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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.21 no.39 Lisboa dez. 2021  Epub 31-Dez-2021

https://doi.org/10.14195/2183-5462_39_6 

Artigo

Uma história feita a manu militari? A Sociedade Interamericana de Imprensa, a Guerra Psicológica, o Ciespal e a Área Acadêmica na América Latina

A history made by manu militari? The Inter-American Press Society, the Psychological War, the Ciespal and the Academic Field in Latin America

1 Universidade Federal de Santa Catarina. Brasil. emeditsch@uol.com.br


Resumo

Este artigo parte da constatação da falta de reflexão sobre a história da área acadêmica para discutir o contexto em que se desenvolve o campo da Comunicação na América Latina. Registra a instrumentalização política da mídia na Guerra Fria a partir da Sociedade Interamericana de Imprensa, ao mesmo tempo em que é forjada a Mass Communications Research nos Estados Unidos como instrumento de guerra psicológica. Aponta inconsistências na história dominante a respeito dos forefathers da disciplina. Observa a articulação do Ciespal com os golpes militares dos anos 1960 no continente. A partir dessas constatações, propõe que apenas uma história social do conhecimento pode oferecer estrutura conceitual e lastro histórico a quem queira compreender o percurso de institucionalização do campo.

Palavras-chave: comunicação; Ciespal; guerra psicológica; América Latina; sociedade interamericana de imprensa

Abstract

This article starts from the observation of the lack of reflection on the history of the Communications academic area to discuss the context in which this field is developed in Latin America. It records the political instrumentalization of the media during the Cold War from the Inter-American Press Society, at the same time as Mass Communications Research is forged in the United States as an instrument of psychological warfare. It points out inconsistencies in the dominant story regarding the forefathers of the discipline. It observes Ciespal’s articulation with the military coups of the 1960s on the continent. Based on these findings, it proposes that only a social history of knowledge can offer a conceptual structure and a historical foundation for those who want to understand the path of institutionalization of the field.

Keywords: mass communications; Ciespal; psychological warfare; Latin America; interamerican press society

Introdução: a história, a imprensa e o contexto latino-americano

Ao final do Século XX, o acadêmico estadunidense James Carey observou que ainda não existia uma história da pesquisa em comunicação em sentido estrito:

A narrativa que daí emergiu ultimamente serve a uma variedade de propósitos: principalmente para focar, justificar e legitimar uma invenção do século XX, a mídia de massa, e para fornecer status intelectual e direção ao ensino profissional e à pesquisa relacionados a essa mesma instituição. Mas não é uma história inocente, porque foi inventada com um propósito político: uma intenção de obter lealdades, resolver disputas, guiar políticas públicas, confundir a oposição e legitimar instituições; resumindo, a história que surgiu é um episódio menor das batalhas sociais, políticas e ideológicas do Século XX. (Carey, 1997, pp.14-15)

Se esta situação era observada na área acadêmica dos Estados Unidos, o seria de forma muito mais dramática na América Latina, no contexto de constante conflito que viveu durante todo o Século XX e, desvinculado do qual, a história de sua imprensa e de nossa área acadêmica não pode ser compreendida. Num contexto de imparável violência e repetidos ataques à liberdade, a Universidade e o Jornalismo latino-americanos foram duramente atingidos, ora como vítimas, ora como cúmplices dessas situações.

De fato, a grande mídia comercial brasileira teve um papel determinante na desestabilização e impedimento da presidente Dilma Roussef em 2016, assim como no sucesso da farsa judicial que impediu o ex-presidente Lula da Silva de participar das eleições de 2018, em que era apontado como favorito pelas sondagens, abrindo caminho para a eleição do capitão Jair Bolsonaro, apoiado pela elite econômica e por setores conservadores, repetindo o comportamento da imprensa quando do golpe de estado que instituiu o regime militar que governou ditatorialmente o Brasil por um quarto de século a partir de 1964 (Larangeira, 2014).

Mais do que uma coincidência, este padrão de comportamento da grande mídia latino-americana é o resultado de uma articulação entre seus proprietários, realizada na Sociedade Interamericana de Prensa, uma entidade transnacional com sede em Miami. Criada durante a Segunda Guerra Mundial, a SIP foi uma entidade pluralista e democrática em seus primeiros anos de existência. Mas depois disso sopraram os ventos da Guerra Fria, e o coronel da inteligência do Exército norte-

-americano Jules Dubois tornou-se o seu principal articulador político. Atuando como repórter do Chicago Tribune, Dubois se tornaria o gestor da transformação da entidade nos anos seguintes. A SIP logo se tornado um fórum de patrões da imprensa que se arrogavam o direito de dizer onde havia liberdade de imprensa e onde não havia, direitos estes até então reconhecidos às sociedades profissionais e aos jornalistas. (Ron, 2008)

Com uma nova configuração, controlada pelo Departamento de Estado norte-americano e pelos grandes empresários que eram seus aliados pelo continente afora, a SIP passou a ser um instrumento decisivo na articulação de campanhas de mobilização da opinião pública durante a Guerra Fria, interferindo na soberania e se imiscuindo na política interna dos países do continente, sempre que os interesses que representava eram contrariados. No comando desta política se colocava a “pedra angular” da entidade, a sua Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação, que por 15 anos foi presidida pelo coronel-repórter Jules Dubois. A Comissão denunciava governos populistas e nacionalistas, como os de Getúlio Vargas e Perón, e calava sobre as ditaduras aliadas dos Estados Unidos, como a de Somoza na Nicarágua.

