1. Introdução: desafios e limites do caso de estudo
O presente estudo defende que não é possível compreender a transformação política ocorrida, no início do século XX, em Portugal, sem valorizar a mudança nas formas de comunicar o assunto político nos jornais diários de Lisboa1. Para isso proponho-me estudar os jornais não como meros transmissores de mensagens, de um emissor para um recetor, mas como produtos culturais, dinâmicos, seguindo Schudson (1999, p. 279) quando defende: “o poder dos média está não apenas (e nem sequer primariamente) no seu poder de declarar as coisas como sendo verdadeiras, mas no poder de fornecer as formas nas quais as declarações aparecem”. No mesmo sentido também Broersma (2007, p.23) considera: “o jornal deve ser visto como uma incorporação cultural de códigos sociais sobre modos aceitáveis de representação da realidade social”. Explica o autor: “os jornalistas precisam de formas para apresentar a informação que recolhem. O estilo de um jornal é articulado com as formas que utiliza para apresentar o mundo social aos seus leitores (…). As formas relacionam-se com convenções presentes na ilustração de textos e elementos tipográficos”. Neste estudo sobre convenções jornalísticas assume-se que estas integram e reforçam representações sociais.
Entre os dispositivos comunicacionais que os jornais dispunham, no início do século XX, para destacar o político (representando-o), sobressai o recurso ao título, já então um meio eficaz para divulgar as notícias atuais. O historiador Luís Trindade (2006, p.28) considera que a introdução simultânea do grande título e da fotografia, neste período, operou uma mudança comunicacional assinalável: “(…) foi o próprio texto, em forma de título, que ganhou poder expressivo. A partir desse momento, a palavra tornou-se finalmente imagem, e o texto tradicional adaptou-se ao novo regime comunicacional (…)”.
Num período em que os géneros jornalísticos estão longe de estar estabelecidos, quando o comentário invade quase todo o conteúdo informativo, a escolha da análise do uso do título permite aproximarmo-nos do tratamento jornalístico do assunto político e, simultaneamente, circunscrever o objeto de estudo a um elemento tipográfico autónomo e autossuficiente.
Convém chamar a atenção para as dificuldades metodológicas que se levantaram, e desde logo, a amplitude do acervo documental disponível, dado que a imprensa diária de Lisboa rondava os vinte títulos. Por outro lado, a análise da introdução de uma nova prática jornalística impunha um levantamento de dados num período alargado, que permitisse evidenciar, no processo de adoção do grande título, a inclusão do assunto político. O método de amostragem impôs-se, no entanto, como no final do século XIX a utilização do título grande era muito irregular, não se considerou adequado o recurso a recortes temporais específicos que recaíssem em todos os jornais diários. Optou-se, assim, pela análise integral de seis títulos da imprensa diária, com um recorte temporal relativamente longo, de 1889, véspera da crise do Ultimato britânico, até ao final do ano de 1907, véspera do regicídio. A escolha dos jornais revelou-se determinante, e procurou ser representativa da diversidade política e jornalística, incluindo quer os jornais informativos (Baptista 2011; Tengarrinha 1971; Dias 2007), com maior tiragem no país, O Século e o Diário de Notícias, quer os jornais político-partidários de diferente filiação política. A seleção dos diários monárquicos recaiu naqueles que apresentam um maior número de referências em memórias e monografias: o Diário Popular, criado em 1866, próximo do Partido Regenerador, e o Novidades, criado em 1885, próximo do Partido Progressista. A escolha dos jornais republicanos, o Vanguarda e o O Paiz/O Mundo2, deveu-se ao prestígio e longevidade, aspeto relevante numa imprensa marcada por projetos editoriais breves. Não obstante, estes não cobrem todo o período da amostra, o Vanguarda é criado em 1891, e o O Paiz/ O Mundo, em 1895. Por último, restringi a análise dos títulos à primeira página e nesta registei apenas aqueles que recaíam sobre mais de uma coluna (títulos grandes) por constituírem a maior novidade do período3. Note-se que o mais frequente era o recurso a títulos sobre uma coluna, que se repetiam inalteráveis por longos períodos, anunciando determinada secção do jornal (regular, mas não necessariamente diária), de caracter informativo (como o Movimento Marítimo, Bolsa, Espetáculos, etc.), de opinião e comentário (editoriais e crónicas, estas normalmente assinadas), ou de informação e comentário (como as generalizadas rubricas de “Ecos e Notícias”). A prática de titulação mais vulgar tendia a utilizar uma designação simples que, frequentemente, remetia para uma personalidade, localidade ou instituição.
Por outro lado, convém assinalar a presença de um vasto leque de práticas relacionadas com a titulação (Barros 2021). Era recorrente a falta de autonomia do título face ao texto, obrigando o leitor a prosseguir a leitura pela peça jornalística ou, ao invés, o título também podia surgir como texto autossuficiente. São disso exemplo os títulos grandes, sobre todas as colunas, que se apresentavam como um “resumo” do dia, que enumeravam com subtítulos sucessivos informação diversa, por vezes de carácter nacional e internacional. Gouveia (2010, p.98) na análise que realizou ao O Século, no período do Ultimato, chama-lhes superleads. A margem de autonomia do título grande, sobretudo aquele que ocupava todas as colunas, reforçava-se pela sua disposição gráfica, pois, mesmo quando continha um único assunto, quase nunca recaía integralmente sobre a peça noticiosa que destacava.
