1. Introdução
Em vastas áreas do território a ligação entre cidadão e Estado é esparsa, intermitente e de certa forma bastante limitada. Ao nível político e institucional, em Portugal, a articulação faz-se sobretudo através da avaliação do desempenho das autoridades locais e regionais, como são os casos das câmaras municipais e juntas de freguesia (Teles, 2021). A capilaridade do poder local e regional pode ser ilustrada pela existência, em Portugal, de 308 concelhos e 3091 juntas de freguesia, incluindo as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Em 1963, Almond e Verba salientaram que era sobretudo através da televisão e da rádio, e cada vez menos dos jornais, que uma boa parte da população tomava conhecimento das decisões que iriam impactar as suas vidas quotidianas. Deste modo, postula-se que os media desempenham um papel central na socialização política e na formação de cidadãos mais capazes e ativos na esfera pública.
Parte da socialização política dos europeus é feita através do consumo de notícias, portanto com mediação jornalística e muito particularmente através da televisão. É perniciosa a ideia de que quanto mais atenção e visibilidade dos media, maiores níveis de confiança política (Sousa et al., 2020). Por outras palavras, diríamos que a maior visibilidade nem sempre é conducente a uma melhoria da imagem dos responsáveis políticos locais e regionais, bem como das próprias instituições.
A condição contemporânea, em antagonismo com as sociedades eminentemente rurais, caracteriza-se pela forte erosão dos laços sociais e comunitários, que calibram os elos de solidariedade e de coesão entre os seus membros. Por conseguinte, de acordo com Belchior (2015), assiste-se à passagem progressiva de sociedades baseadas na confiança para sociedades onde predomina a desconfiança.
O debate pode ser sintetizado em dois eixos de reflexão neste domínio: por um lado, postula-se que o crescente desinteresse pela política e pelas questões de interesse coletivo se ficam a dever ao maior e mais intenso consumo de conteúdos de entretenimento (Almond & Verba, 2015; Figueiras, 2017). A consequência, em parte, é o desinteresse da vida pública, por largas categorias sociais, mas também uma forte segmentação dos conteúdos informativos. Por outro lado, a demonstração empírica nas últimas décadas sublinha o papel catalisador dos media e, mais recentemente, dos media sociais na disseminação de conteúdos informativos que possam alimentar uma esfera pública vigorosa e dinâmica (Deseriis, 2021; Sebastião & Viegas, 2021). Depreende-se que estas duas correntes, tendo algo de complementar, no essencial antagonizam-se. Dada a sua importância, queremos contribuir para este debate com a medição do papel dos fatores sociomediáticos para a confiança nas autoridades locais e regionais, considerando a escala europeia para esta reflexão.
2. Confiança nas autoridades locais e regionais: usos e consumos mediáticos
O papel da confiança enquanto facilitadora da ação, particularmente numa sociedade com excesso de informação, onde não se pode conhecer tudo com grande profundidade, mas onde também não se pode deixar de agir, era já um aspeto importante da teorização de Simmel (Mota, 2017). E se olharmos para a confiança em termos antropológicos, reconhece-se que ela é uma condição fundamental nas democracias liberais, uma vez que estas se alicerçam na cooperação entre os seus membros. A confiança é, assim, fundamental no funcionamento das instituições, permitindo às sociedades e comunidades atingirem os seus mais diversos objetivos. Os media e a confiança estão fortemente imbricados por diversos elementos, sobretudo como agentes de socialização política dos atores (Belchior, 2015). No fundo, trata-se da adesão dos atores às regras e instituições que estruturam as sociedades democráticas (Daskalopoulou, 2019) e em particular a adesão dos atores aos mecanismos democráticos tais como as autoridades locais e regionais. A confiança política (Schneider, 2017), tal como a confiança nas autoridades locais e regionais (Schoors et al., 2018) está fortemente enraizada em idiossincrasias culturais e sociais e também mediáticas das próprias comunidades (Hjarvard, 2013).
O pós-guerra marcou o arranque da área de estudos da comunicação política e da opinião pública (Lazarsfeld et al., 1944). Os media, ao tornarem-se uma instituição semiautónoma (Hjarvard, 2013), passaram a ser incontornáveis nas sociedades da modernidade tardia, possibilitando a interação e comunicação descentralizada (Castells, 2007), impactando também em domínios como a sua eficiência política, nomeadamente ao tornarem as diferentes opiniões públicas mais sensíveis a determinadas causas e problemas.
