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Media & Jornalismo
versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462
Media & Jornalismo vol.19 no.34 Lisboa jun. 2019
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_7
ARTIGO
A Publicidade: um campo em transformação
The Advertising: a field in transformation
La Publicidad: un campo en transformación
Lucas Alves Schuch*, Juliana Petermann*
* Universidade Federal de Santa Maria
RESUMO
Este artigo compõe uma etapa da cartografia que estamos realizando, e que possui como tema as transformações no campo da publicidade, e inclusive de seus modelos de negócios. Utilizamo-nos de duas técnicas de produção de dados (estado da arte e entrevistas semi-abertas) e analisamos os elementos coletados, a partir da obra de Deleuze e Guattari (1995), com o conceito de rizoma, para que fosse possível traçar o nosso próprio objeto, o campo da publicidade em transformação, de forma rizomática. Este artigo responde ao seguinte questionamento: Quais os principais platôs que compõem os tensionamentos no campo da publicidade e suas reformulações atuais? Após as análises, além do debate frutífero acerca do conceito de rizoma, foi possível identificar os tensionamentos atuais que levam o fazer publicitário a ser questionado e revisado, bem como, possibilitou o início da construção rizomática de nosso objeto de pesquisa, o que pretendemos expandir com incursões futuras.
Palavras-chave: comunicação; publicidade; prática publicitária; rizoma; modelo de negócios
ABSTRACT
This article composes a stage of the cartography that is carrying out, and that has as its theme the transformations in the advertising field, and even of its business models. We use the two techniques of data production and semi-analysis and analyze the elements collected, from the work of Deleuze and Guattari (1995), with the concept of rhizome, so that it was possible to trace this object is the field of advertising in in a rhizomatic way. This article answers the following question: What are the main programs that make up the tensions in the advertising field and the current reforms? In addition to the fruitful debate about making the rhizome concept, it was possible to identify the current tensions that lead to the making of a publicity being a questioned and revised being, as well as, enabled the beginning of the rhizomatic construction of our research object, which we intend to expand with future incursions.
Keywords: communication; publicity; advertising practice; rhizome; business model
RESUMEN
Este artículo compone una etapa de la cartografía que está realizando, y que tiene como tema las transformaciones en el campo de la publicidad, e incluso de sus modelos de negocios. Utilizamos las dos técnicas de producción de datos y de análisis semiáridos y analizamos los elementos recogidos, a partir de la obra de Deleuze y Guattari (1995), con el concepto de rizoma, para que fuera posible trazar el Este objeto es el campo de la publicidad en el medio transformación, de forma rizomática. Este artículo responde al siguiente cuestionamiento: ¿Cuáles son los principales programas que componen los tensos en el campo de la publicidad y las reformas actuales? En el caso de que se produzca un cambio en la calidad del producto, se debe tener en cuenta que, en el caso de los productos, con incursiones futuras.
Palabras clave: comunicación; publicidad; práctica publicitaria; rizoma; modelo de negocios
Introdução
Nossa pesquisa está inserida no campo da publicidade, e procura entender quais são os principais movimentos que pressionam este campo a revisar suas práticas. A partir de uma prévia pesquisa documental realizada ao longo de nossa jornada de mestrado, passamos a perceber atravessamentos na publicidade. Tais atravessamentos estão relacionados a inúmeras mudanças: desde novos modelos de negócio surgindo[1], até a busca por definir um próximo formato de operação para as agências de publicidade[2], ou ainda, o importante questionamento étnico-racial e de gênero no interior das agências de publicidade[3].
Além desses, o mais recente assunto na indústria da comunicação: uma pesquisa[4]publicada pelo Grupo de Planejamento de São Paulo a respeito do que seria chamado de uma "cultura de assédio" em agências nacionais. Este último que revela altos índices de insalubridade para profissionais do mercado da comunicação e da publicidade. Todos estes fatores que identificamos demandam reformulações do mercado publicitário.
A título de contextualização, em nossa pesquisa de mestrado estamos realizando uma cartografia que se divide em quatro etapas (rastreio; toque; pouso; reconhecimento atento. Kastrup, 2007). Depois de passarmos pela primeira etapa do "rastreio", constituída por uma pesquisa documental em portais e veículos importantes para nosso campo, iniciamos a segunda etapa chamada "toque" (Kastrup, 2007) que vem a ser quando "algo se destaca e ganha relevo no conjunto, em princípio homogêneo, de elementos observados" (p.42). Esta segunda etapa é a que iremos relatar neste artigo[5]. Partimos então de uma predisposição cartográfica, com apontamentos de Deleuze e Guattari, a fim de construir um mapeamento dos principais tensionamentos no campo da publicidade hoje, e é neste sentido que esperamos que a presente incursão teórico-metodológica auxilie.
Assim, nosso objetivo aqui é identificar os principais platôs que compõem o objeto rizomático que é tema de nossa pesquisa - o campo da publicidade em transformação. A partir do estado da arte que desenvolvemos nesta etapa da pesquisa, e também de duas entrevistas semi-abertas realizadas, pretendemos aproximar os questionamentos acadêmicos que atravessam o campo dos aspectos empíricos e práticos do fazer publicitário.
Portanto, este artigo pretende responder a um questionamento central: Quais os principais platôs que compõem os tensionamentos no campo da publicidade e suas reformulações atuais? A partir da resposta a este questionamento, utilizamos estes tensionamentos identificados como platôs, delineando visualmente nosso objeto de pesquisa de forma rizomática (Deleuze e Guattari, 1995).
Para que consigamos cumprir tal objetivo e problema, dividimos esse artigo da seguinte forma: primeiro, apresentaremos nossa metodologia e técnicas de coleta de dados nesta etapa de nossa cartografia; segundo, debateremos o conceito de rizoma, a partir dos apontamentos de Deleuze e Guattari (1995). E, por fim, traçaremos um mapeamento baseado nos dados advindos do estado da arte e das entrevistas realizadas, elaborando uma construção rizomática do nosso objeto de pesquisa - o campo da publicidade em transformação.