A diversidade de práticas de titulação levou-me a introduzir uma outra modalidade de análise: contabilizar os títulos que inseriam antetítulos e subtítulos, por integrarem mais informação e/ou explicação. Por último, interessou-me compreender o tratamento jornalístico em título grande dos assuntos que recaíam sobre política nacional, nesse sentido distingui essa temática na análise.
O presente trabalho procura ser um contributo para a reflexão em torno do processo de democratização da vida política portuguesa, na viragem do século XIX para o XX, fortemente dependente da massificação política. A defesa da democracia decorria então em dois terrenos de luta com fronteiras pouco claras, num lutava-se contra os obstáculos institucionais, noutro contra o indiferentismo e exclusão política prevalecentes, ou seja, pela imposição da legitimidade da ideia-força de igualdade política.
Importa ter presente que na monarquia liberal portuguesa, até à crise do Ultimato de 1890, a disputa política se desenrolou no seio de uma elite política enquadrada por dois partidos, o Partido Regenerador e o Partido Progressista, formados por voláteis redes clientelares verticais. Estas formações partidárias eram coligações de notáveis, ajustadas por vínculos pessoais, vocacionados para tarefas eleitorais que consistiam, antes de mais, na negociação e distribuição dos recursos do Estado. O mecanismo de alternância política baseava-se na rotação no poder dos dois partidos, assente no desvirtuar do princípio eletivo, ao ponto de nenhum governo depender dos resultados eleitorais e as eleições serem forjadas para sancionar os governos previamente nomeados pelo rei. O questionamento da oligarquia monárquica e o alargamento do voto ganharam expressão no final do seculo XIX, quando o movimento republicano, interclassista e essencialmente urbano, se diversificou, integrando anarquistas, socialistas, republicanos moderados e radicais, com distintas propostas de tomada de poder, do gradualismo à revolução.
Refira-se ainda que no início do século XX se assistia nos regimes liberais parlamentares europeus a uma forte tendência para alargar o sufrágio tendo a corrente demoliberal ganho força institucional e legislativa. Em Portugal, não. A reforma eleitoral de 28 de março de 1895, decretada pelo governo regenerador, estabeleceu novas regras, mantidas até ao 5 de outubro de 1910, que Almeida (2011, p.88-89) descreve: “o novo diploma impôs critérios mais restritivos de «inclusão cívica» nomeadamente suprimindo a categoria de «chefes de família» (…). A consequência imediata desta reforma foi uma brusca contração do universo dos cidadãos (…). Se em 1890 os eleitores recenseados representavam perto de 19% da população total, em 1895 essa percentagem decaiu para metade (c. 9,5%)”. Nesse sentido, o mesmo autor considera que a lei eleitoral de 1895: “significou não só um claro retrocesso na evolução do sufrágio em Portugal, como destoou da tendência dominante da Europa liberal” (p. 88). À exceção da Itália, a tendência era para a adoção do sufrágio universal masculino (Espanha, 1891; Bélgica, 1893; Áustria, 1896; Noruega 1898; Finlândia, 1906; Suécia, 1906) ou para o alargamento do voto
(Países Baixos, 1896; Luxemburgo, 1892 e 1902).
Mas sabemos pouco sobre o percurso da ideia-força do sufrágio universal em Portugal, e não existe consenso na historiografia quanto aos agentes do processo de democratização em curso na década de noventa. Para Rosas (1989), o impacto da crise económica, financeira e política, de 1890-91, teve efeito na estrutura social, originando uma pressão democratizante liderada pelo republicanismo. Já para Rui Ramos (2001), o processo de democratização da sociedade portuguesa segue à margem do republicanismo assentando no projeto de uma elite ilustrada.
Partindo da análise do uso do título, no período de 1889 a 1907, defendo que entre os fatores explicativos do processo de democratização deve também constar a progressiva afirmação de uma nova representação do político nos jornais portugueses. Procura-se aqui superar a dificuldade em balizar o conceito de democratização através da sua inserção num contexto histórico definido, marcado pela discussão seminal em torno do princípio da igualdade política. Parte-se da definição mínima de Norberto Bobbio (2006, p.66) sobre democratização como processo de extensão do «poder ascendente», isto é, aquele que «vai de baixo para cima». Democratização, ainda, como processo de emancipação, aqui entendida no sentido de Ranciére (2010. pp. 64-65), de «saída do estado de menoridade», rutura da «concordância entre uma ocupação e uma capacidade». Democratização, em suma, enquanto processo ligado à representação da política como uma arena aberta a todos, de afirmação da ideia de igualdade política face ao indiferentismo e exclusão prevalecentes.
