Podcasts: uma tecnologia que abriu portas a novos conteúdos
O podcast representa uma tecnologia de distribuição, subscrição e consumo de conteúdos em áudio, cuja produção pode partir de rádios, jornais ou outros órgãos de comunicação, instituições educativas, produtores independentes, ou radioamadores (Bonini, 2015).
Hammersley (2004) escreveu pela primeira vez no britânico The Guardian aquele que seria o nome dado à tecnologia desenvolvida por Adam Curry e Dave Winer (Crofts et al., 2005) e aos conteúdos originais produzidos para distribuição através dessa tecnologia:
Reprodutores de MP3, como o iPod da Apple em muitos bolsos, software de produção de áudio barato ou gratuito e a tecnologia de weblogging com uma parte já estabelecida da Internet; todos os ingredientes estão aí para uma nova explosão da rádio amadora. Mas como chamá-la? Audioblogging? Podcasting? GuerillaMedia?1
É necessária a distinção de duas vertentes ao qual hoje se atribui uma mesma terminologia: podcast como uma nova tecnologia, centralizada no conceito de distribuição de conteúdos em áudio através de um feed sequencial passível de subscrição, e podcast como conteúdo. Como tecnologia podemos caracterizar o podcast como “um mecanismo de distribuição de ficheiros MP3 através da internet”2 (Llinares et al., 2018).
De uma forma mais alargada, os conteúdos em áudio produzidos especificamente para distribuição através da tecnologia de podcast são denominados com o mesmo nome da tecnologia que os distribui. Estes conteúdos surgem graças à possibilidade aberta pela própria tecnologia, não podendo existir sem ela.
A evolução destes dois conceitos está, assim, intimamente ligada pela sua relação de dependência direta. As próprias rádios aproveitam as potencialidades desta tecnologia para difundir conteúdo on-demand anteriormente já emitido na emissão linear, vulgo broadcast (Portela, 2011). Há também casos em que as rádios apostam em produção própria de conteúdos especificamente para as plataformas digitais3 ou apostam em spin-off dos conteúdos da grelha linear, com o objetivo de expandir a abrangência dos seus conteúdos para além dos públicos da emissão linear.
Esta proximidade “paternalista” da rádio em relação aos podcasts origina também uma indefinição na nomenclatura da produção de conteúdos em áudio de forma sequencial para a internet a afirmação de um novo meio de comunicação, isto apesar das diferenças no que toca aos modos de produção, de interação com as audiências e da própria apresentação do conteúdo (Llinares et al., 2018). Os próprios podcasters acabam por reunir influências da rádio, retirando dela elementos de que gostam e adaptando-os ao meio digital, segundo Markman (2012, citado por Llinares et al., 2018).
A combinação de três fatores levou a que fosse possível caminhar para um período em que, década e meia passada do surgimento dos primeiros conteúdos, se aponta para a massificação do formato (Morgan, 2015): proliferação do software de código aberto, gratuito ou com custos residuais; o desenvolvimento e expansão dos reprodutores portáteis de música (numa primeira fase, dispositivos de reprodução de música como os iPods e, mais tarde, os smartphones) e existência de plataformas de online blogging (Berry, 2018). É também necessário reconhecer o valor das plataformas de distribuição para a expansão e notoriedade da tecnologia, com especial destaque para a Apple Podcasts (antigo iTunes), da Apple Inc., e o Spotify, da Spotify AB.
Segundo Portela, (2011):
O podcast torna possível a cada um seguir o impulso individual e produzir o seu próprio espaço radiofónico, que assim se apresenta fragmentado nas suas audiências e endereça uma abrangente amplitude de interesses, criando nichos de públicos bastante específicos (p. 18).
Os podcasts per si acabam por representar um dos fenómenos mais importantes no contexto da digitalização da rádio convencional (Cordeiro, 2014). Abrem igualmente portas à existência de produção fora dos tradicionais circuitos mediáticos, numa tecnologia considerada como profundamente democrática (Balzen, 2017), graças aos baixos custos de produção. Na contemporaneidade podemos destacar também o papel das aplicações que facilitam a produção e distribuição na democratização do acesso à tecnologia, como a aplicação gratuita para dispositivos móveis Anchor, propriedade da Spotify AB. A tecnologia foi assim se desenvolvendo com a premissa de distribuir conteúdo de forma sequencial e gratuita, passível de subscrição através de plataformas disponíveis na internet.
Apesar da simplificação progressiva do acesso à tecnologia para quem produz conteúdos, o perfil de produtor de podcasts continua a estar assente em pessoas com um grau de escolaridade elevada (Markman & Sawyer, 2014).
Os conteúdos disponíveis em podcast acabaram por se desenvolver em torno de duas grandes áreas, de acordo com o seu intuito inicial (Stachyra, 2017):
- Comercial: com desígnio de gerar valor a uma marca, quer através de publicidade, patrocínio, ou qualquer outra forma de monetização. Geralmente produzidos por órgãos de comunicação social ou por figuras públicas com grandes níveis de audiência e capital mediático nos conteúdos produzidos.
- Amador: produção de forma independente, fora dos circuitos mediáticos, geralmente com audiências mais reduzidas, cujo objetivo primordial é passar uma determinada mensagem através do conteúdo produzido.