1. Metodologia
A seguir, descreveremos como se deram as duas técnicas de coleta de dados que que utilizamos nesta etapa da pesquisa. Como dissemos, este artigo descreve a segunda etapa de nossa cartografia - denominada por Kastrup (2007) como a etapa de Toque -, e definimos que esta seria composta inicialmente por uma pesquisa de estado da arte, para verificarmos como outros autores já avançaram em investigações a respeito das transformações no campo da publicidade. Além disso, definimos também, que esta seria composta por duas entrevistas semi-abertas com profissionais do mercado de publicidade. A opção por estas duas técnicas de produção de dados se deu no intuito de entender, tanto no âmbito acadêmico, quanto no âmbito das práticas publicitárias, quais são os principais atravessamentos atuais que motivam este campo a revisar suas práticas. Passamos agora a um relato de como se deram estes procedimentos metodológicos.
a. Estado da Arte
Para iniciar esta exploração de estudos científicos que se assemelham ao nosso, escolhemos três eixos (ou palavras-chave) que nos são pertinentes em relação ao teor de nossa pesquisa, e que surgiram a partir de uma etapa anterior de nossa cartografia, a etapa do Rastreio. As palavras-chave utilizadas na busca[6]foram: (1) Práticas publicitárias; (2)
Mudanças na publicidade; (3) Agências de publicidade e propaganda.
Após essa filtragem, chegamos ao montante de seis teses e dissertações que consideramos pertinentes ao nosso tema, "o campo da publicidade em transformação", às quais citaremos brevemente, e retomaremos nos tópicos seguintes, quando efetivamente construiremos nosso objeto de forma rizomática: (1) "A Reconfiguração das Práticas Publicitárias no Contexto das Mídias Digitais", de Danielle Vieira da Silva; (2) "A publicidade no Brasil: agências, poderes e modos de trabalho (1914 - 2014)" de Bruna Sant’ana Aucar; (3) "COMO É TRISTE ESSA PÁGINA: As dinâmicas de interação e interferências subjetivas dos profissionais de publicidade que trabalham com novas mídias.", de Letícia Gomes da Rosa; (4) "Publicidade on-line contemporânea: tecnologia e criatividade", de Fábio Ramos; (5) "Trabalho e Cultura em Agências de Publicidade do Brasil analisados sob perspectiva da Sustentabilidade Organizacional", de Daniela Ferreira de Oliveira; e por fim (6) "’NÃO PODEMOS DEIXAR PASSAR’: práticas de contestação da publicidade no início do século XXI", de Laura Hastenpflug Wottrich.
Se olharmos de maneira geral para esta pesquisa da pesquisa, já conseguimos tirar algumas conclusões prévias que nos interessam, como por exemplo, a intensidade de pesquisas que discorrem sobre novas formas de se fazer publicidade, o que vem a confirmar o momento de transformação que vivemos no campo.
Estas novas formas se apresentam caracterizadas pela a busca por novos modelos de negócio de agências, ou pelos atravessamentos éticos que permeiam o campo, temáticas relacionadas às minorias e às desigualdades sociais e o modo como estas questões atuam na publicidade. Porém, se precisássemos elencar um tema mais latente entre estes estudos, certamente seria aquele relacionado às novas tecnologias, aos formatos de trabalho e novas funções técnicas exigidas do publicitário. Traremos ao longo da discussão teórica e da análise, mais questões relacionadas a esta pesquisa de estado da arte.
b. Entrevistas Semi-Abertas
Ainda em nossa etapa de Toque, definimos como técnica de coleta de dados principal a "entrevista semi-aberta", que descrevemos aqui a partir de agora. Para este artigo, apresentamos duas entrevistas e analisaremos este material juntamente com nosso exercício de estado da arte descrito acima. Dentre os tipos de entrevistas possíveis, optamos pela entrevista semi-aberta que segundo Duarte e Barros (2009) segue "um roteiro de questões-guia que dão cobertura ao interesse de pesquisa" (p. 66).
Optamos por esse tipo de entrevista pois nos permitiria, mesmo que com um roteiro, ir "tateando" (Kastrup, 2007) sobre os assuntos que os entrevistados mais se sentissem à vontade para discorrer, e adaptando nossas perguntas ao longo da entrevista. Neste sentido, Richardson (1999) nos apresenta um conceito semelhante, o da "entrevista não diretiva", que "permite ao entrevistado desenvolver suas opiniões e informações de maneira que ele estimar conveniente. O entrevistador desempenha a apenas funções de orientação e estimulação" (p. 210).
Assim sendo, definimos um roteiro de dez questionamentos, baseado na primeira etapa de nossa cartografia (rastreio), questionando a opinião desses entrevistados, sobre os temas mais latentes ao campo da publicidade em transformação.
Para a seleção das fontes destas entrevistas, utilizamos o critério de "seleção intencional", a partir do qual, segundo Duarte e Barros (2009), o pesquisador "faz a seleção por juízo particular, como conhecimento do tema ou representatividade subjetiva" (p. 69). Assim, nos valemos de nosso conhecimento empírico sobre o mercado publicitário e sobre as características dos principais sujeitos deste para a seleção das fontes, nos valendo do que os autores sugerem como "juízo particular". Ainda segundo os autores, em um segundo momento, o pesquisador filtra as possibilidades "por conveniência", o que ocorre "quando as fontes são selecionadas por proximidade ou disponibilidade" (2009, p.69).
Além de entendermos esse processo de seleção das fontes como um processo bastante subjetivo e, portanto, de características similares àquelas que Deleuze e Guattari apontam como fundamentais durante o processo rizomático e de uma cartografia, nos parece importante ressaltar que, ainda segundo Duarte e Barros (2009), a seleção dos informantes "não tem seu significado mais usual, o de representatividade estatística de determinado universo. Está mais ligada à significação e à capacidade que as fontes têm de dar informações confiáveis e relevantes sobre o tema de pesquisa" (p. 68).
Assim, usamos nosso juízo particular como os autores sugerem, e selecionamos nomes importantes para o mercado publicitário por sua experiência e conhecimento do tema. O primeiro entrevistado foi um publicitário que atuou em diversas agências brasileiras de porte nacional, e hoje ocupa o cargo de sócio e Chief Creative Officer de uma agência recém inaugurada no país, e que, de acordo com pesquisa, aparece entre as agências mais procuradas por jovens publicitários para trabalhar. O fator de conveniência e disponibilidade pela seleção desta fonte se deu pois, o publicitário estava palestrando em um evento no qual participamos como ouvintes, e o mesmo se mostrou solícito em colaborar com a pesquisa.