2. O título grande como desvio
Pela análise do Gráfico 1 é possível constatar que o título grande (sobre mais de uma coluna) esteve longe de constituir uma prática generalizada. A partir de 1900 nota-se uma crescente adoção, embora irregular, do uso do título grande, que se intensifica de forma quase generalizada a partir do ano 1906. À exceção dos jornais republicanos e, em determinadas conjunturas, n’ O Século, a prática de titulação não participava na rotina diária dos jornais analisados. Entre 1889 e 1899, os jornais republicanos, o O Paiz/ O Mundo e o Vanguarda, logo seguidos d’O Século, distinguem-se pela maior frequência no uso de títulos sobre mais de uma coluna. Mas a proximidade d’O Século aos jornais republicanos terminava aqui. Quando observamos a prática de titulação do O Século, do Vanguarda e do O Paiz/ O Mundo, na década de noventa, apercebemo-nos que estes dois jornais republicanos se distinguiam, quer pela presença em título dos assuntos de política nacional, quer pelas recorrentes sínteses noticiosas publicitadas nos antetítulos e nos subtítulos (Gráfico 2)4. Em dez anos, entre 1889 e 1899, dos 512 títulos recenseados sobre mais de uma coluna presentes no O Século, apenas 108 tratam de política nacional.
O Século: 1891 não inclui edições de abril a dezembro
A análise do Gráfico 1, sobre a distribuição anual dos títulos grandes no O Século, permite constatar que, na década de 90, o recurso a títulos de política nacional, sobre mais de uma coluna, se concentrou no período de crise política do Ultimato, isto é, entre 1889 e 1891, deixando de ter expressão a partir de 1892. Convém precisar que os números de 1891 respeitantes ao O Século, incluem apenas os meses de janeiro, fevereiro e março, por estarem indisponíveis à consulta os meses seguintes5. A partir de 1892, os títulos grandes tenderam a recair nos assuntos “não políticos” (assuntos de interesse humano, de política internacional, de desporto, de autopromoção, efemérides e faits divers). O jornal O Século que se distingue durante a crise do Ultimato pelo recurso a superleads de caracter político adota uma nova titulação do assunto político nacional (Gráfico 2).
Através do Gráfico 1 é claro o desinteresse, entre 1889 e 1899, pelo uso do título sobre mais de uma coluna, por parte do Diário de Notícias e dos jornais monárquicos. O Novidades e o Diário de Notícias, só excecionalmente utilizam o título grande, e o Popular ignora-o. O Novidades, entre 1889 e 1899, utiliza 11 títulos grandes, e nestes predominam os assuntos de política nacional, acompanhados de subtítulos/antetítulos. O Diário de Notícias quase prescinde deste formato jornalístico suscetível de atrair leitores. Sempre apresentado, nas suas histórias institucionais, como dinamizador do jornalismo informativo, o Diário de Notícias surge, no que respeita à prática titulação, pouco disponível em incorporar a novidade do grande título, que a imprensa popular de massas adotara, da Europa aos EUA. Face à titulação o comportamento do Diário de Notícias, ao invés de inovador, parece alinhado com os jornais político-partidários do campo da monarquia. A coincidente postura face ao título, presente no próspero Diário de Notícias e nos jornais políticos, Novidades e Popular, colocam algumas questões sobre a gama de motivações presentes na adoção do título grande. A possibilidade de a postura destes jornais decorrer de limitações de ordem orçamental e/ou técnica, por exemplo, saiu relativizada, pois a titulação sobre mais de uma coluna surge não só em anúncios publicitários, mas também em legendas de fotos e mapas nestes jornais.
No Diário de Notícias, entre 1889 e 1899, surgem apenas 85 títulos sobre mais de uma coluna (em dez anos), nos quais a atualidade política nacional tem um lugar residual - apenas aparece em 13 primeiras páginas. Refira-se que a intensificação do recurso ao título grande, no ano de 1895 e, posteriormente, entre 1899 e 1901, acompanha o esforço de autopromoção do jornal. Já o uso do título grande para assuntos de política nacional parece reservar-se para a celebração de figuras públicas ou acontecimentos que se pretendem elevar a extraordinários. O título surge como um ícone solene e aclamativo, que resulta não tanto da retórica utilizada, mas da excecionalidade do seu uso. E leiam-se alguns títulos sobre todas as colunas presentes no Diário de Notícias, entre 1889-1899: “Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Luiz I”, com subtítulo: “31º Rei de Portugal “(1889); “Homenagem aos Heroicos Expedicionários de Lourenço Marques” (1896). Apenas um título a todas as colunas assume um teor informativo político, em agosto de 1891, na assinatura do acordo entre Portugal e a Grã-Bretanha sobre os limites territoriais de Angola e Moçambique.