Apesar de ser uma tecnologia com mais de década e meia de existência e cujo número de conteúdos disponíveis tem vindo a aumentar progressivamente nos últimos anos, a produção científica sobre rádio e podcasting continua a ser deficitária, sendo que tal facto pode ser explicado pela “fraca valorização como meio, que resulta em baixa produção científica” (Arribas et al., 2018).
Panorama da produção de podcasts em Portugal nas publicações de carácter generalista a nível nacional
Passemos para um breve exercício de contextualização histórica focado no panorama nacional. O primeiro podcast português de que há registo foi realizado por Duarte Velez Grilo, autor de Blitzkrieg Bop, lançado em Março de 2005 (Pacheco, 2010). Ao programa de divulgação musical seguiram-se outros produtores que usaram a tecnologia de podcast para criar conteúdos originais em áudio.
É nesse ano que a rádio TSF, precursora em Portugal da utilização da tecnologia de podcast para disponibilização on-demand dos seus conteúdos, passa a dedicar um espaço semanal em antena ao mundo dos podcasts, conhecido por “Radio.com”. Com uma existência fugaz, mas digna de registo por marcar a tendência da primeira era do podcasting português, é nesse programa que João Paulo Meneses e Joaquim Dias divulgavam “podcasts que não pertenciam a rádios” (Henriques, 2015). É lá que ficaram registados alguns acontecimentos históricos para o podcasting português, como o primeiro inquérito aos podcasters portugueses (Bonixe, 2006) e primeira entrevista política divulgada na íntegra através da tecnologia de podcast: “No início do mês passado (Março de 2006), o Expresso publicou uma entrevista com José Sócrates e não a deixou apenas nas páginas do jornal. Pela primeira vez em Portugal uma entrevista de grande relevância deu origem a um podcast”4.
À época, havia ambição em relação à presença do áudio no online do jornal, como base de uma componente multiplataforma: “O Expresso está apostado em transformar-se no primeiro jornal multimédia em Portugal, por cá ainda não temos um verdadeiro ciberjornalismo. As páginas, nomeadamente dos jornais, limitam-se a publicar notícias na internet”5.
Nesse mesmo ano de 2006, o histórico jornalista Francisco Sena Santos aposta na produção de um podcast focado na atualidade internacional, depois de um período em que esteve afastado da rádio. A jornalista Maria Flor Pedroso, numa declaração ao jornal Público6, chamou-lhe “a melhor rádio do país”.
Sobre o mesmo podcast, e em declarações ao jornal supracitado, o jornalista Carlos Vaz Marques afirmou: “Ele voltou a fazer rádio. Aquilo para mim é rádio. Ele coloca o podcast numa outra dimensão, que até aqui era ou muito amadora ou um armazenamento do que já se tinha ouvido na rádio convencional”.
Nos anos que se seguiram, o podcast entrou num período de relativa estagnação no que toca à produção de novos conteúdos, sem grandes lançamentos de novos programas com audiências assinaláveis. Depois do impulso inicial, potenciado pela novidade associada ao formato, não houve uma clara aposta dos players de mercado de desenvolver conteúdos para esta tecnologia.
A 31 de Dezembro de 2011, o portal agregador Sapo Podcasts7 registava 169 podcasts ativos em Portugal, sendo 87 (52%) produzidos por órgãos de comunicação social, a larga maioria rádios.
Com o advento digital, vive-se uma “segunda era do podcasting” em que este pode ser visto com um novo meio digital de comunicação de massas (Bonini, 2015), cujo maior exemplo é o sucesso do podcast norte-americano “Serial” - a primeira temporada data de 2014.
Nos últimos anos, os órgãos de comunicação social que não tinham o áudio como meio principal apostaram nos podcasts para expandir as suas audiências (Reis, 2018). O jornal exclusivamente digital Observador foi ainda mais longe nessa estratégia e passou, desde 2019, a contar com uma emissão de rádio linear disponível na internet e em emissão free-to-air por via terrestre, em frequência modulada (FM), nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. O Observador distribui, de forma complementar, os seus programas, noticiários e rubricas de rádio em formato on-demand através da tecnologia de podcast.
Em 2018, Ana Isabel Reis chamou-lhe “o áudio invisível” motivado pela “secundarização do som no universo dos conteúdos dos ciberjornais portugueses”, mas evidenciando a tendência de uma maior aposta nos podcasts que “contribui para a adaptação a uma nova realidade, [onde] os jornais já não estão fechados no seu velho nicho tradicional, abrem-se a outras linguagens e experimentam-nas com a vantagem de não estarem “espartilhados” pelas regras que regem os conteúdos da rádio” (Reis, 2018).
Segundo o Digital News da Reuters 2020:
Cada vez mais o podcasting sai da esfera da rádio, sendo abandonada a lógica inicial de podcasting como uma forma de redistribuição de conteúdos produzidos para os formatos tradicionais. As marcas noticiosas recorrem cada vez mais a este suporte como forma de monetização de conteúdos e de exploração de novas narrativas e de novas formas de relacionamento com os públicos8.
Entre as publicações jornalísticas de âmbito nacional cujo meio primordial não é o áudio, a 31 de Agosto de 2020, foram encontrados os seguintes podcasts nativos9 de produção própria:
- Expresso: Comissão Política; O mundo a seus pés; Money Money Money; A Beleza das Pequenas Coisas; As testemunhas da pandemia; Vai ficar tudo bem; Revista do Expresso; Palavra de Autor; Magnífica Desolação; F5.