Nosso segundo entrevistado nesta etapa foi o Diretor Executivo do maior veículo de comunicação do país especializado em cobrir o mercado de comunicação brasileiro e internacional. Escolhemos este profissional pela experiência em descrever os momentos de mudança deste campo, e também pelo fator disponibilidade (que os autores também sugerem), pois este profissional também se mostrou disposto a contribuir com nossa pesquisa.
Aproveitamos para explicitar que optamos por não divulgar os nomes e empresas que estes entrevistados representam por questões éticas. Portanto, iremos nos referir a estas fontes pelo cargo que ocupam, ou seja, pela sigla "CCO" (Chief Creative Officer, fonte primeira da entrevista), e "DIR" (Diretor Executivo de veículo de comunicação e segundo entrevistado).
A partir de agora, passamos a apresentar o conceito de rizoma e, por consequência, a ideia de uma cartografia, para que, a posteriori, possamos tecer, a partir dos dados coletados, o objeto de nossa investigação de forma rizomática.
2. O Rizoma por Deleuze e Guattari
Iniciamos da mesma forma que o fazem os autores, construindo a noção de rizoma a partir da metáfora de um "livro", de uma leitura do mundo. De acordo com Deleuze e Guattari (1995), "num livro, como em qualquer coisa, há linhas de articulação ou segmentaridade, estratos, territorialidades, mas também linhas de fuga, movimentos de desterritorialização e desestratificação" (p.10), são estas linhas de articulação que nos interessam e que formam um mapa múltiplo, sem centro, ou ainda, sem um objeto central.
Nesse sentido, podemos começar também pelo contraponto apresentado pelos autores entre árvore-raiz e raiz fasciculada. Na primeira, a "lógica binária é a realidade espiritual da árvore-raiz" (p.12): trata-se da maneira como historicamente sempre enxergamos o mundo, de forma "dicotômica". Já a segunda, trata da figura da qual "a nossa modernidade se vale de bom grado" (p.12), e ainda trata da figura na qual a raiz principal abortou, ou se destruiu em sua extremidade: vem se enxertar nela uma multiplicidade imediata e qualquer de raízes secundárias que deflagram um grande desenvolvimento. Desta vez, a realidade natural aparece no aborto da raiz principal, mas sua unidade subsiste ainda como passada ou por vir, como possível. (Deleuze e Guattari, 1995, p.12-13)
Sobre isso, Suely Rolnik (1989) afirma que no rizoma "todas as entradas são boas desde que as saídas sejam múltiplas" (p.66), ou seja, como já dissemos, com essa inexistência de um caule principal, uma entrada e um caminho lógico a seguir, o rizoma não deve ter nunca única entrada e tão pouco uma única saída possível, um final.
É esse aborto da raiz principal, em favor da multiplicidade que nos chama a atenção, como um olhar não binário ao mundo, tentando encontrar não um único, mas uma complexidade de fatores relacionados às transformações no mundo da publicidade. Segundo Passos, Kastrup e Escóssia (2007), ao referirem-se à obra de Deleuze e Guattari de modo geral:
Há uma clara recusa à organização que é própria de um livro-raiz, livro que se estrutura como se fizesse o decalque do que quer tratar; que se aprofunda para desvelar a essência do que investiga; que trata da realidade de seu objeto como se só pudesse representá-la. (Kastrup, V. et al, 2007, p.9)
É nesta lógica que nos inserimos ao tentarmos entender a complexidade de uma realidade fasciculada. Abrindo mão da centralidade de um assunto em detrimento da multiplicidade, e fazendo as conexões necessárias entre linhas e segmentaridades, a fim de acompanharmos movimentos de transformação no campo da publicidade. Optamos por tal conceito para entender estas movimentações no campo, pois desde nossa aproximação empírica e acompanhamento, por meio de pesquisa exploratória prévia no momento do rastreio, percebemos que são inúmeras as razões que estão levando a indústria da publicidade a revisar suas práticas, e, portanto, seria demasiado simplório partir de uma lógica binária para apontar uma ou outra motivação central para estas mudanças. Um olhar rizomático ajuda-nos a pensar de maneira múltipla, percebendo tais transformações de maneira engendrada também na busca de novos formatos de trabalho novos modelos de negócios na publicidade.
Agora, sobre efetivamente o que vem a ser a representação de um rizoma, os autores afirmam que "têm formas muito diversas, desde sua extensão superficial ramificada em todos os sentidos até suas concreções em bulbos e tubérculos" (Deleuze e Guattari, 1995, p.14).
Definir algumas características basilares ao rizoma é importante para entendermos como este se configura visualmente, e também como se forma diante da observação do pesquisador, no decorrer da pesquisa. Assim, passamos a apresentar de forma resumida para não extrapolarmos os limites desta incursão, quais são os elementos chaves que compõem um rizoma.
Dentre as propriedades de um rizoma, começamos pelo conceito de "agenciamento":
Um agenciamento é precisamente este crescimento das dimensões numa multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas conexões. Não existem pontos ou posições num rizoma como se encontra numa estrutura, numa árvore, numa raiz. Existem somente linhas. (Deleuze e Guattari, 1995, p.16)
Assim, podemos definir o agenciamento como o ato de dispor efetivamente as linhas que compõem o rizoma. Articular as linhas e linhas de fuga que compõe o rizoma são os próprios agenciamentos em si. Trata-se, segundo Deleuze e Guattari (1995) de "alongar, prolongar, revezar a linha de fuga, fazê-la variar, até produzir a linha mais abstrata e a mais tortuosa, com n dimensões, com direções rompidas" (p.19). Ou seja, um agenciamento é de fato o ato de dispor as linhas ao longo de um mapa e entender a razão deste.
A citada linha de fuga também é um dos conceitos que nos interessam, definido pelos autores como algo que é "ao mesmo tempo: a realidade de um número de dimensões finitas que a multiplicidade preenche efetivamente; a impossibilidade de toda dimensão suplementar, sem que a multiplicidade se transforme segundo esta linha" (1995, p.16).