O uso do título grande surge como um recurso de forma que permite um corte com a normalidade, muito semelhante ao que ocorre na redefinição da programação televisiva, estudada por Daniel Dayan e Elihu Katz (1999), a propósito dos acontecimentos mediáticos televisivos. Através da titulação, a imprensa contribui para a definição do significado dos factos que noticia, representando-os como acontecimentos solenes, celebrativos e até festivos, que exigem aos adversários a suspensão dos conflitos, procurando suscitar um ambiente de unidade e excecionalidade. O Diário de Notícias é o primeiro a fazer este uso do título grande, logo seguido pelo O Século, e já no início do século XX, também pelos jornais monárquicos. A título de exemplo, na década de noventa, a prisão de Gungunhana, por Mouzinho de Albuquerque, e sua posterior exposição em Lisboa, constituiu um momento de celebração inédito na imprensa portuguesa. Quando nos aproximamos do uso de título grande pel’ O Século, a partir de 1892, verificamos que a temática celebrativa, de assuntos de política nacional, quase coincide com o Diário de Notícias. É o que se verifica no ano de 1896: dos 54 títulos grandes d’ O Século, onze referem-se ao sucesso militar da política colonial6. Em contrapartida, o debate político-partidário e a atividade governativa estão ausentes dos seus títulos grandes. Contudo, já na viragem do século, além da ausência da vertente político-partidária, junta-se uma outra novidade: um destaque sobre o monarca português. A 21 de maio de 1899, num título sobre quatro colunas, lia-se: “Visita Real a Évora”. O facto é tanto mais assinalável quanto, nesse ano, dos 55 títulos sobre mais de uma coluna, apenas 4 recaíam sobre assuntos de política nacional. O uso que O Século fez do título grande, sobre política nacional, a partir de 1892, coloca-o próxi-
mo do Diário de Notícias e do jornalismo político-monárquico.
Se considerarmos que a alteração de práticas, formas e convenções jornalísticas, decorre de mudanças tecnológicas, económicas e/ou socioculturais (Broersma, 2007), a partilha de uma cultura jornalística hegemónica sobressai como fator explicativo, dada a renitente adoção do título grande por parte d’O Século e do Diário de Notícias, já então empresas jornalísticas prósperas e com acesso a tecnologia. Com alguma probabilidade a resistência em elevar o debate político a assunto destacável por título revela uma convenção jornalística que serve o campo político. Esta interpretação torna-se mais plausível quando observamos, na década de noventa, as exceções recenseadas: os jornais republicanos da amostra, o Vanguarda e o O Paiz/ O Mundo.
Detenhamo-nos no Vanguarda, criado por Alves Correia em 9 de março de 1891, no rescaldo da revolta de 31 de Janeiro. Provavelmente devido ao novo quadro legal, que reforçou as medidas punitivas como multas, suspensão e supressão de jornais (Lei de imprensa de Lopo Vaz, 29 de março 1890), o Vanguarda não adopta de imediato o padrão de titulação que haveria de seguir a partir de 1892. Na década de noventa, utilizaria o título sobre mais de uma coluna de forma irregular. No Gráfico 1 é possível observar um crescimento desta prática, nos quatro primeiros anos, com queda acentuada em 1895, logo seguida de franca recuperação, no ano seguinte, para passar a um intermitente investimento no título grande, que haveria de transformar-se num recurso quase excecional, já no ano de 1899. Se a estes dados quantitativos juntarmos a análise temática dos títulos, constatamos que este jornal, embora apresente, no ano de 1898, um total de 141 títulos grandes, alterou o seu critério de titulação, pois verificamos que 116 recaíam sobre política internacional. Naquilo que aqui nos interessa, O Vanguarda tendeu, a partir de 1896, a abandonar o uso do título grande sobre política nacional, postura que iria manter quase sem interrupções até 1905, contrastando com o O Paiz/ OMundo.
Acompanhar a titulação do Vanguarda obriga a ter presente o percurso acidentado da direção política deste jornal. O ano da primeira quebra no uso do título, 1895, coincide com a rutura do diretor, Alves Correia, com os administradores do jornal (lançando em novembro o novo título o O Paiz, antecedente de O Mundo), tomando Faustino da Fonseca o seu lugar, até janeiro de 1898. O Vanguarda permaneceria sem diretor (pelo menos assumido publicamente) até 16 de outubro de 1898, data em que Magalhães Lima toma a direção do jornal imprimindo-lhe um estilo moderado.
Em contrapartida, o O Paiz/ O Mundo apresenta uma quebra no número de títulos no ano de 1899 (Gráfico 1), que coincide com a saída de João Chagas da direção do jornal, sucedendo-lhe José Benevides, membro do diretório do partido republicano, defensor da linha gradualista, moderada, não revolucionária. A 1 de janeiro de 1900, quando França Borges assumiu a direção do jornal, retomou a titulação, seguindo a linha do republicanismo radical.
Desta forma, podemos afirmar que o jornalismo republicano segue diferentes práticas de titulação que provavelmente se articulam com as distintas formas de conceber a ação política e a via para a tomada de poder. Quando olhamos a distribuição do número de títulos grandes, que ocorrem nestes jornais republicanos, não podemos deixar de considerar que a prática de titulação constituía uma opção editorial relevante e distintiva. Não obstante, é possível constatar uma espécie de padrão semelhante, entre a titulação no Vanguarda, nos anos de 1892-94, 1896, e de 1905 a 1907, e a prática de titulação do O Paiz/ O Mundo, em todo o período de 1895 a 1907, com exceção do ano de 1899. Nos dois jornais republicanos, na década de noventa, o uso do título grande, e de antetítulos/subtítulos, não foi só mais intenso, face à restante imprensa
da amostra, como recaiu em assuntos de política nacional (Gráfico 2 e 3).
