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Acta Portuguesa de Nutrição
versão On-line ISSN 2183-5985
Acta Port Nutr no.14 Porto set. 2018
https://doi.org/10.21011/apn.2018.1405
ARTIGO DE REVISÃO
Microbiota intestinal e espondiloartrites: o papel da dieta na terapêutica
The gut microbiota and spondylarthritis: the role of diet in therapeutics
Inês Barreiros Mota1,2; Ana Faria1-3; Fernando M Pimentel-Santos4,5*; Conceição Calhau1,2,6*
1 Nutrição e Metabolismo, NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, Campo Mártires da Pátria, n.º 130, 1169-056 Lisboa, Portugal
2 CINTESIS, Center for Health Technology Services Research, Rua Doutor Plácido da Costa, 4200-450 Porto, Portugal
3 Comprehensive Health Research Centre da Universidade Nova de Lisboa, Campo Mártires da Pátria, n.º 13, 1169-056 Lisboa, Portugal
4 NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, Campo Mártires da Pátria, n.º 130, 1169-056 Lisboa, Portugal
5 Serviço de Reumatologia do Hospital Egas Moniz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental,Rua da Junqueira, n.º 126, 1349-019 Lisboa, Portugal
6 Unidade Universitária Lifestyle Medicine José de Mello Saúde by NOVA Medical School, Campo Mártires da Pátria, n.º 13, 1169-056 Lisboa, Portugal
*Estes autores contribuíram de forma equitativa para o estudo.
Endereço para correspondência
RESUMO
A microbiota intestinal constitui a maior comunidade de bactérias no corpo humano e a sua alteração está associada a diversas patologias. Diversos estudos referem que a microbiota intestinal pode ter um papel preponderante na espondiloartrite. Os mecanismos sugeridos, que poderão estar implícitos nesta relação, incluem a permeabilidade intestinal, a estimulação do sistema imunitário, o mimetismo molecular, entre outros. O papel da alimentação na modulação da microbiota enquanto medida preventiva ou terapêutica na espondiloartrite, parece ser algo promissor e suficientemente relevante para motivar mais investigação futura, principalmente de translação.
PALAVRAS-CHAVE
Disbiose, Espondiloartrites, Inflamação, Intervenções alimentares, Microbiota intestinal
ABSTRACT
The gut microbiota is the major bacterial community in the human body, and its imbalance, dysbiosis, is associated with various pathologies. Many studies support the notion that the gut microbiota plays an important role in spondyloarthritis. The possible mechanisms, which may be implicit in this relationship, include intestinal permeability, stimulation of the immune system, molecular mimicry, among others. The role of diet in modulating the microbiota as a preventive or therapeutic measure in spondyloarthritis appears to be promising and sufficiently relevant to motivate further future research, especially translation research.
KEYWORDS
Dysbiosis, Spondyloarthritis, Inflammation, Dietary manipulation, Gut microbiota
INTRODUÇÃO
A microbiota intestinal constitui a maior comunidade de microrganismos associada ao corpo humano (1, 2), com um papel preponderante na homeostasia do organismo (3, 4), e cuja modificação, pela redução da diversidade e/ou pela alteração da proporção de elementos específicos (5, 6), disbiose, parece estar associada a várias patologias (3, 7).
As interações conhecidas entre a microbiota intestinal e o sistema imunitário, fizeram com que este aspeto tenha emergido como um fator relevante na fisiopatologia das artropatias inflamatórias (3, 8–10), de que as Espondilartrites (SpA’s) constituem bons exemplos (9,10). As SpA’s representam um conjunto de doenças inflamatórias crónicas em que a ação de fatores ambientais, incluindo a microbiota, em indivíduos com determinada suscetibilidade genética será determinante para o seu desencadeamento e progressão ao longo do tempo. Os mecanismos moleculares específicos subjacentes a esta interação não estão porém ainda descritos (11, 12). As SpA’s são doenças caraterizadas por uma forte associação ao gene HLA B27 e que clinicamente se traduzem por artrite axial, nas articulações sacro-ilíacas e coluna vertebral, e/ou periférica, dactilite e entesite, que constitui a inflamação do local onde o tendão ligamento, cápsula articular, fáscia, tendão ou músculo se liga ao osso (13), com manifestações sistémicas múltiplas. Destas a uveíte anterior aguda (a mais frequente), a psoríase e as doença intestinais inflamatórias constituem as manifestações sistémicas mais frequentes (8, 11).