Dentre as possibilidades de interpretar o conceito de uma linha de fuga, nos interessa a interpretação de que é algo que parece por vezes escapar ao rizoma como se fosse chegar a um final, porém com a possibilidade de se transformar e conectar-se a outra linha e reorganizar o que está dado.
Por último, e talvez mais importante, o conceito de platô é imprescindível para entendermos o que conectamos com tais linhas e agenciamentos. Deleuze e Guattari (1995) chamam de platô toda multiplicidade conectável com outras hastes subterrâneas superficiais de maneira a formar e estender um rizoma (p.19), assim, os platôs são as áreas de intensidade que compõem um rizoma. Efetivamente, um platô é uma área conectável por meio das linhas de segmentaridade e linha de fuga que mencionamos anteriormente.
E como já dissemos ser o rizoma, um sistema sem centro, um platô está sempre no meio, nem início, nem fim (1995, p.20), assim, os platôs, por mais à margem da figura que estiverem representados, sempre estarão conectados com diversos outros semelhantes, pois estes isolados, poderiam representar um início ou fim do rizoma. Fato este que, agora sabemos, não existe nesta perspectiva rizomática.
Os platôs são, em suma, as multiplicidades de um rizoma. A soma das linhas de segmentaridade, o encontro das hastes que compõem o objeto rizomático e também as áreas de intensidade deste mapa. No nosso caso, os platôs representarão os motivos das transformações no campo publicitário em si, e, serão a resposta ao questionamento central desta investigação. Aqui nos interessa uma passagem que além de elucidar o conceito de platôs, exemplifica toda a complexidade que pode acompanhar um objeto rizomático:
Assim, adentramos no objeto pelo meio, deixando que ele indique suas próprias direções. Entramos pelo meio, buscando o acesso aos platôs, que constituem parte do nosso rizoma. Isso equivale a dizer que, depois de uma tentativa de entrada no objeto pela árvore raiz, retrocedemos e, ao buscar que o objeto se mostrasse como é - e não como pensávamos que fosse -, percebemos algumas das multiplicidades que o compõe, suas diversas entradas e as inúmeras conexões que o configuram. (Petermann, 2011, p. 35)
Ou seja, os platôs são partes do rizoma, e buscar acesso a eles é uma das maneiras possíveis de iniciarmos a caminhada, evitando a entrada pela árvore raiz, que conduziria a um pensamento e a uma análise menos complexas. Assim, buscaremos este acesso aos platôs para respondermos nosso questionamento, que retomamos aqui: Quais os principais platôs que compõem os tensionamentos no campo da publicidade e suas reformulações atuais?
Os autores Deleuze e Guattari (1995) afirmam que, sem explicar algumas propriedades básicas do rizoma, não seria efetivo continuarem. Mais uma vez, seguiremos caminho semelhante, explorando cada um dos seis eixos apresentados por eles, que definem as características de um objeto rizomático.
a. Princípio da Conexão e Heterogeneidade
Este princípio se relaciona com o que falamos antes. Sendo o rizoma algo sem início ou fim, apenas meio, este princípio nos diz que "qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo" (Deleuze e Guattari, 1995, p.14). Já neste primeiro princípio conseguimos encontrar visualmente a diferença entre a "árvore-raiz" e a "raiz-fasciculada". Se observarmos a estrutura de uma árvore, a base do tronco apenas se conectam com as folhas da copa, por um único caminho, o central. Ou ainda, o cerne do caule toca os frutos através de um único caminho possível. O que não se dá no sistema da raiz-fasciculada, onde várias sãos as possibilidades de conexões.
No exemplo acima citamos "caule" e "frutos" pois tem a ver com a heterogeneidade que os autores propõe: "um rizoma não cessaria de conectar cadeias semióticas, organizações de poder, ocorrências que remetem às artes, às ciências, às lutas sociais" (1995, p.14-15).
Aguiar[7] (2011), em sua dissertação, escreveu de maneira muito similar que "o rizoma é livre, ou seja, conecta-se por contato e desenvolve-se por qualquer direção infinitamente. Não busca uma raiz única, mas, ao contrário, diferentes naturezas, efetuando o descentramento" (p.22).
b. Princípio da multiplicidade
Este princípio está ligado a estrutura do rizoma, ou, a falta desta. Para Deleuze e Guattari (1995) o rizoma não se dá a partir de um sistema de unidades, mas sim de dimensões: "Nós não temos unidades de medida, mas somente multiplicidades ou variedades de medida" (p.16)
Aguiar (2011) também nos auxilia nesse ponto, nos informando que isso se dá pois em um rizoma "não há pontos ou posições como se encontra em uma estrutura, mas apenas linhas que se conectam heterogeneamente" (p.22), ou seja, um rizoma não pode ser quantificado, pois se dá por uma multiplicidade, ou ainda, "as multiplicidades se definem […] pela linha abstrata, linha de fuga ou de desterritorialização, segundo a qual elas mudam de natureza ao se conectarem às outras". (Deleuze e Guattari, 1995, p.16)
c. Princípio da ruptura a-significante
Este princípio nos ajuda a entender quais os limites de um rizoma, e até onde direcionamos nosso olhar enquanto pesquisador. Para Deleuze e Guattari (1995) "contra os cortes demasiado significantes que separam as estruturas, ou que atravessam uma estrutura. Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e também retoma segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas" (p.17), assim, o rizoma permite sim rupturas, mas não recortes. Isolar completamente uma ou outra linha do rizoma é o que não acontece.
Este princípio está ligado aos processos de territorialização e desterritorialização das linhas segmentares. Novamente, "todo rizoma compreende linhas de segmentaridade segundo as quais ele é estratificado, territorializado, organizado, significado, atribuído, etc" (1995, p.17), porém sempre que uma linha de fuga é identificada e perseguida, consideramos este como um movimento de desterritorialização. Esta linha de fuga, como já dissemos, pode se reorganizar e se reterritorializar. Dito de outra forma, nas próprias palavras de Deleuze e Guattari (1995) "corre-se sempre o risco de reencontrar nela organizações que reestratificam o conjunto, formações que dão novamente o poder a um significante" (p.17).
d. Princípio de cartografia e decalcomania
Neste princípio, Deleuze e Guattari apresentam efetivamente diretrizes da cartografia e das oposições entre mapa e decalque. A cartografia é mais do que apenas mapear/ traçar algo. Para Aguiar (2011) "a cartografia deixa de ser apenas uma arte ou ciência de compor cartas geográficas, e passa a ser vista, também, pelo prisma do que se convencionou chamar de filosofia da diferença" (p.22-23).
