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Acta Portuguesa de Nutrição
versão On-line ISSN 2183-5985
Acta Port Nutr no.11 Porto dez. 2017
https://doi.org/10.21011/apn.2017.1102
ARTIGO ORIGINAL
Roda da Alimentação Mediterrânica e Pirâmide da Dieta Mediterrânica: Comparação entre os dois guias alimentares
Mediterranean Food Wheel and Mediterranean Diet Pyramid: comparison between the two food guides
Catarina Barbosa1; Pedro Pimenta1; Helena Real1,2*
1 Instituto Universitário de Ciências da Saúde, CESPU - Cooperativa de Ensino Superior, Politécnico e Universitário, crl, Rua Central de Gandra, n.º 1317,
4585-116 Gandra, Portugal
2 Associação Portuguesa de Nutrição,
Rua João das Regras, n.º 278 e 284, R/C 3, 4000-291 Porto, Portugal
Endereço para correspondência
RESUMO
Introdução: A Dieta Mediterrânica é considerada um dos padrões alimentares mais saudáveis do mundo, contudo, a maioria dos países tem o seu próprio guia alimentar. Em Portugal, utiliza-se como guia a Roda dos Alimentos. Contudo, dado que Portugal é um país com características mediterrânicas, foi desenvolvida a Roda da Alimentação Mediterrânica.
Objetivos: Comparar a Roda da Alimentação Mediterrânica e a Pirâmide da Dieta Mediterrânica para verificar e analisar as diferenças e concordâncias entre ambas.
Metodologia: Foram estabelecidos quatro níveis de comparação de diversos parâmetros estabelecidos pelos guias (I: igual em todos os aspetos; II: existência do parâmetro nos dois guias, mas com diferenças ao nível da recomendação; III: só se verifica na Roda da Alimentação Mediterrânica; IV: só se verifica na Pirâmide da Dieta Mediterrânica). Foram analisados 27 parâmetros: sustentabilidade; carnes brancas; carnes vermelhas; carnes processadas; pescado; ovos; leguminosas; hortícolas; fruta; cereais; água; vinho; açúcar e produtos açucarados; gorduras e óleos; atividade física; sazonalidade; sementes; frutos oleaginosos; gastronomia nacional; atividades culinárias; convivência; ervas aromáticas; sal; laticínios; porções equivalentes; descanso; biodiversidade.
Resultados: A percentagem do nível I, II, III e IV é de 29,6%, 48,2%, 3,7% e 18,5%, respetivamente. Os parâmetros correspondentes ao nível I são: convivência, biodiversidade, sustentabilidade, sazonalidade, atividade física, vinho, gastronomia nacional e atividades culinárias; ao nível II são: laticínios, carnes brancas, carnes vermelhas, pescado, ovos, leguminosas, frutos oleaginosos, produtos hortícolas, fruta, cereais, água, gorduras e óleos e ervas aromáticas; ao nível III é: porções equivalentes; ao nível IV são: carnes processadas, sal, açúcar e produtos açucarados, sementes e descanso. Acresce ainda o facto de os guias terem formas esquemáticas diferentes.
Conclusões: Comparando os dois guias, verifica-se que existe elevada concordância entre ambos, sendo que a Roda da Alimentação Mediterrânica, elaborada com base na realidade portuguesa e tradições nacionais, pode afigurar-se como mais adequada para a utilização nas ações destinadas à população portuguesa. Será ainda fundamental dar mais destaque à Roda da Alimentação Mediterrânica nos manuais escolares.
PALAVRAS-CHAVE
Guias alimentares, Manuais escolares, Pirâmide da Dieta Mediterrânica, População portuguesa, Roda da Alimentação Mediterrânica
ABSTRACT
Introduction: The Mediterranean Diet is considered one of the healthiest food patterns of the world, however, most countries have their own food guide. In Portugal, it is used as guide, the Portuguese Food Wheel. However, as Portugal is a country with Mediterranean characteristics, the Mediterranean Food Wheel has been developed.
ObjectiveS: Compare the Mediterranean Food Wheel and the Mediterranean Diet Pyramid, to see and analyze the differences and concordances between the two.
