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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.19 no.34 Lisboa jun. 2019

https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_20 

ARTIGO

Reflexões sobre o discurso das publicidades de organizações privadas diante do cenário político brasileiro

Reflections on the discourse of the publicities from private organizations in face of the Brazilian political scene

Reflexiones sobre el discurso de las publicidades de organizaciones privadas ante el escenario político brasileño

Mariana Carareto*

Renata Calonego*

Roseane Andrelo*
http://orcid.org/0000-0003-4390-4037

*Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquista Filho”


 

RESUMO

Em busca de legitimação, empresas desenvolvem estratégias de comunicação apropriando-se dos contextos históricos e socioculturais para construir significados sobre elas, como é o caso da publicidade. Este trabalho, ao olhar para a conjuntura política vivenciada pelo Brasil após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, objetiva refletir sobre os impactos dos posicionamentos políticos disseminados em publicidades, considerando que as empresas possuem grande responsabilidade ao se comunicarem com a sociedade. Para isso, são analisadas as campanhas publicitárias do Habib’s e da Havan, que disseminam discursos sobre o contexto político brasileiro, tendo como fundamentação teórico-metodológica a análise de discurso midiático proposta por Charaudeau.

Palavras-chave: comunicação organizacional; responsabilidade; organizações privadas; posicionamento político; publicidade


 

ABSTRACT

In search of legitimation, companies develop communication strategies appropriating historical and sociocultural contexts to construct meanings about them, as is the case of advertising. This work, when looking at the political situation experienced by Brazil after the political coup against the government of President Dilma Rousseff, aims to reflect on the impacts of political positions disseminated in advertisements, considering that companies have great responsibility in communicating with society. For this, the study develops an analysis of Habib's and Havan's advertising campaigns, which disseminate discourses on the Brazilian political context, having as theoretical-methodological foundation the analysis of media discourse proposed by Charaudeau.

Keywords: communication; responsibility; private organizations; political positioning; impacts on society


 

RESUMEN

En busca de legitimación, las empresas desarrollan estrategias de comunicación apropiándose de los contextos históricos y socioculturales para construir significados sobre ellas, como es el caso de la publicidad. Este trabajo, al mirar la coyuntura política vivida por Brasil tras el golpe político contra el gobierno de la presidenta Dilma Rousseff, tiene como objetivo reflejar sobre los impactos de los posicionamientos políticos diseminados en publicidades, considerando que las empresas tienen gran responsabilidad al comunicarse con la sociedad. En este sentido, se analizan las campañas publicitarias de Habib's y Havan, que diseminan discursos sobre el contexto político brasileño, teniendo como fundamentación teórico-metodológica el análisis de discurso mediático propuesto por Charaudeau.

Palabras clave: comunicación; responsabilidad; organizaciones privadas; posicionamiento político; impactos para la sociedad


 

Introdução

Na sociedade contemporânea, verifica-se que o conteúdo midiático disseminado influencia a pauta de debates, mediados ou não pela tecnologia, e uma constante disputa de significados que reflete em comportamentos sociais diversos. Como consequência, os crescentes espaços de acesso à informação e interação estabeleceram uma inter-relação com a sociedade, exigindo maior compromisso social, ética e responsividade em diversos âmbitos. Por isso, entende-se que a comunicação no contexto das organizações adquire uma perspectiva relacional, necessitando considerar o momento sociocultural e as responsabilidades do seu poder de influência ao desenvolver estratégias discursivas em busca de uma legitimação organizacional.

Assim, o presente artigo parte da atual conjuntura brasileira, que, desde 2014, enfrenta uma crise política. Diante disso, observou-se que organizações passaram a utilizar discursos publicitários para se posicionarem em relação à situação vivenciada pelo país. Dessa forma, o objetivo deste estudo é refletir sobre os impactos dos posicionamentos políticos disseminados por empresas privadas em seus discursos publicitários, as quais se apropriaram do contexto como estratégia de legitimação de sua atividade empresarial na sociedade. Para isso, recorre-se à literatura sobre a comunicação organizacional e utiliza-se, como fundamentação teórico-metodológica, reflexões orientadas pela análise de discurso midiático, que considera o discurso um objeto sócio histórico compreendido pelo processo e pelas condições de produção da linguagem (Charaudeau, 2005, 2006).

A partir disso, foram analisadas as peças publicitárias do Habib’s, rede brasileira de restaurantes fast-food, relacionada ao processo de impeachment, e da Havan, rede brasileira de lojas de departamentos, fazendo menção à Operação Lava a Jato. As duas campanhas não são casos únicos e isolados que ocorreram, porém, foram escolhidas devido à repercussão e por permitirem refletir sobre a importância das organizações olharem para os impactos de sua comunicação e repensarem estratégias que possam gerar relações mais responsáveis com a sociedade.

As implicações do discurso publicitário com posicionamento político para legitimação organizacional

Desde 2014, o Brasil enfrenta uma profunda crise política que tem gerado graves consequências econômicas e sociais. A atual conjuntura foi marcada por três fatores principais: a Operação Lava-jato, os conflitos partidários no governo e o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

O início da crise é constatado com a divulgação da Operação Lava-Jato[1], conjunto de investigações realizadas pela Polícia Federal objetivando apurar esquemas de lavagem de dinheiro, crimes de corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta, organização criminosa, obstrução da justiça e recebimento de vantagem indevida. As investigações apontaram um grande escândalo de corrupção envolvendo membros administrativos da empresa estatal petrolífera Petrobrás, grandes empresas brasileiras, principalmente empreiteiras, e governantes e políticos de vários partidos.

