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Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.spe  Braga jun. 2025  Epub 24-Abr-2025

https://doi.org/10.17231/volesp(2025).5761 

Varia

Fabulações do Antropoceno em Playlists de Dark Ambient no YouTube

Marcelo Bergamin Conteri  , Concetualização, análise formal, aquisição de financiamento, investigação, metodologia, supervisão, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-1413-8903

Ana Christina Cruz Schittlerii  , Análise formal, curadoria dos dados, investigação, redação do rascunho original
http://orcid.org/0009-0000-3674-5061

Paulo Henrique Costa Albaniiii  , Análise formal, curadoria dos dados, investigação, redação do rascunho original
http://orcid.org/0009-0007-6850-2727

i Departamento de Comunicação, Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

ii Departamento de Artes Visuais, Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

iii Instituto Federal do Rio Grande do Sul, Alvorada, Brasil


Resumo

Encontram-se no YouTube diversas playlists de dark ambient apocalíptico, produzidas por músicos amadores. Na trilha visual, imagens estáticas ou gifs animados apresentam cidades em ruínas, geralmente sem presença humana. As peças musicais que integram a trilha sonora são compostas por meio de software de edição de áudio, compondo a textura sonora por meio de drones graves, pouca variação dinâmica e melódica e ausência de elementos percussivos. Se Murray Schafer (1977/2001) chamava atenção para a poluição sonora que acometia o tempo presente, aqui provocamos de forma diferente: como os sons das playlists de dark ambient apocalípticas imaginam o porvir? Que fabulações de futuro emergem dessas expressões artísticas? Partimos da premissa de que nestas expressões não constam respostas para as catástrofes que virão - pelo contrário, elas expressam a complexidade do tempo presente em nossa incapacidade de lidar com elas. Propomos observar a produção sígnica que decorre destas relações materiais. O nosso método de análise observa os comentários postados pelos usuários nas playlists publicadas no YouTube. Os comentários expressam afetos dos espectadores das playlists, que se sentiram impelidos a compartilhar sua experiência particular de escuta. Por vezes, expressam que as músicas lhes geraram sensação de solidão, ou de melancolia, ou até sensações contraditórias como alegria e tristeza ao mesmo tempo; em outras, conectam a experiência audiovisual com momentos passados da própria vida. Compreendemos o agenciamento criado pela soma dos comentários, do vídeo e das sonoridades como escutas expandidas, isto é, produção de comunicação, de signos que fabulam distopias do passado, presente e futuro em conexão com a temática do antropoceno.

Palavras-chave: fabulação; dark ambient; semiótica; YouTube; antropoceno

Abstract

YouTube hosts numerous dark ambient apocalyptic playlists created by amateur musicians. These playlists often feature static images or animated GIFs depicting ruined cities, typically devoid of human presence. The accompanying soundtracks, produced using audio editing software, are characterised by low-pitched drones, minimal dynamic and melodic variation, and an absence of percussive elements. While Murray Schafer (1977/2001) highlighted the problem of noise pollution in contemporary society, we pose a different question: how do the sounds of apocalyptic dark ambient playlists imagine the future? What fabulations of the future emerge from these artistic expressions? We argue that these works do not offer solutions to impending catastrophes; rather, they reflect the complexity of the present and our inability to confront it. We propose to examine the production of signs arising from these material relationships. Our analysis focuses on user comments on these YouTube playlists, which reveal the affective responses of listeners compelled to share their listening experiences. Some describe feelings of loneliness, melancholy, or paradoxical emotions such as simultaneous joy and sadness, while others relate the audiovisual experience to personal memories. We conceptualise the interaction between the comments, visuals, and sounds as expanded listening, that is, a communicative process that generates signs and constructs dystopias of the past, present, and future in relation to the anthropocene.

Keywords: fabulation; dark ambient; semiotics; YouTube; Anthropocene

1. Introdução

O período da pandemia de COVID-19 e a necessidade de reclusão que nos forçou a estudar e trabalhar em casa por horas a fio, diante de nossos computadores e celulares, causaram diversas mudanças de comportamento. Em especial, para o que interessa no presente texto, afetou algumas práticas de escuta musical. Na tentativa de tornar o ambiente de trabalho/estudo caseiro mais acolhedor, recorreu-se a playlists publicadas no YouTube por usuários muitas vezes anônimos. Diante disso, desenvolvemos uma pesquisa que observou playlists de longa duração do YouTube, alinhados à ideia de música ambiente como um conceito amplo, para além do gênero ambient music (Eno, 1978), na intenção de compreender os processos de significação que estão ocorrendo neste contexto de escuta musical contemporâneo. Fazemos esta aproximação especialmente a partir das notas de encarte do disco Ambient 1: Music For Airports (Ambiente 1: Música Para Aeroportos), de Brian Eno (1978), para quem a “ambient music deve ser capaz de acomodar vários níveis de atenção sem forçar nenhuma deles em particular; ela deve ser tão ignorável quanto interessante” (para. 5).

Dentre os vários gêneros que circularam neste período, o dark ambient nos despertou curiosidade. Há diversos elementos sonoros nas músicas desse gênero que correspondem às três qualidades recorrentes da ambient music elencadas por Adkins (2019): fragilidade, ruído e atmosfera. Em síntese, o autor sugere que um dos diferenciais da ambient music é a presença de sons residuais da reprodução fonográfica de mídias analógicas, como ruídos de fitas magnéticas gastas e discos de vinil arranhados. Já as peças de dark ambient que investigamos são compostas por meio de software de edição digital, compondo a textura sonora por meio de drones graves, pouca variação dinâmica e melódica e ausência de elementos percussivos. Há também a inserção de ruídos que parecem saídos de filmes de terror ou de ficção científica, o que explica a adição do adjetivo “dark” (sombrio). As playlists que se encontram no YouTube contam com peças instrumentais de longa duração, intensificando o clima de desolação: por vezes, utilizam-se imagens de cidades formadas na era da União Soviética, situadas em regiões inóspitas devido ao frio extremo, ou ainda imagens similares que remetem ao imaginário que vem sendo criado diante das especulações do antropoceno1 (Moore, 2016/2022), do capitalismo tardio e da precarização do trabalho (Crary, 2013/2016). Trata-se de material publicado a partir de 2020, contendo títulos como You’re the Last Person on Earth During Nuclear Winter (Playlist) - Você É a Última Pessoa na Terra Durante um Inverno Nuclear (Playlist); Figura 1; Nuclear Winter (Multiple Dark Ambient Hours) - Inverno Nuclear (Várias Horas de Dark Ambient), Figura 2; Lost in an Empty Place | Dreamcore, Emptycore Playlist (Perdido em um Espaço Vazio | Playlist de Dreamcore, Emptycore; Figura 3); ou Ground Zero | 2 Hours Post Apocalyptic Lo-Fi Dark Ambient Mix (Marco Zero | 2 Horas de Dark Ambient Lo-Fi PósApocalíptico”; Figura 4). Nota-se pelas imagens a recorrência de prédios abandonados, cidades esvaziadas e clima adverso (neve severa, tempestades, etc.).