É permanente e de acelerada intensidade a interação entre o sistema político e o ecossistema mediático, estando ambos fortemente ancorados às estruturas de poder (Norris & Inglehart, 2009). Deste modo, a estruturação do sistema mediático e a apropriação dos media estão inscritas nas estruturas sociais (Iyengar & Kinder, 2010). A constituição da esfera pública passa por uma intensa simbiose entre instituições que legitimam a ação do Estado e os media (Habermas, 1989). A confiança nas instituições (Putnam, 1993), resulta de uma súmula em que intervêm instituições, relações de poder, mas também a ação dos meios de comunicação social. Putnam (2000) defende que a erosão da confiança nas instituições, na sociedade norte-americana, está associada à crescente relevância dos meios de comunicação, em particular da televisão. Contudo, esta perspetiva tem vários detratores (cf. Scheufele & Shah, 2000; Uslaner, 2003; Schmitt-Beck & Wolsing, 2010), que alegam que é também graças à televisão, e aos restantes meios de comunicação social tradicionais, que largas categorias sociais fazem a sua socialização política.
Ainda do ponto de vista da análise da relação entre os media e a confiança nas instituições, deve-se também atender à tipologia de conteúdos veiculados por cada media, de forma a poder aferir-se acerca do impacto junto das suas respetivas audiências (Beaudoin & Thorson, 2004; Scheufele & Shah, 2000). A título ilustrativo, pode dar-se o exemplo da televisão que, ao estabelecer interação com atores, assume um padrão unidirecional de comunicação, em antagonismo com a generalidade dos media digitais (Marichal, 2012). No fundo, a arquitetura dos media é também um elemento condicionador.
Nesta linha, Riddle (2010) demonstra que a influência da televisão e dos seus conteúdos, na fase inicial da vida, tem efeitos prolongados na construção das disposições políticas e culturais dos atores. A potencial influência dos media é complexa e envolve um conjunto muito diverso de aspetos como: a instituição, ou a privacidade, o cálculo da confiança, a qualidade da informação (Cheng et al., 2017).
Por conseguinte, demonstrou-se que existem fatores político-culturais, que condicionam a confiança nas instituições, em contextos de transição democrática recentes (Markov & Min, 2020), bem como fatores educacionais (Belchior, 2015) e uma maior participação feminina na esfera pública (Vidal-Correa, 2020). Mas também existem diferenças considerando a propriedade, como foi observado na Alemanha (Arlt et al., 2020), ao concluírem que o maior uso e exposição aos media públicos tende a estar associado a uma maior satisfação com o desempenho político, ao passo que o uso e exposição aos media privados tende a incrementar a desconfiança política.
A nível europeu ainda encontramos diferenças no que respeita aos níveis de confiança, uma vez que os países ibéricos e as sociedades pós-soviéticas se destacam pelos baixos níveis de confiança nas instituições (Marozzi, 2015) ao invés dos países da Europa Central. As especificidades decorrentes de determinantes históricas e também mediáticas são elementos relevantes no relacionamento com a esfera institucional.
2.1 Confiança nos media
Em geral a confiança nas instituições assenta, mais do que tudo, no poder relacional, sobre o qual se consolidam as práticas sociais quotidianas e as tornam relativamente previsíveis. Cabelkova et al. (2015) demonstraram que a confiança nos media é um robusto indicador de proximidade à esfera política e institucional. Por seu lado, Strömbäck (2020) evidencia que o uso e consumo de media está correlacionado com a confiança nos media.
A confiança nos media assenta em: confiança na seleção dos temas; confiança na seleção dos factos; confiança na precisão das representações; confiança na avaliação jornalística (Gunther & Lasorsa, 1986). Posteriormente, Kohring e Matthes (2007a e 2007b) postularam a confiança nos media como um fator hierárquico composto por: seleção dos temas, escolha dos factos, na precisão das representações e na avaliação jornalística, revelando-se ainda hoje um estudo prolífico (cf. Yale et al., 2015; Prochazka & Schweiger, 2019). Estes autores, com estas categorizações, permitem-nos identificar aspetos através dos quais os atores avaliam a confiança nos media.