Estes títulos sobre mais de uma coluna tinham uma característica: privilegiavam a informação atual sobre a atividade política do governo, do parlamento, do monarca, dos tribunais e do exército. No ano de 1892, no Vanguarda, no total de 28 títulos sobre mais de uma coluna, apenas três remetem para a atividade interna do partido republicano, e só um o nomeia7. Esta postura repete-se nos anos seguintes. Mesmo nas temáticas de política nacional que incitam à mobilização política, e aqui destaquem-se os atos eleitorais, os protestos e os comícios, não é dado relevo ao protagonismo do partido, nos títulos grandes. O jornal O Paiz/O Mundo segue a mesma postura, entre 1896 e 1899, a referência explícita ao republicanismo está quase ausente. Apenas dois títulos destacam o partido republicano8. A menção aos “notáveis” do partido, nesta década de noventa, também surge sem expressão9.
A prática de titulação, aqui recenseada, parece refletir o novo quadro partidário do republicanismo. As medidas repressivas levadas a cabo pela monarquia, no rescaldo da revolta do 31 de Janeiro, contribuíram para a desarticulação da estrutura do partido republicano e para a sua crescente divisão interna (Valente 1999; Catroga 2000). Os jornais republicanos apresentam autonomia editorial, quer da restante imprensa diária, quer do que resta da estrutura do partido.
Durante a década de noventa foi o O Paiz/ O Mundo o único jornal a noticiar, com destaque no título, por exemplo, as mudanças de chefia partidária no governo10, alguns debates parlamentares e sobretudo os atos eleitorais, dotando-os de invulgar conteúdo competitivo, ao invés de se limitar a incluir mapas de resultados eleitorais, muitas vezes parciais, como era prática corrente na restante imprensa.
Na imprensa republicana assume relevância um formato jornalístico de intervenção no debate político também presente nos jornais monárquicos de oposição: a campanha. No entanto, o jornalismo republicano elevou-as a título, prolongou-as no tempo, e explicitou-as em sínteses explicativas através dos seus subtítulos. Uma parte considerável das campanhas republicanas integraram a controvérsia política presente na imprensa monárquica oposicionista, simplificando a forma de leitura através de títulos e subtítulos que descreviam em poucas linhas o objeto das campanhas, “organizando” a leitura sobre a atualidade, reforçando pela forma apelativa (do título grande) o conteúdo melindroso do combate político. A título de exemplo, logo em janeiro de 1892, o jornal Vanguarda, através de títulos grandes, resumia aquilo que outros jornais monárquicos escreviam em letra miúda, em extensos editoriais, isto é, responsabilizava a classe política pela “bancarrota” do estado português, que levara
o ministro das finanças Oliveira Martins a decretar medidas de austeridade (como
o lançar uma taxa entre os 5 e os 20% sobre ordenados, soldos e pensões; estabelecer uma taxa de 30% sobre os rendimentos de dívida pública interna)11. A cultura política belicista presente na atividade política monárquica, aflorada nos “fundos” da sua imprensa oposicionista ou mesmo na luta parlamentar, é aqui apropriada por uma postura jornalística excêntrica, que exibe e eleva a título e subtítulo o caracter combativo da política. O jornalismo republicano incorpora nas suas práticas jornalísticas o trabalho de distinguir, resumir e salientar, quase quotidianamente, assuntos da atualidade política. Em contrapartida, os restantes jornais da amostra optam por não recorrer ao título grande.
O jornalismo republicano, embora com oscilações na sua postura de titulação, andava a quebrar com a convenção jornalística que impunha discrição no tratamento dos assuntos políticos, recorrendo a títulos grandes e extensos subtítulos, sínteses noticiosas dos factos políticos considerados relevantes. Através desta nova prática alterava o grau de complexidade da leitura do jornal diário.
3. A mudança na comunicação política (1900-1907)
A partir de 1900 assiste-se a um crescente uso do título grande, em valor absoluto, nos jornais analisados (Gráfico 1). Mas esta prática jornalística não seguiu um sentido progressivo e linear nos diferentes órgãos diários. Em particular o O Século, que na década de noventa se destacara no uso do título grande, quase deixa de o utilizar, nos anos de 1904-1905, voltando a empregá-lo reiteradamente, a partir de 1906. O Diário de Notícias que, desde 1899, apresenta um número crescente de títulos sobre mais de uma coluna, a partir de 1902, diminui acentuadamente esse número (de 140 títulos em 1901, passa para 30 em 1902) retomando o seu uso também em 1906. O jornal republicano Vanguarda apresenta um percurso semelhante, também quase abandona esta prática a partir de 1901 (em 1900 utilizara o título grande 66 vezes), recuperando-a no ano de 1906 (apresenta 150 títulos em 1906, e 156 em 1907). Já os jornais monárquicos apresentam um maior número de títulos grandes, apesar de pouco expressivo e irregular. O Diário Popular só em 1900 adota o título grande, embora de forma pouco significativa (4, em 1900; 12 em 1901; 9 em 1902). Aumenta consideravelmente o número de destaques em título no ano de 1903 (78), mas é um uso temporário, que perde o fôlego nos anos seguintes, mas que voltará a ter expressão em 1907 (77). O Novidades intensifica uso do título, em 1902 e 1903, para quase o abandonar (apenas um título grande em 1905), tornando a usá-lo em 1907 (24). Apenas o jornal o O Mundo mantém o uso regular do título sobre mais de uma coluna, em todo o período de 1900 a 1907. As oscilações no número de títulos permitem salientar que a grande titulação ainda é considerada uma prática prescindível e sujeita a constrangimentos. No entanto, a imprensa diária parece ter adotado
de forma generalizada o título grande no ano de 1907.
