editoriais: (a) elaborar métodos de avaliação adequados para mensurar os requisitos na gestão editorial, nos processos, nos produtos e junto às partes interessadas; (b) buscar soluções inovadoras para os problemas identificados, a fim de gerar instrumentos de gestão, implementação de processos e novos produtos nos quais a presença dos requisitos seja passível de mensuração e demonstração;
Desenvolvimento de soluções tecnológicas: (a) desenvolver software capaz de implementar a gestão editorial, os processos de produção e a apresentação dos produtos, orientados para a qualidade, com métricas de desempenho disponíveis ao longo de todo o fluxo, desde o planejamento até a entrega do produto.
Os três eixos de problemas precisam de ser abordados de forma articulada. Os tópicos anteriores avançaram, parcialmente, nos dois primeiros. Neste, a ênfase é no terceiro eixo, sem o qual os dois primeiros não conseguirão ser incorporados de modo efetivo numa organização jornalística. Isso exigirá vencer “a falta de uma elaborada ‘cultura de metadados’ na gestão da informação dentro dos fluxos de trabalho editoriais” (Pellegrini, 2012, como citado em Lima Junior & Oliveira, 2017), entre outros desafios, como a falta de estruturação das informações de planejamento, gestão e implementação dos produtos jornalísticos.
Para isso, há um potencial a ser explorado no âmbito do JDBD que desponta “em razão das vantagens asseguradas pelas BDs [base de dados] para a construção e gestão de produtos jornalísticos digitais - os cibermeios - bem como para a estruturação e a apresentação dos conteúdos” (Barbosa, 2008, p. 91). A autora aponta 18 funções passíveis de implementação pelo JDBD, destinadas à gestão interna dos produtos, dos processos de apuração e contextualização, à estruturação das informações, à composição das peças informativas, à recuperação de informações e à apresentação dos conteúdos. Essas possibilidades permitem a criação de sistemas publicadores que incorporam subsistemas de apuração, de composição de mensagens e de edição de conteúdo (Schwingel, 2012). O conjunto desses recursos tecnológicos pode estar a serviço da qualidade do jornalismo.
A construção de um SGQ em jornalismo, nos termos aqui esboçados, vai exigir repensar o processo de produção jornalística para explorar ao máximo as funcionalidades disponíveis do JDBD. Exigirá a conexão com o chamado “jornalismo estruturado”,
uma tendência muito recente no jornalismo digital que contempla a reutilização, a acumulação de dados, a revisão e o contraste entre a informação atual e a informação arquivada. É definido como um sistema em que o armazenamento e o acesso à informação próprios das bases de dados se aliam ao potencial de exploração e difusão do jornalismo digital. (Freixa et al., 2017, p. 1076)
A tecnologia existente para o desenvolvimento de sistemas informatizados é necessária, mas não suficiente, porque depende da sistematização conceitual e operacional do fazer jornalístico, que lhe ofereça os parâmetros. Por isso, é necessário que o fazer jornalístico seja reconfigurado a partir de uma matriz de requisitos claramente delineada, e sua implementação e monitoramento sejam estruturados por meio de um SGQ. Sem essa estruturação, nenhum esforço será efetivo para gerar software capaz de implementar essa proposta.
Na Figura 3, essa lógica está desenhada. A definição dos requisitos primários e secundários deve orientar o fluxo de produção jornalística, por meio de um SGQ, que estrutura os requisitos, os processos para sua obtenção e as métricas de monitoramento, que vão definir os parâmetros de um sistema de informação orientado para a qualidade, cuja viabilidade tecnológica está inscrita nas possibilidades do jornalismo estruturado e do JDBD.
A título de exemplificação desse esforço, podemos citar o Qualijor (Guerra, 2016), um software concebido para estruturar o fluxo de produção jornalística orientado para a qualidade. Na Figura 4, está ilustrado o funcionamento do software, sobre a tela de fluxo dos processos editoriais. Nela, estão demonstrados os passos básicos de avaliação de relevância e pluralidade, a partir de matrizes que atuam como ferramentas de planejamento editorial. O sistema foi concebido para gerar indicadores em tempo real de produção, a partir das informações fornecidas pelos jornalistas sobre os valores-notícia, problemas e fontes. Esses procedimentos que na versão atual do software são manuais, podem vir a ser realizados com auxílio da inteligência artificial.
O sistema incorpora fundamentos básicos do jornalismo estruturado e do JDBD, ainda numa versão muito incipiente para uso profissional. Apesar disso, as ideias gerais sustentadas neste artigo estão nele embrionariamente aplicadas. Essa possibilidade tecnológica é que torna viável o jornalismo orientado para a qualidade nos termos aqui apresentados, em condições significativamente melhores do que no passado.
5. Considerações Finais
O enfrentamento da crise do modelo de negócio e de credibilidade que atravessa o setor jornalístico tem na reivindicação de qualidade uma importante âncora. Contudo, não há no setor um movimento consistente no sentido de dotar o jornalismo de uma robusta estrutura voltada para a promoção e a avaliação da qualidade editorial. Para isso, este artigo sustenta, a partir de uma proposta de pesquisa aplicada e de desenvolvimento experimental, dois caminhos:
A estrutura de um SGQ, a partir de uma AEQJ. Isso requer pensar a qualidade não em termos da avaliação de produtos ou de processos, isoladamente; mas de conceber a qualidade a partir de um sistema, o conjunto de ações de uma organização para promover e implementar qualidade em seus processos e produtos. Implica definir requisitos e métricas de avaliação que orientem a produção, desde a concepção editorial do produto até sua entrega à audiência e à sociedade.
O segundo movimento é explorar o potencial tecnológico disponível no âmbito do JDBD e do jornalismo estruturado, a fim de criar software de gestão e publicação de conteúdo que permita a operacionalização do SGQ no contexto das organizações jornalísticas, conforme as especificidades do seu fazer profissional.
As propostas apresentadas não estão finalizadas. Requerem certamente muitas intervenções no sentido de promover ajustes, aperfeiçoamentos e incorporação de novos recursos, em ações que envolvam setores acadêmicos, profissionais e empresariais, entre outras partes interessadas.
Ambos os movimentos demandam inovação. O modelo editorial vigente, sem métricas e métodos rigorosos de aferição da qualidade reivindicada pelas organizações, tem se mostrado incapaz de justificar a confiança que a sociedade deposita nos profissionais e empresas. O primeiro movimento exige inovação editorial; o segundo, inovação tecnológica. A combinação e cooperação entre os dois tipos pode resultar numa nova inteligência jornalística, necessária para implementar a AEQJ e enfrentar os desafios que se impõem ao jornalismo contemporaneamente.