A linguagem publicitária (quando é “conseguida”) abre para uma representação falada do mundo que o mundo pratica desde tempos remotos e que é a “narrativa”: toda a publicidade diz o produto (é a sua conotação) mas ela conta outra coisa (é a sua denotação). (Barthes, 1985, p. 169)
Propomos olhar a publicidade como um discurso cujo poder reside na sua capacidade de produzir e reproduzir o sentido de uma cultura e de uma sociedade. Com uma rapidez e lucidez notáveis, gera retratos instantâneos, como polaroids onde cada um se revê ou não gosta de se ver.
O que nos mostra a publicidade? Para muitos, a publicidade ainda é sobretudo consumo, representando tudo o que nos arrasta para o apocalipse, à medida que os efeitos das alterações climáticas se tornam mais tangíveis. Por conseguinte, este número temático - “Publicidade e Desenvolvimento Sustentável” - parece anunciar visões sobre a insustentabilidade da publicidade. Contudo, esta edição desafia a um olhar contrário: desbravar a relação entre dois conceitos, desconstruindo o aparente antagonismo e iluminando quer o contributo, quer os desafios para a publicidade.
Na verdade, se quisermos um retrato vivo de cada era - os avanços tecnológicos, os modos de relacionamento, as expectativas, as angústias, as contradições e as tensões -, basta observarmos campanhas de publicidade. Não nos esqueçamos de que a publicidade anuncia as tensões de uma sociedade. Hoje, para além das questões ambientais, os temas sociais dominam as campanhas: igualdade de género, liberdade de expressão, inclusão, diversidade, são apenas alguns exemplos.
Publicidade é poder de síntese, mas também poder sobre as nossas escolhas. Retrata o que é dominante, no seu melhor e no seu pior, mas também influencia novas atitudes e novos comportamentos. Com o seu discurso encantatório e eficaz, informa e sugere escolhas que podem ser saudáveis, quer ao nível do nosso bem-estar físico e mental, quer em prol de um consumo mais responsável.
Entre os traços dominantes nas sociedades contemporâneas estão, sabemo-lo, as questões da responsabilidade social e ambiental e a sustentabilidade (e também da responsabilidade individual). A sustentabilidade é, para o consumidor de hoje, uma prioridade estabelecida: cerca de 85% dos consumidores adotaram comportamentos mais sustentáveis e 45% esperam que a sustentabilidade seja um dado adquirido (Arora et al., 2024). Esta tendência afeta a decisão de compra, fazendo com que as organizações dediquem cada vez mais tempo, atenção e recursos para incluir responsabilidade ambiental e social nas suas práticas comerciais, sendo cada vez mais corrente vermos nas prateleiras de supermercado produtos rotulados como: “ambientalmente sustentável”, “amigo do ambiente”, “comércio justo”, entre outros (Bar Am et al., 2023).
Como já referido, mensagens que promovem as estratégias ESG1 das empresas tornam-se frequentes. Cada vez mais, as marcas comunicam uma determinada dimensão da sustentabilidade através das campanhas publicitárias. De acordo com um estudo IPSOS (Reboul, 2022), “as pessoas esperam que os anunciantes atuem em prol da sustentabilidade. O desafio para as marcas reside então em equilibrar a comunicação para um futuro mais sustentável com as vendas potenciais e a quota de mercado para a marca” (p. 3). Conceitos como “responsabilidade social empresarial”, “desenvolvimento sustentável”, “advocacia política corporativa”, “cidadania corporativa” entraram no léxico das organizações.
Neste contexto, importa-nos analisar a dimensão comunicacional das marcas. Como se posicionam as marcas e como o comunicam perante consumidores cidadãos? E como são percecionadas as suas mensagens? Quais as estratégias publicitárias dominantes, neste contexto? Que práticas devem ser seguidas e que riscos devem ser evitados?
Parece ser evidente que credibilidade, reputação, transparência são fatores chave da comunicação da sustentabilidade: “não o fazer expõe (a marca) ao risco de ser acusada de greenwashing e de enfrentar uma reação negativa dos meios de comunicação social” (Reboul, 2022, p. 13). Efetivamente, comunicar a sustentabilidade é complexo. O aumento da consciência pública face aos desafios ambientais e sociais atuais tem vindo a traduzir-se, também, num maior escrutínio e pressão para uma maior transparência na divulgação da performance ambiental e social das empresas.