- Blitz: Posto Emissor.
- Público: P24; Agora, agora e mais agora; Poder Público; Memórias de Lisboa; Fogo e Fúria; O respeitinho não é bonito; O Inimigo Público; Do Género; Por falar nisso; Reservado ao Público; Planisférico; Catinga; Com tempo e alma; A Europa que conta; Mutante; Jogo Limpo.
- Visão10: Olho vivo; Irrevogável; Os lugares desta história; Conversas Visão Saúde.
- Sapo 24: O que se ouve quando o país para.
- Eco11: Eco Insider.
- Shifter: Reunião Editorial.
O maior número de conteúdos disponíveis tem também reflexo no número de pessoas que têm contacto com formatos distribuídos através da tecnologia de podcast. Segundo dados do Digital News da Reuters 2020, recolhidos em Portugal pelo Obercom, a tendência é para o aumento do consumo de podcasts entre os portugueses:
A percentagem de utilizadores de podcasting no mês anterior aumentou em 4 pp. face ao ano anterior, dos 34% em 2019 para os 38% em 2020, num quadro internacional em que 4 em cada 10 inquiridos em todo o mundo dizem ter escutado algum podcast no mês que precedeu a resposta ao inquérito12.
De acordo com o estudo da Reuters Institute for the Study of Journalism Digital News Report (RDNR) que analisou 40 mercados em 2020, num universo de 80.155 entrevistas realizadas entre 14 de Janeiro e 17 de Fevereiro de 2020, Portugal é também um dos países analisados onde a percentagem de consumo de podcasts é mais alta.
Fonte: Reuters Institute for the Study of Journalism, Reuters Digital News Report de 2019 e 2020. Dados de 2019 Universo=75749; África do Sul=2009; Alemanha=2022; Argentina=2006; Áustria=2010; Austrália=2010; Brasil=2013; Bulgária=2018; Bélgica=2008; Canadá=2055; Chéquia=2023; Chile=2004; Coreia do Sul=2035; Croácia=2009; Dinamarca=2011; Eslováquia=2045; Espanha=2005; Estados Unidos da América=2012. Finlândia=2009; França=2005; Grécia=2018; Hong Kong=2056; Hungria=2007; Irlanda=2013; Itália=2006; Japão=2017; Malásia=2101; México=2015; Noruega=2013; Países Baixos=2026; Polónia=2009; Portugal=2010; Reino Unido=2023; Roménia=2004; Singapura=2033; Suécia=2007; Suíça=2003; Taiwan=1005; Turquia=2074. Dados de 2020 Universo=80155; África do Sul=2006; Alemanha=2011; Argentina=2007; Áustria=2005; Austrália=2131; Brasil=2058; Bulgária=2006; Bélgica=2010; Canadá=2002; Chéquia=2006; Chile=2005; Coreia do Sul=2304; Croácia=2009; Dinamarca=2061; Eslováquia=2018; Espanha=2006; Estados Unidos da América=2055; Filipinas=2019; Finlândia=2050; França=2038; Grécia=2015; Hong Kong=2023; Hungria=2011; Irlanda=2006; Itália=2015; Japão=2006; Malásia=2013; México=2023; Noruega=2010; Países Baixos=2014; Polónia=2008; Portugal=2012; Quénia=2003; Reino Unido=2011; Roménia=2017; Singapura=2014;Suécia=2091;Suíça=2012; Taiwan=1027;Turquia=2017. N.A.: não aplicável (Quénia e as Filipinas só passaram a ser alvo de análise a partir de 2020)
Se a análise se focar apenas nos indivíduos sub-35, a percentagem que contactou com um podcast no último mês eleva-se a 62,1%. Comparando a percentagem de ouvintes de podcast e rádio por idade, com base no estudo supracitado, percebemos que o formato de podcast é preferido dos mais jovens enquanto a rádio tem maior aceitação entre os mais velhos.
Com o avançar da idade a percentagem de pessoas que contacta com podcasts vai-se reduzindo, atingindo os 20,5% dos maiores de 65 anos.
Metodologia de análise
Para redigir este artigo, apresentando um estudo de caso sobre o podcast P24 do Jornal Público, foi efetuada uma observação participante completa onde o investigador principal teve interferência direta no resultado final do conteúdo produzido. Segundo Goode e Hatt (1969, citado por Bressan, 2000), este método “é considerado um tipo de análise qualitativa” e “os métodos qualitativos enfatizam as especificidades de um fenómeno em termo das suas origens e da sua razão de ser" (Haguette, 1992), uma definição corroborada por Lecompte (1999, citado por Kawulich, 2005), que define a observação participante como “o processo de aprendizagem através da exposição ou envolvimento nas atividades rotineiras ou cotidianas dos participantes do ambiente de pesquisa”.
Especificamente neste caso, segundo Lapassade (1991, citado por Fino, 2003), o investigador exerce o papel de “observador participante interno” uma vez que “estuda uma situação de que já fazia e de que continuará a fazer parte”.