Um dos partidos atingidos pela operação foi o Partido dos Trabalhadores (PT), tradicional força política da esquerda, que possui forte representação e ocupou o cargo de presidência de 2002 até 2016. Por esse motivo, uma série de reações foram verificadas, fragilizando o executivo: a mídia divulgou intensamente informações que culpabilizavam um único partido; ataques da oposição se tornaram constantes e intensos; e, as relações políticas no Congresso Nacional foram impactadas. Como consequência, ampliaram-se os conflitos partidários e, a oposição, com apoio de parte da opinião pública, conseguiu iniciar e consolidar o processo de impeachment da presidenta em exercício, Dilma Rousseff.

Com essa situação, verificou-se o aumento da discussão sobre a situação do país nas mídias sociais, as quais fomentaram uma série de movimentos e uma intensa troca de acusações político-partidárias, marcadas pela polarização de opiniões e debates intolerantes. Nesse contexto, algumas empresas adotaram um posicionamento político e passaram a disseminá-lo por meio de campanhas publicitárias. Porém, considerando a influência que as organizações podem exercer sob os indivíduos e o uso do discurso político em campanhas publicitárias, é importante refletir sobre as implicações dessa ação comunicacional em um cenário de conflitos ideológicos, crise política e de intensa desconfiança criada sobre os governantes.

A pertinência desse debate se ampara nas colocações de Castells (2007, p.56), o qual afirma que os contextos mundial, social e das instituições não estão separados da atividade empresarial, existe uma relação entre eles e, por esse motivo, “se a prática empresarial não assimila o que ocorre no mundo e deixa de contribuir para a transformação do contexto, sua dinâmica chega a um ponto de estancamento”. Corroborando com esse olhar, Lima e Oliveira (2014, p.91) entendem que “o ambiente empresarial na sociedade contemporânea é lócus de tomada de decisões que interferem na vida cotidiana do homem e na coletividade”, uma vez que influenciam tanto a construção da cultural, quanto o âmbito público.

Assim, acredita-se que, dentre ações organizacionais de interferência na sociedade, as ações comunicacionais empresariais precisam ser consideradas. Os discursos disseminados sobre assuntos públicos são compreendidos como estratégias que colaboram para uma organização expressar e conquistar “seus interesses, criar e reforçar canais de interlocução com os três poderes, nas esferas estadual e local e, também, legitimar-se perante a sociedade” (Pires, 2008, p.74).

Nesse sentido, a busca pela legitimação organizacional se ancora no panorama econômico, especificamente no que tange ao mercado cada vez mais competitivo, e social, que envolve o acesso às mídias sociais pelo público em geral, ampliando as cobranças feitas às organizações. Esse cenário, de acordo com Srour (2012) e Cornelissen (2011), tenciona elas a buscarem uma licença social para exercer suas funções, uma vez que o retorno social se torna tão importante quanto o aspecto financeiro para o sucesso organizacional.

Segundo Valentini, Romentini e Kruckberg (2016, p. 4063), esse contexto atribui, implicitamente, um papel fundamental a ser desempenhado pela comunicação das organizações, no sentido de manter as empresas funcionando e assegurar sua sobrevivência ao ser a responsável em garantir com que o “público perceba a razão de existência da organização”.

Desse modo, “a legitimação da atividade empresarial perante a sociedade é condição fundamental para a sustentação” de sua atuação, pois “sem a aceitação de suas atividades e sem a compreensão de seus valores pela sociedade, uma empresa dificilmente conseguirá levar à frente os seus propósitos” (Nassar, 2008, p.192). Para isso, o autor afirma que é na comunicação e nos relacionamentos que ocorrem os processos sociais que legitimam e consolidam a organização na sociedade.

Considerando a indispensável atuação social nesse processo, Castells (2017, p.59) explica que “a legitimidade depende em grande parte do consentimento obtido pela construção de significado compartilhado […]. O significado é construído na sociedade por meio do processo de ação comunicativa”. De acordo com o autor, esse processo é marcado pelas relações de poder, que definem o grau de influência que um ator possui diante das decisões de outros atores sociais. Diante disso, entende-se que as organizações são atores com alto poder de influência e suas ações têm potencial de interferência na realidade social.

Assim, para além das estratégias de legitimação, defende-se que o poder da comunicação organizacional tem potencial para mobilizar os indivíduos e influenciar suas opiniões, interferindo em questões coletivas e refletindo na intensificação dos conflitos ideológicos e debates superficiais sobre política. Por isso, acredita-se ser fundamental a comunicação organizacional agir com responsabilidade. Nesse caso, a responsabilidade é compreendida a partir da relação entre o reconhecimento do poder da comunicação (Castells, 2017) e da responsabilidade empresarial (Srour, 2013).

Para Srour (2013), a responsabilidade nas ações empresariais parte de questões éticas que determinam a Teoria da Responsabilidade. Essa teoria está relacionada a ação pelo bem comum, ou por questões universalistas, considerando que os atos são de responsabilidade de quem os pratica, por isso “os agentes priorizam as consequências das decisões e ações” (Srour, 2013, p. 102). Assim, de acordo com o autor, ela não é baseada em princípios, normas ou valores que determinam a prática, sua proposta é que os agentes realizem uma análise da situação para reconhecer as consequências que uma decisão pode causar. Ou seja, os agentes devem olhar para as opções e agir diante daquela que “traz benefícios maiores à coletividade […]” (Srour, 2013, p.104).

Diante disso, compreende-se que a atuação responsável da comunicação está relacionada ao reconhecimento de seu poder e à tomada de decisões estratégicas que impactem minimamente a sociedade. Nesse caso, as estratégias devem considerar em suas mensagens o tipo de informação disseminada, a veracidade e profundidade, uma linguagem que não estimule preconceito, violência, reforço de estereótipos, ou seja, discursos que causem mínimos impactos paras as relações e contextos sociais.