Methodology: It was established four levels of comparison of several parameters set by the guides (I: equal in every aspects; II: existence of the parameter in the two guides, but with differences in the recommendation; III: the parameter only exists in the Mediterranean Food Wheel; IV: the parameter only exists in the Pyramid of Mediterranean Diet). Were analyzed 27 parameters: sustainability; white meat; red meat; processed meat; fish; eggs; beans; vegetables; fruit; cereals; water; wine; sugar and sugar products; fat and oils; physical activity; seasonality; seeds; oleaginous fruits; national cuisine; culinary; living together; herbs; salt; dairy products; equivalent portions; rest; biodiversity.
Results: The percentage of the level I, II, III and IV is 29.6 %, 48.2 %, 3.7 % and 18.5 %, respectively. The parameters corresponding to the level I are: conviviality, biodiversity, traditional local foods, seasonality, physical activity, wine, national cuisine and culinary; at level II are: dairy, white meat, red meat, fish/seafood, eggs, beans, oleaginous fruits, vegetables, fruit, cereals, water, fat and oils and herbs; at level III are: equivalent portions; at level IV are: processed meat, salt, sugar and sugar products, seeds and rest. Besides that, the guides have different schematic forms.
Conclusions: Comparing the two guides, it is verified that there is a high agreement between both, being the Mediterranean Food Weel, elaborated based on the Portuguese reality and the entire national culture, history and traditions, and may appear to be the more suitable for use in actions aimed at the Portuguese population. It will also be essential to increase information about the Mediterranean Food Wheel in school textbooks.
KEYWORDS
Food guides, School textbooks, Mediterranean Diet Pyramid, Portuguese population,Mediterranean Food Weel
INTRODUÇÃO
Portugal é um país com uma vasta herança mediterrânica resultante de constantes migrações que, ao longo dos séculos, configuraram o Mediterrâneo em geral (1–3). O homem soube tirar partido dos recursos escassos do solo da região mediterrânica, nomeadamente os arbustos, ao utilizá-los para a lenha; as ervas, ao propiciarem o pasto para os animais; bem como os frutos e óleos, extraídos de algumas plantas bravas. Para além disso, o homem também introduziu várias plantas agrárias, que permaneceram nestas terras, até aos dias de hoje, enriquecendo a vegetação e transformando as paisagens. São exemplos disso a oliveira, a videira, a figueira e as plantas de inúmeras leguminosas (2–4).
A designação de “Dieta Mediterrânica” (DM) surge na década de 50/60 do século XX , no decurso de um conjunto de estudos que o fisiologista norte-americano Ancel Keys realizou no Mediterrâneo (5–7). Contudo, este estilo de vida desenvolvia-se nesta região desde há muito mais tempo. O conceito ganhou novo destaque após a distinção pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade, a qual veio trazer uma maior abrangência do mesmo (8), por oposição a um modelo de caracterização baseado nas questões alimentares e o seu impacto na saúde, sobejamente conhecido (9–13). Todavia, se se considerar apenas a parte alimentar, é possível referir que o Padrão Alimentar Mediterrânico (PAM) que daí advém é caracterizado por um elevado consumo de alimentos de origem vegetal, de entre os quais cereais, hortícolas e fruta, leguminosas, frutos oleaginosos, azeitonas e sementes. Este padrão recomenda ainda o azeite como a gordura de eleição e incentiva um consumo moderado de pescado, carnes brancas, ovos e laticínios, de preferência sob a forma de queijo e iogurte. Por outro lado, aconselha um baixo consumo de carnes vermelhas e processadas e um consumo moderado, às refeições principais, de vinho (14). A sistematização destas recomendações alimentares pode ser encontrada no formato de uma pirâmide – Pirâmide da Dieta Mediterrânica (PDM) -, um guia alimentar que permite transmitir as mesmas de forma simples e acessível (14).
De acordo com a Food and Nutrition Board/ World Health Organization, os guias alimentares são documentos elaborados com a finalidade de orientar e promover a educação nutricional de uma determinada população (15). A criação de um guia alimentar deve respeitar aspetos relacionados com a disponibilidade alimentar nacional, o padrão de consumo alimentar e nutricional e o estado nutricional da população (16). Um dos objetivos na elaboração dos guias alimentares é possibilitar uma fácil leitura e interpretação, tal como descodificar a linguagem científica em conceitos e representações mais simples (17).
Em Portugal, A Roda dos Alimentos (RA) corresponde ao guia alimentar que foi elaborado para acompanhar os hábitos alimentares, a gastronomia, a cultura, e as tradições da população portuguesa, tendo por base os conhecimentos nutricionais essenciais para a sua adequabilidade (17).