Em 1954, a SIP teve papel importante no golpe que derrubou o presidente na Guatemala Jacobo Arbenz e colocou no seu lugar o ditador Castillo Armas, que havia sido aluno do coronel Jules Dubois durante a Segunda Guerra. No mesmo ano, a SIP ajudou a promover a crise que levou o presidente Getúlio Vargas ao suicídio, e nos anos seguintes esteve envolvida em quase todos os golpes de estado no continente. Na noite de 31 de março de 1964, data do golpe militar no Brasil, Jules Dubois estava ao lado do governador golpista Carlos Lacerda no Palácio Guanabara, conforme registrou na época a revista O Cruzeiro.

O presidente argentino Juan Perón escreveu em 1957 que as grandes cadeias de jornais “dirigidas, manejadas e financiadas pela Sociedade Interamericana de Prensa, sufocam os órgãos independentes até conseguir sua ruína econômica, e a isto chamam liberdade de imprensa”. E se algum governo se antepõe a essa situação - complementava Perón no texto publicado em seu exílio - “essas grandes cadeias de jornais começam a publicar despachos, tratando este governo como ditatorial, antidemocrático e totalitário, e em seguida se começa a falar de uma revolução, enquanto viaja o inefável Jules Dubois para anunciá-la”.

O coronel-repórter Jules Dubois morreu em 1966 num quarto de hotel em Bogotá. Durante a vida recebeu os prêmios Maria Moors Cabot de Liberdade de Imprensa da Universidade de Columbia em 1952, de Herói da Liberdade de Imprensa, da própria SIP, em 1959, e a Pena de Ouro da Liberdade, da Associação Mundial de Jornais, no ano em que morreu. Foi enterrado no Cemitério de Arlington, ao lado dos heróis de guerra estadunidenses. O atual edifício-sede da Sociedade Interamericana de Imprensa, no número 1801 da South-West 3rd. Avenue, em Miami, foi batizado com o seu nome: é o Jules Dubois Building. Em 27 de dezembro 1977, uma reportagem do New York Times sobre o envolvimento da CIA com o Jornalismo cita Jules Dubois entre os agentes infiltrados na imprensa.

A atuação da Sociedade Interamericana de Imprensa, que em 2021 segue ainda ditando em grande parte o discurso da grande mídia latino-americana sobre os acontecimentos políticos, as relações internacionais, a história dos países e da própria imprensa, sugere uma reflexão sobre a escrita da história pelos jornais e fora deles, como na academia.

A Guerra Fria não poupou as publicações acadêmicas, como a tradicional Journalism Quaterly dos Estados Unidos. No número 44, lançado em 1967, por exemplo, publicou uma análise da função da mídia no golpe de estado ocorrido em 1964 no Brasil, assinada por um analista da United States Information Agency (Lane, 1967). Abaixo do artigo, o editor Raymond Nixon publicou ainda uma nota com a posição do diplomata Adolph A. Berle Jr. sobre o golpe de estado que havia ocorrido no país:

Berle’s View of Brazil’s Crisis: In Brazil a popular, civilian movement arose to prevent President Goulart from making himself dictator with Communist support. No News of the civilian movement reached the United States. At the last moment, at civilian urging, the army moved in to protect the constitutional regime. Because of complete lack of information, the American press interpreted this as an army seizure of power to prevent social reform - a wholly false interpretation. Adolph A. Berle Jr., at a Columbia University symposium. (Berle, 1967)

O diplomata Adolph Berle Jr., que havia sido embaixador no Brasil em 1945, quando da primeira deposição do presidente Getúlio Vargas, nos anos 1960 era coordenador de uma task force do governo estadunidense encarregada de fazer frente ao avanço do comunismo na América Latina após a vitória de Fidel Castro em Cuba. Sob sua coordenação foi planejada a invasão da Baía dos Porcos, a Aliança para o Progresso e os golpes de estado no Equador e no Brasil.

Estes envolvimentos da área acadêmica com as ditaduras da época raramente são transparentes nos registros históricos feitos pela própria academia, geralmente preocupados em enaltecer pessoas e instituições que a construíram. Estudos mais críticos da história do campo, como os reunidos por Park & Pooley (2008), observam que, no caso da Comunicação, a maior parte das narrativas históricas seria feita “de dentro”, sem o necessário distanciamento que propiciasse uma contextualização consistente dos eventos. Em contraposição a isso, o que propõem é um “historicismo qualificado”, para “reconstituir as ideias, figuras, batalhas por recursos, e qualquer outro objeto de estudo, dentro do contexto todo de sua localização original no espaço e no tempo” (Park & Pooley, 2008, p. 5-6).

Daí a importância, apontada por Norma Côrtes (2003), de buscar na “situação hermenêutica”, o fundamento da consciência histórica:

além de indicar a polifonia de significados da palavra história - ela é objeto do interesse cognitivo e, simultaneamente, é morada daquele que a investiga - a consciência histórica instala-se como reconhecimento da variedade da condição humana e da relatividade dos seus respectivos modos de cognição (...) Em resumo, o reconhecimento da historicidade da consciência compreensiva (...) reclama pela elaboração de uma história social do conhecimento ou, caso se prefira, uma sociologia do conhecimento (...) que a um só tempo ofereça estrutura conceitual e lastro histórico àquele que conhece. (Côrtes, 2003, pp. 49-57).

