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Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.11 Porto dez. 2017

 

ARTIGO DE REVISÃO

Nutrição e Alimentação na prevenção e terapêutica da Demência

Diet and Nutrition in the Prevention and Treatment of Dementia

Sofia Alves Cardoso1; Isabel Paiva2*

1 Nutricionista

2Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados do ACES Porto Oriental, Rua do Vale Formoso, n.º 466, 4200-510 Porto, Portugal

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Atualmente, a demência é uma epidemia global com grande impacto social, económico e na saúde, sendo urgente aumentar o conhecimento sobre a sua prevenção e tratamento. Diversos macro e micronutrientes, alimentos e padrões alimentares têm sido estudados como potenciais fatores de risco e de proteção, e agentes no tratamento. Para além da potencial modulação dos fatores de risco vascular, os fatores nutricionais poderão ter uma ação direta na patogénese. Embora ainda não haja evidência consistente e definitiva de ensaios controlados randomizados sobre o efeito dos fatores nutricionais na demência, vários trabalhos sugerem que estratégias nutricionais podem ser custo-efetivas, seguras e fáceis de implementar. Desta forma, é necessário realizar mais investigação para esclarecer o papel da nutrição e alimentação e estabelecer recomendações preventivas e terapêuticas na demência.

PALAVRAS-CHAVE

Alimentação, Demência, Demência Vascular, Doença de Alzheimer, Nutrição, Prevenção, Tratamento

 


 

ABSTRACT

Currently, dementia is a global epidemic with great impact at social, economic and health levels. Thus, it is urgent to improve knowledge about prevention and treatment. Various macro- and micronutrients, specific foods and food patterns have been studied as potential risk and protection factors and treatment agents. Besides potential modulation of vascular risk factors, nutritional factors may have a direct action in pathogenesis. Albeit there is still no consistent and definitive evidence from randomized controlled studies about the role of nutritional factors in dementia, studies suggest nutritional strategies may be cost-effective, safe and easy to implement. Therefore, the role of nutrition and diet needs to be further investigated to clarify their role and to draw preventive and therapeutic recommendations.

KEYWORDS

Diet, Dementia, Vascular Dementia, Alzheimer’s Disease, Nutrition, Prevention, Treatment

 


 

INTRODUÇÃO

A demência é uma síndrome que pode ser definida como uma deterioração adquirida das capacidades cognitivas, que compromete a performance das atividades de vida diária (1). A maioria dos casos é de natureza crónica e progressiva e surge após os 65 anos de idade (2, 3).

Os tipos de demência mais comuns são a Doença de Alzheimer (DA) e a Demência Vascular, podendo ser coexistentes (4). Os marcadores neuropatológicos da DA são os novelos neurofibrilares e as placas neuríticas resultantes de agregados de proteína beta-amiloide (Aβ), que levam à morte neuronal (5). A Demência Vascular deve-se à insuficiência cerebrovascular (6).

Atualmente, a prevalência mundial é de 47 milhões de pessoas e deverá triplicar até 2050, sendo considerada uma epidemia global (7). Em 2012 a demência afetava 1,7% da população portuguesa (8). O presente cenário tem impacto a nível social, económico e da saúde, acarretando custos que tenderão a agravar-se (9).

O atual tratamento farmacológico da demência é sintomático (10) e apesar de as causas exatas não estarem esclarecidas, sabe-se que fatores genéticos e ambientais intervêm na etiologia e evolução (5, 6).

Para fazer face a este desafio de saúde pública, é urgente ampliar o conhecimento sobre os fatores ambientais influentes e estratégias preventivas (5, 6). Fatores de risco modificáveis que englobam os estilos de vida, como a alimentação e a atividade física, e fatores de risco vascular têm sido alvo de investigação (6). A prevenção deve focar-se na modulação destes fatores, nomeadamente nos de risco vascular (6, 11).

Diversos estudos sugerem que os fatores nutricionais, incluindo micro e macronutrientes, alimentos, bebidas e padrões alimentares, podem modificar o risco e atrasar a ocorrência de demência (12-14). Por outro lado, também têm sido estudados no âmbito do tratamento, quer no atraso da progressão da demência, de declínio e de comprometimento cognitivo, quer na melhoria da função cognitiva e dos sintomas (15-17). O presente artigo pretende analisar o papel da nutrição e alimentação na prevenção e na terapêutica da demência, através da revisão da literatura existente, focando os principais fatores nutricionais investigados e os possíveis mecanismos subjacentes.