Na resposta ao desafio de conjugar o binómio publicidade e desenvolvimento sustentável, as editoras deste número depararam-se com uma adesão significativa por parte da comunidade académica, resultando num conjunto de textos que se apresenta em seguida. Os oito artigos que constituem a secção temática deste volume oferecem análises críticas, iluminando as tensões que emergem quanto às práticas da atividade publicitária na comunicação da sustentabilidade e responsabilidade social. Predomina a análise quanto a fenómenos de greenwashing - metade dos artigos versa esta temática. Por outro lado, os valores éticos e sociais dominantes na sociedade - com particular foco na análise ao segmento dos millennials - bem como a forma como as organizações se posicionam e comunicam, são tópicos transversais ao conjunto de textos, demonstrando como a publicidade é um sistema capilar.
O artigo “Greenwashing e Desinformação: A Publicidade Tóxica do Agronegócio Brasileiro nas Redes” de Priscila Medeiros, Débora Salles, Thamyres Magalhães, Bianca Melo e Rose Marie Santini abre a secção temática deste Volume 45 dedicado ao tema “Publicidade e Desenvolvimento Sustentável”. Centrando-se no agronegócio, um dos principais setores económicos do Brasil, o estudo procura averiguar a presença de greenwashing nas estratégias de comunicação da Frente Parlamentar da Agropecuária, entidade impulsionadora de lobby anti-ambiental. Para tal, os autores analisaram quantitativa e qualitativamente 158 anúncios publicados pela Frente Parlamentar da Agropecuária, durante o ano de 2023, nas redes sociais Facebook e Instagram, procurando encontrar “tentativas de melhorar a imagem do agro”. Os resultados desta investigação mostraram que, de uma forma geral, os anúncios analisados defendem a necessidade da manutenção das relações socioeconómicas em torno do agronegócio, promovendo o negacionismo e a desinformação em relação aos impactos económicos deste setor.
Em seguida, o texto “Diferenciando Marketing Verde de Greenwashing com Base em Dados do Banco do Brasil S.A. e Natura & Co.”, da autoria de Camila da Costa, Dusan Schreiber, Paola Schmitt Figueiró e Luciane Pereira Viana, apresenta uma pesquisa na qual se procuraram identificar as diferenças entre as ações de marketing verde e de greenwashing, bem como as implicações para as práticas de desenvolvimento socioambiental das empresas. Para tal, os investigadores utilizaram o estudo de caso múltiplo como metodologia de trabalho, considerando os exemplos do Banco do Brasil S.A. e da Natura & Co. Recorrendo à análise de diversos documentos, nomeadamente relatórios anuais e os conteúdos publicados nos websites institucionais, os autores deste trabalho compreenderam que ambas as organizações respeitam princípios éticos e de verdade na publicitação das suas ações de sustentabilidade social e ambiental privilegiando, assim, o modelo de marketing verde em detrimento do greenwashing.
No artigo “Greenwashing - O Perigo de Alegações Falsas Generalizadas e Como os Média Portugueses Representam Essa Prática”, de Lauralice Ribeiro e Paula Campos Ribeiro, procura-se perceber como é que dois jornais portugueses, o Expresso e o Público, noticiaram os resultados da campanha “Race to Zero”, lançada pelas Nações Unidas às empresas para que estas, voluntariamente, reduzam as suas emissões de carbono até 2023. Em particular, esta investigação visou compreender como é que estes meios de comunicação abordaram o tema do greenwashing e como procuraram dar visibilidade aos resultados da campanha “Race to Zero” (Corrida Para o Zero). Para tal, as investigadoras enveredaram pela análise de conteúdo quantitativa e qualitativa às notícias publicadas nas versões online destes jornais, durante o período de divulgação da referida campanha, nos anos de 2022 e 2023. Os resultados deste estudo mostram que os média nacionais ainda concedem pouco espaço ao tema do greenwashing, no entanto, quando o apresentam procuram debatê-lo de forma crítica.