Recentemente, a Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, a Direção-Geral do Consumidor e a Direção Geral da Saúde lançaram uma adaptação da RA aos conceitos da DM, funcionando como complemento à RA já existente. A criação da Roda da Alimentação Mediterrânica (RAM), destinada à população portuguesa, contribui para a valorização e promoção deste padrão alimentar, estando a base do seu desenvolvimento assente na RA (18).
Portugal possui uma identidade mediterrânica caracterizada pelo clima, que, embora regulado pelo Oceano Atlântico, sofre também influência do mar Mediterrâneo, o que é visível na paisagem e modo de vida (4). Assim, a elaboração da RAM teve por base as nossas tradições alimentares e gastronómicas, que tinham já contribuído para a criação da RA, mas também teve influência na DM (3).
Dado que em Portugal se tem vindo a reforçar o debate e promoção da DM, para além de se ter incrementado informação sobre o tema nos manuais escolares, onde surge maior destaque para a PDM em detrimento da RA, torna-se importante explorar quais as diferenças e semelhanças entre os dois guias de forma a clarificar estes aspetos junto dos profissionais da área da nutrição e alimentação e também os professores.
OBJETIVOS
Comparar a RAM e a PDM, com o intuito de verificar e analisar as possíveis diferenças e concordâncias entre ambos os guias alimentares.
METODOLOGIA
Procedeu-se ao estudo de dois guias alimentares, tendo sido selecionados 27 parâmetros para análise, tendo em conta todos os aspetos referenciados nos respetivos cartazes que contêm as representações gráficas (Figura 1 e 2) (18, 19). Os parâmetros selecionados foram os seguintes: convivência; biodiversidade; sustentabilidade; sazonalidade; atividade física; gastronomia nacional; atividades culinárias; porções equivalentes e descanso. Nos grupos de alimentos pertencentes à RAM e à PDM foram considerados: vinho; laticínios; carnes brancas; carnes vermelhas; pescado; ovos; leguminosas; frutos oleaginosos; produtos hortícolas; fruta; cereais; água; gorduras e óleos; ervas aromáticas; carnes processadas; sal; açúcar e produtos açucarados; sementes.
A RAM apresenta as porções e respetivos equivalentes na documentação acessória e não na representação esquemática central da Roda. Por outro lado, a PDM não quantifica as porções equivalentes, pelo que se assumiu que as porções representam quantidades semelhantes às da RAM (20).
Posteriormente foram criados quatro níveis, de modo a comparar todos os parâmetros selecionados:
(I) O parâmetro analisado é igual em todos os aspetos, quer na recomendação, quer na existência do mesmo no guia;
(II) Existência do parâmetro nos dois guias, mas com diferenças ao nível da recomendação;
(III) O parâmetro só é recomendado e preconizado na RAM;
(IV) O parâmetro só está presente e é recomendado na PDM.
A análise foi efetuada no mês de julho de 2016, sendo que os resultados foram obtidos recorrendo ao auxílio do programa Microsoft Office Excel® 2010 para o sistema operacional Windows 8.1.
RESULTADOS
Na Tabela 1, é apresentada a comparação de parâmetros entre a RAM e a PDM.
Dos 27 parâmetros analisados, a percentagem dos mesmos pertencentes aos níveis I, II, III e IV corresponde respetivamente a: 29,6%, 48,2%, 3,7% e 18,5%, tal como é representado na Tabela 2.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Verificou-se que dos 27 parâmetros analisados, existem parâmetros comuns em 77,8% dos casos. Destes, 29,6% são iguais nos dois guias alimentares. Desta percentagem fazem parte nomeadamente a convivência, importante para a aquisição de hábitos promotores de estilos de vida mais saudáveis e melhor estado de saúde (21–24).
A biodiversidade, sustentabilidade e sazonalidade alimentar são parâmetros considerados pelos dois guias, estando espelhados conceitos como o recurso a produtos da época, tradicionais e de proveniência local.
A RAM e a PDM também preconizam a prática de atividade física, um fator fulcral na saúde e bem-estar, recomendação transversal a todas as faixas etárias (25, 26). A importância destas recomendações prende-se com o facto de esta prática contribuir para a diminuição dos comportamentos sedentários e poder reduzir o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, de diabetes Mellitus, de hipertensão arterial e de certos tipos de cancro (25).