Fatores de risco vascular

Os fatores de risco vascular incluem lesões cerebrovasculares, doenças cardiovasculares (CV), diabetes Mellitus tipo 2, hipercolesterolemia e hipertensão arterial na meia-idade (16, 17). Em geral, a presença destes fatores duplica o risco de desenvolver demência (16). Alguns autores incluem ainda a hiperhomocisteinémia e a obesidade na meia-idade (16-18). A definição de “meia-idade” dos estudos é variável, mas a maioria refere idades entre os 35 e os 65 anos. Os fatores poderão interagir entre si e com aspetos genéticos (nomeadamente o alelo para a apolipoproteína-E ε4), aumentando o risco de demência (16). Os mecanismos subjacentes ainda são desconhecidos, mas poderão iniciar-se décadas antes da manifestação clínica (16, 19). A obesidade poderá aumentar o risco devido ao perfil inflamatório da adiposidade e ao maior risco de comorbilidades como a hipertensão arterial (16, 17). A sua possível influência é complexa e carece de mais estudos (17).

Papel da Nutrição e Alimentação

Os fatores protetores de doenças CV, como hábitos alimentares adequados, poderão estar associados a um menor risco de desenvolver DA e outras demências (20, 21). Por outro lado, sugere-se que vários nutrientes e alimentos possam agir de uma forma mais direta, interferindo na capacidade de regeneração celular e nas vias patogénicas da demência (16, 22). A sinergia entre vários nutrientes presentes nos alimentos poderá ser importante para se verificar um efeito protetor (17). Para além de nutrientes, o efeito do consumo de alguns alimentos, bebidas e outros compostos também tem sido estudado (16).

Desta forma, discutir-se-ão primeiro os nutrientes mais investigados, em segundo, alimentos, bebidas e outros compostos e, em terceiro, a sua combinação através de padrões alimentares. Por último, abordam-se formulações nutricionais que estão a ser alvo de pesquisa no tratamento da demência. A Figura 1 sumaria os potenciais fatores nutricionais protetores e de risco de demência e/ou DA, abordados com maior ênfase no presente artigo.

Antioxidantes

As vitaminas E e C, o selénio e os flavonoides protegem de danos oxidativos que podem surgir como causa e/ou consequência da demência (17, 23). Vários estudos mostram que estes fatores são potencialmente protetores na incidência de demência e que a sua obtenção na alimentação poderá ser preferível à suplementação (21, 24). Apesar de não haver evidência de que a toma de vitamina E (alfa-tocoferol) melhore função cognitiva na DA, um estudo apresentou um atraso do declínio funcional (25).

Vitaminas do complexo B e Folato

A maioria das vitaminas do complexo B e o folato têm demonstrado associação com a saúde neuronal, intervindo nas suas vias metabólicas (17). Adicionalmente, o défice destas vitaminas pode levar ao aumento da homocisteína plasmática. Diversos trabalhos mostram uma associação entre a ingestão de vitaminas do complexo B e um menor risco de demência; e que altos níveis de homocisteína e baixos níveis de vitamina B12 se associam a um maior risco de DA (17, 26). Tal como para os antioxidantes, o seu papel no tratamento tem sido pouco estudado e com resultados conflituosos (15, 27). Uma meta-análise verificou efeitos moderados da suplementação de vitaminas do complexo B na melhoria da memória em casos de comprometimento cognitivo, mas não de DA (28). A sua toma foi ainda associada a uma redução da homocisteína (29). A suplementação em ácido fólico (com ou sem vitamina B12) não estabilizou nem atrasou o declínio em doentes com DA (28). Não obstante, mais estudos são necessários nesta área (28).

Vitamina D

A vitamina D pode ser importante na proteção de doenças CV e na neuroproteção (30). Baixos níveis ou défice de vitamina D têm sido associados a doenças cerebrovasculares e a um maior risco de demência (31). Os mecanismos subjacentes podem envolver as vias da proteína Aβ, vasculares, metabólicas, anti-inflamatórias e antioxidantes (32). O défice desta vitamina é comum e pode agravar a DA, sendo importante garantir níveis adequados (6).