Fonte. Retirado de You’re the Last Person on Earth During Nuclear Winter (Playlist) [Vídeo], por nobody [@nobodyplaylists], 2022, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=R9mQ-yXtl04)

Figura 1 You’re the Last Person on Earth During Nuclear Winter 

Fonte. Retirado de Nuclear Winter (Multiple Dark Ambient Hours) [Vídeo], por Iron Cthulhu Apocalypse [@IronCthulhuApocalypse], 2019, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=cRzQuPvLjdU)

Figura 2 Nuclear Winter (Multiple Dark Ambient Hours) 

Fonte. Retirado de Lost in an Empty Place | Dreamcore, Emptycore Playlist [Vídeo], por m3ta [@m3ta_], 2022, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=ZYjFf0H_9aw)

Figura 3 Lost in an Empty Place | Dreamcore, Emptycore Playlist 

Fonte. Retirado de Ground Zero | 2 Hours Post Apocalyptic Lo-Fi Dark Ambient Mix [Vídeo], por Forgotten Dawn [@ForgottenDawn], 2020, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=luQsVA3E5PE)

Figura 4 Ground Zero | 2 Hours Post Apocalyptic Lo-Fi Dark Ambient Mix 

Estes casos despertaram curiosidade, pois em oposição ao que proporcionam outros gêneros de música de fundo que são populares no YouTube, como o lo-fi hip hop (Landarini, 2021; Winston & Saywood, 2019), o dark ambient não oferece escapismo - ao invés disso, desenvolve um mergulho sonoro e visual que sugere ao ouvinte fabulações de futuros, presentes e passados distópicos, valendo-se de sonoridades que intensificam essas reflexões, tais como drones de frequência grave e ruídos que remetem a ferros sendo retorcidos.

As playlists de dark ambient também chamam a atenção por criarem um ponto de vista ao ouvinte (“você é a última pessoa da Terra durante um inverno nuclear”). Parece estar se formando aqui um outro modo de escuta de ambient music, resguardando similaridades com a que foi proposta por Brian Eno (2013): “imersão era realmente o ponto: estávamos fazendo música para nadar, para flutuar, para nos perdermos por dentro” (p. 95). Especificamente no caso de Music For Airports, ele queria fazer

um tipo de música que prepara você para a morte - que não fica toda animada e alegre e finge que você não está nem um pouco apreensivo, mas que faz você dizer para si mesmo: “na verdade, não é grande coisa se eu morrer”. (p. 96)

Conscientes da potência semiótica das obras mapeadas, propomos investigar as interpretações que os usuários realizam na escuta de playlists de dark ambient, manifestando-as em forma de comentários publicados nas páginas do YouTube onde estes materiais estão disponibilizados. Temos como objetivo compreender as semioses afetivas das sonoridades que decorrem do dark ambient contemporâneo por meio de escutas expandidas (Lucas, 2022), bem como reconhecer signos de fabulações distópicas, que emergem em tais escutas, traduzidas na forma de comentários, utilizando como referência as matrizes da linguagem do pensamento de Santaella (2019). Partimos da premissa de que nas escutas expandidas de dark ambient expressas nos comentários do YouTube não constam respostas para as catástrofes climáticas - mas expressam-se ali a complexidade do tempo presente e a nossa incapacidade de lidar com as catástrofes, o que pode contribuir para lidarmos afetivamente com as condições que o antropoceno está impondo ao planeta. A seguir, apresentamos os procedimentos metodológicos e o arcabouço teórico, para em seguida discutir a análise do corpus.

2. Escutas Expandidas, Matrizes Semióticas e Etnografia Digital

Propomos observar a produção sígnica que decorre das relações materiais estabelecidas entre as playlists de dark ambient, a interface do YouTube e o que seus ouvintes/ usuários expressam na secção de comentários, por meio de duas etapas metodológicas: a primeira, apoiada na etnografia digital, lida com a seleção e mapeamento dos comentários; a segunda, apoiada na semiótica, une o conceito de “escutas expandidas” de Lucas (2022) com as matrizes semióticas do pensamento de Santaella (2019).

A etnografia digital é entendida como uma descrição de indivíduos, grupos ou culturas em seu próprio ambiente, em um longo período (Skågeby, 2010). Inspirados pela dissertação de Taís Severo (2020) e sua incursão pelos embates entre os públicos trans no Reddit, apoiamo-nos na etnografia digital, na condição de lurkers, ao observar as interações nos comentários das playlists estudadas. Inspirando-se em Hine (2000), Severo (2020) propõe que na etnografia digital “o pesquisador não deve nem aceitar os textos como verdade direta, nem dispensá-los como relatos distorcidos. Ao contrário, precisa usar sua competência para interpretar os textos como artefatos culturais pertencentes a um contexto” (p. 125). Reconhecemos, ainda, que algoritmos, regras e mesmo proprietários de canais do YouTube estabelecem padrões para que certos comentários ganhem mais evidência que outros: há a possibilidade de criar filtros para excluir palavras obscenas, posicionamentos políticos, palavras-chave, dentre outras opções, fazendo com que certos comentários fiquem à espera de aprovação antes de serem publicados (YouTube Help, s.d.). Tais decisões, no entanto, não recaem integralmente no arbítrio do “emissor” - isto é, do proprietário do canal ou dos programadores do YouTube -, pois as decisões que estes tomam quanto ao que pode ou não passar pelos filtros é influenciada por uma ideia média sobre como a opinião pública reagiria, dependendo do enfoque ou grau de intensidade dos filtros. A perspectiva da etnografia digital, por fim, valida estes comentários, que são a expressão de uma comunidade virtual de pessoas anônimas, de diferentes nacionalidades e perspectivas, que aprova ou reprova os comentários uns dos outros por meio dos botões “gostei” e “não gostei”, bem como respondendo aos comentários.