É nesta perspectiva que se enquadra o presente artigo, resultado parcial de uma investigação mais ampla sobre a história do campo acadêmico da Comunicação.

Instrumentalização, Guerra Psicológica e Mass Communications

Não se fez ainda um inventário sobre os efeitos das ditaduras latino-americanas do Século XX sobre o campo acadêmico da Comunicação. As escolas latino-americanas de Jornalismo e Comunicação viveram episódios de repressão, destruição mas também tentativas de instrumentalização no período. A chamada “Guerra Psicológica” que interviu na vida acadêmica durante a Guerra Fria tem sido quase sempre citada de forma passageira na literatura da área, e geralmente apresentada como um fenômeno datado e distante. Seu efeito sobre a própria área acadêmica é negligenciado em nossos debates epistemológicos, quando não completamente ignorado.

Histórias mais críticas sobre a área da Comunicação começaram a surgir nos Estados Unidos desde o final do Século XX, com a ajuda “de fora”, de historiadores, cientistas sociais e jornalistas investigativos, como os trabalhos de Simpson (1994), Glander (2000) e Boylan (2003). Como demonstram os estudos norte-americanos citados acima, o fenômeno da instrumentalização política das escolas de Jornalismo (e depois de Comunicação) não é uma particularidade dos conflitos no subcontinente. Pelo contrário, a América Latina é envolvida na disputa mundial por corações e mentes através da propaganda desde o colonialismo, passando pelas guerras mundiais e chegando à guerra fria.

Até a Escola de Pulitzer, na Universidade de Columbia, foi um instrumento do Departamento de Estado, às vezes com apoio das Fundações Ford e Rockfeller, para diversas intervenções no exterior que atingiram o Oriente e a América Latina. A Escola de Columbia montou uma filial chinesa ligada ao partido de Chiang Kai-shek, e interviu na Escola de Jornalismo da Universidade Central da Venezuela utilizando verbas secretas da indústria petrolífera (Boylan, 2003, p. 114). O Prêmio Maria Moors Cabot, conferido pela Escola e associado inicialmente à ideia da liberdade de expressão, foi destinado a vários funcionários das ditaduras latino-americanas apoiadas pelos governos estadounidenses (Boylan, 2003, pp. 83-86).

Essa instrumentalização nunca foi tão intensa quanto na Guerra Fria, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, quando o envolvimento do grupo de scholars liderado por Wilbur Schramm com a “guerra psicológica” promovida pelo governo estadunidense teve como um subproduto a criação dos primeiros doutorados em Comunicação de Massa nos Estados Unidos:

By now it is clear that military, intelligence, and propaganda agencies provided the by far the largest part of the funds for large research projects in the social sciences in the United States from World War II until well into the 1960s, and that such funding was designed to support the full range of national security projects of the day, from the benign to the horrific. (…) In some cases, the security agencies’ intervention proved decisive in the “scientific” evolution of an academic field, which is to say, in the establishment of the institutions, texts, methodologies, and body of knowledge regarded as central to that academic enterprise. This has been true particularly in the interdisciplinary fields that have grown up since about 1945, such as development studies, area studies, communication research, and operations research among others. In the case of communication research, for example, it is unlikely that the field could have evolved in anything like its present form without early infusions of funds and contracts from intelligence, propaganda, and military agencies, or from foundations working closely with them. At least six of the most important U.S. centers of post-World War II communication studies grew up as de facto adjuncts of government psychological warfare programs. (Simpson, 1998, pp. xii-xiii)

Para justificar academicamente essa intervenção, Schramm forjou uma história da área acadêmica que deslegitimava tudo que havia sido produzido até, e enaltecia sua própria equipe como fundadora de um campo científico: “During its first 21 years, Journalism Quaterly published not a single article on communication theory” (Schramm, 1996, p.130).

Schramm passou a enaltecer a vida e a obra dos quatro pesquisadores também envolvidos nos programas de Guerra psicológica do governo que, para ele, seriam os únicos “forefathers” do “moderno estudo da comunicação”: Harold Lasswel, Paul Lazarfeld, Kurt Lewin e Carl Hovland (Schramm, 1997, pp. 21-106), nenhum deles originário do próprio campo, todos de outras disciplinas: “The fact that upward of 100 doctorates in communication study are being awarded this year, that some thousands of graduate students are taking advanced courses in communication, might well please the four scholars who got all this started” (Schramm, 1997, p. 110).

A versão da história da área forjada por Schramm se tornou hegemônica na medida em que a Comunicação retirou a autonomia das escolas de Jornalismo nas décadas seguintes, e foi legitimada por muitos outros autores a partir dos Estados Unidos (como em Sloan, 1990; Rogers, 1994; Dennis; Wartella, 1996, Schramm, 1997). Além de enaltecer as realizações dos forefathers nomeados e capitaneados por Wilbur Schramm, esta literatura minimiza ou apaga o registro de seus vínculos com os setores militares e diplomáticos dos Estados Unidos.