A RAM e a PDM fazem ainda alusão ao consumo de vinho, produto muito associado à região mediterrânica (27). Estas recomendações sustentam-se no interesse para a saúde do consumo dos componentes, sobretudo, do vinho tinto, especialmente o resveratrol, com ação anti--aterogénica, e os flavonóides, que têm uma ação antioxidante e que diminuem o stress oxidativo, inibindo a formação de espécies reativas de oxigénio (27–30). Estes benefícios ocorrem aquando um consumo moderado e às refeições principais (31, 32).
A gastronomia nacional é outro parâmetro pertencente a este nível de comparação, de forma a promover a presença de pratos tradicionais das várias regiões do país, que representam o modo como as pessoas se relacionam e usam os diferentes produtos alimentares, e contribuem para que as tradições se mantenham ao longo dos anos (33). A RAM e a PDM enfocam a importância da realização de atividades culinárias, cujas técnicas sejam saudáveis e tradicionais (como sopas, ensopados, estufados e caldeiradas) dado preservarem a qualidade nutricional dos alimentos e por serem simples e práticas de realizar (33, 34).
Quanto aos parâmetros comuns aos dois guias, mas com recomendações distintas, identificaram-se 48,2% dos parâmetros nessas condições. Desta percentagem fazem parte nomeadamente as recomendações de consumo de laticínios, onde se verifica, por exemplo, que o consumo de iogurte e queijo é mais evidenciado, do que o leite, pela PDM. A escolha de consumo de queijo, sobretudo proveniente de cabra e ovelha, prende-se com razões históricas e culturais, pelo facto de estes serem animais com mobilidade suficiente para procurarem os pastos nos locais disponíveis e, por vezes de menor acesso, sendo, por isso, animais mais comuns nos países do Mediterrâneo. O clima representa outro aspeto determinante para uma maior presença de alimentos derivados do leite, pois temperaturas mais elevadas determinam a necessidade de existirem alimentos que possuam um prazo de validade mais alargado (3). O consumo de laticínios faz parte das recomendações diárias tanto da PDM como da RAM. Contudo, a RAM salienta o consumo de laticínios como um todo, visto que o consumo de leite é muito comum na população portuguesa. O leite é um alimento com um valor nutricional muito importante, dado ser uma fonte de energia, de cálcio e de fósforo e sobretudo de proteína de alto valor biológico, essencial para a manutenção da saúde óssea (35). De acordo com a Fundação Internacional de Osteoporose, a incidência mundial desta doença está a aumentar, sendo, por isso, importante promover o consumo de leite desde cedo (36). O leite tem ainda outras vantagens, derivadas do seu elevado teor proteico de alto valor biológico, que apresenta benefícios na prevenção do desenvolvimento de sarcopenia, condição onde se desenvolvem perdas musculares relacionadas com o avançar da idade (37). Para além disso, o leite tem ainda importantes nutrientes, como o magnésio, o cálcio e o potássio, com ação preventiva no desenvolvimento de doenças cardiovasculares (38,39). Face às vantagens anteriormente enumeradas, o consumo deste alimento é importante e deve ser incentivado, recomendação que está presente sobretudo na RAM.
Mencionando o grupo “Carne, Pescado e Ovos”, a RAM inclui as carnes brancas, carnes vermelhas, pescado e ovos no mesmo grupo, contrariamente à PDM, que exibe recomendações separadas e distintas. Contudo, seria benéfico que a RAM procedesse a uma separação das diversas fontes proteicas, à semelhança da PDM, pois a carne, o pescado e os ovos deviam possuir recomendações de frequência de consumo diferentes. A corroborar esta sugestão existem as recomendações de várias instituições, entre as quais a The American Heart Association (AHA) e a European Food Safety Authority (EFSA), que defendem o consumo de peixe, sobretudo o peixe gordo, no mínimo duas vezes por semana (40, 41). Por outro lado, segundo o relatório conjunto da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da International Agency for Research of Cancer (IARC), evidencia-se a recomendação de não ultrapassar o consumo de 100 g de carnes vermelhas e 50 g de carnes processadas, pois podem aumentar em 17% e 18% respetivamente, o risco de desenvolvimento do cancro colorretal (42). Existem inclusivamente relações estabelecidas entre o consumo de carnes vermelhas e processadas com o desenvolvimento de hipercolesterolemia, hipertensão ou mesmo síndrome metabólica, questão que não se evidencia nas carnes brancas (43). Por estas razões e pelas diferenças nutricionais seria importante a separação dos diferentes tipos de carnes. Será, assim, importante, que a indicação relativa a um consumo diferenciado dos alimentos que compõe o grupo das “carnes, pescado e ovos” possa ser feita de forma acessória quando se apresenta a RAM à população. Desta forma, verifica-se que a divisão por frequência de consumo da PDM é mais vantajosa, dado que transmite uma informação mais completa sobre estas fontes proteicas, do que apenas englobá-las num só grupo. A PDM refere um consumo semanal destes alimentos, dando maior preferência ao pescado, aspeto este que se assume benéfico porque o mesmo representa uma fonte de energia, de proteínas de alto valor biológico, de iodo, de selénio, de cálcio, de vitaminas A e D e ácidos gordos essenciais (41).
