Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Acta Portuguesa de Nutrição
versão On-line ISSN 2183-5985
Acta Port Nutr no.14 Porto set. 2018
https://doi.org/10.21011/apn.2018.1403
ARTIGO DE REVISÃO
Alimentação vegetariana nos primeiros anos de vida: considerações e orientações
Vegetarian diets in the first years of life: considerations and orientations
Daniela Pimentel1*; Inês Tomada1-3; Carla Rêgo1,2,4,5
1Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, Rua Arquiteto Lobão Vital, 4200-374 Porto, Portugal
2Centro da Criança e do Adolescente, Hospital CUF Porto, Est. Circunvalação, n.º 14341, 4100-180 Porto, Portugal
3Centro de Biotecnologia e Química Fina (CBQF) da Universidade Católica Portuguesa, Rua Arquiteto Lobão Vital, 4200-374 Porto, Portugal
4Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS), Rua Dr. Plácido da Costa, 4200-450 Porto, Portugal
5Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Rua Dr. Plácido da Costa, 4200-450 Porto, Portugal
Endereço para correspondência
RESUMO
As dietas vegetarianas e, em particular, a sua versão mais estrita, associam-se a riscos aumentados de défices energéticos e nutricionais em qualquer fase da vida. Se não forem bem planeadas, são dietas inadequadas para lactentes, uma vez que poderão comprometer de uma forma mais ou menos irreversível o seu crescimento, desenvolvimento e maturação. É, pois, determinante conhecer as recomendações, de forma a adequar estes regimes alimentares às particularidades dos primeiros anos de vida, idade em que ocorre a diversificação alimentar, o treino do paladar, das texturas e finalmente a iniciação da dieta familiar.
Tendo em conta as recomendações sobre diversificação alimentar emanadas pelas sociedades pediátricas bem como o conhecimento existente sobre os alimentos que integram as dietas vegetarianas, os autores alertam para as particularidades destas últimas quando praticadas pelas lactantes e pelos lactentes, e propõem um esquema de diversificação alimentar, num contexto de vegetarianismo.
PALAVRAS-CHAVE
Dieta vegetariana, Nutrição da criança, Nutrição do lactente
ABSTRACT
Vegetarian diets, and particularly their stricter version, are associated with increased risks of energy and nutritional deficits at any stage of life. If not well planned, they are inadequate diets for infants, since they can compromise their growth, development, and ripeness. It is determinant to know the suitable recommendations in order to adequate these diets in the first years of life, particularly the proper age to introduce certain types of foods in the diet of infant and child, the taste training, textures, and the family diet.
Taking into account the recommendations on food diversification issued by pediatric societies as well as existing knowledge on foods that are part of vegetarian diets, the authors warn to the particularities of these last when practiced by nursing mothers and the infants, and propose a scheme of food diversification, in a context of vegetarianism.
KEYWORDS
Vegetarian diet, Child nutrition, Infant nutrition
INTRODUÇÃO
A adoção de um padrão alimentar vegetariano tem vindo a aumentar na Europa, associado a questões de saúde, religiosas, éticas ou ambientais, não só entre a população adulta, mas também entre crianças e adolescentes (1).
De uma forma geral, e por comparação a uma alimentação omnívora, saudável e equilibrada, as dietas vegetarianas fornecem maior teor em glícidos, fibra, ácidos gordos polinsaturados (AGPI) ómega-6, carotenóides, ácido fólico, vitamina C e E, e magnésio (2). No entanto, é de salientar o risco de défice energético e em nutrientes, nomeadamente proteínas (particularmente em termos de aminoácidos essenciais), AGPI ómega-3, vitaminas A (retinol), B2 (riboflavina), B12 (cobalamina) e D (calciferol), e minerais como ferro, zinco, cálcio e iodo (2, 3, 4).
A European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition (ESPGHAN), a American Dietetic Association (ADA), a Academy of Nutrition and Dietetics (AND) e a American Academyof Pediatrics (AAP) assumem que a implementação de um regime alimentar vegetariano bem planeado, mesmo na diversificação alimentar, é passível de satisfazer as necessidades nutricionais dos lactentes e permitir o seu normal desenvolvimento estato-ponderal e cognitivo (1, 4, 5, 6), embora exista pouca informação relativa à introdução de novos alimentos neste regime alimentar. A ESPGHAN alerta, no entanto, que a dieta vegana nos primeiros anos de vida só é segura mediante supervisão médica e adequada orientação nutricional (5).