Neste contexto, o principal foco de análise não está nas qualitativas práticas e condutas desenvolvidas pelos produtores de conteúdo, mas sim nos dados dos outputs (episódios produzidos) resultantes dessa mesma atividade. O estudo de caso aqui efetuado sobre o podcast P24 é, em grande parte, um levantamento quantitativo dos primeiros 300 episódios publicados, correspondendo aos programas respeitantes ao período compreendido entre 9 de Abril de 2019 - primeiro episódio - e 17 de Julho de 2020 - episódio 300. Desta lista não fazem parte os episódios caracterizados como “extra” ou o spin-off “P24 Série Legislativas”, ainda que o feed utilizado para a distribuição destes conteúdos tenha sido o mesmo do P24 tradicional.
A escolha do P24 para análise, tem como objetivo caracterizar a produção do primeiro podcast de base diária existente num jornal português. Para isso é analisada a representatividade das suas escolhas editoriais, abrangência de temáticas, representatividade de género dos intervenientes, posicionamento face ao jornal, localização das histórias abordadas, impacto da evolução da situação pandémica (covid-19) nas temáticas abordadas, bem como da sua recetividade por parte dos ouvintes, transmitida através dos números de audiência apresentados.
Este podcast representa também o “formato âncora” da estratégia de podcasts do Público, sendo o mais generalista e com maior periodicidade de todos os conteúdos produzidos pelo jornal.
Sobre cada episódio foi realizado o levantamento do tema (enquadrando-o com as secções existentes na organização do jornal), convidado/s (e a sua relação com o jornal) e audiência na plataforma Soundcloud, por ser a única plataforma onde há dados abertos para consulta.
Como hipóteses de análise, pretende-se aferir se o podcast amplifica temáticas já com maior espaço na edição diária do jornal Público ou se opta por abordar temáticas menos exploradas na edição impressa. É ainda tido em conta se o podcast P24 amplifica maioritariamente as vozes dos jornalistas do Público ou se opta por intervenientes externos, caracterizando-os face ao género.
A opção metodológica adotada é necessária pela condição prévia do investigador principal como parte do sistema que estuda e aqui detalha. O investigador não pode, desta forma, se distanciar do objeto de análise uma vez que teve poder de decisão no processo de elaboração dos conteúdos.
A utilização de áudio no jornal Público: um apontamento histórico
O PÚBLICO é um jornal generalista diário publicado em Portugal desde 5 de Março de 1990 (Gaspar, 2018) e detido a 100% pela Sonaecom - SGPS, S.A.
No jornal Público, a experiência de criação de conteúdos em áudio distribuídos através da tecnologia de podcast remonta ao ano de 2007, doze anos depois de o jornal ter estreado a sua presença online. Nesse ano foram produzidos onze episódios dedicados ao universo tecnológico, num podcast chamado “Digital”13, produzido pela equipa do suplemento de tecnologia do PÚBLICO. Essa experiência não teve continuidade, tendo a criação de conteúdos em áudio pelo jornal sofrido um interregno de quase uma década.
Só em Abril de 2017 foi retomada a produção de conteúdos áudio de forma regular, através da criação de um spin-off do noticiário personalizado com base algorítmica P2414 (Gaspar, 2018), distribuído de segunda a sexta-feira através da tecnologia de podcast nas várias plataformas disponíveis no momento, com especial destaque para o iTunes (atual Apple Podcasts). Este projeto venceu a segunda ronda de financiamento do Digital News Innovation Fund, promovido pela Google, recebendo uma quantia de 500 mil euros para desenvolvimento e execução de um serviço de informação em áudio, com uma génese baseada na personalização de conteúdos com base nos interesses e consumos de informação dos utilizadores registados no site do Público15.
O P24 foi o primeiro projeto do Público financiado pelo fundo da Google16, tendo contado com uma equipa de quatro jornalistas, sendo Sérgio B. Gomes o primeiro editor da equipa. O sistema de personalização de base algorítmica foi desenvolvido pela empresa externa ao jornal “Bright Pixel” e consistia na recomendação de pequenos clipes de áudio com base nas notícias publicadas no site do Público. Segundo Gaspar, (2018):
A equipa do Público, destacada para o desenvolvimento de conteúdos em áudio, seleciona os principais temas do dia com base nas manchetes da publicação mãe, escreve o texto, grava, edita, e disponibiliza em formato de síntese um noticiário que fica disponível em formato de podcast por volta das 17 horas. É também possível ouvir, durante 72 horas, as notícias que surgem de forma personalizada, ou seja, de acordo com os interesses de cada leitor/ouvinte, como resultado de um algoritmo desenvolvido especificamente para o P24 (p. 6).
Para além das notícias disponibilizadas de forma personalizada e automática por um feed de base algorítmica, o P24 contou desde o primeiro dia - 26 de Abril de 2017 - com uma versão podcast juntando dez notícias ordenadas de acordo com os critérios jornalísticos de valor-notícia: “um noticiário com as notícias mais relevantes, inteiramente escolhidas pelo editor, e disponibilizado através de plataformas como o iTunes e o SoundCloud”17.
É neste ano de 2017, já com 22 anos de presença contínua do jornal na internet, que o Público assume uma clara aposta no podcasting (Reis, 2018). A criação de uma equipa de áudio - possível graças ao financiamento do Digital News Innovation Fund - permitiu lançar as bases de uma estratégia de podcasting assente nas várias áreas do jornal.
A versão primordial do P24 foi também o primeiro podcast realizado por jornais portugueses a contar com a presença de um spot publicitário (Gaspar, 2018). Dado o sucesso do formato de podcast, com números de audições superiores aos do noticiário personalizado, passaram a ser produzidas duas edições diárias a partir de 18 de Outubro de 2017. Estas edições eram disponibilizadas em formato de podcast ao final da manhã (pelas 12h) e ao final da tarde (pelas 17h).