Quanto às leguminosas, estas são individualizadas dos restantes fornecedores proteicos tanto na RAM como na PDM. Apesar disso, nos dias de hoje é notória uma menor valorização e utilização das leguminosas, muito presentes em pratos da gastronomia tradicional portuguesa. As recomendações dos dois guias diferem quanto à frequência de consumo, na medida em que a RAM aconselha o consumo de 1 a 2 porções diárias e a PDM um consumo superior ou igual a 2 porções por semana. As leguminosas são alimentos que exercem inúmeros benefícios para a saúde, contribuem para um melhor controlo glicémico, para a modulação lipídica, são ricas em substâncias bioativas e fibras, não apresentam colesterol e são boas fornecedoras de proteínas (44). Desta forma, pelos benefícios inerentes, seria preferível a recomendação basear-se no consumo diário, tal como se verifica com a RAM.
O consumo de frutos oleaginosos é promovido de forma diária em cerca de 1 a 2 porções na PDM, contrariamente à RAM, cuja menção não surge incluída na Roda, mas sim nas recomendações adicionais, não sendo dada uma orientação quanto à frequência de consumo. Os frutos oleaginosos são caracterizados por serem alimentos com elevado teor de lípidos, sobretudo ácidos gordos insaturados (45). Dentro destes, é de destacar o ómega 6, particularmente importante no desenvolvimento cerebral e na proteção da pele, entre outros (46). Para além disso, estes alimentos apresentam ainda boas quantidades de ómega 3 com uma ação importante no sistema cardiovascular e que previne a ocorrência de doenças cardíacas e vasculares (47). Segundo a EFSA, as recomendações de ingestão dos ácidos gordos ómega 3 e ómega 6 são 2 e 10 g por dia, respetivamente (47).
O consumo de frutos oleaginosos acima de três doses por semana é cientificamente sustentado como tendo efeitos significativos na redução do risco de mortalidade (48). O consumo de uma porção equivalente a uma mão de frutos oleaginosos por dia está associado à prevenção de doenças, tais como obesidade, doenças cardiovasculares ou a diabetes Mellitus. Desta forma, a recomendação diária deste tipo de alimentos, à semelhança do que ocorre na PDM, destaca-se como mais vantajosa (49).
Os hortofrutícolas pela sua riqueza nutricional, devem estar presentes em abundância num padrão alimentar promotor de saúde, como sugerem as recomendações da RAM e da PDM. No primeiro guia são recomendados entre 3 a 5 porções por dia e no segundo um consumo maior ou igual a 2 porções para os hortícolas e 1 a 2 porções para as frutas, a cada refeição principal. De acordo com as recomendações da OMS, que preconiza um consumo mínimo diário de 400 g de produtos hortícolas e de fruta, verifica-se que os dois guias superam estas recomendações (50, 51). O consumo diário de 400 g pode reduzir o risco de desenvolvimento de doenças crónicas não transmissíveis, como a doença coronária, doenças cerebrovasculares e hipertensão arterial. Nutricionalmente, este grupo de alimentos apresenta uma grande variedade de vitaminas, minerais, fitonutrientes e elevado teor de fibra (50). A grande discordância entre os dois guias, quanto às recomendações de fruta e produtos hortícolas, prende-se com o momento do seu consumo. A RAM é mais vantajosa neste sentido, dado promover um consumo ao longo do dia e não exclusivamente nas refeições principais. A reforçar esta mensagem temos as recomendações da OMS que aconselham a promoção do consumo destes alimentos durante as refeições e nas refeições intercalares.