O vegetarianismo caracteriza-se pelo elevado teor em hortofrutícolas, leguminosas, tubérculos e cereais integrais, podendo ser mais ou menos restritivo, em função do tipo de alimentos permitidos (Tabela 1) (3, 4, 7, 8).
Tendo em consideração o importante papel dos profissionais de saúde na orientação dos pais e/ou cuidadores no que reporta à diversificação alimentar bem como à introdução na dieta familiar, pretende-se, com a presente revisão, a compilação de informações válidas e cientificamente fundamentadas que permitam orientar a diversificação alimentar do lactente no contexto de uma alimentação vegetariana.
Orientações nutricionais para lactentes vegetarianos ou semivegetarianos
Quando se inicia a alimentação complementar é necessário ter em conta a maturidade neuromotora, gastrointestinal e renal do lactente, bem como o adequado suprimento em energia e em macro e micronutrientes (Tabela 2) (5, 9, 10).
Considerando estes pressupostos, bem como as recomendações clássicas da diversificação alimentar (5), sugerem-se de seguida linhas orientadoras relativas à introdução de novos alimentos na alimentação de um lactente de termo, saudável, vegetariano ou semivegetariano.
- Alimentação até aos 6 meses de vida
A World Health Organization (WHO) e a ESPGHAN recomendam o aleitamento materno em exclusivo até o mais próximo possível dos 6 meses, tendo por base, entre outras, a segurança nutricional, estando comprovadas vantagens para a saúde do lactente, nomeadamente a redução de episódios infeciosos (3, 5, 11). O leite de uma lactante bem nutrida, oferecido em exclusivo, permite satisfazer as necessidades nutricionais do lactente até ao início da diversificação alimentar, devendo ser mantido pelo menos até aos 12 meses, em associação com a ingestão apropriada de outros alimentos, com texturas progressivamente mais sólidas (5, 6, 12). No caso da lactante vegetariana, esta deverá garantir um aporte adequado de nutrientes através da alimentação ou de suplementos nutricionais (videSuplementação) (13, 14, 15).
Na ausência de leite materno ou quando este não é suficiente para suprir as necessidades energéticas e nutricionais do lactente, deverá ser introduzida uma fórmula infantil (FI), estando disponíveis no mercado português diversas FI standard e especiais, cuja recomendação deve ser criteriosamente cumprida (4, 13). Para os lactentes saudáveis, cujos pais/cuidadores decidam adotar um padrão vegano, podem ser recomendadas FI com proteína de soja ou com proteína de arroz, cuja administração pode ser feita desde o nascimento (3, 16, 17). Embora se desconheçam as repercussões a médio/longo prazo no crescimento somático e na maturação biológica dos lactentes alimentados com FI à base de proteína vegetal, importa ter em consideração a presença de fitatos, alumínio e fitoestrogénios nas preparações com proteína de soja e a possibilidade de contaminação por arsénio inorgânico naquelas à base de arroz (5, 18). A deteção de elevadas concentrações de arsénio inorgânico em bebidas de arroz utilizadas por lactentes e crianças levou à obrigatoriedade da declaração do seu teor nas FI bem como à consideração dos potenciais riscos associados à sua utilização (19). No que refere aos fitoestrogénios, estes são compostos com ações hormonais e não hormonais, desconhecendo-se ainda os efeitos a longo prazo da sua exposição precoce (3, 8). Já as FI à base de arroz apresentam um aminoacidograma semelhante ao leite humano, não registam atividade estrogénica e têm baixa concentração de fitatos (17, 20).
- Período de diversificação alimentar
No contexto europeu e considerando um lactente saudável, a diversificação alimentar, ou seja, a introdução na dieta do lactente de alimentos para além do leite materno ou FI, poderá ocorrer entre as 17 e as 26 semanas, idealmente entre o 5.º e o 6.º mês de vida (5). Efetivamente, tendo em conta o padrão de crescimento, o desenvolvimento neuromotor e a progressiva maturação digestiva e renal, uma alimentação exclusivamente com leite materno ou com FI, independentemente da sua fonte proteica, torna-se insuficiente para suprir as necessidades nutricionais do lactente a partir dos 6 meses de vida (3, 5). A introdução progressiva de outros alimentos decorrerá, pois, desde então e até à integração na dieta familiar, que deverá ocorrer cerca dos 12 meses (3, 5).