Com o fim da janela de financiamento da Google, a equipa de quatro jornalistas foi reduzida a metade a 1 de Maio de 2018 (cerca de um ano depois de o projeto ter arrancado), tendo, pouco tempo depois, o serviço personalizado chegado ao fim. O podcast com a compilação das dez notícias do dia acabou por ser descontinuado definitivamente a 20 Dezembro de 2018.
Desde então surgiram, para além do P24, 19 conteúdos em áudio distribuídos pelo Público através das várias plataformas de podcasting18 e agregados na página publico.pt/podcasts. São podcasts do jornal Público, por ordem de lançamento:
Poder Público: um podcast promovido pela secção de política do jornal de comentário à atualidade política, com periodicidade semanal. Este formato surgiu para contar histórias relacionadas com as eleições autárquicas de 2017 tendo continuado a acompanhar a atualidade política pós-eleições. Assumiu o atual formato de comentário político a 7 de Fevereiro de 2019;
- Reservado ao Público: um podcast com o objetivo de relatar as histórias dos bastidores do jornal e aprofundar as histórias a cujo Público deu destaque editorial;
- Inimigo Público: a equipa do suplemento satírico “Inimigo Público” 19 apresenta um conteúdo de índole humorística, sob forma de noticiário satírico;
- Planisférico: Conversa entre os jornalistas Marco Vaza e Tiago Pimentel sobre histórias de campeonatos de futebol periféricos. A sua produção foi descontinuada a 2 de Agosto de 2019;
- Com tempo e alma: Promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). O formato conta com um jornalista do Público e um especialista convidado pela FFMS à conversa sobre uma das publicações publicadas pela fundação. A sua produção foi descontinuada a 12 de Março de 2019;
- Jogo Limpo: Análise semanal à arbitragem dos jogos da Primeira Liga de Futebol profissional pelo árbitro Jorge Faustino. Descontinuado a 16 de Maio de 2018;
- Do género: Um podcast sobre igualdade de género apresentado pela jornalista Aline Flor;
- Ao vivo: Concertos na redação do Público repostos em áudio através da tecnologia de podcast;
- Catinga: Conversas entre o artista e músico Nástio Mosquito e o jornalista Vítor Belanciano. Descontinuado a 5 de Junho de 2018;
- Mutante: A tecnologia e as transformações na sociedade contemporânea em conversas apresentadas por Diogo Queiroz de Andrade. Descontinuado a 29 de Março de 2018;
- Fogo e Fúria: Análise à situação política dos Estados Unidos da América sob comando de Donald Trump, numa conversa entre os jornalistas Alexandre Martins e Ruben Martins;
- Sem Filtro: Áudio do programa de debate dirigido aos jovens e inicialmente distribuído através das redes sociais20, numa colaboração com a RTP e o Conselho Nacional da Juventude. Descontinuado a 8 de Junho de 2018;
- A Europa que conta: Promovido pelo Parlamento Europeu, esta série tinha como objetivo explicar aos portugueses a forma como as decisões tomadas em Bruxelas e Estrasburgo têm impacto na vida dos cidadãos europeus. Descontinuado a 16 de Maio de 2019;
- O respeitinho não é bonito: As crónicas de João Miguel Tavares lidas pelo próprio autor. Este conteúdo é reservado a assinantes do Público21;
- Memórias de Lisboa: Promovido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), esta série relata as memórias da cidade de Lisboa através dos relatos dos utentes da SCML. Descontinuado a 19 de Agosto de 2020;
- Agora, agora e mais agora: Rui Tavares apresenta histórias da história, num podcast que surgiu no contexto de quarentena imposta pela pandemia da covid-19. Descontinuado a 17 de Junho de 2020;
- Por falar nisso: As conversas de Júlio Machado Vaz sobre saúde. Patrocinado e realizado pela Multicare22.
- Sobre Carris: Um debate sobre ferrovia e a atualidade ferroviária com Carlos Cipriano, Diogo Ferreira Nunes e Ruben Martins.
- Vitamina P: Conversas moderadas pela jornalista Karla Pequenino sobre nutrição e fitness.
Para além dos formatos diretamente produzidos pela equipa de áudio do jornal, o Público incentivou a produção de novos conteúdos através da distribuição e divulgação de podcasts criando uma “Rede Público”. Esta rede divulga, nas várias plataformas do jornal (papel, site e redes sociais), os novos episódios dos podcasts que a integram. Desta rede, a 31 de Agosto de 2020, fazem parte:
- Histórias de Portugal: O jornalista Marco António conta histórias de Portugal, através de uma viagem de sons. Produzido pela produtora 366 ideias;
- 45 graus: Entrevistas de José Maria Pimentel;
- P de Porquê: As crianças da rádio miúdos explicam os temas da atualidade para os mais novos. Realizado pela Rádio Miúdos;
- Repórter 360: Um espaço de grandes reportagens produzidas pela rádio da Escola Superior de Comunicação Social (ESCS FM);
- Em casa: O jornalista Marco António conta histórias de pessoas em quarentena devido à pandemia da covid-19. Produzido pela produtora 366 ideias durante o período de confinamento;
- O Fred e a Inês falam de coisas: Fred Gomes e Inês Afonso falam sobre os temas que os inquietam, num podcast distribuído pelo suplemento jovem do Público, conhecido por “P3”.