Relativamente aos cereais, a RAM recomenda uma ingestão de 4 a 11 porções diárias e a PDM refere o consumo de 1 a 2 porções por cada refeição principal. O PAM elege o consumo de cereais integrais dado que estes são uma importante fonte de energia, hidratos de carbono, proteína e fibra (52, 53). De acordo com dados disponíveis, poderá existir uma redução de 21% no risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares em indivíduos que consomem em média entre 48 a 80 g de cereais integrais por dia, em comparação com os que não atingem estas recomendações (54). Desta forma, ambos os guias são benéficos para a promoção do consumo de cereais, embora as recomendações da PDM sejam mais evidentes para os cereais integrais.
Incidindo nas recomendações hídricas, os dois guias referem a importância da ingestão diária de água, embora as quantidades recomendadas sejam distintas (14, 17). De facto, a água é essencial à vida e para realçar a importância do balanço hídrico, a imagem da água foi colocada em destaque no centro da RAM, ocupando igualmente uma posição de destaque na PDM (14,55). Relativamente às recomendações, estas devem ter em consideração diversos factores e de acordo com a OMS, em condições normais, os valores de ingestão de água total para homens e mulheres são de 2,9 e 2,2 L, respetivamente (56). Para além disso, a EFSA estipulou valores de ingestão adequados de água total de 2,5 e 2,0 L para homens e mulheres, respetivamente (57). Em virtude dos valores de ingestão de água reportados pelos portugueses, o Instituto de Hidratação e Saúde adotou os valores de referência da EFSA supracitados (57). Contudo, estas recomendações não se reportam exclusivamente à ingestão de água em natureza, mas também a outras bebidas e alimentos ou preparados culinários, que possuam água na sua composição. Porém, dada a grande variabilidade do conteúdo de água nos alimentos, é mais fácil apresentar à população valores de referência de bebidas, pelo que o Instituto de Hidratação e Saúde recomenda o consumo de 1,9 e 1,5 L para homens e mulheres, respetivamente (57). Os valores preconizados pela RAM aproximam-se mais destas recomendações do que os da PDM, dado que a recomendação se situa entre 1,5 a 3,0 L de água total a ingerir.
No âmbito do grupo “Gorduras e Óleos”, a RAM apresenta recomendações quanto às porções diárias de consumo dos vários alimentos deste grupo, enquanto a PDM elege o azeite como a gordura preferencial, aconselhando o seu consumo a cada refeição principal, ocupando um destaque central na Pirâmide, visto que constitui um dos pilares deste padrão alimentar. Esta fonte de lípidos é composta por ácidos gordos monoinsaturados, vitamina E e β carotenos com propriedades salutogénicas, pelo que o seu consumo deve ser valorizado (58–60). De acordo com a EFSA, o total de gordura ingerida deve corresponder entre 20 a 35% do total calórico diário para adultos (46). Ao nível do tipo de gordura a consumir, a EFSA não estipula nenhum valor, contudo, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), menos de 10% devem ser atribuídos à gordura saturada, 15 a 20% para a gordura monoinsaturada e 6 a 11% para a gordura polinsaturada (61). Posto isto, o azeite devido aos seus benefícios deve ser privilegiado em relação às outras gorduras, não necessitando as restantes de ser negligenciadas, desde que não sejam ultrapassados os valores recomendados pela EFSA, uma vez que contribuem para uma maior variabilidade dentro deste grupo.
Relativamente às ervas aromáticas, estas são muitas vezes encaradas como substitutos da utilização do sal, por potenciarem os sabores dos pratos, atribuindo-lhes mais cor e aromas. Esta substituição traz vantagens para a saúde, sobretudo se contribuir para alcançar as as recomendações da OMS de um consumo máximo de 5 g/dia de sal (62). Além disso, é ainda possível considerar a valorização nutricional das ervas aromáticas em vitaminas como a A, a C e do complexo B, em compostos voláteis e substâncias fitoquímicas (63). Assim sendo, é de ressalvar que a PDM aconselha a sua utilização diária, o que não se verifica na RAM, onde a menção às ervas aromáticas apenas aparece nas mensagens acessórias como sugestão de substituto do sal. Neste contexto, face aos benefícios apresentados o consumo diário de ervas aromáticas deve ser promovido.