Com esse olhar, ressalta-se que a comunicação organizacional vai além de seu viés instrumental e informacional, adquirindo uma perspectiva relacional por ser compreendida “a partir de um contexto conformado pela relação entre interlocutores”, sendo as organizações sujeitos sociais que, em interação com os indivíduos da sociedade, configuram esse contexto (Lima, 2008). Valentini, Romentini e Kruckberg (2016, p. 4063) ratificam essa compreensão ao afirmarem que ela “não pode ser representada por um simples modelo de transmissão onde um emissor envia uma mensagem para um receptor em um canal; ao contrário, […] é um processo de interação simbólica em que diferentes indivíduos atuam como receptor e emissor” (tradução nossa). Por isso, os autores são enfáticos em salientar que a comunicação se configura em um elemento estruturante da sociedade.

Segundo McPhee & Zaug (2009 apud Valentini, Romantini e Kruckeberg, 2016, 4063), esse olhar é pautado na premissa de que “as práticas discursivas que são empregadas todos os dias pelos membros das organizações auxiliam na constituição de significados em sua vida organizacional”, de maneira a moldar a própria organização. Nesse sentido, pode-se admitir que a comunicação organizacional se refere a “um processo de construção conjunta entre interlocutores (sujeitos sociais), a partir de discursos (formas simbólicas que trazem as marcas de sua produção, dos sujeitos envolvidos e do contexto), em situações singulares (dentro de um determinado contexto)” (Lima, 2008, p.114).

Os discursos na sociedade são envolvidos por contextos históricos e socioculturais que representam as percepções de mundo dos indivíduos, influenciando a construção de sentidos sobre diversas questões (Lima & Oliveira, 2014; Almeida & Souza, 2014). Da mesma forma, os discursos organizacionais “expressam um conjunto de normas e valores correntes em nossa sociedade […] são, portanto, expressão da cultura contemporânea e também elementos que a atualizam (Lima & Oliveira, 2014, p. 90).

Em última instância, entende-se, segundo Hall (2005, p. 342) que “os discursos na sociedade são os meios pelos quais as pessoas tornam significativo o mundo”. Isto é, a significação que um discurso recebe está diretamente vinculada ao contexto sociocultural e histórico em que foi construído, sendo que a partir dele as representações existentes na sociedade são estabelecidas. No âmbito organizacional, os discursos se conformam como espaços para a divulgação dos princípios e símbolos/cultura da própria empresa, sendo um dos principais motivos para as organizações agregarem valores e posicionamentos em seus discursos a aproximação com seus públicos (Mello, 2010).

Assim, ao buscarem construir significados para se legitimarem, as organizações podem enfrentar efeitos causados pelo seu discurso: os indivíduos reagem diante dele, criam significados e podem reconstruí-lo (Almeida & Souza, 2014). Nesse sentido, as autoras explicam que o discurso organizacional é marcado por uma relação dialógica, ou seja, construída pela interação entre os interlocutores. Por isso, ele é capaz de influenciar, mas também é influenciado, pois não é envolvido apenas pelo ato enunciativo, mas também pelos contextos que representam a realidade dos indivíduos com quem as organizações se relacionam.

Considerando a relação dialógica, as estratégias discursivas das organizações possuem efeitos sob os indivíduos podendo interferir em seus comportamentos, fomentar hábitos, intensificar conflitos, criar cenários que impactam na realidade e relações sociais. A partir disso, é possível estabelecer uma relação entre os discursos apresentados em campanhas publicitárias com as situações cotidianas em que os indivíduos estão inseridos. Ou seja, as campanhas assumem estratégias para construir sentidos diante dos interesses pautados pela sociedade, de acordo com os contextos sociais, culturais e políticos que circulam.

Tal raciocínio se ampara no entendimento de Dyer (1982) de que a publicidade desempenha um papel significativo na forma das pessoas vivenciarem seus contextos sociais. De modo semelhante, Morris e Waldman (2011, p. 947) apontam que “as publicidades fazem mais do que comunicar sobre seus produtos e serviços; elas também nos dizem o quê o produto significa ao modo em que vivemos” (tradução nossa).

Lester e Valdivia (1997 apud Morris e Waldman, 2011) reforçam essa concepção ao indicarem que campanhas publicitárias fazem uso de práticas e referências culturais objetivando impactar o comportamento social ao mesmo tempo que acabam por influenciar os valores, normas e desejos das pessoas. Morris e Waldman (2011, p. 947) complementa afirmando que “ao lado de discursos de vendas, estão textos sociais e culturais que nos ajudam a entender as mensagens do comercial […] publicidades refletem e moldam simultaneamente a cultura” (tradução nossa).

Por isso, situações cotidianas são tão utilizadas como uma estratégia no âmbito da comunicação mercadológica, o que, conforme sugere Kunsch (2003), torna-se um meio de desenvolver relacionamentos para consolidação da marca. Essa estratégia não tem como único objetivo divulgar um produto ou um serviço, ela também objetiva a disseminação de ideias, princípios e valores sobre a organização, constituindo-se como um “importante e fundamental processo dinamizador do discurso organizacional na medida em que potencializada sua visibilidade e abrangência discursiva” (Baldissera & Stocker, 2015, p.147). Por isso, ao entender que a ação da comunicação organizacional ocasiona a construção de sentidos, é preciso olhar como os discursos circulam e são produzidos, pois eles “têm potência para influenciar na configuração da cultura, naturalizando e (re)afirmando modos de ser e estar no mundo” (Baldissera & Stocker, 2015, p. 146).