O jornal promoveu ainda o primeiro festival de podcasts em Portugal, apelidado de “Podes”, realizado em Lisboa, a 9 de Novembro de 2019, em parceria com a rede de promoção de podcasts portugueses “Portcasts”.
Enquadramento da equipa de áudio no Público na redação do jornal
Para realizar a produção de conteúdos para distribuição na tecnologia de podcasting no jornal foi criada uma subsecção de áudio no Público, diretamente dependente da secção de online, e responsável pelos conteúdos áudio no online do jornal e nas plataformas onde o mesmo está presente.
Esta secção conta, a 31 de Agosto de 2020, com dois jornalistas responsáveis pela criação, produção, edição e publicação dos conteúdos produzidos. Durante o período de existência da secção, dois alunos de cursos de Ciências da Comunicação e Jornalismo realizaram o seu estágio curricular produzindo conteúdos para esta secção.
Apresentação de resultados - Caracterização do P24
A 9 de Abril de 2019, coincidindo com a nova política de conteúdos online23 no jornal Público, o podcast P24 voltou a publicar episódios num formato reformulado, afirmando-se como o conteúdo âncora da estratégia de podcasts do jornal. Apesar de manter o nome do conteúdo financiado pelo Digital News Innovation Fund e de ser distribuído através do mesmo feed, o podcast apresenta um modelo substancialmente diferente. De acordo com o artigo que apresentou o podcast aos leitores24: “a nova versão deste programa acrescenta dados, explica os factos, inova na forma como os conta e conversa com a redação sobre os temas que marcam editorialmente o PÚBLICO”.
Nessa data o P24 passou a ser baseado no lançamento de um tema informativo por dia, tradicionalmente apresentado através de uma conversa entre o pivô e um jornalista entrevistado ou convidado externo ao jornal, “destacando assim o papel que o podcast P24 desempenha enquanto promotor não só do jornal Público, mas também dos seus profissionais, favorecendo assim o desenvolvimento de credibilidade associada ao podcast, ao Público e aos jornalistas” (Silva, 2020, p. 12).
O podcast tem novos episódios nos dias úteis, sendo disponibilizado nas plataformas Apple Podcasts, Spotify, Deezer, Soundcloud, Google Podcasts, aplicação para smartphones do Público e no próprio site do jornal através de uma incorporação (embed) para o Soundcloud. O horário de publicação anunciado são as 7h da manhã, no entanto, é comum a publicação de episódios de forma antecipada em algumas horas nas plataformas de podcasting.
Cada novo episódio tem, em média, cerca de dez minutos de duração, tendo o máximo histórico sido registado num debate entre dois médicos a propósito da despenalização da eutanásia, um episódio referente a 20 de Fevereiro de 2020, com uma duração total de 48 minutos e 36 segundos. O precedente foi justificado com uma curta introdução justificativa: “Há temas que precisam de mais tempo para que ambos os lados possam expressar a sua opinião sem pressas e de forma clara”25.
O modelo tradicional conta com uma pequena introdução sobre o tema em análise no episódio, seguida de uma apresentação do convidado ao qual são colocadas perguntas sobre o tema. Por vezes são apresentados recursos adicionais como efeitos de sonoplastia ou a participação de mais intervenientes.
Desde 16 de Março de 2020 que o formato regista a presença de um spot publicitário com a duração de seis segundos separado por dois indicadores sonoros no arranque e fecho do spot, sendo, por isso, alvo de monetização.
Tradicionalmente, e devido à reduzida dimensão da equipa, apenas uma pessoa realiza todo o trabalho de produção: da escolha de tema à publicação de cada episódio. Especificando todas as fases de produção de cada episódio: escolha de tema, escolha de entrevistado ou entrevistados, agendamento da entrevista, pesquisa, escrita de guião, entrevista, gravação de offs, edição áudio, sonoplastia e pós-produção, exportação, escrita de descrição, escolha de título, agendamento e publicação e distribuição. Do processo completo ficam apenas excluídas a divulgação, num trabalho assegurado pela equipa de redes sociais online, e a colocação em destaque na homepage do jornal, num trabalho que é responsabilidade dos editores online do Público.
Durante os 300 episódios do P24 alvo de análise assinaram episódios os dois jornalistas da secção de áudio do Público, Ruben Martins e Aline Flor, os estagiários curriculares que passaram neste período na secção de áudio do jornal, Magda Cruz e Marta Matias, e há ainda registo de colaborações espontâneas da aluna da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra Catarina Magalhães26 e dos alunos da Escola Superior de Comunicação Social do Instituto Politécnico de Lisboa Ana Narciso e João Pedro Morais27.
De acordo com Silva (2020):
Verifica-se que Ruben Martins e Aline Flor, jornalistas do P24, usam uma linguagem informal, partilhando muitas vezes alguns cumprimentos partilhados com as suas fontes. Este aspeto, conciliado com o facto de muitas vezes se dirigirem diretamente aos seus ouvintes favorece não só uma relação de proximidade entre o emissor e o recetor, mas também desenvolve uma relação de confiança não só com os jornalistas, mas também com o próprio podcast e, consequentemente, com a entidade que o desenvolve: o jornal Público (p. 12).