Importa antes de mais salvaguardar que na alimentação durante o primeiro ano de vida está totalmente proscrita a adição de açúcar ou sal (3, 5, 21). Os alimentos devem possuir intrinsecamente um baixo teor nestes dois compostos, não devem ser oferecidos chás ou sumos de fruta, nem devem ser utilizadas bebidas vegetais em substituição da FI (3, 5, 21). De acordo com a ESPGHAN, a única bebida que deverá ser oferecida ao lactente, incluindo o vegetariano, é a água, várias vezes ao dia (5).
De forma a promover o treino precoce do paladar e texturas, tendo em conta hábitos culturais e experiências individuais, os primeiros alimentos a serem introduzidos na diversificação alimentar podem ser os hortícolas (preparados em creme) ou a papa de cereais (3). Na realidade portuguesa, os hortícolas mais utilizados para a iniciação de preparações em creme são o xuxu ou a curgete, a cenoura ou a abóbora, a cebola ou o alho-francês, a alface, os brócolos e o feijão-verde, para além da batata/batata-doce, agrupados em 4 ou 5 (3). Em cada dose deve ser adicionado azeite cru (5-7 mL), garantindo o aporte de 35-40% do valor energético total (VET) em gordura de elevada qualidade para a estruturação das membranas celulares e para a maturação do sistema nervoso central e da retina (3, 5). Hortícolas como o espinafre, o nabo, a nabiça, a beterraba e o aipo, devido ao seu elevado teor em nitratos e fitatos, devem ser introduzidos prudentemente antes dos 12 meses (3).
A oferta das farinhas de cereais pode ser a primeira opção na diversificação alimentar, ou poderá ocorrer 2 a 3 dias após a introdução do creme de hortícolas (3). As novas recomendações acerca da introdução do glúten, entre os 4 e os 12 meses, permitem a utilização desde cedo de farinhas com misturas de cereais, sempre em pequenas quantidades nas primeiras semanas (3, 5). As papas caseiras de cereais em alternativa às farinhas comerciais, implicam uma cozedura em água e a sua posterior reconstituição com leite materno ou FI, em cru e sem adição de sal nem açúcar (5). Podem conter quinoa, millet, bulgur, trigo-sarraceno e aveia, para além dos cereais tradicionais (Tabela 3)(22). Deve existir o cuidado de lavar, demolhar e cozer bem estes cereais, para maior tolerância digestiva (23). Importa, no entanto, alertar para o facto de as papas caseiras não apresentarem adequação nem segurança nutricional, tal como algumas papas designadas “biológicas” para reconstituir com água ou com o leite do lactente vendidas em superfícies comerciais não serem enriquecidas em vitaminas e minerais, nomeadamente ferro (24, 25).
A introdução das frutas poderá ser feita 2 a 3 dias após o início da papa de cereais (3). Devem constituir uma sobremesa e nunca uma refeição, pois o volume exigido para suprir as necessidades energéticas de uma refeição implicaria o aporte de um elevado teor em fibra e açúcares simples, incompatível com a tolerância digestiva nestas idades (3). Para promover o treino do paladar e das texturas, deve ser oferecido apenas um fruto de cada vez e não um puré de vários frutos (3). Deve ser sempre privilegiada a fruta fresca da época e o seu consumo ao natural, sendo a maçã e a pera (cruas, assadas ou cozidas) e a banana (na forma de puré), os frutos que culturalmente se introduzem primeiro (3). As recomendações atuais indicam que todos os frutos podem ser oferecidos a partir dos 6-7 meses de idade, inclusive os frutos considerados potencialmente alergénios (kiwi, morango e maracujá) (3, 5). Os frutos ricos em vitamina C deverão ser consumidos na mesma refeição em que são ingeridos alimentos fornecedores de ferro uma vez que esta vitamina promove a absorção deste mineral (3).