Diante disso, entende-se que as mensagens de uma publicidade são capazes de criar significados sobre a realidade dos sujeitos, influenciando as opiniões e os comportamentos. Nesse sentido, é importante destacar que, no Brasil, a publicidade, mais comumente, pautava-se em textos ligados ao humor e ao erotismo, sobretudo o que envolvia o corpo feminino. No entanto, conforme apontam Kotler, Kartajaya e Setiawan (2010, p. 139), "[…] um número cada vez maior de consumidores prefere as empresas cujas atividades causam impactos socioculturais positivos". Os autores destacam que os indivíduos da sociedade contemporânea, devido aos reflexos do advento das mídias sociais, estabelecem uma relação diferente com as organizações, sendo que a confiança, dentre outros fatores, passa a ser pautada pelos valores presentes no comportamento corporativo.

Ao observar esses fatores, verifica-se que recentemente, no Brasil, as estratégias discursivas das organizações se aproximaram muito de temáticas socioculturais. Com isso, a temática da política se torna mais presente na estratégia de algumas organizações justamente a partir do impeachment, período no qual o assunto ganha visibilidade na grande imprensa e nas mídias sociais.

Assim, ao considerar a atual conjuntura política brasileira, percebe-se que empresas passaram a adotar o discurso anticorrupção para desenvolver estratégias comunicacionais que colaborem com a legitimação organizacional, seja para conseguir mais visibilidade, ao se apoiar na pauta em que uma parcela da população reivindica, conquistando sua confiança, ou para defender seus interesses empresariais em relação às políticas públicas. Contudo, percebe-se que, com algumas exceções - caso das empresas cujos anúncios foram escolhidos para análise -, a menção às questões políticas foi pontual e não fez parte da comunicação organizacional de forma mais abrangente.

Diante disso, entende-se que uma publicidade pode intensificar a construção de significados sobre a questão política do país, influenciando a percepção dos indivíduos e acarretando em consequências devido à falta de profundidade e informações sobre a realidade e os interesses que ocasionaram o cenário de instabilidade. Pois, ao assumir e disseminar um discurso com posturas políticas, em um contexto com consequências para a democracia e para os direitos básicos dos indivíduos, pode resultar problemas em relação às responsabilidades que as organizações possuem com a sociedade.

O discurso político das campanhas publicitárias do Habib’s e da Havan

Para fazer reflexões sobre as implicações que os discursos podem gerar, foi realizada uma análise das campanhas publicitárias da Havan e do Habib’s, que se apropriaram da situação e discussão política do país, considerando o olhar de responsabilidade que uma organização possui ao se comunicar.

O Habib’s se apresenta em seu site como a maior rede de restaurantes brasileira e a maior rede de comida árabe do mundo. Trabalha com o sistema de franquias, o que permite a presença em vários municípios brasileiros. Está no mercado há 28 anos, tem 22.000 empregados e 430 restaurantes[2]. Com perfil popular, investe com frequência em publicidade, normalmente, com perfil promocional, divulgando preços considerados acessíveis, sobretudo, das esfirras, seu principal produto.

A Havan é uma rede de lojas de departamento, que vende em torno de cem mil produtos nas 120 filiais distribuídas por 15 Estados do Brasil. Atualmente, o Grupo Havan inclui outros empreendimentos no Sul do País, nos segmentos de geração de energia elétrica, postos de combustível, factoring, hotelaria, entre outros[3]. No site da empresa, as principais informações destacadas estão associadas ao proprietário da rede, Luciano Hang.

Os anúncios analisados foram escolhidos, basicamente, por três motivos: 1) referem-se a grandes empresas com muitos consumidores, de perfis variados; 2) foram divulgados em redes de televisão com abrangência nacional; e 3) acredita-se que os anúncios, mais do que promocionais, tiveram posicionamento político claro em um momento de ampla polarização no Brasil e, consequentemente, produziram sentidos sobre o conturbado contexto político.

Para a compreensão do ethos discursivo das organizações analisadas, escolheu-se como referencial teórico-metodológico a análise de discurso midiático (Charaudeau, 2005; 2006), afinal, o discurso, visto como um objeto sócio histórico, precisa ser compreendido também pelo processo e pelas condições de produção da linguagem. Para Charaudeau, o ato comunicativo consiste na troca entre duas instâncias: de produção e de recepção. Considera-se, portanto, que o sentido gerado é resultado da relação de intencionalidade entre elas, o que vai determinar três lugares de pertinência: “o da instância de produção, submetida a certas condições de produção; o da instância de recepção, submetida a condições de interpretação; o do texto como produto, que se acha, enquanto tal, submetido a certas condições de construção.” (Charaudeau, 2006, p. 24).

No que tange ao lugar das condições de produção, o ponto central baseia-se no fato do produto ser feito para um destinatário pensado como alvo ideal. São considerados os seguintes aspectos: como incitar o público a se interessar pelo conteúdo divulgado; como determinar a natureza de seu interesse (segundo a razão) ou de seu desejo (afetividade); como medir os graus desse interesse ou desejo; como levar em conta as diferenças intelectuais. Já no lugar das condições de recepção, tem-se o destinatário ideal, ou seja, o alvo do produto midiático, mas também o receptor real, que consome e interpreta as mensagens difundidas. A interpretação que ele fará do produto midiático vai depender de aspectos como o grau de escolarização, o repertório, o espaço geográfico em que está inserido entre outros. Da troca entre emissor e receptor, surge o produto final ou o lugar das restrições de construção do produto, onde todo discurso se configura em texto, segundo certa organização semiodiscursiva feita de combinação de formas, umas pertencentes ao sistema verbal, outras a diferentes sistemas semiológicos: icônico, gráfico, gestual.

Dessa forma, utilizou-se duas técnicas de análises, a denotativa e a conotativa, a fim de identificar a produção de sentido, a partir de elementos que englobam recursos técnicos e estéticos, estratégias, valores, padrões, entre outros. A partir disso, é possível olhar para os dois casos propostos neste estudo.

