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Acta Portuguesa de Nutrição
versão On-line ISSN 2183-5985
Acta Port Nutr no.4 Porto mar. 2016
https://doi.org/10.21011/apn.2015.0404
ARTIGO ORIGINAL
O açúcar que comes quando bebes: impacto de uma estratégia de consciencialização
The sugar you eat when you drink: impact of an awareness strategy
João Lima1-3; Catarina Augusto1,4; Joana Gaspar1,4; Teresa RS Brandão5; Ada Rocha2,3
1Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra - Turismo de Portugal, Rua Teófilo Braga-Quinta da Boavista,3030-076 Coimbra, Portugal
2Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto, Portugal
3LAVQ@REQUIMTE, Rua D. Manuel II, Apartado 55142, 4051-401 Porto, Portugal
4Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra, Rua 5 de Outubro, 3046-854 Coimbra, Portugal
5 CBQF – Centro de Biotecnologia e Química Fina – Laboratório Associado, Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa/Porto, Porto
Endereço para correspondência
RESUMO
Introdução: A obesidade é um dos problemas de saúde mais graves, a nível mundial. A procura de soluções para a designada epidemia do século XXI contínua, sendo que a relação entre o consumo de bebidas açucaradas e o peso corporal tornou-se uma questão pertinente.
Objetivos: Avaliar o impacto de uma estratégia de consciencialização sobre o teor de açúcares simples presentes num conjunto de bebidas disponibilizadas na cafetaria de um estabelecimento de ensino.
Metodologia: Foram analisadas as vendas de um conjunto de bebidas antes e após a intervenção. A intervenção baseou-se na afixação de um expositor com as bebidas e a representação da quantidade de açúcares simples, em açúcar, sob o mote “O açúcar que comes quando bebes”. Procedeu-se a uma análise das proporções das vendas, com um intervalo de confiança a 95%.
Resultados: Após a análise estatística dos rácios foi observada uma redução estatisticamente significativa no número de unidades vendidas, após a intervenção, de refrigerantes do tipo cola e das bebidas gaseificadas. Além disso, houve um aumento no número de unidades vendidas, com significância estatística, de néctares de frutas, chá/infusões e leite de chocolate.
Conclusões: A intervenção na cafetaria da Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra foi bem sucedida tendo-se verificado uma redução efetiva das vendas de bebidas açucaradas.
Palavras-Chave: Açúcar, Bebidas açucaradas, Estratégia de consciencialização, Obesidade
ABSTRACT
Introduction: Obesity is one of the more serious health problems worldwide. Finding solutions to the designated epidemic of the twenty-first century persists, and the relationship between the consumption of sweetened beverages and body weight became a relevant issue.
Objectives: To evaluate the impact of an awareness strategy about the content of simple sugars present on a range of drinks available in the cafeteria.
Methodology: The sales of a range of beverages were analyzed, before and after intervention. The intervention was based on the exposure of a framework with drinks and the representation of the amount of simple sugars, in sugar, under the motto “The sugar that you eat when you drink”. An analysis of proportion of sales, with a confidence interval of 95% was performed.
Results: After statistical analysis of the ratios was observed a statistically significant reduction in the number of units sold of soft drinks, coca-cola and carbonated drinks. In addition, there was an increase in the number of units sold, with statistical significance, of fruit nectars, tea / infusions and chocolate milk.
Conclusions: The intervention in the cafeteria of the Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra was successful with an effective reduction in sales of sweetened beverages.
Keywords: Sugar, Sweetened Beverages, Awareness strategy, Obesity
INTRODUÇÃO
O aumento da prevalência de obesidade tem coincidido com um grande aumento no consumo de bebidas açucaradas (BA) que incluem refrigerantes, bebidas com sabor a fruta, chá e café, leite com sabores, bebidas desportivas, bebidas energéticas, e quaisquer outras bebidas com adição de açúcar. O consumo de BA tem sido associado ao excesso de peso e obesidade (1), cáries dentárias ou extrações de dentes primários (2, 3), diabetes tipo 2 (4), dislipidemias (5), e ainda hipertensão (6). Estas bebidas contêm em média 150 kcal por porção, que se consumidas em excesso, ou seja, 1 lata (≈0,33L) por dia, sem considerar uma redução energética de outros alimentos, pode promover o aumento do peso corporal, podendo contribuir para um ganho de até 6,8 kg por ano (7). Outro trabalho demonstra que após 18 meses de consumo de BA se verificou um ganho de aproximadamente 0,5 kg, de massa gorda (8). As BA induzem a resistência à insulina (10), contribuem para a hipertensão, promovem a acumulação de tecido adiposo visceral e de gordura ectópica (11), assim como o desenvolvimento de triglicerídeos elevados e baixo colesterol HDL (12). Assim, indivíduos com uma ingestão elevada de BA apresentam cerca de 20% maior risco de desenvolvimento de síndrome metabólica do que indivíduos que não consumam, ou consumam pouco (12).