A partir do início da diversificação alimentar torna-se necessária a substituição progressiva da proteína proveniente do leite materno ou da FI por outra proteína de origem animal e/ou vegetal (6). A partir dos 6 meses pode ser introduzido na sopa, como fonte de proteína vegetal, o tofu, numa dose máxima de 30 g/dia (Tabela 3) (23). Deve ser utilizado de preferência o tofu fresco e natural (sem sabor), evitando as versões mais processadas (como os fumados, em frasco ou com sabores), uma vez que apresentam maiores teores de aditivos e de sal (6, 24, 26). Podem ser oferecidos ao lactente numa única refeição principal (almoço) ou em dose dividida por duas refeições (almoço e jantar) (6, 24, 26). A partir do 7.º mês, o tofu pode ser adicionado a preparações culinárias como a farinha de pau, a açorda, a massa, o arroz, a quinoa, o millet, o bulgur, entre outros cereais, acompanhado de legumes e hortaliças (Tabela 3) (3, 23). A textura dos alimentos deverá ser progressivamente de consistência menos homogénea (3). Entre os 7 e os 8 meses devem ser introduzidas as leguminosas (Tabela 3), pela sua riqueza em minerais e fibras e pela sua fonte proteica (8-16 g/100 g) e de hidratos de carbono complexos (30-54 g/100 g) (6, 26). Deve-se optar pelas leguminosas de mais fácil digestão, devendo ser previamente bem demolhadas, oferecidas sem casca ou na sua forma germinada, e em pequenas doses, tais como as lentilhas sem casca, o feijão azuki, o feijão frade, branco ou preto (3). Progressivamente poderão ser introduzidas as restantes leguminosas, como a soja, na sopa ou no prato, sob a forma de puré (3). Aos 8 meses pode ser introduzida a gema de ovo nos lactentes ovovegetarianos, de forma lenta e gradual, na sopa ou no prato principal, em substituição das fontes proteicas vegetais, até um máximo de 3-4 gemas por semana (3). Já a clara de ovo pode ser iniciada a partir dos 9 meses de idade, independentemente da positividade de história individual de atopia (5).
Atualmente, estão disponíveis no mercado novos produtos alimentares de elevada concentração proteica, como é o caso da proteína de ervilha, proteína de cânhamo, levedura de cerveja, gérmen de trigo e linhaça moída (Tabela 3). É também a partir dos 8 meses que pode ser introduzida a proteína de cânhamo (máximo 1 colher de café por refeição) e o gérmen de trigo ou a levedura de cerveja (máximo 1 colher de café por refeição aos 8 meses e 1 colher de sobremesa aos 9 meses) para enriquecer sopas, papas ou batidos (Tabela 3) (27, 28). Devido ao elevado teor proteico da proteína de cânhamo (46 g de proteína por 100 g de produto) não deve ser excedida a dose acima indicada bem como, e no que reporta à proteína de ervilha, importa alertar para o facto de esta também ser um alimento com elevado teor proteico (78 g de proteína por 100 g de produto) e que contém elevado teor de sal (3 g por 100 g de produto), pelo que deve ser criteriosamente utilizada no 1.º ano de vida (27).
Os frutos oleaginosos (noz, amêndoa, avelã, caju, pinhão, pistácio), o amendoim, o coco e as sementes (abóbora, girassol, linhaça e chia) (Tabela 3), naturais e sem sal, podem ser introduzidos a partir dos 9 meses, desde que bem triturados, independentemente da existência de história de atopia familiar (5, 23, 24).
Outro alimento importante na alimentação do lactente e da criança é o iogurte (confecionado com leite) ou o preparado fermentado de soja, cuja ingestão pode ser iniciada por volta dos 8 meses, ao lanche e em substituição da FI ou da papa de cereais (Tabela 3) (29). Deve-se optar por um iogurte ou preparado fermentado de soja natural (designado yofu), sem aromas nem aditivos de nata (denominados cremosos) ou açúcar (3, 6, 26). Importa ter em atenção que a composição nutricional destes dois alimentos não é sobreponível,uma vez que o iogurte contém apenas leite e fermentos lácteos enquanto o yofu contém água, proteínas vegetais (soja, coco,amêndoa, etc) e fermentos selecionados. Alguns yofus podem conter também açúcares adicionados, espessantes, edulcorantes, entre outros, pelo que a leitura crítica da lista de ingredientes é de extrema importância.