"Diferente é o rizoma, mapa e não decalque. Fazer o mapa, não o decalque. […] Se o mapa se opõe ao decalque é por estar inteiramente voltado para uma experimentação ancorada no real" (Deleuze e Guattari, 1995, p.20-21). Ou seja, se mapa é uma representação do real (e como vimos o real está em constante transformação através de agenciamentos e trocas) o decalque é um fragmento, ou ainda a representação do pequeno momento em que representamos o mapa que estamos acompanhando. Ainda segundo os autores deste conceito "são os decalques que é preciso referir aos mapas e não o inverso" (1995, p.32). Isto posto, dizemos que a ideia não é fazer um decalque de um momento, mas acompanhar um processo de transformação no campo, e o representar em toda a sua complexidade.
Neste momento que temos mais nítido a nossa frente os conceitos de rizoma e como este se apresenta, a partir de seus princípios, passamos a traçar visualmente nosso próprio objeto rizomático, com base nos dados coletados nesta segunda etapa de nossa cartografia, composta por uma pesquisa de estado da arte e por duas entrevistas com agentes importantes do campo publicitário brasileiro.
3. Objeto Rizomático
Nesta etapa inciaremos a construção rizomática do nosso objeto, tendo como base duas fontes de dados: os dados coletados na etapa do estado da arte, assim como aqueles coletados na etapa de entrevistas. A intenção aqui é de ir tecendo estes dados, a partir de sua relevância no que diz respeito ao nosso objetivo e ao nosso problema central neste artigo. Passamos, então, à análise:
Durante a entrevista, CCO[8] já nos traz uma das primeiras considerações importantes, a de que hoje "o dinheiro está muito pulverizado". O emprego deste adjetivo nos auxilia, pois remete a formas visuais para a construção efetiva do nosso rizoma. O publicitário justifica o uso deste termo por dois fatores: o primeiro diz respeito aos novos formatos de mídia; e o segundo diz respeito a novos parceiros de negócio surgindo no campo.
Sobre o primeiro fator, nosso entrevistado diz que: "antigamente você entrava em uma agência, você tinha outdoor, rádio, TV, jornal, impresso, e hoje você tem muito mais coisa".
Além disso, quando chegamos no ponto relacionado a estes novos formatos de mídia e canais disponíveis, comentados pelo publicitário como uma das razões pela verba pulverizada, sobretudo no ambiente digital que vivemos hoje, encontramos em nosso estado da arte um indício de que este é de fato um tema pulsante em nosso rizoma. Três, das seis teses e dissertações que se assemelham a nossa pesquisa, versam sobre os tensionamentos nas agências com estas novas formas possibilitadas pelo ambiente digital. Para facilitar a compreensão, elaboramos um quadro com a problemática destes três estudos.
Optamos por utilizar em nosso rizoma a expressão "Dinheiro Pulverizado" em primeiro lugar pois foi este o adjetivo empregado pelo nosso entrevistado, mas também por ser uma maneira recorrente de outros publicitários terem se referido tanto à dispersão de investimento de mídia em publicidade, quanto em número de parceiros de negócio. Com isso pretendemos não reduzir a uma ou outra coisa.
De acordo com o publicitário, o segundo fator para este cenário de investimentos pulverizados está no fato de que ele percebe o surgimento de novos concorrentes, entregando o mesmo produto que uma agência entregaria. Nas palavras do CCO, "mal ou bem, uma VICE[9] é concorrente de uma agência; Facebook é concorrente em algumas plataformas;
Google a gente não sabe, mas tem criativos trabalhando dentro do Google; influencers; consultorias; tudo isso é dinheiro pulverizado".
Ou seja, além do anunciante ter inúmeras opções de escolha de mídia, pode optar também por parcerias diretamente com empresas que operavam até então apenas como veículos ou que eram contratadas exclusivamente pelas agências, sendo chamados até então de fornecedores, mas que agora assumem um papel como concorrentes.
Explicando como essa parceria funciona, nosso segundo entrevistado, DIR, nos elucida que "entram players como as consultorias, como Google e Facebook. No Facebook você tem uma unidade de criação de projetos na área digital que substitui plenamente o que pode fazer uma agência de propaganda". E ainda nesse caminho, dá indícios importantes desta nova organização e do porquê de um "tripé clássico" da indústria ser questionado:
Então, esse tensionamento e esse questionamento vem dos modelos de negócios; do modelo de remuneração das agências; do trabalho que as agências prestam, vinham e vem prestando por seus anunciantes; a cadeia de negócios como ela está estruturada tendo os veículos, as agências e os anunciantes como um tripé clássico da indústria. Esse questionamento vem também da chegada da tecnologia e a vinda de grandes players, invadindo o mundo de publishing de conteúdo e de distribuição da mídia, e eu estou falando especificamente dos maiores que são o Facebook e Google.
Percebemos tanto os novos formatos de mídia, quanto o surgimento de novos concorrentes como tensionamentos importantes conectados por linhas segmentárias, tanto ao formato de agência que temos hoje (haja visto a concorrência que surge em contraponto ao modelo tradicional de agência[10]), mas principalmente a uma nova área de intensidade que muito nos interessa: o próprio publicitário.