As BA são a maior fonte de açúcar adicionado, constituem um grande contributo em termos energéticos na dieta dos jovens dos EUA, sendo que o seu consumo subiu 135% entre 1977 e 2001 (7, 12). Os maiores consumidores de BA são adolescentes (14).
Os jovens adolescentes que bebem mais BA também tendem a comer mais fast-food e a ver mais televisão (15). Foram ainda associados a um maior consumo de carne vermelha e processada, hidratos de carbono com elevado índice glicémico, gordura e energia total, mas com menores consumos de proteína, gordura vegetal, fibras e álcool (7).
Têm-se verificado que o estatuto socioeconómico tem estado associado ao tipo de alimentação dos adolescentes e a educação parental tem um papel fundamental no consumo de fruta, hortícolas e BA. Muitas intervenções destinadas a aumentar o consumo de frutas e produtos hortícolas e para reduzir a ingestão de BA em crianças em idade escolar envolvem os pais, mas poucas são as que relatam os efeitos sobre o consumo alimentar dos pais. No estudo HEIA, um estudo que tinha como objetivo averiguar a influência do consumo de frutas, hortícolas e refrigerantes açucarados com o sexo, peso corporal e o nível de educação parental, foram encontrados resultados favoráveis no grupo de intervenção, com maior ingestão de frutas entre os adolescentes. Crianças com pais com escolaridade média e baixa reduziram a sua ingestão de BA. Assim, esta intervenção pareceu contribuir para uma maior consciência e conhecimento sobre nutrição, nomeadamente sobre o teor de açúcar simples nas BA, sendo que os adolescentes cujos pais têm um nível de escolaridade baixo e médio evidenciaram maior potencial de redução da ingestão de BA (16).
Resultados de estudos como de Ha et al fornecem evidências em como aulas de educação nutricional são uma estratégia viável de consciencialização sobre hábitos alimentares em estudantes universitários. A discussão sobre a importância da nutrição na prevenção de doenças crónicas em aulas teóricas e atividades interativas incentivou os alunos a reduzir o consumo de refrigerantes como parte de práticas alimentares saudáveis (17).
Programas de educação sobre estilos de vida saudáveis foram implementados em escolas de ensino básico, utilizando mensagens simples que incentivavam o consumo de água em vez de bebidas açucaradas. No programa foram realizadas atividades em sala de aula, cartazes de promoção do consumo de água, foram dadas garrafas de água com o logotipo da campanha, e ainda foi criada a “Pirâmide de bebidas” cuja mensagem principal era que a água (a base da pirâmide) deve ter prevalência sobre bebidas adoçadas com açúcar (no topo da pirâmide). O objetivo da campanha era estimular a troca de bebidas adoçadas com açúcar para a água. Resultados mostraram uma redução estatisticamente significativa na ingestão de bebidas gaseificadas no grupo de intervenção em comparação com o grupo controlo (18).
Alguns países como o México estão a considerar taxar bebidas açucaradas. Os resultados da colocação de um imposto não podem ser conhecidos até que sejam implementados e estudados, mas o estado de arte sugere que este tipo de taxa teria fortes efeitos positivos sobre a redução do seu consumo (19).