Com isso em mente, partimos para a segunda etapa, a de consolidar um método para analisar os comentários selecionados, partindo do conceito de “escutas expandidas”, conforme proposto por Lucas (2022). Em sua tese, o autor destaca que não temos acesso a cada escuta individualizada a não ser quando traduzida em outros signos, sejam eles verbais, visuais ou de outra qualidade. Logo, a percepção que temos dessas experiências é construída por meio dos signos que se manifestam no conjunto gerado pelo contexto da obra e pela produção de significados realizada por mentes intérpretes geradoras de interpretantes. “Se uma escuta se torna comunicável, é porque podemos também investigar a produção dessa comunicabilidade” (Lucas, 2022, p. 15).

Sendo assim, é por meio dos comentários publicados pelos usuários do YouTube que investigamos os interpretantes produzidos pela escuta desses sons. Buscamos compreender as singularidades que emergem dessas experiências, levando em conta que cada escuta de dark ambient se encontra imersa em um território específico, explorando subjetividades na construção sonora, mas reconhecendo que a escuta e suas significações se fazem coletivamente. Apesar de publicados utilizando-se de pseudônimos, borramos seus nomes das imagens que extraímos do YouTube de modo a preservar a identidade dos usuários.

Ainda conforme Lucas (2022), cabe reconhecer que os comentários dos usuários se apresentam como traduções da escuta, e não transmissões da escuta. Com isto, o autor quer dizer que não é possível termos acesso à escuta de outra pessoa, somente aos signos dessa escuta.

Finalmente, para interpretar tais comentários como o resultado e o elo de uma cadeia de tradução, e perceber quais são as qualidades, formas ou leis que regulam sua maneira de ser, inspiramo-nos na esquematização das três matrizes da linguagem e pensamento propostas por Santaella (2019), para compreender como se organizam os comentários. Santaella divide-as em sonora, visual e verbal, nas quais reconhece, respectivamente, o predomínio de signos em primeiridade, secundidade e terceiridade. Assim, reconhecemos que há nas trilhas musicais instrumentais que compõem as playlists, devido à sua natureza sonora, a capacidade de surpreender, de sensibilizar, de desenvolver qualissignos; já na trilha visual, há sinsignos que remetem diretamente ao imaginário dos futuros distópicos, das ficções científicas e especulativas, devido à sua natureza visual; finalmente, será por meio da matriz verbal que compreenderemos os signos que emergem dos comentários, pois estes, como já dissemos, apresentam-se como a expressão de escutas expandidas, resultantes da relação estabelecida entre mentes interpretantes e material audiovisual, onde reconhecemos o predomínio dos legissignos, dos argumentos, das narrativas, das fabulações distópicas. São, portanto, traduções da escuta em texto escrito.

Assim como ocorre na obra de Peirce (2017), nas matrizes de Santaella (2019), de cada elemento que forma uma tríade uma tríade secundária se forma e assim sucessivamente. A matriz verbal, por sua vez, abre-se em descrição, narração e dissertação.

A descrição na matriz verbal é “pura e simples indicação daquilo que aparece de uma coisa, das notas que por si mesmas se revelam algo” (Mora, 1969, como citado em Santaella, 2019, p. 292). Existe aqui um tratar das qualidades, um aprofundamento no objeto em si. Já a narração,

em discurso verbal se caracteriza como o registro linguístico de eventos ou situações. Mas só há ação onde existe conflito, isto é, esforço e resistência entre duas coisas: ação gera reação e inter-ação germina o acontecimento, o fato, a experiência. (Santaella, 2019, p. 322)

Pode entender-se a narração como os acontecimentos seguidos entre si, ligados no agora ou no devir. A dissertação apresenta o campo das formulações ancoradas por uma lei no verbal, elas necessitam de um devir-criativo, da capacidade de concatenação das ideias, descrições, narrativas: envolve uma semiose constante com o raciocínio, uma mesclagem com a descrição e narrativa; aqui se padronizam os conceitos de facto como universais. Na matriz verbal de Santaella (2019), não existe um melhor agrupamento de categorias e subcategorias que levam o raciocínio e o tratamento dos signos de terceiridade ao limite que o agrupamento dissertativo.

É por meio destas categorias da matriz verbal que analisamos as traduções da escuta expressas nos comentários. Mas antes é preciso situar as questões políticas, culturais, históricas e de pensamento que estão permeando os processos fabulatórios de tais comentários, como veremos a seguir.

3. Antropoceno e Fabulações Distópicas

O antropoceno representa uma possível nova era que compreende a humanidade como um agente geológico. Apesar dos dissensos no entendimento sobre quando deve ser o marco temporal2, vamos abordar o antropoceno como um conceito guarda-chuva para pensar sobre todas essas alterações que dizem respeito às mudanças climáticas. Com frequência, somos relembrados de tais mudanças em noticiários, documentários, filmes de ficção científica, mas na maior parte das vezes a perspectiva é demasiado ancorada no pensamento corporativista e conservador. Stengers e Pignare (2005) comentam que o capitalismo é uma espécie de cosmopolítica que captura a potência de pensar e agir por conta própria. Na televisão, nos acordos internacionais (como o acordo de Paris de 2015 - COP 21 e as publicações do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas; gov.br, s.d.), o tempo das catástrofes está sempre projetado em um futuro que nunca chega - quando acontece no presente, é compreendido como uma amostra do que vem por aí, mesmo que seja bastante evidente que já estamos vivenciando a tragédia anunciada, se considerarmos o aumento de intensidade das enchentes, queimadas, desertificações, epidemias, entre outros.

Donna Haraway (2016/2023) critica o termo “antropoceno”, pois este credita a responsabilidade da crise ambiental global a todos os humanos e a autora considera que deveria ser direcionado a determinados grupos sociais, no caso, os mais privilegiados e poderosos. Destaca ainda que o termo confere uma visão centrada no Homem, na qual este seria o principal agente da mudança do planeta, fato que a autora desconsidera, já que relaciona a transformação com interações complexas entre humanos e não-humanos, ecossistemas e outras espécies.

A autora propõe, ainda, a importância das fabulações diante deste contexto, ao permitirem perceber o mundo de uma forma diferente, mais sensíveis aos agentes não-humanos e mais-que-humanos que coabitam o planeta (Haraway, 2016/2023). A maneira de contar histórias ao mundo ajuda a fabricar esse mundo, o que a autora relaciona com o conceito de “simpoiese” - a produção de mundo contínua, alianças, composições de mundo, devir “com”, na presença de outros, junto com outros, nunca sozinhos.