No que reporta às algas, não existem estudos de segurança nutricional que suportem a sua introdução na alimentação do lactente, sendo, no entanto, uma prática corrente. Reconhecidas como um importante alimento em termos nutricionais pelo seu elevado teor em proteína, fibra e minerais (Tabela 3) (30), as algas podem ser introduzidas em pequenas quantidades a partir do 9.º mês, como complemento da sopa e até um máximo de 3-4 vezes por semana (12, 24). Devem ser privilegiadas as algas com baixo teor em iodo e sódio, como a nori, wakame e arame, não sendo recomendado o consumo da alga hijiki na infância pois esta contém uma quantidade significativa de arsénio (1, 31). Embora as algas spirulina ou chlorella sejam referenciadas como fontes de vitamina B12, estas contêm cianocobalamina, um análogo inativo desta vitamina, sem qualquer função biológica (4, 12).
O tempeh, produzido através da fermentação dos grãos de soja, e o seitan, produto produzido a partir do glúten de trigo, podem ser introduzidos na alimentação do lactente aos 11-12 meses, como fonte de proteína vegetal e substitutos da carne (Tabela 3) (6, 23, 27, 29, 32). Inicialmente devem ser cozidos com hortícolas, podendo progressivamente ser oferecidos em pequenos pedaços (23, 24, 29).
Finalmente importa referir que o xarope de milho e o mel não devem ser utilizados antes dos 12 meses, devido aos seus elevados teores de açúcar e do elevado risco de botulismo decorrente do consumo de mel nesta faixa etária (5, 33).
Na Figura 1 é apresentada uma proposta de introdução dos diferentes alimentos numa dieta de um lactente vegetariano. A introdução faseada dos alimentos prende-se com uma atitude prudente, tendo como objetivo avaliar a tolerância dos diferentes grupos de alimentos, e não com qualquer limitação/proibição imposta pelas recomendações. Efetivamente, e de acordo com as recentes recomendações da ESPGHAN, a partir do momento que se inicia a diversificação alimentar podem ser introduzidos todos os alimentos, independentemente da existência de positividade para história familiar de atopia (5).
- Alimentação a partir dos 12 meses: introdução na dieta familiar
A partir dos 12 meses deve ser iniciada a dieta familiar, devendo o apetite da criança ser respeitado (3). Deve optar-se por produtos frescos, evitando os mais processados, e as refeições devem ser frequentes, em intervalos máximos de 3 horas, de forma a garantir a ingestão adequada de energia (3). A ingestão de gordura não deve ser limitada, pelo que os óleos e cremes vegetais podem ser incluídos de forma a garantir um aporte correspondente a 35% do VET (24, 29, 32).
As bebidas vegetais (Tabela 3), como as bebidas de soja, amêndoa e aveia, entre outras, nunca devem ser introduzidas antes dos 24 meses (preferencialmente após os 36 meses) e nunca devem substituir uma FI, uma vez que não fornecem quantidades suficientes de energia, proteína, cálcio e vitaminas C, D, E e niacina (7, 34). Importa referir que as bebidas de arroz não devem ser introduzidas antes dos 5 anos, uma vez que contêm vestígios de arsénio inorgânico, considerado carcinogénico (5, 24, 31). Quando utilizadas, as bebidas vegetais podem ser oferecidas apenas ocasionalmente, nas versões simples, com baixo teor de açúcar (< 5g/100 g de produto) e sem adição de chocolate ou baunilha, para evitar a preferência da criança por bebidas doces (6, 35).
Suplementação da lactante e do lactente
A evicção de alimentos, na direta proporção do seu número e do tempo da sua evicção, cursa com compromisso nutricional e do seu crescimento e maturação (36, 37). Numa situação de vegetarianismo, particularmente em idade pediátrica e nos primeiros anos de vida, é essencial garantir o aporte energético e o equilíbrio em macro e micronutrientes, bem como a vigilância do crescimento e maturação do lactente e da criança (5, 36, 37). Para obviar potenciais desequilíbrios nutricionais torna-se necessária uma avaliação rigorosa da alimentação da lactante e do lactente e a monitorização dos níveis séricos das vitaminas e minerais, de forma a orientar a suplementação em micronutrientes apenas se as necessidades nutricionais dos mesmos não forem atingidas através da alimentação.