Novas possibilidades criativas, ainda segundo nosso primeiro entrevistado, é outro fator importante nesse cenário, pois "capacidade de adaptação é o que mais vai se falar daqui pra frente" segundo o CCO. Neste sentido, entre tantas mudanças, perguntamos ao nosso segundo entrevistado - da perspectiva de quem está acompanhando os movimentos do campo de fora da agência -se ele percebe, da parte dos publicitários, interesse na adaptação a estas novas possibilidades profissionais
Ao responder esta pergunta, DIR afirma que "o publicitário que trabalha nas grandes agências de propaganda tem muita dificuldade de ver a importância disso", fato que vai ao encontro do que propõe CCO, quando diz que, por parte dos publicitários, "primeiro tem um bloqueio. Tentando fingir que isso não está acontecendo, ou isso talvez não seja tão grave assim. Uma vez que você bloqueia isso você começa a viver no escuro durante muito tempo e depois é difícil você se movimentar". Isto parece-nos muito sintomático acerca do período que o campo publicitário atravessa, visto que estamos falando de adaptação, embora um dos problemas seja certa resistência individual à transformação. Dito isso, o "publicitário" se confirma como um platô importante de nosso rizoma, que detém o poder da tomada de decisões entre revisar as suas próprias práticas, ou não fazê-lo. Ou seja, o publicitário, como a gente com poder de ação neste campo, influencía quando as práticas serão ou não revisitadas.
A fim de guiar o pensamento do leitor, propomos um primeiro esquema visual de como se encontra nosso rizoma até aqui. Desse modo, fica mais facilmente perceptível as linhas que conectam nosso rizoma a partir de agora.
Assim se dá a construção de nosso rizoma até aqui. As linhas são o que chamamos, a partir de Deleuze e Guattari (1995), de "linhas segmentárias" que conectam uma área de intensidade à outra. Estas áreas são os "platôs" (1995, p.20), que conforme citamos, são pontos de concentração de forças ao longo de um rizoma, que acabam por se destacar. E a ação de dispormos estes platôs e as linhas segmentárias ao longo desta imagem, é a representação do que explicamos ser um "agenciamento"(1995, p.19). Estes agenciamentos são percebidos como um trabalho intuitivo do pesquisador que ao "tatear" seu objeto percebe como estas áreas estão conectadas através dos princípios do rizoma que debatemos anteriormente. Por exemplo, podemos verificar a heterogeneidade das conexões, comentadas no princípio da multiplicidade, quando temos o platô "publicitário", que a primeira vista não teria qualquer ligação com o platô "dinheiro pulverizado", por exemplo, conectando-se entre si a partir de outras áreas como as "agências" e os "novos concorrentes". Ou ainda, a partir do princípio da ruptura a-significante, vemos um cenário sem rupturas abruptas ou recortes, e o veremos ainda mais, a medida que a quantidade de platôs forem aumentando. Assim, como sugeriram os autores, não é possível encontramos um início ou um final para nosso rizoma. Estamos sempre imbricados em uma ou outra área de intensidade.
Avançando em nossas análises, a partir da configuração do rizoma atual percebemos as agências sendo parte do processo comunicacional, mas não mais agente centralizador de decisões para o anunciante, e deste fato seria possível debatermos sobre uma possível perda do protagonismo da agência frente ao fluxo de comunicação que se tinha até então.
Nesta perspectiva as falas de nossos entrevistados são confluentes. O publicitário CCO de agência informa-nos que acredita em uma perda de relevância da agência para o anunciante nesse novo cenário, e que esta só será reconquistada "por aqueles que realmente tem interesse no diálogo e entender o que está acontecendo do outro lado. A gente ainda está nesse momento ’deixa quieto. Isso aqui não vai mudar’". Nosso segundo entrevistado, DIR, afirma que "a indústria vem se transformando, e os anunciantes vêm percebendo que o valor agregado que as agências entregam não é mais aquele que foi historicamente".
Com a perda de relevância das agências mais tradicionais deparamo-nos com outro ponto importante: um que diz respeito ao interesse dos jovens no mercado publicitário ou, ainda, quando já inseridos neste mercado, com a perda de interesse no mundo do trabalho relacionado aos modelos mais tradicionais da propaganda. Ou seja, os jovens publicitários vêm refutando os paradigmas do mercado - veremos a seguir com dados de pesquisas - e isso inclui as agências de propaganda. Por isso, é imprescindível que o próprio ensino nos cursos de graduação em publicidade também passe por transformações, acompanhando as movimentações que vêm ocorrendo no mercado - quando estas forem saudáveis, obviamente. Em nosso estado da arte, encontramos pesquisas importantes no âmbito do ensino da criação publicitária, principalmente da parceria entre a Doutora Juliana Petermann e os Doutores Fábio Hansen e Rodrigo Correa, já começando a problematizar o habitus docente neste novo cenário de transformações das práticas publicitárias.
Nosso inquietamento neste sentido vem do fato de que, segundo pesquisa[11] publicada pelo site B9, importante veículo sobre o cenário da publicidade nacional, os estudantes recém formados, historicamente, tinham o desejo de trabalhar em grandes agências de propaganda.
Em julho de 2017, o site abriu essa pesquisa questionando em qual empresa (não mais exclusivamente agências) esses profissionais desejariam trabalhar. As respostas foram surpreendentes, e incluíam empresas como o já citado Google e Netflix nas primeiras posições. Isso confirma, mais uma vez, um cenário pulverizado, mesmo entre os estudantes, que, historicamente, após concluírem sua graduação, tinham como única opção de trabalho as agências de propaganda.
Na contramão deste movimento, a agência da qual nosso entrevistado é sócio e CCO aparece em segundo lugar na opção dos publicitários, com apenas três anos de existência no Brasil. Quando questionamos à que ele atribui esse interesse dos profissionais de trabalhar na sua agência, mesmo com tantas novas opções, ele sugere que isso se deva a "Cultura de agência"[12] que eles estão implementando.
O CCO afirma que na abertura da filial de sua agência no Brasil, muito se discutiu sobre cultura de agência: "porque a gente tá abrindo uma agência em um momento de crise e em um momento do decrescimento do mercado. De muita competição. E a gente achava que a cultura forte, retém talento. Ela atrai novas pessoas". E como benefício secundário, "ela cria um time pra valer assim, sabe? Hoje por exemplo se alguém não encaixa na agência, é muito fácil, é visível para todos que aquela pessoa não se encaixa".