Mas bem antes da chegada de Schramm, o editor Ralph Casey publicou na Journalism Quaterly um artigo do provável autor do conceito de “comunicação de massa”, onde Malcolm Willley critica as limitações do paradigma histórico dominante então nos estudos de jornalismo centrados nos casos individuais e nos grandes homens, propõe o uso de métodos quantitativos e de contextualização como complementações necessárias a estes estudos para a compreensão do jornalismo como uma instituição social (algo que Schramm afirmaria depois que ninguém havia feito) e fala da “comunicação de massa” como uma perspectiva diferenciada de estudo entre as ciências sociais:

As a means of indicating this need for quantitative research in the achievement of basic knowledge in the field of journalism, three groups of questions may be asked: 1. How many newspapers are there in the United States? How are the numbers changing, if at all? What is the pattern or process of these changes, if they are found to exist? Et cetera. 2. How many communities are there in the United States in which newspapers are published? Is the number increasing or decreasing? Where are the communities located? How many newspapers are published in each community? Are there now more or fewer multi-paper communities? What is the pattern or process of change in the number of communities in which papers are published? Et cetera. 3. What is the political affiliation of the newspapers published in the United States? Has there been a change in political affiliation? If so, is there a discernible pattern to this change? What are the differences between daily and weekly newspapers? What sectional variations are there? Et cetera. These are significant groups of questions, and students of journalism as well as social scientists in general would like to know the answers. The student of mass communication, for example, would see in the first group important data pertaining to his study of the communication structure. (Willey, 1935a, pp. 258-259)

Neste mesmo ano, Malcolm Willey publica outro artigo num número especial dos Annals of the American Academy of Political and Social Science dedicado a “Pressure Groups and Propaganda” (onde Ralph Casey também comparece com um texto sobre propaganda partidária), em que define “Media of Mass Communications”:

Mass Communication is characterized by the possibility of establishing contacts with large numbers of people simultaneously or virtually simultaneously, and from one or a few central points of stimulation. Some degree of mass communication has always existed. In earlier historical periods it was achieved through physical assembly, and with the printed page - especially the newspaper. In these earlier days its effectiveness was narrowly limited, and direct contact beyond the confines of one audience in one community was virtually impossible - in fact, was partially achieved only through limited circulation of the then existing newspapers, periodicals, and pamphlets. The uniqueness of present-day mass communication is in the fact that with the use of mechanical devices the size of the audience is almost unlimited, and physical assemblage is no longer essential. In the development of modern mass communication the newspaper and periodical, the motion picture, and the radio are basic, but these three are supplemented by many other media of communication. (Willey, 1935b, p.194)

A definição proposta em 1935 parece ser a mais avançada na literatura da época e a mais próxima dos conceitos de comunicação que seriam adotados pelo campo acadêmico quase duas décadas mais tarde. A contribuição teórica de Willey para a comunicação foi totalmente omitida na história oficial da área. Assim, Schramm pôde aparecer como se ele e seu grupo houvessem inventado um novo paradigma, como propõe na introdução do livro:

Communications research is a development of the last few years. Fifteen years ago, the term would hardly been heard.(…) To appreciate how recent has been the flowering of communications research in this country, it is only necessary to look at the dates in the bibliography which closes this volume. Early in 1948, a group of communications research men met at the University of Illinois. They came to talk about the problems of their young field of study (…) Out of this conference grew the papers that follow. (Schramm, 1948, pp. 5-6)

A coletânea foi lida por Malcolm Willey, que publicou uma revoltada resenha em The Annals of the American Academy:

What is included here presumably represents the judgment of Dr. Schramm and his colleagues as to what will best serve as an introduction to a subject that is complex and enormously inclusive. On these selections themselves no comment will be attempted here; rather more general observations will be made. First, there is the question of the audience for whom such a book will be useful. The materials themselves suggest the beginning student rather than the specialist. The book seems to be designed for teaching purposes rather than for reference, as a research handbook, or for general reading. Yet the foreword states that its appearance is the outgrowth of suggestions by students, teachers and research men. In short, the focus is not entirely clear with respect to audience and use. Second, if the book is for beginning studies, it lacks an integration that is far from achieved by brief introductory comments at the head of each session. Nor does it present a sharp synthesis of the problems that presumably the individual’s selections are designed to illustrate or evoke. While some of the selections are self-evident in purpose, others are not, and it seems to the reviewer that no adequate systematization of the materials is provided. This is a fundamental shortcoming. Finally, the editorial task itself seems less than satisfactory. (Willey, 1950)

Por não ter discutido o critério de seleção utilizado por Schramm, nem citado os excluídos dela, Malcolm Willey não ajudou a mudar a história do campo da comunicação com essa sua resenha. Mas ajudou a mostrar a falta de rigor acadêmico de um grupo e particularmente de seu líder que se apresentava como - e até hoje é cultuado nos Estados Unidos como se realmente fosse o principal introdutor da cientificidade na área.

Assim como nos Estados Unidos, os estudos clássicos sobre jornalismo utilizados nas escolas latino-americanas antes da chegada da Mass Communication de Wilbur Schramm - os primeiros tinham uma perspectiva profissional ou literária, histórica, ética e legal, mas já havia estudos comparados, sociológicos e psicológicos em alguns países - desapareceriam das bibliografias e cairiam no esquecimento. Foram substituídos pelas referências teóricas trazidas para dar sentido ao novo “profissional polivalente” previsto no projeto político de guerra psicológica que originou o campo da comunicação.