Ácidos Gordos

Os ácidos gordos ómega 3 (AGn-3) diminuem os níveis de colesterol sérico e inflamação sistémica e inibem a agregação plaquetária (26), e podem estar envolvidos nas vias vasculares, inflamatórias e amiloides da DA e da Demência Vascular (17). Diversos estudos observacionais sugerem um papel protetor dos AGn-3 na prevenção da demência. Suplementos de óleo de peixe, ácido docosahexaenóico (DHA) e ácido eicosapentaenóico (EPA) têm sido investigados, mas ainda não é claro qual a melhor fonte ou combinação (16, 17, 26). Relativamente ao tratamento, apesar de algumas intervenções com suplementos terem verificado melhorias cognitivas em doentes com DA ou declínio cognitivo, comparando com o placebo (26), uma revisão não encontrou efeito benéfico em indivíduos com DA ligeira ou moderada (33). Quanto aos AG saturados, existe uma associação positiva entre a sua ingestão e o risco de demência e de DA (34, 35). Num estudo, indivíduos com um rácio superior entre a ingestão de AG polinsaturados e AG saturados, apresentaram uma redução de 70% no risco de desenvolver DA (34). No entanto, um rácio superior de AGn-6:AGn-3 associa-se a um maior risco de demência (36).

Peixe

Alguns estudos revelam uma associação entre o consumo de peixes gordos e de óleo de peixe e um menor risco de demência e/ou DA (26). Huang et al (2005) verificaram que uma ingestão de peixe gordo superior a 2 vezes/semana estava associada a uma redução de risco de demência e de DA em 28% e em 41%, respetivamente, comparando com ingestão inferior a 1 vez/mês (37). Enquanto os estilos de vida saudáveis e a escolaridade são possíveis confundidores desta associação, a presença do alelo da apolipoproteína-E ε4 e uma ingestão elevada de AGn-6 podem contribuir para a ausência da associação (17, 26).

Hortofrutícolas

O consumo de hortofrutícolas tem sido associado a um menor risco de demência e DA, e o consumo de hortícolas tem sido associado a um abrandamento do declínio cognitivo (32, 38).

Bebidas com cafeína (café e chá)

Os potenciais efeitos protetores de bebidas com cafeína, especialmente café, também têm sido investigados (16, 32, 39). Uma meta-análise indicou um possível efeito protetor da ingestão de cafeína, através de café e/ou chá, na demência, DA ou no declínio cognitivo (39). A cafeína poderá intervir na neurodegeneração através da diminuição da produção de proteína Aβ, do poder anti-inflamatório e antioxidante e da antagonização do recetor A2 da adenosina (40).

Bebidas alcoólicas

A ingestão baixa a moderada de bebidas alcoólicas, sobretudo de vinho, tem sido indicada como protetora do declínio cognitivo e de demência, em alguns trabalhos, mas a sua interpretação deve ser cautelosa (16, 41, 42). Embora seja difícil estabelecer uma dose que conduza a estes benefícios (43), sugere-se uma curva em U ou em J para representar a relação entre a quantidade ingerida e o risco de demência (5, 6). O mecanismo ainda é desconhecido, mas verifica-se que a ingestão moderada auxilia a reduzir o risco de eventos CV e poderá estimular a acetilcolina no hipocampus (6, 44). Os efeitos do vinho tinto na redução do risco de DA poderão dever-se ao etanol e/ou aos polifenóis, que diminuem a formação de placa neurítica e protegem contra a neurotoxicidade da proteína Aβ (32, 43). Inversamente, a ingestão excessiva de bebidas alcoólicas é prejudicial à saúde, aumentando o risco de demência (16, 45). A sua recomendação a abstémios não tem justificação científica e indivíduos que possuem o hábito de consumir estas bebidas, não devem ultrapassar os limites da ingestão moderada (mulheres: 1 porção/dia e homens: 2 porções/dia) (46). Devido aos seus riscos devem realizar-se mais estudos (41).

Compostos naturais e outros alimentos

A huperzina A e a Ginkgo biloba têm demonstrado resultados positivos em alguns estudos em animais e/ou humanos na prevenção ou progressão da demência e melhorias cognitivas (16, 47). Uma meta-análise concluiu que a toma de 240 mg/dia de extrato de Ginkgo biloba estabilizou ou abrandou o declínio na cognição e no comportamento, em casos de comprometimento cognitivo e de demência (48). Para desenvolver recomendações, é necessário obter evidência consistente de benefícios e segurança assim como acautelar interações com fármacos (16, 26, 49).

Padrões alimentares

Diversos trabalhos têm investigado o efeito de padrões alimentares no declínio cognitivo e demência (17, 22). Como possíveis protetores, destacam-se a Dieta Mediterrânica (DiMe) (22) e a dieta MIND (Mediterranean-DASH Intervention for Neurodegenerative Delay), uma combinação da DiMe e da DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension) (50). Estudos epidemiológicos mostram evidência moderada relativa a uma associação entre a adesão à DiMe e um menor risco de demência, assim como a uma potencial diminuição do risco de progressão de síndromes pré-demenciais (17, 51). Uma revisão sistemática de 2013 verificou que em nove dos doze estudos, uma maior adesão à DiMe se associou a uma melhor função cognitiva, menor taxa de declínio cognitivo e um risco reduzido de DA (52). Um estudo experimental testou esta associação, comparando o efeito da intervenção da DiMe suplementada com azeite virgem extra ou oleaginosas, com uma dieta controlo baixa em gordura. Após 6,5 anos, os grupos de intervenção possuíam melhor função cognitiva que o grupo de controlo (53), resultados semelhantes a outra investigação similar (54).