- Vitamina B12 (cobalamina)– Perante a suspeita de uma ingestão inadequada desta vitamina durante a gravidez e lactação, a gestante/puérpera deverá tomar suplementos na dose de 2,6 µg/dia e 2,8 µg/dia, respetivamente (38). O lactente e a criança também devem efetuar suplemento nesta vitamina, uma vez que a ingestão insuficiente está associada a risco aumentado de compromisso irreversível do desenvolvimento cerebral, de anemia megaloblástica e de défice estatoponderal (5). Para o lactente alimentado em exclusivo com leite materno recomenda-se a suplementação com 0,4 µg/dia desde o nascimento e até ao início da diversificação alimentar, aumentando para 0,5 µg/dia entre os 6-12 meses (3, 5, 7, 9). As crianças veganas entre os 12-36 meses, devem receber um suplemento diário de 0,9 µg de cobalamina (3, 7, 9).
- Vitamina D (calciferol)– Durante a lactação é importante garantir a suplementação materna de 600 UI por dia (15 µg colecalciferol), garantindo a adequação dos seus níveis no leite materno, uma vez que este é pobre nesta vitamina (39). Com vista à prevenção da deficiência em vitamina D, a ESPGHAN recomenda a suplementação oral de 400 UI por dia (10 µg colecalciferol) em todos lactentes, independentemente do regime alimentar, durante o 1.º ano de vida, com uma ingestão máxima diária de 1000 UI (25 µg colecalciferol) (5). Após os 12 meses, e até ao final da adolescência, deverá ser garantido um aporte diário de 600 UI (15 µg colecalciferol), particularmente nos meses em que não exista exposição solar direta (outono e inverno) (9, 11, 40).
- Ferro– As lactantes vegetarianas com ingestão comprometida de ferro deverão receber suplementos neste mineral (3). Até aos 6 meses de vida, a suplementação em ferro é recomendada nos lactentes de pré-termo ou com baixo peso ao nascimento (<2500 g), na dose de 2-3 mg/kg/dia, enquanto nos de termo a dose é de 1-2 mg de ferro/kg/dia a partir da 2.ª-6.ª semana de vida (41). A suplementação preventiva neste mineral é recomendada em todos os lactentes entre os 6-12 meses, na dose de 0,9-1,3 mg/kg/dia (6-11 mg/dia), dando especial atenção aos lactentes veganos(5, 41).
- Zinco– O leite materno contém teores suficientes em zinco para as necessidades do lactente até aos 7 meses (3). A partir desta idade é necessário recorrer a novas fontes alimentares deste mineral, como leguminosas previamente demolhadas, gérmen de trigo, cereais integrais, frutos oleaginosos, ovos e laticínios, para evitar situações de anorexia e alterações do paladar (3). A biodisponibilidade de zinco nos produtos de origem vegetal está comprometida devido à presença de fitatos, por isso as necessidades em zinco em indivíduos vegetarianos são aproximadamente duas vezes superiores às recomendações (12). Os lactentes e crianças vegetarianas que tenham uma dieta insuficiente neste mineral devem receber suplementos de 4 mg zinco/dia até aos 6 meses, e de 5 mg zinco/dia entre os 7 meses e os 3 anos (9, 11).
- Cálcio– O teor em cálcio presente no leite materno é independente do regime alimentar da lactante, por isso a suplementação diária de 1000-1500 mg de cálcio está indicada apenas em grávidas e lactantes vegetarianas com ingestão comprometida deste mineral (3, 38). Após a diversificação alimentar, um aporte regular de cálcio na dependência do leite, FI ou de alguns vegetais, tofu, leguminosas, sementes e frutos oleaginosos, resulta na inexistência de necessidade de suplementação no lactente (3, 9).
- Iodo – As mulheres vegetarianas grávidas e a amamentar em exclusivo deverão receber um suplemento diário de 150-200 µg de iodo, na forma de iodeto de potássio, de forma a atingir a dose diária recomendada (DDR) de 250 µg/dia (15). O aporte de iodo nos lactentes (0-6 meses) é obtido através do aleitamento materno ou da FI, que devem ser mantidos até à introdução da dieta familiar, bem como de alguns alimentos (algas), não sendo necessáriaa sua suplementação (15).