Para além dos episódios no modelo tradicional foram também publicados dois episódios extra: um com sons a propósito da declaração de estado de alerta no âmbito da pandemia da covid-19 (a 13 de Março de 2020) e outro a propósito do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades (publicado no feriado de 10 de Junho de 2020). Durante o período de campanha eleitoral para as eleições legislativas de 2019 - entre 23 de Setembro e 4 de Outubro - foi também lançado o spin-off “P24 Série Legislativas 2019” com atualidade política do período de campanha eleitoral. O episódio era publicado no mesmo feed do P24 às 18h. Nesse período o P24 continuou a publicar episódios de forma regular, mas não abordando temas ligados à política. Estes doze episódios acima mencionados não fazem parte da análise temática.
Nota-se que no período analisado o P24 venceu um primeiro prémio de jornalismo radiofónico atribuído pela Embaixada da Noruega em Portugal no âmbito dos 25 anos dos EEA Grants28.
Critérios para a seleção de temas do P24
Os critérios para a definição temática de cada edição do P24 não estão escritos de forma oficial. Isso deve-se, em grande parte, à inexistência de um livro de estilo específico29 e de um historial relevante de produção de áudio num órgão de comunicação social dedicado de forma primordial à publicação de um jornal impresso e respetiva atualização regular de um site online com notícias30. Também o facto de a produção estar entregue a uma equipa de reduzidas dimensões, cujas decisões são geralmente tomadas por apenas uma pessoa, leva à inexistência de diretivas escritas, sendo as indefinições geralmente resolvidas através de conversas com os seguintes elementos (não necessariamente apresentados pela ordem de contacto): diretoras-executivas do jornal, editores das secções, ou o diretor-adjunto responsável pela área do áudio, David Pontes.
É, ainda assim, possível deduzir as linhas mestras para a escolha dos temas diários:
Valores-notícia: componente de noticiabilidade dos tópicos propostos (Harcup & O'neill, 2017).
Planificação do jornal: o P24 não antecipa temas cuja abordagem no jornal será feita numa edição posterior à data da publicação do podcast.
Critérios técnicos: é dada preferência por entrevistas presenciais devido à melhor qualidade de som a elas associadas31.
Agenda: disponibilidade de jornalistas/convidados para participar no programa.
O áudio como vantagem na transmissão de informação: é dada preferência às temáticas cuja componente auditiva possa ser mais relevante.
Apesar de não constar diretamente dos princípios orientadores, é ainda tentado cumprir equilíbrios em três áreas:
Equilíbrio temático: é evitado o recurso sucessivo a uma determinada secção do jornal.
Representatividade de género nos convidados, em especial no que toca à participação dos jornalistas do Público.
Representatividade geográfica das histórias apresentadas com o objetivo de relatar as diversas realidades do país. No caso das temáticas internacionais essa representatividade é subjugada aos valores-notícia, existência de correspondentes32 e agenda editorial.
Em relação aos equilíbrios anteriormente apresentados, podemos, no geral, observar o seu cumprimento:
Equilíbrio temático: No que toca à categorização temática, 69% dos episódios (207) são dedicados a três secções do jornal: sociedade, mundo, política.
Estas áreas representam três das quatro categorias com mais destaque na edição impressa do jornal: política, economia, sociedade e mundo. São estas secções que se afiguram na primeira metade do jornal, antes das páginas de classificados.
Das categorias com presença diária na edição impressa do jornal, as temáticas locais (2%) e de desporto (3%) são as menos abordadas no podcast.
Há ainda uma presença relevante de temáticas ligadas à evolução da pandemia covid-19 (50 episódios), que, pela sua transversalidade, abordam temáticas de várias secções do jornal, tendo o primeiro episódio sido realizado a 24 de Janeiro de 2020 (episódio número 180).
As temáticas ligadas à covid-19 representaram 42% de todos os episódios publicados entre 24 de Janeiro de 2020 e 17 de Julho de 2020, sendo evidente a forma como a evolução da situação pandémica condicionou as temáticas abordadas no podcast e até a sua própria produção, dada a passagem da secção para o regime de teletrabalho, a partir de 16 de Março de 2020.
Dentro dos temas relacionados diretamente com a pandemia covid-19, a distribuição por secção do jornal é a seguinte:
- Representatividade de género: Entre os 365 convidados dos 300 episódios do P24 analisados, é possível comprovar o equilíbrio de género no que toca aos jornalistas participantes no P24. No que toca aos convidados externos a situação é mais desequilibrada, podendo ser parcialmente explicada pela sub-representação das mulheres em cargos públicos e/ou de poder (Pereira e Jempson, 2014).
- Representatividade geográfica a nível internacional: No geral, esta representatividade não é cumprida, uma vez que a lógica por detrás da escolha dos temas se prende a outros critérios editoriais anteriormente indicados.
Numa análise aos 72 temas dependentes da secção mundo, sendo excluídos todos os episódios que, apesar de terem como protagonista um cenário internacional, não foram abordados pela secção (incêndio na catedral de Notre Dame foi tratado pela secção de cultura, por exemplo) podemos observar uma prevalência de três países e uma organização internacional. Em claro destaque estão os Estados Unidos da América (sendo comum o aproveitamento de partes do podcast do Público “Fogo e Fúria” no P24, numa lógica de sinergia), Espanha e Reino Unido. Também a União Europeia marcou presença em 15 dos 300 episódios analisados (5% do total).