Assinalável é o facto de todos os jornais, entre 1900 e 1907, terem usado com maior frequência os títulos grandes para assuntos de política nacional, e integrarem nestes, com maior regularidade, antetítulos e subtítulos (Gráfico 3). A partir de 1906, nos jornais Diário Popular, Novidades e Vanguarda, os assuntos de política nacional quase tomam conta dos títulos sobre mais de uma coluna. Já o O Século e o Diário de Notícias apresentam uma maior diversidade nos temas intitulados, mas a política nacional ganha relevância. O Diário de Notícias que nos dez anos anteriores (18891899) apenas intitulara 85 artigos, inesperadamente, em apenas dois anos, 1906 e 1907, apresenta 263 títulos, 82 recaem em política nacional. N’ O Século, em 1906, dos seus 202 títulos grandes, 123 referem-se a política nacional e, no ano seguinte, dos seus 517 títulos grandes, 92 abordam a mesma temática.
Esta análise aponta claramente para a transformação ocorrida no terreno da comunicação política durante o governo de João Franco, no período imediatamente anterior ao regicídio (1 fevereiro 1908): a imprensa diária de Lisboa adotara o título político com uma intensidade inédita entre 1906 e 1907. No entanto, até 1906, foram paulatinamente surgindo algumas novidades na titulação, como o maior destaque dado aos chefes de partidos, à composição de ministérios, às discussões parlamentares, aos negócios públicos, aos comícios e atos eleitorais.
Porém, entre 1900 e 1905, o formato de título “celebrativo” tendeu a impor-se, exceto nos jornais republicanos. Este é ainda o período em que se assiste a uma aproximação dos jornais informativos relativamente ao uso do título grande. O Diário de Notícias e o O Século tendem a utilizá-lo para se autopromoverem, para destacarem assuntos da atualidade política internacional e só excecionalmente o utilizam para assuntos de política nacional. Mas à semelhança do que ocorrera após a prisão de Gungunhana, os dois jornais informativos tendem a utilizar o título grande, sobre política nacional, sobretudo para celebrar factos, elevando-os a acontecimentos. A viagem do rei D. Carlos e da Rainha D. Amélia aos arquipélagos da Madeira e dos Açores, em junho de 1901, constituiu o primeiro episódio recenseado, no qual a família real surge como protagonista principal, e ao qual a imprensa atribuiu um significado extraordinário. O Diário de Noticias concede-lhe 25 títulos sobre mais de uma coluna, o O Século acompanha-o, atribuindo-lhe 5 títulos (quatro deles sobre todas as colunas). Até 1906, proliferam os momentos de celebração “nacional”, entre outros, destaco a visita a Portugal do monarca britânico, Eduardo VII, e do monarca espanhol, Afonso XII. Em 1903, o mesmo destaque dado ao imperador da Alemanha, Guilherme II, e ao Presidente francês, Émile Loubet, em 1905. Importante é salientar que, no início do século XX, o Novidades e o Diário Popular acompanham os dois jornais informativos, participando com títulos grandes nestes momentos celebração.
Em contrapartida, até 1905, o jornal O Paiz/O Mundo continuaria a distinguir-se, quer pelo número de títulos sobre política nacional, quer pelos assuntos controversos que destaca. Nos dois primeiros anos do século XX ganham expressão as campanhas de teor anticlerical. Em 1900 este jornal apresenta 25 títulos grandes referentes a reportagem exclusiva, que denuncia abusos a menores, praticados pelo clero católico em instituições religiosas de acolhimento, com a complacência das autoridades judiciais. A temática seria retomada no ano seguinte com o famoso “caso Calmon”12, o O Paiz/O Mundo destaca-o em 81 títulos (num total de 130), enquanto o Vanguarda manteve postura discreta. Assinale-se que a vertente anticlerical desapareceria dos títulos sobre mais de uma coluna n’ O Paiz/O Mundo. Na verdade, o ataque à classe política monárquica constituiria o assunto relevante, pelo menos até 1906. Em 1902 destaque-se a campanha contra a política financeira do governo regenerador, em particular a negociação em Paris de um acordo com credores sobre o pagamento da dívida externa portuguesa. Nesse ano, num total de 120 títulos, 41 recaíram sobre esta temática (entre janeiro e maio). Em 1903, na sequência dos confrontos ocorridos em Coimbra, entre 11 e 14 de março naquela que ficou conhecida como a “revolta do grelo” o O Paiz/O Mundo destaca essa luta contra os impostos, sendo acompanhado por outros diários (Torres 2018). A questão fiscal ganha expressão, nos primeiros meses de 1904, tomando conta de 24 títulos. Em todas estas campanhas, o jornal mantém a prática de incorporar nos títulos grandes a “voz” de monárquicos, como Paiva Couceiro (1902), Dias Ferreira (1903) e Dantas Borracho (1905).