A Havan, após boatos na internet que associaram a marca aos ex-presidentes Lula e Dilma, passou a divulgar em programas de televisão e via Facebook seu apoio à Lava Jato, por meio do porta-voz Luciano Hang, dono da empresa. Em meio a esse cenário, diversas peças publicitárias com essa temática foram divulgadas, tanto por mídias sociais, quanto por televisão aberta, sendo uma delas o comercial analisado. A peça utiliza do nome da Operação Lava-Jato para vender lavadoras de alta pressão, relacionando o uso delas com a limpeza da corrupção no país e divulgando o apoio da empresa à Operação (Figura 1).

 

 

[4]

O discurso é formado pelas seguintes frases, enunciadas por um narrador: “A Havan apoia a Lava Jato. Os brasileiros também. Por isso está fazendo uma mega liquidação de lava-jatos Havan. Confira esta oferta imperdível. ” Após apresentar o produto a ser vendido, com imagens e especificações, o narrador finaliza com a informação: “Vamos passar o Brasil a limpo” e, então, divulga a abertura de mais uma loja da empresa.

Diante disso, considerando as instâncias de produção, recepção e texto propostas por Charaudeau (2005, 2006), observa-se que, primeiramente, a Havan, enquanto polo emissor, tem suas condições de produção diretamente associadas ao dono da empresa, que em entrevistas, vídeos autorais e até mesmo em comerciais da loja, posiciona-se claramente na esfera política. Em janeiro de 2018, o empresário divulgou um vídeo[5] em que solta treze minutos de fogos de artifícios para comemorar a condenação do ex-presidente Lula, antecessor e do mesmo partido de Dilma Rousseff, reforçando seu posicionamento político que acaba sendo associado com a sua rede de lojas.

Relativo ao comercial, observa-se que uma estratégia é incitar o público a se interessar pelo conteúdo divulgado relacionando, diretamente, o produto anunciado com o cenário político do país, comunicando claramente o apoio à Operação Lava-Jato. Assim, percebe-se que a intencionalidade é a divulgação do material de limpeza de lava jatos, mas aproveitando-se dos nomes da Operação e do produto com um objetivo publicitário.

Nota-se, também, um interesse institucional, em segundo plano, em assumir uma opinião política acerca da realidade brasileira, o que pode ser criticado por apresentar um conteúdo relevante, sem dispor de mais informações. Em última instância, pode-se questionar se o interesse do posicionamento político no comercial da Havan é apenas de cunho publicitário, ou se há interesse pessoal do empresário, já que seu posicionamento político é de conhecimento público.

Na perspectiva da recepção, pode-se inferir que o destinatário ideal é aquele que se identifica com o conteúdo exposto por possuir a mesma opinião política apresentada no comercial e/ou esteja interessado em comprar uma lavadora de pressão com preço promocional. Por outro lado, tem-se o receptor real, que ao consumir o que foi difundido, faz interpretações. Assim, considerando a difusão nacional do comercial, a instância da recepção se constituiu diante dos contextos que os indivíduos estão envolvidos, suas opiniões e seus interesses e necessidades.

Nesse sentido, entende-se que o discurso publicitário pode, potencialmente, intensificar a polarização política existente no cenário brasileiro ao expor uma temática complexa meramente com fins mercadológicos, justamente por ter sua mensagem difundida entre destinatários ideais e reais diversos. Ou seja, o comercial pode reforçar um posicionamento político no indivíduo sem instigar reflexões e ocasionando embates ideológicos e conflitos, assim como pode tornar a temática política banalizada ao se apropriar da semelhança dos nomes da Operação e do produto. Além disso, no que tange ao receptor real, o qual pode interpretar negativamente - segundo o propósito do material - a mensagem emitida, tem-se a possibilidade da construção de um discurso de ódio devido à propagação de um discurso polarizado e enfático acerca do contexto.

Partindo, então, da troca entre emissor e receptor, tem-se o produto final com o discurso configurado em texto. Referente à análise denotativa, observa-se que o comercial apresenta recursos estéticos e técnicos simples, com troca de cenas de imagens congeladas e narrador ao fundo, que reproduz, praticamente, as escritas apresentadas nas telas, sempre em caixa alta. O pano de fundo se apresenta preto e cinza, com rabiscos, para depois mostrar a limpeza que o lava-jato pode fazer, o que é enfatizado, posteriormente, com a troca do fundo para uma imagem clara e limpa. Ressalta-se, também, que tanto a venda do produto, quanto a identidade visual da Havan, são destaques ao longo do comercial, sendo ausente a presença de qualquer personagem. Para a análise conotativa, como o próprio comercial deixa explícito, é feita a menção da Operação Lavo-Jato. O material passa a ideia da limpeza, fazendo correlação da sujeira com a corrupção nacional, aproveitando-se da Operação para divulgar a promoção do produto que leva o mesmo nome, além de enfatizar o desejo em “passar o Brasil a limpo”.

O posicionamento político da organização é claro: apoio à Operação Lavo-Jato. Com isso, percebe-se que sua estratégia publicitária permeia um posicionamento político institucional para gerar identificação com os brasileiros que compartilham da mesma opinião, sendo que, segundo a mensagem transmitida, acredita-se que todos os brasileiros possuem tal entendimento político (receptor ideal). Os valores e padrões reforçados na publicidade transpassam por questões relativas à limpeza e sua ideia de transparência, organização e purificação da política, remetendo, também, em segunda instância, elementos sobre ética e honestidade.

A segunda peça analisada é da rede de fast food Habib’s. A empresa desenvolveu uma campanha durante o processo de impeachment, nomeada como Fome de Mudança, para incentivar o apoio dos indivíduos nas manifestações a favor do afastamento de Dilma Rousseff. A campanha representou o momento político ao disseminar, nas mídias sociais e nas lojas, as quais foram decoradas de verde e amarelo e ofereceram cartazes para a manifestação, um discurso sobre a importância de salvar e unir o país[6]. A estratégia selecionada para a análise (Figura 2) é um comercial, divulgado na internet e na televisão, na véspera da votação do impeachment.