Neste mesmo sentido, nosso outro entrevistado, DIR, afirma que não é parte da "estrutura biológica" da agência lidar com estas novas possibilidades trazidas com a transformação digital, a análise de dados e outros avanços. Com isto nosso entrevistado quer dizer, que historicamente, no dia a dia de uma agência, lidava-se pouco com números, estatísticas e com as ferramentas que o ambiente digital oferece. Porém, afirma que é possível uma agência transformar seu "DNA", mas que é preciso "uma transformação Darwiniana para sobreviver. Complexa, muito profunda e demorada. Algumas não vão sobreviver, como algumas espécies na teoria da evolução humana morreram desapareceram ou se transformaram em outras coisas para sobreviver".
Deste ponto de vista organizacional, a tese de Daniela Ferreira de Oliveira[13], que aparece no nosso estado da arte, analisa essa questão a partir de atravessamentos éticos sobre jornadas de trabalho, e responde ao questionamento "Como se configura o atual perfil organizacional e profissional da publicidade brasileira, frente ao conceito de sustentabilidade organizacional?".
Assim, talvez tenhamos encontrado a nossa primeira linha de fuga, que chamaremos "Cultura de Agência" seguida pela expressão "DNA", fazendo referência à cultura organizacional que os modelos de negócio no campo da comunicação estão atravessando. Não queremos dizer com isso que temas como "Cultura de Agência" e "DNA" não se reencontrarão com outras linhas do nosso rizoma, mas conforme citamos na definição de linha de fuga, sentimos "uma desterritorialização, ou seja, possibilidade de romper com um sistema já estabelecido", e, portanto, as definiremos como linhas de fuga do nosso rizoma. Isto porque estes temas nos parecem fugir dos temas que viemos debatendo até aqui, contudo, tais temas foram citados pelos nossos dois entrevistados, e portanto não poderemos ignorar esta área de intensidade em nosso rizoma.
Além de todo o cenário comentado, não poderíamos deixar de acrescentar em nosso rizoma, dois outros platôs comentados e citados anteriormente por nossos entrevistados: "veículos" e "anunciantes", pois estes também tensionam o mercado publicitário. Os anunciantes porque estão relacionados diretamente aos processos que identificamos como pulverização de investimentos, e os veículos, por vezes atuando como parceiros, e, por vezes, atuando como concorrência na criação de conteúdos, ampliando assim, seu leque de atividades, mas também tensionam o mercado publicitário.
Assim, tendo tratado de todos os pontos centrais deste momento de transformação, construímos nosso objeto de forma rizomática, a partir de dados coletados em nosso estado da arte e também em nossas entrevistas. Ao encerrarmos as análises, apresentamos visualmente como se configura o rizoma que encontramos, com os platôs que surgiram deste movimento.
Considerações Finais
A presente investigação traz resultados que vão muito além dos esperados por nós. É possível constatar, a partir deste rizoma, algo que poderíamos chamar de "campo pulverizado", no que se refere às agências de propaganda e seus arredores. Além disso, estudos sob a perspectiva de "campo" parecem promissores ao olhar para este rizoma, no qual novos agentes e instituições surgem tensionando a práticas de outras instituições já estabelecidas. Dizemos isto pois vemos novas empresas surgindo no campo, entregando o mesmo produto final que historicamente eram entregues exclusivamente pelas agências. Encontramos também como possibilidade de debates futuros, investigarmos se nestes novos espaços de trabalho existem também os mesmos tensionamentos de transformação que recaem sobre as agências, como as questões da transformação digital, novas possibilidades criativas surgindo e demandando revisões nas práticas.
Este mapeamento visual que traçamos, é a resposta para o questionamento central deste artigo, porém, gostaríamos de responder de maneira textual e sucinta ao nosso problema de pesquisa. Assim, os principais platôs que compõem os tensionamentos no campo da publicidade e suas reformulações atuais são os que estão ligados a uma perda da centralidade das agências de comunicação no processo de decisão sobre a comunicação dos anunciantes.
Dizemos que todos os platôs têm a sua importância, porém, percebemos que os dados coletados, tanto no estado da arte, quanto nas entrevistas, levam a identificação de uma relativa perda de protagonismo destas instituições que até então, eram pilares centrais do fazer publicitário.
De maneira sucinta para este momento, retomamos os platôs que compõem as principais mudanças na prática publicitária contemporânea:
a. Dinheiro Pulverizado: conforme vimos, a verba anteriormente destinada a poucos canais e empresas parceiras, hoje está dividida entre inúmeras possibilidades; Este platô está conectado por linhas segmentárias que são de mesma natureza tanto ao platô "Agências" quanto ao platô "Novos concorrentes às agências", visto que o dinheiro se pulveriza entre essas duas possibilidades de parceiros de negócios. Além disso, se conecta também ao platô "Novos formatos de mídia" pois esta mesma verba de investimento está sendo direcionada a não mais um ou outro veículo, e sim uma pluralidade deles.
b. Agências: As agências de publicidade ainda são um platô importante ao processo, mas passam por um momento de descentralização e perda de relevância frente aos anunciantes; como podemos visualizar, este platô se conecta à todas as outras áreas de intensidade presentes em nosso rizoma. A partir do princípio da multiplicidade observamos que este platô está ligado por linhas segmentárias curtas com o que sempre foi tido como indústria tradicional da comunicação (veículos, anunciantes e formatos tradicionais), e por linhas mais distantes de tensionamentos mais recentes como os "novos concorrentes às agências" e os "novos formatos de mídia".
c. Novos concorrentes às agências: Empresas que antes eram contratadas pelas agências, hoje são capazes de entregar produtos finais muito semelhantes aos delas, e acabam por concorrer com estas instituições;
d. Veículo: Este é um dos platôs que mais tensionam as reformulações, pois às vezes podem se portar como parceiro de uma agência, às vezes como concorrência. Isto porque podem operar criando diretamente para os anunciantes, sem o intermédio de uma agência;
e. Anunciante: Intensamente conectado ao platô ’Dinheiro pulverizado’, pois tais tensionamentos surgem de uma linha segmentária de natureza semelhante: a verba de comunicação destes anunciantes. Esta linha financeira que conecta estas duas áreas é que o que está configurando este mapa tão disperso e múltiplo. Tais áreas de intensidade e transformações tensionam as práticas publicitárias, pois tem o poder de decisão sobre a cadeia de negócios inteira;
f. Novos formatos de mídia: As novas possibilidades e novos formatos de anúncios exigem com que os agentes pertencentes ao campo atualizem suas práticas;
g. Publicitário: Como o principal agente do campo, tem o poder da transformação em si. Pelo que foi observado é o quem tem o potencial de rever suas próprias práticas, e por consequência, alterar, ou não, o campo a sua volta, porém, muitas vezes, é resistente a mudanças; partindo do princípio da heterogeneidade que elencamos, este platô está conectado por uma linha de mesma natureza tanto ao platô "agências" quanto ao platô "novos concorrentes às agências", pois estes ainda são os lugares que mais comumente atuam os publicitários do mercado, mesmo que encontremos profissionais desta área trabalhando nos veículos e anunciantes.