Diante disso tudo, Haraway (2016/2023) introduz o conceito de “chtulhuceno”, propondo resistir ao cinismo e derrotismo que marcam o antropoceno e o capitoleceno, uma vez que se sabemos quem agiu (antropos/capitalismo), sabemos o que pode ser feito. Chtulhuceno traz menção a povos não modernos, povos indígenas, seres da ficção (em especial tentaculares e habitantes do submundo, micorrizodais), permanência de seres em lugares inóspitos, relação com outros seres de dependência, ficção científica, fatos científicos, imaginações, outras possibilidades de composição.

Nos parece, de saída, que as playlists de dark ambient que mapeamos no presente texto operam partindo de propostas similares às de Haraway (2016/2023). Mais especificamente, as fabulações das playlists nos remetem ao seu conceito de SF, que abrange vários conceitos: science fiction (ficção científica), string figures (figuras de corda), speculative fabulation (fabulações especulativas), entre outros. Este conceito questiona as fronteiras entre a realidade e a ficção, as relações entre humanos e não-humanos e as construções que moldam essas relações com a tecnologia, além de desenvolver uma visão crítica de problematizações e desafios perante o pragmatismo que envolve o dark ambient e as normas já “estabelecidas” no modo de escuta, oferecendo uma reflexão crítica sobre as relações de poder e as possibilidades de transformação social. Vejamos, a seguir, que narrativas do antropoceno surgem nos comentários dos usuários.

4. Fabulações Distópicas em Escutas Expandidas de Dark Ambient

A análise incidiu nos comentários que encontramos em nossa etnografia digital, realizada nas playlists dos vídeos Nuclear Winter (Multiple Dark Ambient Hours), Songs for an Empty World3(Músicas Para um Mundo Esvaziado) e You’re the Last Person on Earth During Nuclear Winter (Playlist). Inspirados na matriz semiótica do pensamento de Santaella (2019), com destaque para a matriz verbal, construímos uma estrutura semelhante para analisar os processos de fabulação que se desenvolvem nos comentários publicados em vídeos de dark ambient.

Como veremos, há fabulações que se arranjam pela iconicidade, cuja classe denominamos “descrições fabulatórias”; outras, por meio da indicialidade, “narrativas fabulatórias”; e, finalmente, por meio do simbólico, “dissertações fabulatórias”. Cabe destacar que nenhum comentário analisado será unicamente descritivo, narrativo ou dissertativo. Primeiro, porque essas categorias são acumulativas: a dissertação contém descrição e narração; a narração, por sua vez, contém descrição; segundo, porque os comentários, como veremos, oscilam entre essas categorias.

A seguir, organizamos os comentários partindo daqueles em que as descrições são o elemento mais relevante da tradução da escuta, em seguida, progredimos para aqueles em que predominam a narração e, finalmente, a dissertação. As descrições fabulatórias guardam semelhança àquelas compreendidas por Santaella (2019) em todas as modalidades e submodalidades semióticas que tratam do qualissigno, do icônico, do remático, tendo-se em mente que integram a matriz verbal, ou seja, são traduzidas e descritas textualmente. A ênfase nas descrições é sempre uma tentativa de expressar sensações, emoções e surpresas que se formalizaram na relação do ouvinte com as playlists de dark ambient. Como podemos ver nos comentários a seguir (Figura 5 e Figura 6), um clima de tristeza ou melancolia evocado pelas peças sonoras das playlists geram um efeito positivo em vários ouvintes.

Fonte. Retirado de You’re the Last Person on Earth During Nuclear Winter (Playlist) [Vídeo], por nobody [@nobodyplaylists], 2022, YouTube.(https://www.youtube.com/watch?v=R9mQ-yXtl04) Nota. Tradução: “Às vezes é bom ouvir essas playlists melancólicas que são mais calmantes do que deprimentes”.

Figura 5 Às vezes é bom ouvir... 

Fonte. Retirado de You’re the Last Person on Earth During Nuclear Winter (Playlist) [Vídeo], por nobody [@nobodyplaylists], 2022, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=R9mQ-yXtl04) Nota. Tradução: “Prefiro música ambiente ‘triste’. Música excessivamente alegre não é calmante para mim - parece falsa de certa forma. Isso é lindo, obrigado”.

Figura 6 Prefiro música ambiente “triste” 

Há diversos comentários como estes, em que os usuários traduzem suas reações emotivas, mas sem estabelecer aí uma relação explícita entre tais emoções e as temáticas apocalípticas das playlists, o que nos indica a necessidade de futuras investigações sobre este tema, pois parece se tratar de um sintoma dos desafios do tempo presente. Para este trabalho, interessam-nos aqueles em que questões relativas à temática do antropoceno aparecem de forma mais clara textualmente. Nossa expectativa era a de encontrar comentários descrevendo ou discutindo as propriedades sonoras das peças musicais, no entanto o que se encontra em abundância são comentários que ou expressam o que o usuário sente ao ouvir ou fabulam distopias, como veremos a seguir.

Outra descoberta curiosa foi que a trilha visual chama bastante a atenção de muitos dos usuários, a ponto de haver uma quantidade significativa de comentários que fazem referência apenas às imagens (Figura 7). No senso comum, espera-se certo desinteresse por elas, visto que essas playlists muitas vezes são utilizadas como som de fundo enquanto se realizam outras tarefas.

Fonte. Retirado de Nuclear Winter (Multiple Dark Ambient Hours) [Vídeo], por Iron Cthulhu Apocalypse [@IronCthulhuApocalypse], 2019, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=cRzQuPvLjdU) Nota. Tradução: “Eu amo lugares desolados por algum motivo, são confortáveis para mim, já que não sobrou mais nada, posso apenas sentar e apreciar a paisagem”.

Figura 7 Eu amo lugares desolados... 

Mais uma vez, nota-se a contradição em sentir prazer diante de imagens de desolação. Além de casos como os três mencionados, que são comentários curtos, há outros casos em que os usuários produzem comentários mais longos (Figura 8), já tentando enunciar observações mais complexas.