Estratégias são necessárias para diminuir a ingestão de BA entre os adolescentes, porque diversos estudos sugerem que, devido à disponibilidade do mercado, o consumo de BA é cada vez maior (13). Assim, as intervenções eficazes destinadas a apoiar um estilo de vida saudável são cada vez mais necessárias. As escolas são um cenário de eleição para melhorar os estilos de vida entre os jovens adolescentes, porque permitem alcançar indivíduos com etnias variadas e diferentes estatutos socioeconómicos. Além disso, o meio envolvente tende a ser obesogénico, o que significa que devem ser concentrados esforços para promover um ambiente saudável. Deste modo, as intervenções que são efetuadas precisam de alcançar vários níveis baseados na comunidade, sendo que o envolvimento desta pode também contribuir para programas mais sustentáveis com maior alcance e mais impacto (20).Tem sido sugerido que a obesidade deve ser abordada a vários níveis: o indivíduo, a família, a escola e a comunidade (21).
O sobrepeso é um problema percebido na nossa comunidade escolar, com 26,8% dos estudantes com mais de 18 anos apresentando excesso de peso ou obesidade.
OBJETIVO
Avaliar o impacto nas vendas de uma estratégia de consciencialização sobre o teor de açúcares simples presentes num conjunto de bebidas disponibilizadas na cafetaria de uma escola profissional.
METODOLOGIA
Foi realizado um estudo ecológico (de base populacional), longitudinal, onde foram analisadas as vendas de um conjunto de bebidas (cola, refrigerantes com gás, refrigerantes sem gás, néctares, águas, chás/infusões, leite achocolatado), antes (entre 2 de fevereiro e 6 de julho de 2014 (203 alunos)) e após a intervenção, no mesmo período em 2015 (221 alunos) na Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra (EHTC). O cartaz foi afixado a 2 de dezembro de 2014. Este período de análise das vendas realizadas foi escolhido visto ser o semestre com mais alunos presentes na Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra, conseguindo assim uma amostra maior de indivíduos.
Apesar de não ser possível associar dados socio-demográficos às vendas realizadas, por não haver esse registo, foram levantados dados socio-demográficos a partir do programa de gestão de alunos, por forma a caracterizar os consumidores em análise.
A intervenção baseou-se na afixação de um expositor com as bebidas e a representação da quantidade de açúcares simples, sob a forma de açúcar, sob o mote “O açúcar que comes quando bebes”. Depois de obtidas as vendas por tipo de produto, calcularam-se as proporções de vendas de cada tipo de bebida e respetivos intervalos de confiança a 95%. A diferença estatística foi analisada tendo por base o não cruzamento dos intervalos de confiança (Gráfico 1). A inferência foi baseada nos intervalos de confiança das proporções, isto é, estimação intervalar.
A média do teor de açúcares simples, por tipo de bebida açucarada, foi multiplicado pelo número de unidades vendidas, tendo-se obtido as diferenças, por tipo de bebida e total, de açúcares simples vendidos (através das bebidas em análise), antes e após a intervenção.
RESULTADOS
A idade média dos alunos que frequentam a cafetaria da EHTC é de 21 anos, sendo que a maioria são do género masculino, não recebem apoio social e frequentam cursos da área da cozinha. As características socio-demográficas dos mesmos são indicadas na (Tabela 1).
Relativamente às bebidas de cola no período designado, antes da intervenção, foram vendidas 711 unidades, sendo que após a intervenção ocorreu uma redução de cerca de 55,7%, para 315. Também nos refrigerantes sem gás foi observada uma diminuição das vendas, de 650 unidades por período para cerca de 350, que corresponde a uma redução de 46,2%.
Por outro lado, verificou-se um aumento no número de unidades vendidas de néctares, águas e leite achocolatado. A quantidade de néctares anteriormente vendidos era de 825 e aumentou para 932, um incremento de 13%. Já as unidades vendidas de água elevaram-se 89,6%, de 77 para 146 garrafas. Quanto ao leite achocolatado, este também teve um aumento de vendas de 30,8%, de 120 unidades para 157. Para refrigerantes do tipo cola, refrigerantes sem gás, néctares, água e leite achocolatado, obtiveram-se diferenças significativas entre as proporções antes e após intervenção, ao passo que para os refrigerantes com gás e chás/infusões (que obtiveram um decréscimo de 16,3% e 8,1%, respetivamente), estes resultados não foram estatisticamente diferentes. Estas conclusões são baseadas nos intervalos de confiança calculados (Gráfico 1).