Apesar das diferenças nas recomendações nestes grupos alimentares, na generalidade verifica-se uma aproximação entre a RAM e a PDM, uma vez que os alimentos mediterrânicos mais destacados estão de acordo com o padrão alimentar português. Assim, os alimentos que se destacam para cada um dos grupos são: Óleos e Gorduras (predomina o consumo de azeite e azeitona); Carne, Pescado e Ovos (salienta-se o consumo sobretudo de peixe, em especial sardinha, carapau, atum, cavala, pescada e sarda); Hortícolas (menciona a cebola, o alho, a couve galega, os grelos, o tomate, o pimento, o pepino e as beldroegas); Fruta (predomina melão, figo, ameixa, citrinos, nêspera, romã, melancia, pêssego, maçã, pera, cerejas e uva); Cereais e Tubérculos (em especial batata doce, castanha, massa e arroz integrais, flocos de aveia e broa).
Paralelamente, constatou-se que quanto ao nível de comparação III, 3,7% dos parâmetros (Tabela 2) só aparecem indicados na RAM, nomeadamente a menção às porções equivalentes, o que facilita a realização de uma alimentação variada, baseada nas quantidades recomendadas (17). A PDM não refere o parâmetro das porções equivalentes, uma vez que menciona apenas as frequências de consumo (semanalmente, diariamente e a cada refeição principal), não fazendo sequer referência à quantificação das porções recomendadas (33,64).
Assume-se como uma limitação deste trabalho o facto de se considerar que as porções alimentares recomendadas por ambos os guias são semelhantes em termos de quantidades. A PDM não apresenta informação sobre este aspeto, o que não permite uma comparação fiel, podendo condicionar erros associados a uma comparação abusiva. Além disso, a RAM recomenda porções dirigidas a grupos etários e níveis de atividade física diferentes, o que incrementa a limitação da comparação, visto que a PDM apenas se destina à população adulta, sem fazer destrinça de recomendações por níveis de atividade física.
Por fim, para o nível de comparação IV, 18,5% dos parâmetros analisados (Tabela 2) apenas surgem mencionados na PDM, como o exemplo das sementes, em que a PDM aconselha o consumo diário entre 1 a 2 porções. Estes alimentos podem contribuir para um enriquecimento nutricional das ementas (65, 66), nomeadamente devido ao seu teor de fibra e lípidos com predominância de ácidos gordos polinsaturados. Desta forma, a inclusão na alimentação dos portugueses de sementes, como as de girassol ou abóbora, produzidas em Portugal, poderia ser promovida.
Relativamente ao sal, a PDM refere a necessidade de se reduzir a sua adição, contrariamente à RAM, que não o faz de forma explícita na representação gráfica do guia, embora faça referência ao assunto nos documentos acessórios à representação. Uma vez que os últimos dados relativos ao consumo de sal referem que os portugueses consomem, em média, 7,3 g de sal por dia, seria importante reforçar e promover uma menor utilização do mesmo (67, 68). Quanto ao açúcar e produtos açucarados, a OMS tem frequentemente enfocado as recomendações para a redução do consumo de açúcar, para menos de 10% do valor energético total, uma vez que se estima ser elevado e comprovadamente prejudicial à saúde (69, 70). A PDM possui a recomendação de consumo dos produtos açucarados no topo da Pirâmide, com uma frequência de consumo semanal e inferior ou igual a 2 porções. Este tipo de recomendação pode simultaneamente apresentar uma vantagem e uma desvantagem. Se por um lado a indicação de porções e frequência de consumo pode auxiliar na limitação de consumo, por fixar um valor, por outro lado a colocação dos produtos açucarados no topo da Pirâmide pode ser um fator confundidor, devido ao facto de se poder associar o topo da representação gráfica a alimentos mais importantes (71, 72). A RAM apenas apresenta informação sobre o assunto em documentos acessórios à representação e não no modelo gráfico genérico.
Deste modo, é percetível que estes dois guias possuem diversas concordâncias entre si, sendo poucas as diferenças ao nível das recomendações alimentares e informações adicionais. A diferença mais evidente nestes dois guias trata-se da sua representação gráfica. A pirâmide alimentar consiste numa representação bastante comum, não só utilizada pela PDM, mas também por países como Áustria, Finlândia, Grécia, Espanha, entre outros (73). A pirâmide é uma estrutura gráfica que conduz a uma interpretação com uma orientação de cima para baixo, o que motiva uma associação hierárquica dos alimentos ou informações alimentares presentes. Os alimentos situados nas divisões mais estreitas podem erradamente ser considerados mais importantes que os alimentos localizados nas divisões inferiores (71, 72). A forma circular tem vindo a ser cada vez mais adotada. Refira-se o facto de historicamente determinados países terem guias alimentares em formato de pirâmide e terem atualizado para o formato de roda/prato. Veja-se o caso dos Estados Unidos que utilizou durante anos um guia em formato de pirâmide e que atualmente adota um formato de prato (1). Um formato circular apresenta a vantagem de não hierarquizar os alimentos, uma vez que lhes atribui igual importância. Esta representação divide-se em várias fatias de tamanhos distintos, simbolizando quais os grupos alimentares que devem ser consumidos em maiores e menores quantidades e agrupando os alimentos com propriedades nutricionais similares (17, 74).