Os media nas sociedades mediatizadas têm implicações nas mais diversas esferas sociais (Hjarvard, 2013). A preponderância dos media nas práticas quotidianas é diversa e multidimensional, uma vez que não se trata apenas de consumos mediáticos, mas também da confiança que os media inspiram entre as comunidades.
Nas últimas décadas assiste-se a uma tendência generalizada de descida dos níveis de confiança nos media nas sociedades democráticas ocidentais (Jones, 2018; Reuters, 2019). Em Portugal, apesar da tendência de descida, os níveis de confiança têm-se mantido superiores comparativamente aos seus congéneres europeus (Silva et al., 2017a; Silva et al., 2017b).
A esta mudança não será alheia a multiplicação das redes sociais digitais e de canais e fontes noticiosas, que proliferam no ambiente digital e que incrementam a desconfiança relativamente aos media tradicionais (Daniller et al., 2017). Fenómeno particularmente visível entre os mais jovens (Fišer & Mišič, 2015). Atores com menores níveis de confiança nos media tradicionais estão mais predispostos a aceder a fontes alternativas, bem como a envolverem-se em atividades cívicas e políticas online com maior frequência, comparativamente aos que têm maior confiança nos media e marcas tradicionais (Fletcher & Park, 2017). Com efeito, é possível inferir que existe uma emergente clivagem entre os atores que confiam nos media tradicionais e os que dizem confiar nos media digitais. Diferenças que, a verificarem-se, podem ter a montante a influência de fatores socioeconómicos e educacionais.
Turcotte et al. (2015) demonstram a relevância social e política da confiança interpessoal no funcionamento da vida democrática ao estabelecerem uma forte associação entre a credibilidade das notícias e a reputação dos opinion makers. Em especiais circunstâncias, como eventos catastróficos, as fontes de informação mais credíveis são os media sociais (Williams et al., 2018), como acontece, por exemplo, com os incêndios florestais. Nestas circunstâncias, os media digitais constituem-se como privilegiados meios de disseminação e de consumo de conteúdos informativos. A existência de hiperligações nos artigos está relacionada com maiores níveis de confiança (Verma et al., 2017). Ora, em circunstâncias sociais excecionais, como catástrofes, os atores são propensos a confiar mais nos media digitais. Talvez essa nuance esteja associada à facilidade e portabilidade de artefactos tecnológicos como o smartphone, que possibilitam o acesso a estes media, bem como à rapidez de atualização destes media.
2.2 Esfera pública local: o papel do jornalismo e os media locais
Com a diversificação dos canais informativos, em formato tradicional (ex.: estações de televisão de notícias 24 horas por dia) ou por via das plataformas digitais, intensificou-se a tendência para a priorização de conteúdos de entretenimento relativamente aos informativos (Prior, 2005). De entre o leque de implicações está a menor propensão para a participação cívica e política na esfera pública. Deste modo, é lícito postular que a televisão por cabo e a internet vieram interpor novas desigualdades no acesso à informação.
De uma outra perspetiva, também as práticas jornalísticas da imprensa local podem contribuir para a maior seletividade no acesso à esfera pública local (Morais & Sousa, 2013). Nesta linha de pensamento, também Hayes e Lawless (2018) demonstraram o crescente desinteresse por parte dos media nacionais por notícias locais e regionais, tendo este facto consequências negativas na atividade cívica e política. Para Jangdal (2020), os media locais cumprem uma função essencial à democracia, independentemente de serem tradicionais ou digitais, ao monitorizarem a democraticidade das instituições políticas locais.