Fonte. Retirado de You’re the Last Person on Earth During Nuclear Winter (Playlist) [Vídeo], por nobody [@nobodyplaylists], 2022, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=R9mQ-yXtl04) Nota. Tradução: “Esta é uma música atmosférica irreal, com notas de desespero, com notas de tristeza, mas ao mesmo tempo esperança, que se amontoa nos corações humanos das pessoas que ainda estão vivas na terra. Atualização: a propósito, esquecime de acrescentar que a música me lembrou o filme ‘Cartas de um Homem Morto’, a atmosfera lá é muito adequada”.

Figura 8 Esta é uma música atmosférica... 

O autor do comentário começa expressando sensações conflitantes, ora desespero e tristeza, ora esperança na humanidade, e encerra relacionando a atmosfera da playlist com a do filme Cartas de um Homem Morto (de Konstantin Lopushansky, 1986), um filme soviético que imagina um futuro distópico após conflitos nucleares, tendo assim claras semelhanças com a proposta da obra analisada.

Nos comentários da Figura 9, nota-se novamente uma expressão contraditória de sentimentos, pois o autor do comentário descreve, de um lado, sensações de melancolia e desespero, mas, de outro, uma estranha beleza diante da desolação, uma perspectiva espinosista (Spinoza, 1677/2017) que reconhece o medo como uma paixão alegre.

Fonte. Retirado de Nuclear Winter (Multiple Dark Ambient Hours) [Vídeo], por Iron Cthulhu Apocalypse [@IronCthulhuApocalypse], 2019, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=cRzQuPvLjdU) Nota. Tradução: “Essa música ressoa comigo em um nível visceral, despertando emoções de amarga melancolia e desespero. As melodias assustadoras e as paisagens sonoras etéreas me transportam para um mundo pós-apocalíptico que é tão bonito quanto devastadoramente sombrio. Quase posso ver o mundo ao meu redor desmoronando e decaindo, deixando para trás apenas ruínas e desespero. Enquanto ouço os sons tristes, posso sentir os ventos fortes soprando pela paisagem árida, carregando consigo as cinzas do que já foi. O mundo ao meu redor é um deserto desolado, onde a esperança é um bem escasso e a sobrevivência é uma luta constante. No entanto, mesmo enquanto testemunho as ruínas da civilização, há um estranho tipo de beleza a ser encontrado na decadência. O metal enferrujado e o concreto quebrado que cobrem a paisagem evocam uma sensação de nostalgia por um mundo que foi perdido para sempre. Esta música é uma prova do poder do som para evocar uma sensação de imagem visual e nos transportar para um mundo que existe apenas em nossa imaginação. É um mundo de amarga beleza e duras realidades, onde cada momento é uma luta para sobreviver. Ao ouvir essa música, lembro-me de que, mesmo em meio ao amargo desespero, ainda há algo pelo qual vale a pena lutar, um vislumbre de esperança que brilha na escuridão. E por isso sou grato, mesmo enquanto sou consumido pela doçura amarga desta jornada assombrosa e evocativa”.

Figura 9 Essa música ressoa comigo... 

Não há aí, ainda, a construção de uma narrativa sequencial, de causa e efeito, apenas uma composição de elementos qualitativos, como seria de se esperar de descrições. O agrupamento destes elementos sígnicos permite ao leitor estabelecer relações e, com isso, fabular. Encontramos muitos casos similares, em que usuários fazem desse ato seu ponto chave, dissecando um cenário por eles mesmos fabulado, se imaginando a caminhar por espaços e temporalidades fictícias. A partir dessas qualidades se formam as descrições.

O autor do comentário da Figura 9 faz reflexões acerca das sensações provocadas pelo som, que se aproximam do conceito de “espasmo” (Guattari, s.d, como citado em Berardi, 2020), quando aquele descreve o que se aproximaria de um fim do mundo, destacando sensações do que seria um colapso provocado pelo capitalismo, associando-o com destruição, sentimentos de desesperança e, paralelamente, propondo resistência a tudo isso. Para Berardi (2020), “[n]o espasmo, o som desmorona em ruído, em um emaranhado de vozes inaudíveis. E a música é a busca vibracional por uma conspiração possível que esteja além dos limites da ordem” (p. 143). Logo, podemos associar o espasmo ao comentário da Figura 9, em que persiste essa contradição entre o caos e o equilíbrio, por meio do resgate da esperança no meio da desordem, com as afirmações positivas que relacionam passado, presente e futuro.

Quando os comentários passam a imaginar narrativas a partir de sua experiência de escuta, as descrições irão operar como uma sequencialidade para melhorar ou ancorar o andamento dos “planos”, “quadros”, “momentos” desta narrativa específica. Interessa reconhecer a capacidade dos ouvintes de elaborar narrativas que são traduções da escuta das playlists, em alguns casos até mesmo fazendo referência ao fazer narrativo de outras linguagens, como o cinema de ficção. O comentário da Figura 10 exemplifica bem a questão.

Fonte. Retirado de You’re the Last Person on Earth During Nuclear Winter (Playlist) [Vídeo], por nobody [@nobodyplaylists], 2022, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=R9mQ-yXtl04)

Nota. Tradução: “Foi exatamente isso que senti enquanto morava na Rússia. Manhã. Muita neve, muito frio. Você está sozinho com sua mochila velha, indo para a escola pelas ruas. Solidão. A única pessoa que você pode ver é um avô triste consertando seu Volga, Niva ou algum outro carro soviético. A tristeza e o cansaço em seus olhos, as coisas pelas quais ele passou. O mundo se sente tão deprimido, você percebe como nossas vidas são curtas. Você ouve a mãe de alguém gritando a seus filhos para que acordem. O som está vindo por uma janela então não é muito nítido. Você finalmente chega na escola e estuda enquanto assiste a cidade acordando lentamente através da neve. O mesmo ocorre à noite, mas você consegue ver as janelas das pessoas naqueles prédios soviéticos altos. Todos estão cansados, vendo televisão, bebendo chá ou algo do tipo. Você pensa novamente na vida, sobre todas as suas decisões e sobre o futuro”.

Figura 10 Foi exatamente isso... 

Essa narrativa apresenta um certo grau de cinematismo (Eisenstein, 2002): o trecho que observa “tristeza e cansaço” nos olhos, por exemplo, insinua um plano de detalhe. Há uma dimensão descritiva cumulativa, como ocorre em todo fenômeno semiótico, mas aqui nota-se uma predominância do caráter narrativo sobre o descritivo.

Nos chamou atenção também o fato de a narrativa propor a descrição de uma experiência pessoal passada. No comentário da Figura 10, imagina-se um senhor soviético “triste”, que conserta seu antigo carro. Urge no autor do comentário a necessidade de fabular um evento ordinário que ocorre em tempos passados.