Os benefícios da DiMe têm sido atribuídos aos alimentos e aos micro e macronutrientes característicos, em particular aos AG poli- e monoinsaturados (predominantes no azeite) (51, 55). A redução do risco de doenças CV, o aumento de neurotrofinas e/ou ações anti-inflamatórias, poderão explicar os seus efeitos benéficos (17).

A dieta ocidental, caracterizada por uma elevada ingestão de AG saturados, colesterol e açúcares refinados e uma reduzida ingestão de AG polinsaturados, foi associada a um maior risco de demência e de declínio cognitivo (16, 26).

Formulações nutricionais na progressão da demência

Sob investigação existem algumas formulações de nutrientes com objetivo de melhorar sintomas da DA e cuja toma deve supervisionada medicamente (medical foods) (16, 26, 56). Um dos suplementos é Fortasyn Connect,® composto por substratos e nutrientes antioxidantes com ação na integridade neuronal, incluindo uridina monofosfato, colina, EPA, DHA, fosfolípidos, vitaminas C, E, B6 e B12, selénio e ácido fólico (57). Em alguns estudos, indivíduos em fases precoces de DA, apresentaram melhorias no metabolismo fosfolipídico (58) e nos testes de memória após a sua toma (59, 60), o que não se verificou em fases mais avançadas (61). Porém, o estabelecimento da sua eficácia e de recomendações só será possível com a realização de mais estudos, particularmente estudos independentes (58, 62).

ANÁLISE CRÍTICA E CONCLUSÕES

Vários estudos, sobretudo epidemiológicos, mostram um papel promissor da nutrição e alimentação na demência, apesar de haver resultados discrepantes (26). À exceção da DiMe, ainda não há evidência consistente e clara de um papel protetor dos fatores nutricionais aqui abordados, sendo necessário mais investigação (17, 63). Embora ainda não existam ensaios controlados randomizados que confirmem definitivamente o papel dos nutrientes e dos alimentos, é necessário atender à dificuldade da sua execução e adequação neste âmbito (63). As limitações metodológicas e o reduzido número de investigações contribuem para o desafio de estabelecer recomendações e estratégias preventivas (63). Não obstante, determinados autores advogam que podem ser feitas recomendações nutricionais e alimentares cautelosas, nomeadamente as que diminuem o risco CV, como a adesão à DiMe, pois parecem não acarretar efeitos adversos (26, 64, 65).

Como forma de reduzir o risco de demência, pode recomendar-se o tratamento/controlo dos fatores de risco vascular (17).

Os défices nutricionais devem ser tratados, sugerindo-se que intervenção nutricional na demência seja particularmente benéfica nestes casos (17, 64).

Atualmente, em idosos, existe uma elevada prevalência de patologias que são fatores de risco vascular, como a hipertensão arterial (17, 66, 67). Neste grupo etário também é alta a prevalência dos défices de vitaminas do complexo B, vitamina D e antioxidantes (17, 66, 67). Dado o seu possível papel na demência, torna-se ainda mais pertinente assegurar um bom estado nutricional da população, prevenindo estados de défice e excesso (17, 26, 68).

Para a prevenção da demência, será igualmente importante sensibilizar a população e profissionais de saúde acerca da síndrome, fatores de risco e possíveis estratégias preventivas (68).

Desta forma, é plausível que o nutricionista possa desempenhar um papel na prevenção da demência através da intervenção no controlo, tratamento e prevenção dos fatores de risco vascular, ao longo da vida, nomeadamente a nível dos Cuidados de Saúde Primários.

As modificações nutricionais podem ser medidas-custo efetivas, fáceis de implementar e geralmente seguras, na prevenção e terapêutica da demência, e é pertinente que continuem a ser alvo de investigação, nomeadamente em ensaios de controlo randomizados.

 

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Endereço para correspondência

Isabel Paiva

Rua Barão Nova Sintra, n.º 244, 4300-365 Porto, Portugal

ialexspaiva@gmail.com

 

Recebido a 21 de março de 2017

Aceite a 30 de novembro de 2017

 

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