A simples existência de meios locais, como televisões, ou jornais e rádios, não é garantia de que os problemas da comunidade estão a ter a devida atenção. De acordo com LeBeau (2018), as estações de notícias locais tendem a seguir tendências nacionais como o hiperagendamento de crimes ou o tráfego e informações ao consumidor, preterindo questões relacionadas com a governação local. A diversidade de conteúdos na imprensa local e regional constitui-se como uma questão central quando estamos perante territórios com problemas económicos e sociais (Jenkins, 2019). Os media locais também podem desempenhar um papel fundamental na discussão dos planos educativos alternativos a nível regional (Smith & Benavot, 2019). O uso dos media tem sido um campo de crescente interesse em face da gradual relevância da mediatização das diferentes esferas sociais (Naab et al., 2019). Uma forma recente deste maior interesse nos media e dos seus conteúdos noticiosos sobre as disposições políticas passa pela definição de perfis de consumidores de notícias. A este respeito, Strömbäck et al. (2018) identificaram cinco categorias de consumidores de notícias: minimalistas, consumidores de notícias públicas, consumidores de notícias locais, consumidores de notícias de media sociais e consumidores de notícias online populares.
No contexto amplo do sudeste asiático foi possível verificar que o Twitter foi apropriado para debater notícias de índole local (Xu & Feng, 2014). Também no Canadá, mais propriamente em Otava, o Twitter foi utilizado para encetar o debate em torno das eleições locais (Raynauld & Greenberg, 2014). Estes casos ilustram a efetiva apropriação construtiva das plataformas digitais, em particular durante períodos eleitorais, como é o caso das eleições autárquicas.
A sensação de proximidade entre jornalistas e atores que usam os media digitais pode incrementar a interação e a qualidade do debate e do trabalho jornalístico (Dohle, 2018). Mas, por outro lado, os comentários negativos também podem acicatar tensões latentes entre utilizadores e jornalistas (Prochazka et al., 2018; Naab et al., 2020). Esta espécie de dualidade pode acarretar mal-entendidos ou mesmo conflitos em contextos de menor dimensão como é o caso da imprensa local.
A relevância do jornalismo local é expressa por Pedro Coelho (2016) quando defende uma maior proximidade entre estruturas de ensino e jornalismo local. O jornalismo cidadão (Correia, 2012) e de proximidade (Camponez, 2002) tendem a envolver um maior número de cidadãos, até aqui afastados da esfera pública (Ardèvol-Abreu et al., 2018), envolvendo e criando iniciativas cívicas e comunitárias. Esta é uma relevante linha de clivagem teórica, uma vez que não é de todo consensual a perspetiva de que a internet e todo o espaço digital sejam efetivamente uma oportunidade de melhoramento da esfera pública local (Boeder, 2005; Dahlberg, 2007). O papel dos media locais faz-se sentir mais além do mero contexto eleitoral; como refere Wahl-Jorgensen (2019), estes podem ser atores ativos no apoio a iniciativas cívicas e de mobilização das populações, de forma a sensibilizar e a alertar o poder central.
Em última análise, estas iniciativas poderão implicar o empoderamento parcial dos membros das comunidades (Ksiazek, 2018), mas também a subida dos níveis de confiança nas autoridades locais e regionais (Lanin & Hermanto, 2019). Com efeito, é expectável que maiores níveis de confiança nos media, tal como o seu uso mais intenso, possam estar associados a níveis mais elevados de confiança nas autoridades locais, uma vez que são atores potencialmente envolvidos na esfera política e institucional. Nenhuma pesquisa até ao momento equacionou o papel dos media na dupla vertente: da confiança e usos mediáticos; e da confiança no poder local e regional. No fundo procuramos perceber: que fatores sociomediáticos impactam na confiança que se deposita nas autoridades locais e regionais.
3. Desenho da pesquisa
Pretendemos com este trabalho estudar a contribuição dos media para a confiança nas autoridades locais e regionais com recurso a análise multivariada (Carvalho, 2017; Maroco, 2010). Para tal, consideram-se três grupos de variáveis: confiança nos media; uso dos media (variáveis independentes) e confiança nas autoridades locais e regionais (variável dependente). Escolheu-se a edição de novembro de 2017 do Eurobarómetro para análise, por nesse período se terem realizado eleições autárquicas em diversos países da UE, incluindo Portugal; por ser possível identificar dinâmicas e traços transversais do papel dos media para a esfera pública local; e ainda porque permite perceber como os media impactam a confiança nas autoridades locais e regionais, no seio da UE.
3.1 Participantes
Tendo uma frequência regular, os módulos do Eurobarómetro com enfoque nos media e na confiança nas instituições são recorrentes, permitindo monitorizar o evoluir da opinião pública em aspetos tão relevantes como a confiança nas autoridades locais e regionais. A amostra probabilística é composta por 27 746 inquiridos, distribuídos pelos 28 Estados-Membros da União Europeia à data.