Já o artigo “Publicidade e Sustentabilidade: O Caso da Campanha ‘The Last Photo’”, da autoria de Priscila Kalinke da Silva, Carlos Henrique Sabino Caldas, Luiz Antonio Feliciano e Rogério Gomes Neto, examina o papel da publicidade enquanto agente de transformação social e ambiental, através da análise da campanha publicitária mais premiada no “Festival de Cannes” de 2023 - “The Last Photo” (A Última Fotografia) - que explorou os estereótipos em torno do tema do suicídio. Através de uma metodologia qualitativa com recurso a uma abordagem discursiva que considerou elementos lexicais, técnicas argumentativas e componentes não verbais, a análise permitiu concluir que a campanha procura utilizar o discurso publicitário, em particular a sua dimensão audiovisual para abordar uma temática social, desafiando os estereótipos em torno do suicídio.
O artigo intitulado “Pouco Instagramável: A Sustentabilidade na Comunicação Digital da Moda Autoral Portuguesa”, de Pedro Dourado, apresenta um estudo sobre a forma como os designers de moda portugueses abordam a sustentabilidade no Instagram. Analisando publicações de 47 designers que participaram no ModaLisboa ou no Portugal Fashion, a pesquisa evidencia que apenas cerca de 6% do conteúdo está relacionado com sustentabilidade. A maioria das publicações centra-se na exibição de produtos finais em vez de discutir processos de produção, materiais ou práticas laborais. Este estudo destaca uma lacuna na promoção da sustentabilidade, sugerindo que, embora a moda autoral tenha potencial para liderar em práticas sustentáveis, isso não é totalmente aproveitado nas suas estratégias de comunicação digital.
Em “Marcas de Sustentabilidade: Tensões Discursivas na Indústria de Cosméticos da América Latina”, Adriana Angel e Alejandro Álvarez-Nobell investigam a forma como as principais marcas de cosméticos na América Latina comunicam as suas iniciativas de sustentabilidade e de responsabilidade social organizacional. Focando-se na Avon, na Natura, no O Boticário e na Yanbal, o estudo utiliza métodos qualitativos e quantitativos para analisar as interações nas redes sociais e os discursos utilizados por essas marcas. Os resultados revelam tensões significativas entre sustentabilidade e lucro, impacto corporativo e agência do consumidor e empoderamento e papéis tradicionais de género, destacando as complexidades e contradições na promoção da sustentabilidade dentro de um enquadramento capitalista.
Os autores de “A Importância da Identificação dos Valores da Marca IKEA Portugal Para a Decisão de Compra dos Seus Consumidores Millennials”, Nuno Goulart Brandão e Bárbara Côrte, debruçam-se sobre o impacto dos valores da marca IKEA Portugal no comportamento de compra dos millennials. Utilizando uma metodologia quantitativa e uma pesquisa com 402 respondentes, a pesquisa destaca que valores como consciência de custo, sustentabilidade, responsabilidade social e simplicidade influenciam significativamente as decisões de compra dos millennials. Os resultados ressaltam a importância dos valores da marca na formação do comportamento do consumidor, revelando que a geração dos millennials prioriza marcas que se alinham com os seus valores éticos e sociais.
O artigo sobre “Publicidade de Eco-Influenciadores de Estilos de Vida: O Envolvimento Provém do Conteúdo ou do Fascínio?”, de Bárbara Castillo-Abdul, Luis M. Romero-Rodríguez e Carlos Fernández-Rodríguez, investiga o impacto do capital social e da marca pessoal no envolvimento dos eco-influenciadores. Através de uma análise quantitativa do conteúdo de cinco contas de eco-influenciadoras do Reino Unido, Estados Unidos, Bélgica, Espanha e Peru, a investigação revela dados fundamentais sobre a dinâmica do envolvimento destes criadores de conteúdo, contribuindo para a teoria do capital social ao demonstrar como os conteúdos pessoais e os apelos emocionais não só aumentam a autenticidade como também afetam a forma como os influenciadores se envolvem com o seu público. Esta combinação de conteúdos pessoais e ativistas mostra que o capital social dos influenciadores é um fator-chave na promoção de questões ambientais, embora com uma tendência para dar prioridade à personalidade do influenciador em detrimento da sua mensagem ativista.