h. Formatos Tradicionais: Por termos utilizado esses formatos por muito tempo na indústria publicitária, ainda é um dos principais platôs que estruturam o campo, pois no que tange a organização das agências, este ainda é o modelo mais comum, no qual as empresas se valem de áreas departamentais estruturadas (criação, atendimento, produção, etc), e portanto, este platô está conectado apenas com as "agências" em nosso rizoma, pois não verificamos qualquer outra linha heterogênea que conecte esse formato de trabalho tradicional, à "novos concorrentes às agências", por exemplo.
A partir desta análise foi possível traçar as transformações que estão acontecendo no campo da publicidade. Além disso, foi possível perceber que trata-se de um movimento constante e que conta com períodos de intensificação - como o que estamos vivendo agora. Assim, entendemos que transformações no campo da publicidade são uma constante, desde o passado e assim continuará no seu futuro. Como informamos no início, conforme nossas coletas de dados forem avançando, nosso rizoma tende a se complexificar e aumentar generosamente, visto que nas próximas etapas da pesquisa teremos novos dados a tramar em nosso rizoma. Em nossas próximas investidas, nossa pesquisa inclui a ampliação de nossas fontes, com a entrevista de outros profissionais relevantes no campo da comunicação para entendermos a profundidade e extensão destas transformações.
BIBLIOGRAFIA
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Rolnik, S. (1989). Cartografia Sentimental: Transformações Contemporâneas do Desejo. São Paulo, Brasil: Estação Liberdade. [ Links ]
Recebido | Received | Recebido: 2018-06-11
Aceite | Accepted | Aceptación: 2018.12.20
Notas
[1] Audi, M. (2017). Que tal uma agência de publicidade sem sede, sem chefe e com remuneração aberta? É o que a Humans propõe In Projeto Draft. Disponível em https://projetodraft.com/que-tal-uma-agencia-de-publicidade-sem-sede-sem-chefe-e-com-remuneracao-aberta-e-o-que-a-humans-propoe/
[2] Bennin, K. & Kapoor, N. Agência do futuro: a próxima geração de modelos de operação para agências de marketing. Disponível em https://www.strategyand.pwc.com/report/agency-of-the-future
[3] Julio, K. Debate étnico-racial chega (atrasado) às agências. Disponível em http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2017/08/21/debate-etnico-racial-chega-atrasado-as-agencias.html.
[4] Sacchitiello, B. & Lessa, I. Assédio: o que as agências estão fazendo? Disponível em http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2018/11/19/assedio-o-que-as-agencias-estao-fazendo.html
[5] Este trabalho foi originalmente apresentado no IV Pró-Pesq PP - Encontro de Pesquisadores em Publicidade e Propaganda, que teve lugar de 23 a 25/05/2018 na ECA/USP, Brasil.
[6] Esta pesquisa foi realizada no site da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações. http://bdtd.ibict.br/vufind/
[7] Título da dissertação: Processualidades da cartografia nos usos teórico-metodológicos da pesquisa em comunicação social. Defendida no Programa de Pós-Graduação em ciências da Comunicação, da Universidade do Vale do Rio do Sinos - UNISINOS.
[8] Relembramos que doravante chamaremos por CCO o publicitário com o cargo de CCO de agência entrevistado, e por DIR, o diretor do veículo de comunicação sobre publicidade entrevistado.
[9] VICE é o maior grupo de mídia global do mundo focada em jovens. Conta com 36 escritórios espalhados em mais de 25 países e segue ampliando sua operação. Globalmente, opera uma plataforma de conteúdo digital (o VICE.COM), uma branded content house, uma produtora de filmes, uma gravadora, uma revista e uma produtora de branded experience. Disponível em https://www.vice.com/pt_br/page/about-58477f133bbbf901f85613df
[10] VICE é o maior grupo de mídia global do mundo focada em jovens. Conta com 36 escritórios espalhados em mais de 25 países e segue ampliando sua operação. Globalmente, opera uma plataforma de conteúdo digital (o VICE.COM), uma branded content house, uma produtora de filmes, uma gravadora, uma revista e uma produtora de branded experience. Disponível em https://www.vice.com/pt_br/page/about-58477f133bbbf901f85613df
[11] Disponível em https://www.b9.com.br/68633/em-qual-empresa-voce-deseja-trabalhar-2016/. Acessado em 09 de Janeiro de 2019
[12] Trataremos de cultura de maneira geral, ligada a comportamento organizacional e valores da empresa difundidos entre os funcionários.
[13] Título da Tese: Trabalho e Cultura em Agências de Publicidade do Brasil analisados sob perspectiva da Sustentabilidade Organizacional
Notas biográficas
Lucas Alves Schuch é Mestrando no programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Possui graduação em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pelo Centro Universitário Franciscano (2012). Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Criação Publicitária.
Pesquisador do grupo Nós Pesquisa Criativa.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0333974254217802
Email: schuch.lucas@gmail.com
Morada: Universidade Federal de Santa Maria, nº 1000. Prédio 21. FACOS - Sala 5235, Camobi 97105900 - Santa Maria, RS - Brasil
Juliana Petermann é Professora no Programa de Pós-graduação em Comunicação e no Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Coordenadora do grupo Nós Pesquisa Criativa.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9049669566284488
Email: petermann@ufsm.br.
Morada: Universidade Federal de Santa Maria, nº 1000. Prédio 21. FACOS - Sala 5235, Camobi 97105900 - Santa Maria, RS - Brasil