A Comunicação gradualmente se afastou do jornalismo como objeto para se assumir cada vez mais como um ramo da sociologia voltado para o controle social. O impacto dessa transformação foi criticado por professores de jornalismo nos Estados Unidos:

Desde a II Grande Guerra, um determinado número de especialistas em Ciências Sociais começou a interessar-se em uma análise quantitativa dos diferentes aspectos da conduta social, em face da teoria da comunicabilidade. Usam os instrumentos do estatístico e a linguagem do sociólogo para investigarem os efeitos dos vários meios de influência sobre o pensamento e a conduta do homem. Muitas dessas descobertas são úteis ao propagandista, ao anunciante, ao consultor sobre relações públicas, a todos aqueles que têm ideias ou produtos para vender. O conhecimento do que pretendem é importante para o verdadeiro jornalista que é, afinal, o protetor das vítimas em potencial. (Macdongall, 1965, p. 16)

Curtis Macdongall foi um dos acadêmicos norte-americanos a denunciar em seu país que a teoria do jornalismo, historicamente associada aos ideais de democracia e liberdade, estava sendo substituída nos currículos por uma ciência concebida a partir do Departamento de Estado por um grupo de acadêmicos a seu serviço. Mas se isso pôde ainda ser debatido de maneira relativamente aberta nos Estados Unidos, onde a Primeira Emenda à Constituição conviveu e sobreviveu à perseguição anticomunista do McCarthismo, na América Latina o debate foi substituído pela simples imposição.

Não se fez ainda um inventário do impacto desta guerra sobre a investigação científica na América Latina, especialmente na área da Comunicação. Um exemplo, o brasileiro, dá conta do que poderia ser encontrado: em 1935, o primeiro Curso de Jornalismo no Brasil foi fundado na Universidade do Distrito Federal, mas a UDF sucumbiu em seguida em consequência das perseguições políticas que se seguiram à implantação do Estado Novo. Mais tarde, a primeira Escola de Comunicação de Massa, que incluía em seu projeto o que seria o primeiro Doutorado em Jornalismo, foi implantada em 1963 na Universidade de Brasília, mas interrompida dois anos depois em consequência do Golpe Militar de 1964 cujo regime, sabe-se hoje, assassinou o educador Anísio Teixeira, que havia sido o reitor dessas duas universidades interrompidas (Salmeron, 1998).

Mas como demonstram os estudos norte-americanos de Simpson (1994), Glander (2000) e Boylan (2003) citados acima, o fenômeno da instrumentalização política das escolas de jornalismo (e depois de comunicação) não é uma particularidade dos conflitos no subcontinente. Pelo contrário, a América Latina é envolvida na disputa mundial por corações e mentes através da propaganda desde o colonialismo, passando pelas guerras mundiais e chegando à guerra fria. E esta instrumentalização é quase tão antiga quanto a própria área acadêmica: apenas cinco anos após fundar a primeira escola de Jornalismo dos Estados Unidos na Universidade de Missouri, seu diretor Walter Williams já participava de missões internacionais a serviço do governo dos Estados Unidos e patrocinado por fundações privadas como a Kahn Foundation. Williams criou uma escola de jornalismo na China e teve relações próximas com vários ditadores latinoamericanos (Williams, 1929).

Também a Escola de Pulitzer, na Universidade de Columbia, foi um instrumento do Departamento de Estado, às vezes com apoio das Fundações Ford e Rockfeller, para diversas intervenções no exterior que atingiram o Oriente e a América Latina. A Escola de Columbia montou também uma filial chinesa ligada ao partido do Generalíssimo Chiang Kai-shek, e instalou a Escola de Jornalismo da Universidade Central da Venezuela utilizando verbas secretas da indústria petrolífera. O Prêmio Maria Cabot, conferido pela Escola e associado à idéia da liberdade de expressão, foi destinado a vários funcionários das ditaduras latinoamericanas apoiadas pelos governos estadounidenses (Boylan, 2003).

Mas essa instrumentalização nunca foi tão intensa quanto na Guerra Fria, a partir do final da Segunda Guerra Mundial. Com o desmantelamento das universidades europeias, onde os estudos de jornalismo eram mais avançados, durante o fascismo e a II Grande Guerra, a tomada das escolas de jornalismo pelo referencial teórico-metodológico da Comunicação Coletiva (depois Social) foi plenamente vitoriosa (NIxon, 1968). Em todo o terceiro mundo, através da Unesco e suas instituições subsidiárias, Wilbur Schramm e sua equipe convenceram os acadêmicos da área a substituir o estudo do jornalismo pelo da “comunicação para o desenvolvimento”. Nessa perspectiva, os povos subdesenvolvidos não necessitavam de jornalismo do tipo ocidental, que ademais só poderia existir nas democracias. O terceiro mundo deveria aceitar a censura imposta por suas ditaduras para facilitar o desenvolvimento (Kunczik, 1997).

A imposição do projeto às universidades por governos autoritários, a cooptação de muitos acadêmicos pelos benefícios oferecidos pelas escolas da Unesco e as fundações internacionais (cursos de capacitação, bolsas de estudo, acesso a bibliografia) a repressão violenta da dissidência (por demissões, prisões, exílios e assassinatos) e as necessidades de sobrevivência neste ambiente conturbado levaram uma certa perspectiva da Comunicação Social a prevalecer parcial ou totalmente em todo o continente.