Porém, o O Paiz/O Mundo distinguir-se-ia pela forma como destacou a temática eleitoral. Note-se que no movimento republicano a aposta na luta eleitoral não era consensual, a tal ponto que, no ano de 1899, o regresso do partido à competição eleitoral no Porto (depois de quatro anos a seguir a via do abstencionismo) não surge em título grande nos jornais republicanos (Vanguarda e O Paiz/ O Mundo) ou próximos do republicanismo (O Século). Contudo, quando assume a direção do jornal, em 1900, França Borges valorizará esta vertente da atividade política13. No ano seguinte, seria o seu jornal o único a elevar a título14 a nova legislação eleitoral (conhecida como “ignóbil porcaria”), o decreto de 8 de agosto, do governo regenerador de Hintze Ribeiro1515. Em contraciclo, entre 1900 e 1903, o O Paiz/O Mundo foi o único jornal que não prescindiu de aproveitar o período eleitoral para representar a política como uma arena competitiva. Em 1904, o empenho deste jornal na via eleitoral ganharia expressão. Durante os dez dias que antecederam o ato eleitoral de 24 de junho, este diário cobriu a campanha eleitoral, atividade inédita no jornalismo português. O jornal não só reproduziu fotos dos candidatos (Afonso Costa, António José de Almeida, Paulo Falcão, Bernardino Machado, Manuel de Arriaga), como introduziu, a 25, o título a duas colunas, “Propaganda Republicana”, cujo conteúdo remetia para as atividades eleitorais. Nesse ano, também o Vanguarda concedia, pela primeira vez, sob direção de Magalhães Lima, destaque às eleições através de 2 títulos sobre todas as colunas.
Na restante imprensa, apesar da preponderância do título celebrativo, até ao ano de 1906, ano de viragem, como já afirmámos, assistimos, no que toca à titulação, à inserção, ainda que esporádica, de temáticas de política nacional até aqui ausentes nos títulos grandes. No Diário Popular o assunto político-partidário surge, pela primeira vez, em 1903, com a referência ao chefe do Partido Regenerador, Hintze Ribeiro, e, no ano seguinte, pelo destaque de vários perfis de ministros (da Guerra, da Justiça e da Fazenda). No mesmo ano, em abril, estreia-se uma efémera secção, destacada com títulos grandes, sobre a atividade parlamentar: “Na Câmara dos Deputados” (sempre seguida de subtítulos informativos). Também o Novidades, em 1902, introduz o título sobre mais de uma coluna “Cronica de S. Bento” (com subtítulo: “A discussão do convénio na Câmara dos Deputados”16), cobrindo com títulos grandes a política nacional, até 1905. E até o Diário de Notícias, em 1904, pela primeira vez destaca em título a formação de um novo ministério (progressista, liderado por Luciano de Castro). No entanto, é o jornal O Século quem modifica mais a sua titulação. Este jornal, ainda que pontualmente, entre 1900 e 1905, volta a recorrer ao título grande para cobrir assuntos controversos de política nacional, postura que, como vimos, abandonara em 1892. Assim, logo em 1901, quando o anticlericalismo ganhou expressão pública com o “Caso Calmon”, o O Século cobre a temática com três títulos sobre mais de uma coluna. No ano seguinte, assume pela titulação uma posição combativa: durante 44 dias, entre julho e agosto, lança uma campanha que denuncia a especulação de Eduardo Burnay em torno do monopólio dos tabacos17. No total de 57 títulos grandes sobre política nacional, 44 foram preenchidos com esta temática.
Embora, em termos quantitativos, 1906 seja o ano de acentuada mudança na titulação d’ O Século, algumas alterações qualitativas são percetíveis em 1905, no quadro da “questão dos tabacos”. A negociação de um novo contrato do Estado para a exploração do negócio dos tabacos (um dos mais rentáveis ramos da indústria portuguesa) é consensualmente apresentada como tendo espoletado divisões no sector monárquico, que tornaram o “rotativismo inoperante” (Valente 1999, p.36). No espaço de um ano (1905-06), a crise saldar-se-ia pela queda de dois governos, uma cisão do partido progressista, liderada por José Alpoim (Dissidência Progressista), e o regresso à política ativa de João Franco, dissidente do partido regenerador, líder do Partido Regenerador Liberal. A questão dos tabacos teria particular impacto na titulação da primeira página d’ O Século. Em maio de 1905 deparamos com o primeiro título recenseado, nos últimos 15 anos, que nomeia um líder político da oposição (“Conselheiro José Maria Alpoim”). No final do ano, neste jornal, surgem títulos grandes sobre quatro comícios (que envolvem republicanos e monárquicos), assunto também ausente há mais de uma década. Em 1906 a temática política intensifica-se nos títulos grandes e os subtítulos longos regressam ao jornal. Durante o mês de fevereiro, o jornal introduz uma espécie de rubrica, sobre mais de uma coluna, intitulada Parlamento / Câmara dos deputados, que seria retomada no último trimestre deste ano. Através dela, e pela primeira vez nos quinze anos consultados, o debate político parlamentar era elevado a título grande. Em 1906, também os atos eleitorais surgem destacados em três edições: uma nas eleições de 29 de abril; duas nas eleições de 19 de agosto.
Os confrontos de republicanos com a polícia, na estação do Rossio, à chegada de Bernardino Machado, a 4 de maio de 190618, reintroduzem o partido republicano nos destaques em título d’ O Século19. No entanto, a presença republicana só ganha maior expressão no último trimestre deste ano, quando a nova composição parlamentar, saída das eleições de agosto, passa a integrar quatro deputados republicanos.