ANÁLISE CRÍTICA E CONCLUSÕES
As dietas vegetarianas, quando bem planeadas, reduzem o risco de carências nutricionais minor e podem ser nutricionalmente adequadas durante todas as fases do ciclo de vida, incluindo a primeira infância. Entre todas as dietas vegetarianas, a dieta ovolactovegetariana é a que se associa a um menor risco no compromisso no desenvolvimento e crescimento dos lactentes e das crianças, devendo ser privilegiada em relação às restantes. No entanto, se forem diariamente utilizados produtos vegetais com um conteúdo nutricional semelhante aos de origem animal, tendo em atenção a biodisponibilidade dos seus nutrientes, é possível satisfazer as necessidades nutricionais dos lactentes e crianças e permitir o seu normal desenvolvimento com qualquer tipo de dieta vegetariana.
O aconselhamento alimentar constante por um profissional de saúde qualificado em nutrição é essencial durante o período de crescimento e desenvolvimento do lactente ou criança vegetariana. A suplementação nutricional deverá ser ponderada, apenas se as necessidades nutricionais não forem atingidas através da alimentação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Pinho J, Silva S, Borges C, Santos C, Santos A, Guerra A, Graça P. Alimentação Vegetariana em Idade Escolar. Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. Direção-Geral da Saúde.2016 Abr.
- Key TJ, Appleby PN,RosellMS. Health effects of vegetarian and vegan diets. Proceedings of the Nutrition Society. 2006;65:35-41.
- Comissão de Nutrição da SPP (GuerraA, RêgoC, Silva D, Ferreira GC, Mansilha H, Antunes H et al). Alimentação e nutrição do lactente. Acta Pediatr Port. 2012;43:S17-S40.
- Melina V, Craig W, Levin S. Position of the Academy of Nutrition and Dietetics: Vegetarian Diets. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics: 2016;116(12):1970-1980.
- FewtrellM, Bronsky J, Campoy C, Domellöf M, Embleton N, Fidler Mis N, et al. Complementary Feeding: A Position Paper by the ESPGHAN Committee on Nutrition. Journal of PediatricGastroenterology and Nutrition: 2017;64:119-132.
- Messina V,MangelsAR. Considerations in planning vegan diets: Infants. Journal of The American Dietetic Association. 2001;101:670-677.
- Special Concerns in Infant Feeding -Vegetarian Diets. In: Blum-KemelorD (Revised byLeonberg B). Infant Nutrition and Feeding. A Guide for use in the WIC and CSF Programs. United States Department of Agriculture Food and Nutrition Service. 2nd ed. Washington, D.C;2009:136-139.
- Philips F. Vegetarian Nutrition. Nutrition Bulletin.2005;30:132-167.
- Institute of Medicine (IOM), Food and Nutrition Board (FNB). Dietary Reference Intakes for Calcium and Vitamin D. The National Academies Press. Washington, DC. 2011.
- Institute of Medicine (IOM), Food and Nutrition Board (FNB). Dietary Reference Intakes for Energy, Carbohydrate,Fiber, Fat, Fatty Acids, Cholesterol, Protein, and Amino Acids (Macronutrients). The National Academies Press. Washington, DC. 2002/2005.
- Messina, V. Vegetarian Diets for Children. In:SamourPQ, King K, editors. Handbook of Pediatric Nutrition. 3rd ed. Sudbury, Massachusetts: Jones and Bartlett Publishers. 2005:143-160.
- Silva S, Pinho J, Borges C, Santos C, Santos A, Graça P. Linhas de Orientação para uma alimentação vegetariana saudável. Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. Direção-Geral da Saúde. 2015Jul.
- Vegetarianpregnancy, vegetarian babies. The Vegetarian Society. 2009 Dez.
- AgostoniC, Decsi T, Fewtrell M, Goulet O, Kolacek S, Koletzko B et al. Complementary Feeding: A Commentary by the ESPGHAN Committee on Nutrition. Journal of Pediatric Gastroenterologyand Nutrition. 2008;46:99–110.
- Aporte de iodo em mulheres na preconceção, gravidez e amamentação. Orientação da Direção-Geral da Saúde número 011/2013, 2013Ago.
- Ávila R. Aleitamento da criança no primeiro ano de vida.RevPort de Clín Geral. 2004;20:339-346;
- Rêgo C, Teles A,NazarethM, Guerra A. Leites e Fórmulas Infantis: a realidade portuguesa revisitada em 2012. Acta Pediatr Port. 2013;44:S50-S93.