Mais comum do que fabulações derivadas de imagens do passado são narrativas que imaginam tempos distópicos e apocalípticos, geralmente projetando futuros desoladores (Figura 11).

Fonte. Retirado de Nuclear Winter (Multiple Dark Ambient Hours) [Vídeo], por Iron Cthulhu Apocalypse [@IronCthulhuApocalypse], 2019, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=cRzQuPvLjdU) Nota. Tradução: “Você se senta, limpa a poeira enquanto olha em volta. Tudo está feito em pedaços. Todas as coisas que você amou e construiu memórias se foram. Ao olhar para longe, você não verá nada além de cinzas e prédios destruídos. Mas você não pode se livrar desse sentimento de que não está sozinho. Que você não está seguro. Como isso aconteceu. Sentindo-se atordoado e enjoado, você se senta. Deixando o frio envolver seu corpo, enviando calafrios diretos para o seu núcleo. Você sentiu como se sua mente estivesse levando o melhor de você quando começou a ouvir sons leves de gritos. Foi isso, o que devo fazer, como saio, o que há por aí. De repente, recebendo essa nova energia, você se levanta e começa a andar sem se importar para onde estava indo. Você anda por horas e horas sentindo como se estivesse andando em círculos. Você estava desidratado e cansado, mas continuou. Com o passar dos minutos, você foi perdendo toda a sua energia e força. Você cai no chão em puro desespero. Querendo água, querendo comida. Mas você sabia que não conseguiria. Você tentou se levantar, mas não conseguiu. Com seu último suspiro, você olhou para o céu que uma vez amou e cuidou. Agora cinza e desolado. Fechar os olhos deixando a escuridão te envolver. Obrigado por ler :)”.

Figura 11 Você se senta... 

O futuro aqui fabulado é detalhadamente descrito, através da referência a “cinzas e prédios destruídos”, mas antes importa assinalar um prédio que é visto, ou até um caminho a se seguir sem muito objetivo em um mundo destruído, cinza, vazio. Em outro comentário similar (Figura 12), o autor do comentário dirige-se ao leitor como se este compartilhasse da fábula distópica, novamente com um certo grau de cinematismo.

Fonte. Retirado de Nuclear Winter (Multiple Dark Ambient Hours) [Vídeo], por Iron Cthulhu Apocalypse [@IronCthulhuApocalypse], 2019, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=cRzQuPvLjdU) Nota. Tradução: “Transmissão desconhecida recebida/Reproduzindo mensagem/- DATA LOCAL 31 DE JANEIRO DE 2091 DC /- ok, testando, testando, essa coisa está ligada? Ok. Atualmente estou localizado no 27.º Bunker de Emergência e consegui reunir o equipamento para enviar esta mensagem. O mundo está atualmente em um estado terrível, pois parece que a guerra nuclear destruiu a maior parte da humanidade. Estou tentando desesperadamente encontrar qualquer pessoa sobrevivente e consegui entrar em contato com você. Tenho certeza de que você está lutando para sobreviver tanto quanto eu e, portanto, fornecerei instruções. Se houver uma estação meteorológica perto de sua localização, vá até lá e ative o Farol de Emergência, irei até lá e irei ajudá-lo, este é um momento desesperador de crise. Por favor, se alguém estiver por aí, ouça esta mensagem e esperamos ter uma chance melhor de sobrevivência. Obrigado e até lá”.

Figura 12 Transmissão desconhecida recebida... 

Os próximos comentários (Figura 13, Figura 14, Figura 15, Figura 16, Figura 17 e Figura 18) apresentam uma predominância de dissertações fabulatórias. Temos então análises, críticas e argumentos sobre as catástrofes, mas que começam a se afastar da mera descrição ou narrativa inspirada a partir das playlists. Ou seja, quanto mais os ouvintes se dirigem para a simbolização em seus comentários, mais se afastam das sensações evocadas pela escuta propriamente dita, indo em direção a uma discussão sobre o papel da humanidade na Terra.

Fonte. Retirado de You’re the Last Person on Earth During Nuclear Winter (Playlist) [Vídeo], por nobody [@nobodyplaylists], 2022, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=R9mQ-yXtl04) Nota. Tradução: “Eu penso: é porque nossa geração nasceu em um mundo onde o capitalismo venceu. Nossas vidas não têm absolutamente nenhum outro sentido além de consumir e nosso futuro é quase certo, termina em uma guerra devastadora. Nós não percebemos isso. Nós sentimos isso”.

Figura 13 É porque nossa geração... 

Fonte. Retirado de Nuclear Winter (Multiple Dark Ambient Hours) [Vídeo], por Iron Cthulhu Apocalypse [@IronCthulhuApocalypse], 2019, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=cRzQuPvLjdU) Nota. Tradução: “Espero que a humanidade experimente isso em breve. Hora de deixar o mundo se renovar sem que um parasita tão destrutivo o habite!”.

Figura 14 Espero que a humanidade... 

Fonte. Retirado de Nuclear Winter (Multiple Dark Ambient Hours) [Vídeo], por Iron Cthulhu Apocalypse [@IronCthulhuApocalypse], 2019, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=cRzQuPvLjdU) Nota. Tradução: “Creio que falta pouco para que nossa sociedade mude de uma forma radical e desconhecida”.

Figura 15 Creio que falta... 

Fonte. Retirado de Nuclear Winter (Multiple Dark Ambient Hours) [Vídeo], por Iron Cthulhu Apocalypse [@IronCthulhuApocalypse], 2019, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=cRzQuPvLjdU) Nota. Tradução: “Infelizmente, paz na Terra”.

Figura 16 Infelizmente... 

Fonte. Retirado de Nuclear Winter (Multiple Dark Ambient Hours) [Vídeo], por Iron Cthulhu Apocalypse [@IronCthulhuApocalypse], 2019, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=cRzQuPvLjdU) Nota. Tradução: “O que estamos fazendo para evitar isso? É mesmo possível fazê-lo? Ou este é um caminho que é inevitável devido a problemas de proliferação coincidentes com velhos - às vezes antigos - ressentimentos e animosidades culturais que levam inexoravelmente ao seu uso final? Alternativamente, os humanos podem descartar velhas interpretações culturais, religiosas, econômicas e políticas de nossa realidade global compartilhada em favor de algo mais compassivo e sustentável e em sincronia com as limitações da Terra? E se menos for mais?”.