Ciespal, Golpes de Estado e Comunicologia

O Centro Internacional de Estudos Superiores de Periodismo para a América Latina (Ciespal) foi fundado em Quito em 1959, tendo como objetivo ampliar para a América Latina a experiência iniciada dois anos antes pelo Centro Internacional de Estudos Superiores em Jornalismo, instalado na Universidade de Strasbourg, na França, com atuação prevista para a Europa, África e Oriente Médio. (Feliciano, 1987)

O jornalista Jorge Fernández, ligado à família que controlava o diário El Comercio de Quito, se tornou o primeiro Diretor Geral:

A pesar del apoyo de la UNESCO y de la OEA, así como de fundaciones internacionales, con Ford y Rockfeller, la idea del CIESPAL germinó en el contexto de la sociedad ecuatoriana en la mitad del siglo pasado y tuvo en Jorge Fernández a su catalizador intelectual y en el diario El Comercio, de Quito, a su avalista institucional. Intelectual prominente, Jorge Fernández destacó en el Ecuador como autor de ensayos y novelas; pero ganó prestigio, sobre todo, como periodista, al escribir, a diario, los editoriales del periódico El Comercio, de Quito, el medio más importante de la prensa nacional, mantenido por la familia Mantilla. Los propietarios de la empresa confiaban de tal modo en él que le encargaron escribir la biografía del referido periódico con motivo de su cinquentenário. Tarea que llevó a cabo por medio del libro Tránsito a la Libertad. (Melo, 2012, pp. 24-25)

Em 11 de julho de 1963, mesmo ano em que Jorge Fernández recebeu o prêmio de Liberdade de Imprensa da Universidade de Columbia, o governo do Equador foi derrubado por um golpe militar. Como ocorreu, no período, em quase toda a América Latina, a partir da vitória de Fidel Castro em Cuba, no Equador a Guerra Fria foi disputada pela mídia conservadora aliada a outros setores sociais, e o jornal El Comercio de Jorge Fernández teve um papel destacado na insurreição:

Assessorada pela Embaixada dos Estados Unidos, a reação local começou a denunciar a infiltração “comunista” no governo e a explorar o tema cubano. Jornais como El Comercio, de Quito, identificado até então com o liberalismo anticlerical, converteram-se da noite para o dia em modelos de piedade religiosa e ferrenhos defensores da “tradição cristã” (...) Conforme se assinalou numa revista nacional, que está longe de ser esquerdista (Vistazo, de Guayaquil, outubro de 1968), nos meses que precederam a queda de Arosemena “o anticomunismo se torna psicológico, não mais ideológico, para assim incidir sobre a opinião popular” E conforme reconhece a mesma publicação, as forças “extranacionais” ou seja, os Estados Unidos, atuam decisivamente através de seus aliados locais: a grande imprensa, o rádio e, finalmente, os oficiais reacionários. (Cueva, 2016, pp. 128-129)

Em livro, no qual revela a atuação da agência no Equador naquele período, o ex-agente da CIA Philip Agee (1976) deixa claro como o jornal El Comercio, de que Jorge Fernández era o editorialista, servia de instrumento à guerra psicológica controlada pelos Estados Unidos. E um texto do próprio Jorge Fernández traz explícito o apoio do primeiro presidente do Ciespal ao novo governo e à supressão da democracia no Equador, um ano após o golpe:

Soberania, independencia y democracia (12 de agosto de 1964) El Cuerpo Diplomático presentó al Gobierno del Ecuador el saludo tradicional com motivo de la comemoración cívica del 10 de Agosto. En esta oportunidade, el presidente de la Junta Militar hizo, en términos exactos, lo que puede considerarse como la definición espiritual de la república en materias fundamentales de la política interna y externa. (…) La situación política del Ecuador es actualmente de transición. Motivos y antecedentes demasiado conocidos nos llevaron fatalmente a una especie de paréntesis que ha dejado en suspenso el ejercicio de la democracia representativa. Pero lo que se produjo tuvo precisamente una razón de ser: salvar al país de confusiones caóticas que podrían facilitar el avance definitivo del comunismo y el ocaso total de las libertades. Aquello fue inevitable para preparar el renacimiento democrático sobre bases firmes. (Fernández, 2012, p. 44)

Em 1966, o governo militar invadiu a Universidad Central del Ecuador - onde funcionava a sede do Ciespal - o que provocou um grande desgaste político do regime junto à classe média que a apoiava (Cueva, 2016, p. 133). A brutalidade da operação policial contra a Universidade e a perda de apoio do regime, no entanto, não modificaram a posição de Jorge Fernández, que justificou a invasão num texto publicado dois meses após o acontecimento e saudou a “nova universidade” que estava sendo construída pela ditadura, com o apoio dos Estados Unidos:

La función de la universidad (25 de mayo de 1964) Un hecho en el cual había unánime coincidencia era el de que la universidad estaba en crisis. El haber desembocado en la política, en la agitación casi como la ocupación preferente, era una consecuencia de causas profundas que motivaban la crisis. Factores sociológicos externos a la universidad contribuyeron a tal estado de cosas; era también un resultado del ambiente general del país, reflejado en forma aguda y conflictiva en las aulas universitarias. El estudiante se ocupaba en actividades marginales, porque no encontraba suficiente interés vital e intelectual en la diluida ciencia que recibía en las clases. Dirigentes, profesores y estudiantes hablaban, cada uno a su manera, de la urgencia de una reforma y transformación radical. Se informa ahora que está en proceso definitivo el reajuste que la Universidad Central requería, con la ayuda oportuna de la Universidad de Pittsburgh y el nuevo ánimo universitario que parece predominar en esta noble y antigua institución. (...) Lo que se realiza ahora hará una nueva universidad, apta para contribuir a la formación de un país más culto y más justo. (Fernández, 2012, pp. 59-61)