- Jackson B, Taylor V,PunshonT, Cottingham K. Arsenic concentration and speciation in infant formulas and first food. Pure Appl Chem. 2012;84(2): 215-223.
- HojsakI, Braegger C, Bronsky J, Campoy C, Colomb V, Decsi T et al. Arsenic in Rice: a cause of concern. ESPGHAN Committee on Nutrition. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition: 2015;60(1): 142-145.
- NovalacRice. Produtos Novalac. 2011 Jun. Disponível: http://www.novalac.pt/pt/novalacrice?menu=2 [acesso a 27/06/2015];
- HeverJ. Plant-Based Diets: A Physician’s Guide. The Permanente Journal: 2016 Summer; 20(3):15-082.
- YntemaS, Beard C. New Vegetarian Baby. Ithaca, New York: McBooks Press, Inc. 2000.
- SassettiL. Vegetarianismo - Porque Não? Nascer e Crescer. 2009;18:199-201.
- Crawley H. Eating well: vegan infants and under-5s. London: First Steps Nutrition Trust.2014.
- Nogueira L. Papas infantis: a realidade Portuguesa em 2015. (Tese de Licenciatura não publicada). Porto: Faculdade de Ciências e Alimentação da Universidade do Porto.2015.
- Craig WJ,MangelsAR. Position of the American Dietetic Association: Vegetarian Diets. Journal of the American Dietetic Association. 2009; 109:1266-1282.
- National Nutrient Database for Standard Reference Release 27. United States Department of Agriculture – Agricultural Research Service.Disponível: https://ndb.nal.usda.gov/ndb/search/listt [acessoa 21/07/2015].
- Roger JD. Os suplementos nutritivos. In: Roger JD. A Saúde pela Alimentação, Tratado de Bromatologia e Dietoterapia.Volume 1.Almargem do Bispo: Publicadora Atlântico; 2001:348-358.
- Hood S. Vegan Babies & Children – A dietary guide, includingpré-conception and pregnancy.The Vegan Society. n.d..
- Pereira L. Algas: os seus usos na agricultura, indústria e alimentação. Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra. 2010.
- EuropeanCommission. Arsenic in food. Disponível:http://ec.europa.eu/food/safety/chemical_safety/contaminants/catalogue/arsenic_en.htm [acesso a 18/03/2018].
- Ministry of Health. Food and Nutrition Guidelines for Healthy Infants and Toddlers (Aged 0–2): A background paper (4th Ed) – Partially Revised December 2012. Wellington: Ministry of Health. 2008.
- Manitoba Health. Feeding your baby: 6 months to 1 year.2017. Disponível: www.gov.mb.ca/health/healthyeating/docs/feeding.pdf [acesso a 23/09/2018].
- SinghalS, Baker R, Baker S.A comparison of the Nutritional Value of Cow’s Milk and Nondairy Beverages. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition: 2017;64(5):799-805.
- Direção Geral da Saúde. Descodificador de Rótulos. Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. 2015.
- Flammarion S, Santos C,GuimberD, Jouannic L, Thumerelle C, Gottrand F, Deschildre A. Diet and nutritional status of children with food allergies. Pediatric Allergy Immunology: 2011;22:161-165.
- SovaC, Feuling MB, Baumler M, Gleason L, Tam JS, Zafra H, Goday PS. Systematic review of nutriente intake and growth in children with multiple IgE-mediated food allergies. ASPEN. Nutr ClinPract: 2013; 28:669-675.
- Penney D, Miller K. NutritionalCounselingfor Vegetarians during Pregnancy and Lactation. Journal of Midwifery & Women’s Health. 2008;84(1):37-44.
- Amit M. Vegetarian diets in children and adolescents. Paediatric Child Health.2010;15:303-314.
- BraeggerC, Campoy C, Colomb V, Decsi T, Domellof M, Fewtrell M, et al. Vitamin D in the Healthy European Paediatric Population. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition. 2013;56:692-701.
- DomellofM, Braegger C, Campoy C, Colomb V, Decsi T, Fewtrell M, et al. Iron Requirements of Infants and Toddlers. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition: 2014;58:119-129.
Daniela Pimentel
Rua Soares dos Reis, n.º 710 - hab.1.2, 4400-314 Vila Nova de Gaia, Portugal
danielappimentel@gmail.com
Recebido a 30 de outubro de 2017
Aceite a 19 de setembro de 2018