 

 

[7]

O conteúdo do vídeo apresenta, inicialmente, diversos cenários - um gabinete político, um escritório da Bolsa de Valores e uma manifestação de rua - acompanhados com falas enfáticas de diferentes indivíduos informando: “caiu”. Diante da informação, indivíduos separados por grupos que estão de vermelho e grupos de verde e amarelo passam a comemorar o ocorrido e, então, um narrador diz: “O Habib’s uniu o Brasil. O preço da Bib’sfiha de frango caiu para menos de um real”. Posteriormente, o comercial é finalizado com a imagem da esfirra de frango e o valor de setenta e nove centavos de real.

Partindo da divisão proposta por Charaudeau (2005, 2006), observa-se que o Habib’s, enquanto polo emissor do material divulgado, utiliza uma estratégia publicitária objetivando, como afirma o diretor de marketing da empresa, apresentar em seus comerciais assuntos cotidianos das pessoas de forma bem-humorada (Julio, 2017). Para a empresa, essa é uma forma de competir com as outras redes de fast food existentes no país, aproveitando-se da potencialidade de um grupo nacional manter as campanhas atualizadas com a realidade social. Apesar do Habib’s afirmar não ter intenções partidárias, o apoio às manifestações contra o governo foi publicamente declarado com as campanhas divulgadas.

A intenção da campanha é atrair o destinatário ideal que compartilha dos mesmos valores, mesmo diante do alto risco de repercussões negativas devido ao cenário polarizado, podendo afastar os indivíduos com posicionamentos diferentes. Portanto, verifica-se a instância do receptor real, ou seja, a interpretação do discurso realizada pelo sujeito a partir de seu repertório e outros elementos pessoais que irão influenciar na forma como ele se relaciona com a empresa. Assim, o comercial pode ter tido destaque devido à diminuição do preço do produto, como também, pode ter influenciado consumidores com a mesma opinião a ir em manifestações (uma ação concreta), ou então, instigado uma reação negativa daqueles que são contrários ao posicionamento da empresa.

Igualmente ao contexto das lojas Havan, a divulgação nacional do comercial, em ambiente televisivo e digital, agrega uma possibilidade de abrangência ampla entre variados receptores, tornando a estratégia publicitária ainda mais crítica diante do cenário de polarização e conflitos. Apesar da escolha da empresa em utilizar como estratégia publicitária pautas da sociedade, o discurso exposto não fica isento de um posicionamento político que pode ecoar, para além de fins de negócios, consequências sociais significativas. As divergentes opiniões políticas podem repercutir de diversas maneiras, seja influenciando os indivíduos a tomar decisões ou, até mesmo, instigando conflitos marcados pelos discursos de ódio entre ideologias políticas diferentes. A situação se agrava frente ao tratamento humorístico do tema, reduzindo o debate político à comicidade.

Seguindo para a análise do produto final, o estudo denotativo indica um alto investimento em recursos estéticos e técnicos no comercial, uma vez que aparenta a necessidade de uma produção visual, com gravações em cenários distintos, personagens variados e elementos criativos e de caracterização intencionalmente alocados, como a personificação da figura de um político e a representação de manifestações. Faz uso de ornamentos nacionais (faixas, bandeiras), além do emprego constante das cores verde, amarelo e vermelho, este último, a cor da marca Habib’s. Destaca-se, também, que a divulgação do produto, com a exibição de sua imagem, ocorre apenas nos últimos segundos do vídeo, não sendo um elemento enfatizado no material.

Em uma perspectiva de conotação, o contexto utilizado para construir a mensagem está associado à tensão política do impeachment, indagando se iria “cair ou não cair” - sair da presidência ou não - para fazer alusão à queda do preço de um produto. Para reforçar a associação com o cenário político, a frase “O Habib’s uniu o Brasil” é utilizada exibindo indivíduos vestindo camisetas verde e amarela e, outros, vermelha, abraçando-se em comemoração à queda do preço ou à queda da presidenta. A demonstração de tais personagens insinua as recorrentes manifestações que ocorreram no país, onde quem trajava verde e amarelo era, geralmente, a favor do impeachment e os manifestantes de vermelho apoiavam a presidenta e seu partido. Outros elementos que enfatizam tal compreensão são a figura do político que aparece no início do vídeo e a menção a um funcionário da Bolsa de Valores, altamente suscetível às questões políticas.

Entre os valores e padrões reforçados está a união, indicando que a queda do preço juntaria as pessoas para irem ao Habib’s. Por outro lado, observa-se, em um segundo plano, uma sugestão de que o impeachment seria o melhor para unir o Brasil, principalmente, diante das comemorações por causa da “queda”. Dessa maneira, entende-se que a empresa assume um posicionamento político e utiliza a publicidade para a construção de sentidos sobre o cenário brasileiro.

Diante da análise das campanhas publicitárias selecionadas e seus posicionamentos políticos, pode-se considerar que, na perspectiva da responsabilidade que as organizações possuem ao se comunicar, apresentam discursos que podem interferir no contexto político atual. Isso porque, ambas as empresas abordam uma temática complexa e séria para a sociedade brasileira de maneira jocosa, sem seriedade, superficial, que não promove o diálogo, nem proporciona a reflexão.

Considerações: reflexões sobre o discurso político nas publicidades

A partir do que foi apresentado, observa-se que determinadas organizações estão adotando discursos anticorrupção como uma oportunidade para desenvolver estratégias comunicacionais para a legitimação organizacional. No entanto, acredita-se que adotar tais posicionamentos pode acarretar consequências para os sujeitos envolvidos, seja a organização ou a sociedade em si.