Audiências
O P24 está disponível em várias plataformas de podcasting de forma gratuita. A sua audição apenas requere uma ligação à internet e um dispositivo de reprodução, podendo o programa ser previamente descarregado à semelhança de qualquer outro podcast de acesso aberto.
A maioria dos dados audiométricos é de acesso fechado, não havendo em Portugal um standard da indústria que defina padrões semelhantes de análise de dados. Por esta razão esta análise refere-se apenas ao Soundcloud, uma das plataformas onde o P24 está disponível e cujos dados são públicos. Não sendo esta plataforma passível de uma subscrição semelhante à das apps de podcasts (cujo utilizador recebe um aviso antes de cada lançamento de um novo episódio) as audiências são mais flutuantes, não sendo, com estes dados, clara a quantidade de ouvintes ocasionais que se tornaram em subscritores no período de análise.
A evolução das audições abaixo descritas representa as reproduções através da incorporação (embed) presente no site do Público no artigo referente a cada novo. Essas audições estão dependentes de fatores variáveis, como o interesse pelo tema, destaque na homepage e alcance nas redes sociais.
No total, estão registadas no período analisado 200.458 audições na plataforma Soundcloud. Este número representa uma média de 668 reproduções por episódio.
O período de maior consumo situou-se no mês de Março de 2020, conforme gráfico anexo. Associado a um período de maior procura de informação, devido à evolução da pandemia da covid-19, o jornal Público chegou a site mais lido na internet em Portugal nesse mês33. Em Março de 2020 foram produzidos 21 episódios, com uma média de 2.136 ouvintes por episódio na plataforma Soundcloud.
Depois de Março existiu uma tendência progressiva de normalização dos dados, com uma redução constante do número de ouvintes na plataforma supracitada.
Conclusões
Apesar da quantidade de formatos em áudio produzidos por órgãos de comunicação social em Portugal se ter multiplicado à boleia da popularidade da tecnologia de podcast, a maioria dos conteúdos continua a desenrolar-se através de modelos tradicionais de entrevista ou debate com pouca ou nenhuma sonoplastia, narrativa e construção adicional que marquem uma cisão com a linguagem radiofónica histórica (Berry, 2016). Tal tendência é também é observável neste caso do sobre o P24.
A justificação pode estar nas reduzidas equipas e orçamentos, associados a um esforço de produção intenso, cujo investimento nem sempre é recuperado da forma mais evidente: sob a forma de patrocinadores para os formatos existentes. Esta realidade também é observada na secção de áudio do jornal Público.
Como forma de comparação, o podcast âncora do norte-americano New York Times - “The Daily” - publicado diariamente aos dias úteis desde Fevereiro de 2017, contava, a 31 de Agosto de 2020, com uma equipa de 38 pessoas34. Na mesma altura, a equipa de áudio do Público é à data formada por dois jornalistas afetos à secção, que não desempenham de forma exclusiva funções na secção de áudio e que produziam mais de uma dezena de conteúdos originais para distribuição através da tecnologia de podcast.
O facto de se ainda ser visto como “áudio invisível” (Reis, 2018) entre a multiplicidade de conteúdos e de informação que os jornais online produzem, leva a que o áudio seja relegado a uma posição de pouco destaque nas homepages do jornal, um dos principais pontos de contacto com os leitores. As audiências, por vezes baixas em relação a outros conteúdos digitais, e a falta de monetização nem sempre justificam o investimento na produção de novos conteúdos, apesar de ser claro o esforço por “ocupar o espaço” no espectro mediático observável na progressiva maior oferta de conteúdos disponíveis, tal é visível na quantidade de conteúdos diferentes produzidos pelo Público.
Ainda assim, os baixos custos de produção (Berry, 2016 p.9) acabam por ser uma das vantagens deste formato. Este baixo investimento necessário para lançar produtos que, por vezes, são de nicho, levou os jornais portugueses a multiplicarem os seus conteúdos.
O P24 afirma-se assim como um novo espaço de contacto entre um jornal e os seus leitores, através de um modo de transmissão de informação não tradicional na história do jornal Público. Apesar da adesão das várias secções ao conteúdo, disponibilizando jornalistas para participar no formato, o P24 continua a ter, à semelhança de outros programas em podcast, pouca visibilidade nas áreas nobres do site na internet do jornal, como se constata na visita à homepage do jornal.
O próprio podcast P24 acaba por dar mais visibilidade às áreas que já têm mais destaque no jornal - nomeadamente às secções de política, sociedade e mundo - cujos episódios representam 69% do total de episódios produzidos.
No que toca aos intervenientes nos episódios, a maioria são jornalistas do próprio jornal, sendo o P24 um espaço novo de contacto com os leitores. O número de intervenientes que são jornalistas do Público representa 54,5% do total dos 365 convidados do podcast no período analisado. Este produto diferencia-se pela forma como apresenta informação através de uma nova tecnologia, complementar aos formatos tradicionais seguidos por um jornal diário com presença digital.
Sendo, per si, um novo produto, o P24 pode também ser visto como uma nova forma de contacto na transição de um jornalismo de produtos (o jornal em papel do dia, o telejornal35 das 20h, o noticiário da rádio, ...) para um jornalismo onde as notícias são um serviço transversal e multiplataforma que ajuda o leitor/ouvinte a conhecer melhor a sua realidade local e o seu mundo.