Figura 17 O que estamos fazendo... 

Fonte. Retirado de Songs for an Empty World [Vídeo], por Cryo Chamber [@cryochamberlabel], 2020, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=f1tYe3TkhTc) Nota. Tradução: “Tão verdade. Destruiremos a vida aqui antes que um número suficiente de nós compreenda”.

Figura 18 Tão verdade... 

Parece haver em vários desses comentários um certo tom de autodepreciação, compreendendo nossa espécie como um grande parasita na Terra, cuja aniquilação irá restabelecer tempos pacificados para o planeta. Como acontece no comentário da Figura 19.

Fonte. Retirado de Nuclear Winter (Multiple Dark Ambient Hours) [Vídeo], por Iron Cthulhu Apocalypse [@IronCthulhuApocalypse], 2019, YouTube. (https://www.youtube.com/watch?v=cRzQuPvLjdU) Nota. Tradução: “A partir de hoje, estamos um passo mais perto do inverno nuclear. Esperamos que não seja assim”.

Figura 19 A partir de hoje... 

Destacamos nesses comentários associações advindas da escuta, que relacionam a ideia de fim do mundo à humanidade como principal agente, sugerindo que o apocalipse será resultado ora do capitalismo, ora do nosso parasitismo (extração descontrolada dos recursos naturais). No entanto, embora estes argumentos tomem forma em decorrência da escuta, expressam pouca ou até nenhuma relação direta com a música que integra a trilha sonora das playlists, em comparação com a descrição dos vídeos e as imagens na trilha visual.

De todo modo, essas provocações que se encaminham para um contexto hipotético permitem compreender que as preocupações levantadas pelos ouvintes direcionam para pontos em comum, que são a tradução de uma semiose da escuta coletiva e que se sobrepõe às outras expressões de escuta expandida que vimos anteriormente (a descrição e a narrativa fabulatória), conectando sensações a processos de produção de significação.

5. Considerações Finais

Analisando os comentários antes destrinchados, é possível perceber modos diferentes de lidar com as temáticas sugeridas pelas playlists de dark ambient ou até com questões apocalípticas, como guerras mundiais e crises climáticas. Algo que vale frisar é que, nos comentários analisados, apresentam-se pelo menos duas maneiras de reagir diante de possíveis futuros distópicos: a “derrotista”, que encara os possíveis desastres como fatos consumados; e a “reativa”, que tenta formular linhas de fuga ou soluções para os problemas. É interessante apontar que essas linhas são contraditórias entre si, mas decorrentes da escuta de um mesmo material, o que demonstra a produção de semioses afetivas da música ambiente contemporânea em operação.

Ao nos propormos lidar com os comentários a partir de uma adaptação das matrizes da linguagem e do pensamento de Santaella (2019), a nossa expectativa era a de que os comentários fossem oferecendo progressivamente interpretações mais complexas das sonoridades. No entanto, o que acabou por se evidenciar foi outra situação: são raros os comentários que fazem observações analíticas sobre as trilhas musicais no nível dissertativo. Inversamente, quando os comentários versam sobre as sonoridades, raramente se aproximam de temáticas apocalípticas. Cabe salientar uma última vez que essas categorias não são rígidas e apartadas uma das outras: um mesmo comentário pode contar com todas as categorias acumuladas em si, pelo que interessou-nos reconhecer qual era a categoria predominante na tradução da escuta feita por cada comentarista. Como a análise evidenciou, as descrições fabulatórias apresentaram sensações, emoções e afetos que os sons sugerem aos ouvintes; as narrativas elaboraram cenários, espaços e estruturas urbanas imaginárias por meio do arranjo sequencial de descrições fabulatórias; e as dissertações elaboraram reflexões simbólicas sobre o futuro da Terra e da humanidade diante das catástrofes, por meio do acúmulo de narrativas e descrições rearranjadas como leis gerais. Nos casos em que há a predominância de interpretação de fenômenos em primeiridade e secundidade (descrição e narração), encontramos mais comentários pensando sobre as crises planetárias de forma reativa, enquanto no simbólico, os comentários pareceram tender mais para um posicionamento de que não há mais nada que se possa fazer para evitar as catástrofes que virão.

Boa parte dos comentários que têm predominância de narrativas fabulatórias pareceram evocar elementos comuns ao cinema de ficção científica. A possibilidade do fim do mundo, seja em um futuro distante ou próximo, pelos motivos mais variados, sejam totalmente ficcionais ou baseados em eventos verificáveis da natureza não provocados ou provocados pela humanidade, é um tema corriqueiro no universo das produções cinematográficas, como, por exemplo: Alien - O Oitavo Passageiro (Ridley Scott, 1979), Armageddon (Michael Bay, 1998), O Dia Depois de Amanhã (Roland Emmerich, 2004), 2012 (Roland Emmerich, 2009), Guerra dos Mundos (Byron Haskin, 1953) e séries como The Walking Dead (Frank Darabont, 2010) e The Last of Us (Bruce Straley e Neil Druckmann, 2013). Essa temática constante, muito provavelmente, influencia a percepção da escuta dessas playlists por parte dos usuários, pois proporciona uma simulação de trilha sonora extra diegética fílmica desses eventos distópicos para o próprio cotidiano do espectador das playlists. Além disso, a forma como o contexto é organizado nos comentários parece relacionar-se a uma sequência cinematográfica, como se descrevesse uma série de planos. Os diversos efeitos utilizados no gênero dark ambient, como drones, samples, entre outros, desenvolvem uma textura sonora, que estimula o suspense e a tensão, que é recorrente em filmes e séries de ficção científica. Com essas sonoridades representativas de suspense e terror já consolidadas no cinema, podemos pensar nos agenciamentos advindos dessas conexões entre o cinema de terror, o suspense e o dark ambient, pois músicos e usuários, provavelmente, tiveram a experiência cinematográfica previamente ao contato com o gênero musical, produzindo a associação de ambos.

Não é possível aferir com base no nosso método de pesquisa, mas nos parece que isto pode ser resultado de uma cultura de escuta funcionalista da música que vem tomando forma no YouTube, com playlists contendo títulos que indicam como as músicas devem ser consumidas (música para trabalhar, para relaxar, para dormir, para malhar, para estudar, etc., como bem se nota em playlists de lo-fi hip hop). Assim, títulos como You’re the Last Person on Earth During Nuclear Winter ou Songs for an Empty World, acompanhados de imagens como as que apresentamos no início deste artigo (Figura 1, Figura 2, Figura 3 e Figura 4) já direcionam o ouvinte para determinados significados.