3.2 Medidas e indicadores
Faz-se uso de um conjunto diversificado de variáveis. Para a caracterização social e demográfica, o sexo, a idade e a escolaridade. A medição da confiança nos media é operacionalizada com os itens relativos à televisão, rádio, imprensa escrita, internet e redes sociais digitais. Os itens que medem os consumos são: televisão, rádio, imprensa escrita, internet e redes sociais digitais. Nas duas subsecções seguintes descrevemos as medidas e a construção de indicadores compósitos.
3.2.1 Confiança nos media
Estes indicadores têm como categorias operacionais “tendo a confiar” e “tendo a não confiar”. Com o objetivo de lhes adicionar legibilidade, procedemos à sua recodificação de forma a que a maiores níveis de confiança correspondam valores mais elevados, sem desvirtuar os dados. Desta forma, as medidas destes indicadores passaram a: 1 - Tende a não confiar e 2 - Tende a confiar. Dada a sua natureza nominal e de forma a verificar a associação de cinco indicadores de confiança nos media, realizou-se uma Análise de Correspondências Múltiplas (ACM).
Face aos dados da ACM optou-se por construir dois indicadores compósitos que resultam da agregação dos três sectores de media tradicionais: imprensa, rádio e televisão, dando lugar à variável compósita “confiança nos media tradicionais”, confirmado com um Alfa Cronbach de 0,810. Por outro lado, os media digitais, internet e redes sociais digitais, agregam-se em confiança nos media digitais, corroborado com um Spearman-Brown de 0,747.
3.2.2 Consumo de media
A utilização dos media é operacionalizada por um total de cinco indicadores: vê televisão numa televisão; ouve rádio; lê revistas e jornais; usa a internet; usa as redes sociais online. Indicadores que também foram invertidos de modo a tornar mais intuitiva a interpretação dos resultados. As medidas de mensuração destes indicadores consistem em: 1 - Nunca; 2 - Menos frequência; 3 - Duas a três vezes por mês; 4 - Cerca de uma vez por semana; 5 - 2 ou 3 vezes por semana; 6 - Todos os dias ou quase todos os dias. Em face da sua natureza quantitativa, implementou-se uma Análise de Componentes Principais (ACP) de forma a discernir possíveis associações entre estes indicadores.
Extraction Method: Principal Component Analysis. Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization. a. Rotation converged in 3 iterations. Fonte: elaboração própria a partir do Eurobarómetro de novembro de 2017 (88.3 ZA 6928)
Embora os resultados preliminares da ACP indiciem a associação entre rádio e imprensa, numa só dimensão, o Spearman-Brown de 0,502 não permite a agregação, numa compósita, destes dois indicadores, tendo, por isso, sido introduzidos no modelo separadamente. Para além disso, optou-se ainda pela exclusão do indicador “uso de televisão” dada a não discriminação entre dimensões, ou seja, dado que o uso massificado entre os inquiridos não tem qualquer capacidade explicativa. Finalmente, a compósita de usos de media digitais composta por uso de internet e uso de redes sociais digitais apresenta uma medida de associação de 0,785 - Spearman-Brown, dando origem à variável compósita “uso de media digitais”. Esta medida de associação permite calcular a associação entre dois itens, em alternativa ao Alpha Cronbach que mede para três ou mais itens.
3.2.3 Confiança nas autoridades regionais e locais
A variável dependente, confiança nas autoridades locais e regionais, é operacionalizada por uma medida que compreende “1 - tendo a não confiar” e “2 - tendo a confiar”, após inversão. Dada a natureza nominal (qualitativa) da variável dependente, implementou-se um modelo assente na regressão logística do qual resultam os resultados apresentados na secção seguinte.
Resultados
Face à necessidade de resposta no conjunto total dos indicadores usados, o tamanho da amostra inicial, já anteriormente mencionado, ficou reduzido a 21 027 indivíduos distribuídos pelos 28 Estados-Membros da UE. Entre estes, verificamos que 52% declaram ser do sexo feminino, tendo uma idade média de aproximadamente 48 anos (dp 18,73). Em termos de escolaridade a média de 5,34 (dp 2,73), traduz-se em 18 anos de frequência escolar (cf. Tabela 3).