Nos casos estudados, percebe-se a busca por uma legitimação organizacional, amparada em discursos publicitários com situações cotidianas do contexto social, como uma estratégia de aproximação com o público para se manterem competitivas no mercado. No entanto, a sensibilidade acerca da temática escolhida e a forma como foi disseminada demonstram problemas em relação ao retorno social e às responsabilidades das organizações diante de suas atitudes, conforme proposto por Srour (2012).

Nesse sentido, somando-se à perspectiva de Valentini, Romentini e Kruckberg (2016), foi compreendido que as estratégias utilizadas, por serem meramente instrumentais e não induzirem informações mais profundas compondo, por exemplo, uma campanha de conscientização sobre os problemas políticos existentes no país, tem como intuito único a visibilidade. Ou seja, foram desenvolvidas apenas pelo olhar econômico e comercial dos anúncios publicitários e não considerando as questões sociais que envolvem o contexto brasileiro.

Diante disso, é possível refletir, a partir da perspectiva de Castells (2017), que as duas organizações utilizaram seu poder por meio da comunicação como uma forma persuasiva para conquistar o interesse dos indivíduos. Pois, não há, considerando a responsabilidade e a perspectiva relacional da comunicação, uma construção de sentido compartilhada entre as empresas analisadas e a sociedade mais reflexiva e colaborativa sobre a questão política.

Isso demonstra que a análise possibilita observar fatores que colaboram para refletir sobre os impactos das peças publicitárias com discursos políticos, considerando que as empresas possuem grande responsabilidade ao se comunicarem com a sociedade. De um modo geral, ao comparar o conteúdo das peças e o contexto que foram disseminadas, entende-se que os discursos com posicionamento político podem refletir em implicações sociais, uma vez que as publicidades, ao mesmo tempo em que são espelhos da sociedade, também influenciam na configuração da cultura (Morris e Waldman, 2011).

Primeiramente, destaca-se a responsabilidade que as organizações possuem devido seu poder de influência e dos impactos gerados por sua ação. No caso do discurso político, em uma campanha veiculada em qualquer meio de comunicação, essas empresas estão reforçando e apoiando uma situação política complexa e com consequências democráticas. Diante disso, é possível, inclusive, questionar quais são os interesses por trás da veiculação desses discursos: meramente visibilidade utilizando o contexto oportunamente ou intenções relacionadas a interesses empresariais que são atendidos por partidos políticos que assumiram o poder? Considerando as decisões em relação às negociações do Refis (mecanismo de crédito para empresas), a reforma trabalhista e discussões sobre a reforma previdenciária, são empresas que ajudaram a disseminar um discurso que favorece as relações com um governo que desenvolve programas benéficos aos empresários.

Outra reflexão gerada é em relação à intensificação da polarização como consequência do discurso disseminado, pois ao olhar para o contexto brasileiro e verificar que há uma divisão agressiva entre direita e esquerda, as peças incentivam os embates e conflitos, os quais têm gerado discursos de ódio e um movimento conservador. Utilizar o discurso anticorrupção de forma superficial, reforçar acusações a políticos e partidos ou comemorar, como um campeonato esportivo, uma situação política grave, colabora para a construção de sentidos baseados em muitos estereótipos e poucas reflexões. São discursos que não informam, ao contrário, fortalecem a intolerância entre as pessoas e não orientam debates construtivos.

Desse modo, considerando o poder da comunicação indicado por Castells (2017) e a responsabilidade empresarial proposta por Srour (2013), observa-se que as campanhas estudadas não optaram por um discurso que estimule uma maior reflexão sobre o contexto político por meio de uma linguagem tolerante, branda e neutra. Ao contrário, apresentaram uma comunicação repleta de estereótipos e despreocupada com a veracidade.

Cabe ressaltar que, independente da opinião dos indivíduos e empresários sobre o que é certo ou não politicamente, ao olhar como os posicionamentos em questão foram expostos e disseminados, entende-se que esses discursos publicitários não agregam informações úteis sobre a situação brasileira e não consideram com seriedade a crise enfrentada. Portanto, tendo como embasamento a Teoria da Responsabilidade, pode-se inferir que tais publicidades não priorizaram os efeitos de suas decisões e ações. Com isso, admite-se que essas empresas não realizaram escolhas responsáveis com essas campanhas, pois não pensaram na coletividade, mas sim em interesses próprios.

Por último, é fundamental compreender que, do ponto de vista organizacional, ao assumir um posicionamento único, todos os indivíduos atuantes na organização são representados por ele, mas não necessariamente possuem a mesma opinião. Resgatando o entendimento de McPhee & Zaug (2009) de que os discursos utilizados na rotina das organizações criam significados em seu ambiente e, a concepção de Valentini, Romantini e Kruckberg (2016) que os discursos configuram a organização, fica evidente a ausência de responsabilidade das empresas estudadas ao assumirem uma postura política tão enfática em um contexto polarizado. Ou seja, ao invés de consolidar a organização como um ambiente coletivo e democrático, permitindo liberdade de opiniões sobre quaisquer assuntos, cria-se um espaço de imposições e inibições, impedindo, até mesmo, o desenvolvimento de uma comunicação embasada pelo diálogo.

Diante desses fatores, ao refletir sobre a responsabilidade de comunicação das organizações, entende-se que ao olhar para o poder e influência que elas possuem, é preciso que as estratégias de comunicação, seja uma campanha para empregados ou uma publicidade, considere não apenas os contextos em que os indivíduos estão envolvidos, mas suas consequências e implicações que podem ser causadas para eles. O principal motivo é que ao disseminar informações superficiais, defender apenas os interesses próprios nos posicionamentos ou se aproveitar de situações para ter visibilidade, por mais que gere algum tipo de retorno ou apoio, pode refletir em questões que vão além do limite organizacional, que dizem respeito a toda a sociedade, como democracia e direitos básicos.