Verificou-se ainda um decréscimo aproximado de 15 Kg no total de açúcares simples vendidos, correspondendo a cerca de 107,6 g/aluno, tendo por base a evolução nas vendas das bebidas açucaradas em estudo, conforme é retratado na (Tabela 2).
DISCUSSÃO ;O DOS RESULTADOS
No nosso estudo, observou-se uma redução significativa nas vendas de bebidas, o que parece indicar que o uso de expositores com bebidas reais e a exposição da quantidade de açúcares simples pode ser bastante eficaz para a perceção dos jovens, indo de encontro ao estudo realizado por Bergen et al (19). O aumento verificado do consumo de néctares, águas e leite de chocolate poderá estar associado ao fator de substituição relativo às bebidas do tipo cola e dos refrigerantes sem gás, no entanto, mais estudos devem ser realizados de modo a confirmar a veracidade desta questão.
Em consequência da alteração nas vendas, verificou-se uma redução no teor de açúcares simples vendidos total na ordem dos 15 Kg, correspondendo a cerca de 107,6 g/aluno, o que constitui um resultado positivo, parecendo indicar que a substituição verificada é benéfica no que se refere à quantidade de açúcares simples potencialmente consumidos antes e após a intervenção.
É consensual que o ambiente atual, com grande disponibilidade e acessibilidade a alimentos e bebidas de baixo custo, de alta densidade energética, são fatores determinantes para a obesidade. Devem ser procuradas soluções mais eficazes para o combate ao excesso de peso, que abranjam o meio envolvente para uma alteração dos estilos de vida que promovam a manutenção do peso corporal, dentro da normoponderabilidade, e o bem-estar em geral. Resultados de estudos sugerem que os rótulos/fichas nutricionais e cartazes motivacionais colocados junto a máquinas de venda automática de bebidas podem ser eficazes na influência das vendas de refrigerantes açucarados (22).
A viabilidade e a eficácia da colocação de disponibilizadores de água, sobre as vendas de BA, em escolas secundárias também já foi estudada, demonstrando ser uma intervenção exequível para o aumento do consumo de água. No entanto, esta intervenção por si só não foi eficaz na diminuição das vendas de BA, devendo ser dada prioridade a outras estratégias no combate à obesidade (23).
Block et al testaram o aumento de preços de refrigerantes e a implementação de uma ação educativa e observaram uma diminuição de cerca de 26% das vendas de BA, quando testaram um aumento de 35% do preço habitual (24). Por outro lado, estratégias de saúde pública que incentivam a redução da ingestão de refrigerantes também parecem ter resultados eficientes para a redução do consumo de energético (22).
Não foram encontrados trabalhos científicos realizados sobre esta temática, em Portugal, em populações na mesma faixa etária da população em estudo, o que constitui uma limitação ao nível da discussão dos resultados obtidos. Contudo este facto, atesta a originalidade e pertinência do trabalho em causa.
Adicionalmente, o facto destes resultados serem relativos às vendas de bebidas açucaradas, não nos permite tirar conclusões efetivas quanto à sua ingestão. Contudo, a diferença ao nível da disponibilidade verificada traduz-se num resultado interessante no que se refere às estratégias de modulação do comportamento do consumidor.
Conclusões
Verificou-se, com a intervenção, uma redução da percentagem de unidades vendidas de refrigerantes tipo cola e dos refrigerantes sem gás. Paralelamente, verificou-se um aumento da mesma para os néctares, águas e leite achocolatado.
Podemos concluir que a estratégia de consciencialização sobre o teor de açúcares simples presentes num conjunto de bebidas, através de um quadro com bebidas reais e a representação da quantidade de açúcares simples, parece apresentar-se como uma estratégia com eficácia na redução das vendas de bebidas açucaradas numa cafetaria escolar, podendo ser reproduzida em contextos semelhantes. Contudo, trabalhos adicionais são necessários no sentido de corroborar os resultados encontrados neste estudo.
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João Lima
Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra, Rua Teófilo Braga-Quinta da Boavista,3030-076 Coimbra, Portugal
nutricionista.joaolima@gmail.com
Recebido a 15 de fevereiro de 2016
Aceite a 31 de março de 2016