É ainda de ressalvar que a RAM apresenta mensagens específicas relativas ao consumo moderado de vinho às refeições, exceto por crianças, grávidas e aleitantes, e o incentivo ao consumo de frutos secos oleaginosos. A razão pela qual os anteriores não surgem comtemplados em grupos alimentares pertencentes à representação gráfica é por não se desejar que o seu consumo seja feito diariamente, tal como se pretende para os grupos alimentares incluídos na RAM. Juntamente com estas recomendações é visível o incentivo à prática de atividade física e o aumento do tempo despendido em atividades de lazer; a utilização de ervas aromáticas em substituição ao sal; a promoção de técnicas culinárias saudáveis e tradicionais no quotidiano; a adoção de um estilo de vida fomentador de práticas sustentáveis, com respeito à sazonalidade e proveniência dos alimentos; o convívio e partilha no momento das refeições (33).
Ao longo dos tempos tem sido observado um gradual afastamento da prática da alimentação mediterrânica por parte dos países da região do Mediterrâneo (65, 75). As possíveis causas deste acontecimento podem centrar-se na globalização e no desenvolvimento económico, que contribuem para uma maior partilha de culturas de outros povos que influenciam o consumo alimentar tradicional (65, 76, 77). Neste sentido, é importante promover este padrão alimentar de forma a serem recuperados os seus princípios e a sua aplicação por parte da população. Neste campo, um guia alimentar adaptado à nossa população, que incorpore indicações deste padrão, representa uma mais-valia no âmbito da educação alimentar. Nos manuais escolares, os conteúdos programáticos incluem temáticas relativas à alimentação, sendo disponibilizada informação sobre a RA e a PDM, o que pode potenciar alguma confusão e dificultar a comparação entre os guias, sobretudo se o enfoque não for feito na RAM e for efetuado na PDM. Será importante que a informação seja clara e concisa, dando-se destaque ao guia alimentar português. Seria igualmente fundamental que na próxima revisão curricular seja incluida nos manuais escolares informação sobre a RAM, de forma a complementar a informação veiculada pela RA, promovendo-se, assim, a DM, adaptada à realidade portuguesa.
CONCLUSÕES
A RAM e a PDM constituem ferramentas que permitem boas formas de promover uma alimentação saudável, visto que ambos os guias se baseiam em recomendações alimentares suportadas pela evidência científica.
Face aos pontos comuns a RAM é mais específica para a população portuguesa, porque foi elaborada com base na realidade e necessidades dos portugueses. Além disso, foi construída com base nos dados de disponibilidade alimentar nacionais, incluindo ainda informações mais esclarecedoras acerca das porções, quanto à sua quantificação. É também de ressalvar a sua forma circular, uma vez que permite uma interpretação mais fácil e imediata da informação a transmitir à população.
Dada toda a nossa tradição alimentar, seria pertinente incluir na RAM, uma menção relativamente à importância de um baixo consumo de carnes processadas. Quanto ao total de sal ingerido, a RAM deveria conter uma recomendação alusiva ao limite máximo de consumo. Considera-se ainda que à semelhança da indicação para a prática de atividade física, deveria existir uma para o descanso, nomeadamente focada nas horas de sono, dado este ser importante para a manutenção de um bom estado de saúde, não só física mas também psicológica.
A adaptação da RA para a RAM permitiu uma maior aproximação do guia alimentar português aos princípios da DM, o que veio enriquecer o guia e fortalecer esta ferramenta de educação alimentar. Desta forma, os profissionais de saúde, em concreto os nutricionistas, têm agora à sua disposição uma ferramenta mais completa e de fácil inclusão nas suas ações de promoção de saúde junto dos portugueses, esperando--se que possa também ser incluída nos manuais escolares, de forma a potenciar um ensino uniforme e consertado sobre alimentação saudável, baseada nos princípios da DM.
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Helena Real
Associação Portuguesa de Nutrição,
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Recebido a 2 de janeiro de 2017
Aceite a 31 de dezembro de 2017