A gestão de Jorge Fernández na direção geral do Ciespal foi marcada por um grande aporte de verbas de fundações estadunidenses, especialmente a Fundação Ford. Entre os projetos que a Fundação financiou no Ciespal registra-se a contratação da consultoria do norte-americano Raymond B. Nixon, professor da University of Minnesota, chamado por Jorge Fernández para ser o primeiro professor do Ciespal. Raymond Nixon presidia na época a International Association for Mass Communication Research (IAMCR) e dirigia a revista acadêmica norte-americana Journalism Quaterly. Mas além destas inegáveis credenciais e de uma grande capacidade acadêmica, demonstrada nas muitas publicações que fez, inclusive no próprio Ciespal, o professor da University of Minnesota tinha uma forte articulação com agências do governo dos Estados Unidos, que passaram a financiar suas atividades na América Latina, como deixou registrado num relatório de prestação de contas a elas destinado:

(…) the Department of State sponsored my 14 days in Quito, and the Ford Foundation grant covered the remaining 51 days. Both have asked for a written report. Other agencies and organizations also have shown an interest in my findings. One of these is the United States Information Agency, which represents the Office of Cultural Exchange abroad and works closely with the media and education institutions in each country. The Alliance for Progress has had a natural interest.” (Nixon, 1963, pp. 1-2)

A University of Minnesota, instituição a que Raymond Nixon era vinculado, é uma das citadas entre as que receberam verbas secretas de agências militares dos Estados Unidos, durante a Guerra Fria, para desenvolverem pesquisas na área de Comunicação:

The various military branches also supported mass communication research projects in university social science and communications departments. (...) Like the CIA and the USIA, the Human Resource Division would contract with university-based researchers (...) and with departments in universities such as the University of Minnesota... (Glander, 2000, p. 64)

O livro de Timothy Glander também cita as fundações privadas norte-americanas como intermediárias de financiamentos secretos da CIA, USIA e agências militares para a guerra psicológica desenvolvida na Guerra Fria, incluindo a Fundação Ford, principal financiadora do Ciespal em seus primeiros anos (Glander, 2000, pp. 65-67). O livro de Peter Coleman The Liberal Conspiracy também confirma, através de documentação, o envolvimento da CIA e, posteriormente, da Fundação Ford, no esforço cultural de combate ao comunismo (citado em Cancelli, 2017, pp. 31). Este envolvimento fica demonstrado no relatório de Raymond Nixon sobre sua viagem por 19 países latino-americanos, onde visitou empresas jornalísticas e a maioria das escolas de jornalismo então existentes no continente. No documento fica claro que Raymond Nixon não viajava apenas em missão acadêmica, mas também política, em articulação permanente com os serviços diplomáticos norte-americanos, com quem já tinha cumprido outras missões no leste europeu, como reportou:

The significant role that can be played by an efficient and alert USIS staff was impressed upon me more than ever in Panamá. Originally I had not even planned to stop there (...), but about a month before my departure from Minneapolis I received a letter from Mr. Carl E. Davis, public affairs officer at the U.S. Embassy in Panamá. He urged me to include Panamá, particularly because of the activities of Communist groups within the School of Journalism and the Syndicate of Journalists. (...) Panamá’s strategic location makes the maintenance of a democratic government and a free press in the country of great importance to the United States.” (Nixon, 1963, p. 17)

Oito meses depois do golpe militar no Equador, em 31 de março de 1964 acontece o golpe militar no Brasil, que depôs o presidente constitucional João Goulart. Os arquivos do governo do Estados Unidos daquele período já foram liberados e comprovaram a participação norte-americana na desestabilização do governo e no desfecho do golpe levado a cabo por militares brasileiros, com apoio da mídia conservadora e do empresariado, como havia ocorrido no Equador.

Instalado o governo militar no Brasil, a repressão foi a primeira medida tomada pelo governo imposto, e a universidade foi um dos seus principais alvos. Dezenas de acadêmicos foram expulsos de escolas e universidades e perseguidos, educadores como Darcy Ribeiro e Paulo Freire foram presos e deportados (Cunha; Góes, 1985). Ao mesmo tempo em que isso ocorria, aconteceu o IV Seminário Regional do Ciespal, realizado de 12 a 16 de julho de 1965, que teve a sessão inicial presidida pelo ministro da Educação do novo governo militar brasileiro, Flavio Suplicy de Lacerda, empenhado pessoalmente naqueles dias na destruição da primeira Faculdade de Comunicação do Brasil, na Universidade de Brasília, e na perseguição a seu diretor (Salmeron, 1998, p. 220). Nenhuma palavra sobre estes acontecimentos ficou registrada no Informe Final do evento. Ficaram porém registradas as palavras do brasileiro Luiz Beltrão, também ele professor e autor de livros do Ciespal, que atestam a familiaridade da entidade, na época, com o programa de guerra psicológica do governo estadunidense:

El gran tema militar de nuestros días se llama guerra sicológica. En otros términos, guerra de convencimiento, de persuasión, de propaganda. Guerra de ideas que se confrontan con el ansia de obtener adeptos, de efectuar cambios. Vencerá, no aquél que posee la verdad, sino aquél que sepa decir que posee la verdad, el que sepa transmitir a los otros con más precisión el mensaje de la Verdad. (…) Es por eso que no nos limitamos a la formación técnica del periodista. Procuramos evolucionar para un instituto de ciencias de la información, estructurado en departamento de enseñanza, de documentación técnico profesional, de relaciones públicas y de investigación científica. Que coordine, sistematice y divulgue conocimientos relativos a las ciencias de la comunicación y del comportamiento colectivo. Que prepare informantes aptos para transmitir con eficiencia sus mensajes por cualesquiera de los medios a su disposición y en cualquier sector de la actividad humana. (Beltrão, 1965, pp. 348-349).