A comunicação organizacional pode utilizar estratégias para atender a todas as expectativas mercadológicas da organização, porém é fundamental que isso seja realizado de forma responsável, compreendendo e considerando todos os impactos que podem ser causados. Essa reflexão se faz cada vez mais urgente à medida em que estudos sobre a comunicação organizacional convergem para o entendimento da comunicação como um processo de interação simbólica que estrutura a sociedade, pois as organizações são sujeitos sociais em constante relação com seus interlocutores, ou seja, a sociedade. (Valentini et al., 2016; Lima, 2008).

Sendo assim, não se pode mais olhar apenas para o viés somente instrumental, onde o emissor envia uma mensagem ao receptor e o processo se encerra. Existem inúmeras variáveis que refletem diretamente na percepção de mundo dos indivíduos e que, em última instância, influenciam em suas opiniões em relação à diversas temáticas relevantes, seja sobre a naturalização de padrões estéticos femininos, a sexualização do corpo da mulher ou sobre política, etc.

Com isso, faz-se necessário a reflexão, por parte das organizações, acerca dos sentidos que podem ser construídos a partir de seus discursos com posicionamentos políticos. Isso porque os discursos que circulam possuem potência para reafirmar representações (Hall, 2005) e naturalizar valores e visões de mundo (Baldissera e Stocker, 2015). Ou seja, quando se assume de forma superficial e, de certo modo, jocosa, uma postura política frente a um contexto de tensão, depreende-se que as possibilidades em criar ou sustentar na sociedade uma concepção trivial sobre a temática são maiores.

No cenário brasileiro, onde a democracia é relativamente nova e a política é pouco debatida a fundo, admite-se que tais campanhas analisadas reforçam uma perspectiva negativa para o desenvolvimento do pensamento crítico político, uma vez que elas podem potencializar o estímulo à banalização de um assunto sério, à disseminação de notícias falsas e à formação de discursos de ódio, extremismo, entre outros. Ou seja, faz-se imprescindível que elas, para assumirem uma postura responsável diante de seu poder, pensem nos impactos que essas estratégias de comunicação podem causar, principalmente, por não corroborarem para a pluralidade de ideias e garantia da democracia.

 

BIBLIOGRAFIA

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Recebido | Received | Recebido: 2018.08.16
Aceite | Accepted | Aceptación: 2018.12.12

 

Notas

[1] Informações disponíveis em: http://arte.folha.uol.com.br/poder/operacao-lava-jato/

[2] Informações disponíveis em: https://www.habibs.com.br/institucional/sobre-o-habibs

[3] Informações disponíveis em: https://cliente.havan.com.br/Portal/Institucional/LinhaDoTempo

[4] Disponível em https://www.facebook.com/Havanoficial/videos/1615718061794904/. Acesso em: 28 set. 2017.

[5] Disponível em https://www.facebook.com/LucianoHangOficial/videos/2004313179808197/. Acesso em: 2 abr. 2018.

[6] Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1748807-rede-de-lanchonetes-habbibs-convoca-clientes-a-protestos-de-domingo.shtml. Acesso em: 2 abr. 2018.

[7] Disponível em https://youtu.be/F17S5s-VFBM. Acesso em: 28 set. 2017.

 

Notas biográficas

Mariana Carareto é Doutoranda em Comunicação no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp de Bauru, Mestre em Comunicação com ênfase em Comunicação Midiática pela mesma instituição, Especialista em Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas (2014) pela Universidade de São Paulo (USP) e graduada em Relações Públicas (2012) pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Tem experiência como docente em disciplinas de Relações Públicas e profissional na área de comunicação organizacional, relações públicas e pesquisa de opinião, mercado e mídia. Atualmente, pesquisa sobre os desafios e responsabilidades da comunicação organizacional na sociedade mediatizada.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/2964354401293626

E-mail: marianacarareto@gmail.com

Morada: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação de Bauru. Av Eng Luiz Edmundo Carrijo Coube, nº 14-01 Vargem Limpa 17033360 - Bauru, SP - Brasil

 

Renata Calonego é Doutoranda em Comunicação no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp de Bauru, Mestre em Comunicação com ênfase em Comunicação Midiática pela mesma instituição e graduada em Relações Públicas (2016) pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Durante o mestrado, teve experiência como docente em disciplina de Relações Públicas com foco na área de comunicação organizacional. Ao longo da graduação, produziu duas iniciações científicas, tendo realizado um estágio de pesquisa no exterior na The Open University, Inglaterra, por meio da Bepe/Fapesp. Atualmente, estuda a comunicação em seu âmbito crítico, considerando suas responsabilidades na sociedade midiatizada. Seus interesses permeiam temáticas que envolvem gênero, cultura de paz, relações e contextos socioculturais.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/8686364249439466

E-mail: rcalonego@gmail.com

Morada: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação de Bauru. Av Eng Luiz Edmundo Carrijo Coube, nº 14-01 Vargem Limpa 17033360 - Bauru, SP - Brasil

 

Roseane Andrelo é Docente na Pós-graduação em Comunicação e do curso de Relações Públicas da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (Unesp), Brasil.

Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Relações Públicas e Jornalismo, atuando principalmente nos seguintes temas: rádio, comunicação dirigida, comunicação educativa, educação corportiva, mídia-educação e educação às mídias.

Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4737584J0

E-mail: roseane.andrelo@unesp.br.

Morada: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação de Bauru. Av Eng Luiz Edmundo Carrijo Coube, nº 14-01 Vargem Limpa 17033360 - Bauru, SP - Brasil

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