N = 21 027 Confiabilidade entre parêntesis. Sexo: 0 - mulher, 1 - homem. Confiança na televisão; confiança na imprensa, confiança na rádio. Confiança na internet; confiança nas redes sociais digitais. Uso de internet; uso de redes sociais digitais. * p < ,05 ** p < ,01. Fonte: elaboração própria a partir do Eurobarómetro de novembro de 2017 (88.3 ZA 6928)
No que respeita à confiança nos media tradicionais, 56% (dp ,42) dos inquiridos revelam confiar nos sectores de media ditos tradicionais (televisão, rádio e imprensa escrita); já em relação aos media digitais, a maioria (67%) dos inquiridos diz não confiar neles.
Quanto aos três indicadores de uso dos media, começando pela rádio, verificamos que a média se cifra nos 4,59 (dp 1,83), o que em termos substantivos se pode interpretar como uso diário. A leitura da imprensa escrita apresenta uma intensidade mais baixa ao registar 3,81 (dp 1,92), o que equivale a um uso de, pelo menos, uma vez por semana. Finalmente, o indicador compósito de uso de media digitais tem a média a cifrar-se nos 4,38 (dp 1,88). Em termos gerais, as correlações oscilam entre o fraco e o moderado, sendo que as medidas de associação (ou confiabilidade) são fortes a moderadas, justificando a construção de indicadores compósitos. Embora as correlações da confiança na autoridade local e regional com as demais variáveis preditoras do modelo sejam baixas, na sua maioria, elas são estatisticamente significativas. Entre as que têm diferenças estatisticamente significativas, as correlações são positivas.
Genericamente podemos classificar o modelo implementado como razoável face à sua capacidade de precisão ao cifrar-se nos 65,4%, segundo o critério de Maroco (2010). Existem diferenças significativas entre os valores observados e os estimados (X 2 (8) = 39,332, p <,001). A diferença entre o modelo só com a constante e o modelo com as preditoras é estatisticamente significativa (X 2 (8) = 2635,949, p= ,000.).
Entre as preditoras sociodemográficas o destaque vai para os anos de escolaridade, revelando-se um efeito positivo e estatisticamente significativo (Exp=1,037). No plano substantivo poder-se-á dizer que o aumento de um ano na escolaridade faz aumentar a confiança nas autoridades locais e regionais 3,7%. Tanto sexo como a idade revelam não ter um efeito estatisticamente significativo na confiança nas autoridades locais e regionais.
Relativamente ao conjunto de cinco preditoras de media, existem duas que não têm um efeito estatisticamente significativo. Tanto a confiança nos media digitais (Exp=1,000) como uso de media digitais (Exp=1,020) demonstram não ter qualquer capacidade explicativa na variação da confiança nas autoridades locais e regionais. Por seu lado, atemo-nos às que efetivamente revelam ter um efeito estatisticamente significativo. É o caso do indicador compósito de confiança nos media tradicionais (Exp=4,312), o que num plano mais prático pode ser lido como um incremento positivo (ou de incremento) em cerca de 332% na confiança nas autoridades locais e regionais. É de facto a preditora com maior efeito estimado, daquelas que integram o modelo testado. Ouvir rádio tem um impacto positivo na confiança nas autoridades locais em cerca de 8,6% (Exp=1,086), na mesma ordem de grandeza a leitura da imprensa escrita tem um efeito positivo a cifrar-se nos 11,9% (Exp=1,119).
O modelo incluía, ainda, duas outras preditoras, confiança nos media digitais (Exp=1,000) e uso de media digitais (Exp=1,020), que por sinal não têm efeitos estatisticamente significativos.
5. Discussão e conclusão
Quando Ezra Klein (2020), na sua obra Why we’re polarized, sugere um regresso dos meios de comunicação social ao local e ao regional, fá-lo norteado pela convicção de que o foco nas questões concretas das populações pode ter efeitos políticos relevantes nomeadamente no processo democrático a nível nacional, mas também junto das pequenas comunidades e poder, desta forma, mitigar a acentuada polarização política atual. O pano de fundo da atual reflexão tem como eixo norteador, por um lado, as crescentes e visíveis disfuncionalidades das democracias liberais em lidar com o desinteresse e desconfiança relativamente às instituições que corporizam o Estado e o poder em geral e, por outro lado, perceber, ainda que de modo parcial, como os media podem contribuir para a mitigação das atuais insuficiências das democracias como o recrudescimento dos populismos (Serrano, 2020).