Após o Seminário do Rio de Janeiro, Luiz Beltrão foi convidado a assumir a direção da Faculdade de Comunicação da UnB, no lugar do professor demitido pelos militares, assumiu o cargo e modificou o projeto da Faculdade para adequá-lo às diretrizes do Ciespal. Teria contribuído para isso seu posicionamento sobre o golpe militar e a simpatia pela agência de informação recém instalada pela ditadura, que também ficaram registrado nos anais do evento:

Necesitamos explicar a las naciones libres y democráticas los motivos de la Revolución de Marzo, de la deposición de un gobierno constitucional y la implantación de otro, mediante un acto institucional. La tarea se presentó tan compleja porque los organismos políticos y administrativos del país se encontraban desprovistos para ejecutarla y uno de los primeros actos del Gobierno fue la creación del Servicio Nacional de Informaciones, seguida, más tarde, de otra medida que, personalmente, la considero una de las más relevantes que se adoptaron este año, en el campo especifico de las comunicaciones: el establecimiento de un curso de Información en la Escuela Superior de Guerra. (Beltrão, 1965, p. 342)

Inconclusão: Manu Militari, Apagamentos e Dilemas

A partir da década de 1970, o Ciespal deixou a órbita de influência norte-americana e, com o apoio financeiro da Fundação Friedrich Ebert e de outras agências ligadas à socialdemocracia europeia, tornou-se um importante centro irradiador de pensamento crítico sobre a Comunicação na América Latina (Feliciano, 1987, pp.122-172). No entanto, as histórias do campo acadêmico na América Latina raramente adotam uma perspectiva crítica em relação a seu envolvimento com as ditaduras latino-americanas patrocinadas pelos Estados Unidos. Pelo contrário, costumam afirmar que o Centro não teria alcançado sua importância sem o trabalho realizado para sua estruturação e consolidação nesta primeira fase, desenvolvido sob a liderança de Jorge Fernández e com a participação decisiva de acadêmicos como Raymond Nixon e Luiz Beltrão: “Efectivamente, la figura de Jorge Fernández es una de las más destacadas del siglo XX en los campos del periodismo y la literatura de Ecuador” (Montúfar, 2012, p. 9). No Brasil, “Luiz Beltrão converteu-se em ícone nacional das ciências da comunicação por seu tríplice pioneirismo: fundador do primeiro instituto universitário de pesquisa (1963), criador da primeira revista científica (1965) e autor da primeira tese de doutorado (1967) nesta área do conhecimento”. (Duarte, 2001, p. 127). Raymond Nixon foi o primeiro presidente efetivo da IAMCR, depois da gestão provisória de Ferdinand Terrou, e teve um papel fundamental na consolidação internacional da área de Comunicação, também por seu trabalho na Journalism Quarterly. Os três autores deixaram obras científicas que seguem sendo referências clássicas na área acadêmica.

No entanto, a consciência histórica exige que a verdade seja restabelecida também na memória do campo acadêmico. O apagamento da memória e a mitificação das biografias dos personagens envolvidos dificultam o entendimento de como e por que se tornou o que é a Área da Comunicação na América Latina. Muitos dilemas epistemológicos persistentes decorrem deste ocultamento. Afinal, como apontou o trecho de Norma Côrtes destacado antes, a história não é apenas objeto do interesse cognitivo, mas também morada daquele que a investiga e, portanto, apenas uma história social do conhecimento pode oferecer estrutura conceitual e lastro histórico a quem queira compreender o percurso de institucionalização do campo. Uma disciplina forjada a manu militari trará marcas desse seu início pela vida inteira. E tomar consciência disto é apenas um ponto de partida.

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Recebido: 31 de Julho de 2021; Aceito: 01 de Setembro de 2021

Eduardo Meditsch é professor Visitante do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília. É também Professor do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, instituição em que atua desde 1982 e onde segue atuando com trabalho voluntário após sua aposentadoria como Professor Titular em 2016. Realizou estágio sênior de pós-doutorado na University of Texas at Austin (2010/2011) com bolsa da Capes. Possui doutorado em Ciências da Comunicação/Jornalismo pela Universidade Nova de Lisboa (1997), mestrado em Ciências da Comunicação/Jornalismo pela Universidade de São Paulo (1990) e graduação em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1979). Integra conselhos editoriais de uma dezena de revistas acadêmicas do Brasil, América Latina e Portugal. ID Lattes: 9884506958589514. Endereço institucional: Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Jornalismo. Campus da Trindade, Trindade, 88040900 - Florianópolis, SC - Brasil - Caixa-postal: 476

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