Assim, os comentários analisados parecem elaborar-se a partir de hábitos anteriores de escuta, demonstrando como não há escuta isolada e individual, dado que esta sempre é resultado de hábitos culturais que perpassam as mentes interpretantes. Portanto, o ato de escutar se dá por meio de signos e resulta em signos: como conceituado por Lucas (2022), todos os comentários estudados são escutas expandidas.

Por fim, é importante ressaltar a associação intrínseca entre a música contemporânea, o antropoceno, as fabulações elaboradas pela ficção científica e as múltiplas formas de afetos percebidos por meio das escutas das playlists e dos relatos presentes nos comentários analisados. Compreendemos que, provavelmente, muitos dos autores dos comentários não têm conhecimento do conceito de “antropoceno” e das mudanças de paradigma ontoepistemológicos nele implicadas, mas o resultado do agenciamento - promovido pela relação entre as playlists e a tradução da escuta em texto - expressam os sintomas denunciados pelo antropoceno como uma ferramenta teórico-especulativa para compreensão do mundo que habitamos e da forma como nele vivemos e nos expressamos.

Fabular, como vimos com Haraway (2016/2023), é também fabricar o mundo. Dessa forma, o dark ambient se revela uma poderosa forma de comunicação e expressão cultural, já que captura e comunica preocupações da sociedade moderna, desencadeando reflexões sobre o contexto atual e estimulando debates sobre as possíveis consequências que podem advir na hipótese de um futuro incerto. A relação que estabelecemos entre a semiótica, os afetos, a escuta expandida e o antropoceno fortalecem a necessidade de romper com a objetificação dos agentes não-humanos e de compreender a agência da semiose no aumento da razoabilidade concreta, na capacidade de os signos em primeiridade surpreenderem, arrebatarem, criarem sentido (Grupo de Pesquisa em Semiótica e Culturas da Comunicação, 2020). Sendo assim, é relevante considerar-se que a escuta desses sons desempenha um papel fundamental para que os sons do porvir possam ser outros, levando-nos a repensar as implicações e os desafios em relação ao fim dos tempos.

Agradecimentos

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul; Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Acknowledgements

Brazilian National Council for Scientific and Technological Development; Federal Institute of Education, Science and Technology of Rio Grande do Sul; Federal University of Rio Grande do Sul.

Referências

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1O termo “antropoceno” foi criado pelo biólogo Eugene F. Stoermert e tem circulado após o químico Paul Crutzen tê-lo recuperado, no intuito de reconhecer que a interferência humana na superfície terrestre é tal que teríamos ultrapassado o holoceno e adentrado uma nova era geológica, em que a humanidade seria o principal agente de mudança do clima e da geologia terrestre.

2Há disputas na academia quanto ao marco temporal desta suposta era, variando deste o sedentarismo (início das plantações) até os primeiros testes nucleares; há disputas também quanto ao nome da era: capitaloceno, chthuluceno, manthropocene (implicando a interferência do patriarcado) entre outros (cf. Moore, 2016/2022).

1Biologist Eugene F. Stoermer coined the term “anthropocene”. It has been widely used since chemist Paul Crutzen popularised it, aiming to acknowledge that human interference with the Earth’s surface has been so profound that we have moved beyond the holocene and entered a new geological era - one in which humanity is the primary driver of changes in the Earth’s climate and geology.

2There are debates in academia about the time frame of this era, ranging from sedentarism (the start of plantations) to the first nuclear tests. There are also disputes over its name, with terms like capitalocene, chthulucene, and manthropocene (highlighting the role of patriarchy) being proposed (cf. Moore, 2016/2022).

Recebido: 03 de Maio de 2024; Aceito: 19 de Dezembro de 2024

Marcelo Bergamin Conter é professor de Teorias da Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É doutor em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Email: marcelo.conter@ufrgs.br Morada: Av. Paulo Gama, 110 - Bairro Farroupilha - Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil. CEP: 90040-060

Ana Christina Cruz Schittler é bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Edital Instituto Federal do Rio Grande do Sul 12/2023). É graduada em Administração de Empresas/Análise de Sistemas - Faculdades Rio-Grandenses. É graduanda em Artes Visuais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Email: anacshtlr@gmail.com Morada: Paulo Gama, 110 - Bairro Farroupilha - Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil. CEP: 90040-060

Paulo Henrique Costa Albani é bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - Ensino Médio (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Edital Instituto Federal do Rio Grande do Sul 12/2023). É aluno de 4.º ano do Curso Técnico em Produção de Áudio e Vídeo no Instituto Federal do Rio Grande do Sul - Campus Alvorada. Email: paulo.albani@aluno.alvorada.ifrs.edu.br Morada: Rua Prof. Darcy Ribeiro, 121 - Campos Verdes, Alvorada - RS - Brasil. CEP: 94834-413

Translation: Anabela Delgado

Marcelo Bergamin Conter is a professor of Communication Theories at the Federal University of Rio Grande do Sul. He holds a PhD in Communication from the Postgraduate Programme in Communication at the same institution. Email: marcelo.conter@ufrgs.br Address: Av. Paulo Gama, 110 - Bairro Farroupilha - Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil. CEP: 90040-060

Ana Christina Cruz Schittler is a recipient of a scholarship from the Institutional Scholarship Programme for Scientific Initiation (National Council for Scientific and Technological Development, Federal Institute of Rio Grande do Sul Notice 12/2023). She holds a degree in Business Administration/Systems Analysis from Faculdades RioGrandenses. She is also a Visual Arts undergraduate student at the Federal University of Rio Grande do Sul. Email: anacshtlr@gmail.com Address: Paulo Gama, 110 - Bairro Farroupilha - Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil. CEP: 90040-060

Paulo Henrique Costa Albani is a recipient of a scholarship from the Institutional Scholarship Programme for Scientific Initiation - High School (Brazilian National Council for Scientific and Technological Development, Federal Institute of Rio Grande do Sul Notice 12/2023). He is currently in his 4th year of the Audio and Video Production Technical Course at the Federal Institute of Rio Grande do Sul - Alvorada Campus. Email: paulo.albani@aluno.alvorada.ifrs.edu.br Address: Rua Prof. Darcy Ribeiro, 121 - Campos Verdes, Alvorada - RS - Brasil. CEP: 94834-413

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