É relativamente pacífico que os media, em geral, beneficiam atores, potenciando a atividade pública e cívica. Contudo, só de forma muito parcelar pesquisas anteriores procuraram medir o impacto dos media na confiança nas instituições públicas e políticas e ainda menos relativamente ao poder autárquico. A presente pesquisa surge na interseção e sobreposição destas fronteiras delimitadas pelas pesquisas anteriores, tendo ainda a vantagem de analisar os 28 Estados-Membros da UE com amostras representativas. Deste modo, e dada a natureza e origem dos dados, a replicação da pesquisa com dados mais recentes, em particular relativos ao período pós-pandemia de Covid-19, pode aportar relevância acrescida dada a potencial erosão da confiança dos cidadãos nas suas estruturas de poder e, em particular, sobre as autoridades locais e regionais, que foram aquelas que em última instância estiveram em maior contacto no apoio às populações afetadas.
A opção pela inclusão dos 28 Estados-Membros da UE revelou-se pertinente tendo em conta o objetivo geral do estudo: desenvolver uma análise que permitisse medir de que forma os media impactam a confiança no poder local e regional, numa população total que ascende a 400 milhões.
A demonstração empírica produzida permite registar que, entre o conjunto de variáveis sociodemográficas, os mais elevados níveis de educação formal incrementam a confiança nas autoridades locais e regionais.
A compósita “confiança nos media tradicionais” é aquela que mais impacta positivamente na confiança nas autoridades locais e regionais. Ou seja, quem mais confia nos media tradicionais tem maior probabilidade de confiar nas autoridades locais e regionais. Ainda entre o conjunto de indicadores que incrementam a confiança no poder local e regional estão a leitura de imprensa escrita, bem como o uso da rádio.
Com efeito, pode-se considerar que a grande conclusão da presente pesquisa apresenta uma dupla vertente, o já mencionado papel determinante da confiança nos media tradicionais, mas também a inexistência deste efeito, quando considerados tanto a confiança como os consumos dos media digitais. No fundo, a leitura de jornais ou ouvir rádio ainda são os elementos que ligam com maior intensidade os atores à discussão das questões de interesse público e político, a nível local e regional. Referimo-nos à leitura de jornais, bem como às rádios, uma vez que na maioria dos países europeus a presença de televisões locais e regionais é relativamente escassa, como é o caso de Portugal.
O afastamento dos utilizadores de media digitais relativamente às instituições locais e regionais traduz-se em menores níveis de confiança. Esta tendência pode e deverá ser o ponto de partida para uma reflexão mais profunda sobre o papel dos media, em geral, e dos media digitais, em particular, nas democracias contemporâneas. Constitui-se como prioridade o desenvolvimento de políticas públicas no domínio da literacia digital e mediática, de modo a incrementar o empoderamento não só dos jovens, atualmente a realizar o seu percurso escolar e académico, mas também entre grupos etários mais velhos e vulneráveis, convergindo com necessidades já identificadas anteriormente (cf. Baptista e Silva, 2017). Os últimos anos têm assistido a uma democratização, no acesso às redes sociais digitais, de atores até aqui com um contacto esporádico e bastante fragmentado com os media e os conteúdos informativos. Consideramos os grupos etários mais velhos como mais vulneráveis, devido ao facto de se concentrarem nestas categorias os atores com menores níveis de escolaridade, tal como ficou demonstrado anteriormente.
Em síntese, diríamos que os media, em geral, impactam no plano político, nomeadamente na construção e fortalecimento das sinergias entre as populações locais e os seus representantes políticos mais próximos, os autarcas.
Com esta reflexão acreditamos contribuir para um melhor e mais profundo conhecimento do papel dos media junto das populações que em muitas circunstâncias se encontram mais distantes, não só fisicamente, como em termos percecionais, das grandes esferas de poder e onde os media, em geral, podem desempenhar um papel charneira de participação e empoderamento.