Entender a mudança na prática de titulação, neste ano de 1906, observada nos jornais da amostra, obriga a ter presente a mudança de ciclo político que ocorre com o fim do rotativismo. A tentativa de recomposição das forças monárquicas, na primavera de 1906, com a constituição de uma coligação entre progressistas e regeneradores liberais, catapultaria João Franco para o governo, a 19 de maio. A promessa de uma governação liberal, assente na tolerância e liberdade, contida no anúncio público do programa do chefe do partido regenerador liberal (em 25 de maio), seria, entre outros aspetos, acompanhada pela mudança da política eleitoral, permitindo aos republicanos, a 19 de agosto, eleger quatro deputados: Afonso Costa, António José de Almeida, João de Meneses e Alexandre Braga. O uso do título grande, para cobrir assuntos políticos nacionais, integra, representa e divulga a conturbada vida parlamentar, bem como o crescimento do movimento republicano.
Também o Diário de Notícias modifica a sua titulação sobre política nacional a partir do segundo semestre de 1906. Assuntos da atualidade política têm agora destaque: desde as eleições de 19 de agosto, às insubordinações a bordo dos navios de guerra, às sessões no parlamento onde se discute os adiantamentos à casa real ou a expulsão dos deputados republicanos. O enfoque no assunto político continuaria n’ O Século e no Diário de Notícias, no ano de 1907, e coincidiria com a adoção de subtítulos informativos (Gráfico 3). Os dois jornais, por exemplo, realçariam a discussão em torno da nova lei liberdade de imprensa, da crise académica em Coimbra, não poupando em adjetivação o fecho do parlamento por João Franco. O Diário de Notícias descreveria aquele momento político, em título, por quatro vezes, como “A ditadura”. Com menor frequência, mas seguindo uma nova titulação, também o Diário Popular, em 1906, enfatiza a luta político partidária nos seus títulos, seja pela introdução do destaque “Boletim Parlamentar”, logo em setembro, pelo destaque dado à discussão da nova Lei de Imprensa, ou, já em maio de 1907, pela clara responsabilização do rei pelo governo ditatorial de João Franco20.
O Novidades que quase deixara de utilizar títulos grandes recupera esta prática no segundo semestre de 1907. Tal deveu-se à vaga repressiva que se seguiu ao “18 de junho de 1907”21. Logo a 19, apresentou o título sobre duas colunas, “Turquia no Ocidente”, com grande subtítulo22. Entre junho e dezembro este jornal utiliza 8 vezes títulos grandes sobre a atualidade política.
Em contrapartida, entre 1906 e 1907, o O Paiz/O Mundo vai sobrepor à sua habitual cobertura da atualidade política uma outra prática, já experienciada pela restante imprensa: a constante celebração de factos e figuras do movimento republicano. A vida partidária torna-se relevante, multiplicando-se os títulos grandes que recaem sobre a inauguração de centros republicanos23 e sobre os “notáveis” do partido24. Em 1906, no total de 283 títulos, sobre mais de uma coluna, 60 recaem na evocação do nome de um correligionário.
Em véspera do regicídio, nos jornais de Lisboa a adoção de uma nova forma de comunicar o assunto político (título grande) inscrevia-se no processo de mudança política marcado por maior participação e relevância da atividade política.
4. Considerações finais
Os media têm um lugar destacado na luta pela imposição de representações sociais.
Através da análise do uso do título, na primeira página, nos seis jornais diários da amostra, no período de 1889 a 1907, ficou claro que até ao início do século XX prevaleceu uma convenção jornalística hostil ao uso de títulos grandes que destacassem o assunto político. Esta convenção valorizava a prudência e a moderação, preservando o político do olhar público, cultivando a distancia dos protagonistas. A resistência à adoção do título grande parece articular-se com a conceção do político como arena de acesso restrito, presente na monarquia liberal representativa, confirmando-se, assim, a afirmação de Hallin e Mancini (2010) da imprensa tender a assumir a forma e a “coloração” das estruturas sociais e políticas. Esta interpretação torna-se mais plausível quando observamos que os jornais informativos, com maior tiragem e meios técnicos, como o Diário de Notícias e O Século, também adotam relutantemente a nova prática jornalística. Em contrapartida, apenas foram recenseadas duas exceções, durante a década de noventa, que quebraram com essa convenção jornalística: os jornais republicanos demo-liberais, o Vanguarda e o O Paiz/ O Mundo. No mesmo sentido, a introdução e generalização desta prática, do uso do título grande para cobrir assuntos políticos, só se generaliza a partir de 1906 e é então que se altera a leitura do jornal, facilitando o acesso ao assunto político, favorecendo a afirmação de uma nova representação da “política”, mais democrática: arena aberta (exposta), com relevância, e ao alcance de todos (acessível a um público mais vasto). Não obstante, se o campo político se alargava a novos agentes e o assunto político se elevava a temática crucial da representação da realidade, este não era um ponto de chegada, mas antes de partida, de um sinuoso e frágil processo de democratização, assente num amplo espectro político, inexperiente, insuscetível de valorizar a negociação ou o compromisso.