Nesta revisão, pretende-se descrever a possível interação entre a microbiota e as SpA’s, enumerando os potenciais mecanismos subjacentes. Este artigo terá também como foco o papel da alimentação na modulação da microbiota enquanto medida preventiva e/ou terapêutica nesta patologia.
Inflamação intestinal na espondiloartrite: papel da microbiota
É bem conhecido o potencial envolvimento do intestino nas SpA’s com a inflamação articular a desenvolver-se em paralelo à inflamação intestinal (14). Acresce-se que, cerca de dois terços dos doentes com SpA’s têm algum grau de inflamação intestinal, que ocorre muitas vezes de forma subclínica (10, 11). A sua presença associa-se ao aumento da gravidade da doença articular e ao risco de progressão das SpA’s indiferenciadas para uma situação de espondilite anquilosante (EA), a mais frequente das SpA’s (14), a longo prazo (11). Na coorte GIANT, foi demonstrada que nos homens com SpA’s axiais, a inflamação intestinal parecia estar associada a maior extensão do edema nas articulações sacroilíacas (14).
A alteração da microbiota pode proporcionar a colonização por bactérias patogénicas predisponentes à inflamação intestinal, o que permite a translocação bacteriana do lúmen para a parede intestinal o que facilita, posteriormente, a sua entrada na corrente sanguínea (10). Neste contexto, o lipolissacarídeo (LPS) típico da parede celular das bactérias gram-negativas, é uma endotoxina que desencadeia a libertação de citocinas pró-inflamatórias como o TGF-β e a interleucina (IL) 6, e que contribuem para a diferenciação das células T imaturas em células auxiliares (Th) 17, relevantes no desenvolvimento das SpA’s (3). Dado que foi demonstrado que os doentes com EA apresentam níveis plasmáticos superiores de LPS, admite-se que as bactérias gram-negativas possam ter um papel relevante na sua patogénese (3).
Disbiose intestinal na espondiloartrite
A disbiose, desequilíbrio da microbiota, parece afetar a resposta imunológica do hospedeiro e induzir a mudança de um ambiente anti- para pró-inflamatório (5). Rosenbaum et al., estudaram a composição microbiana do cego, de ratos knock-out para o HLA-B27 e para beta-2-microglobulina humana, tendo encontrado um aumento significativo de Prevotella e Bacteroides vulgatus spp (15). Para além da prevalência destas bactérias, outros estudos descreveram o aumento da Akkermansia muciniphila (4, 10) e a diminuição da Rikenellaceae (16–18).
Ao estudar a microbiota de doentes com SpA’s verificou-se a diminuição de várias famílias do filo Firmicutes, especialmente da espécie Faecalibacterium prausnitzii e Clostridium leptum, e de bactérias da família Lachnospiraceae; aparentemente sem a existência de alterações na diversidade bacteriana (15, 19).
Na EA, de forma específica, um estudo com biopsias do íleo terminal, verificou a existência de maior abundância das famílias Lachnospiraceae, Ruminococcaceae, Rikenellaceae, Porphyromonadaceae eBacteroidaceae, e menor de Veilonellaceae e Prevotellaceae (10, 17, 18). A ocorrência de translocação de Klebesiella nos doentes com EA tem sido descrita em diversos estudos (20). No entanto, alguns não descrevem a mesma associação, uma vez que são observadas múltiplas variações interindividuais, dificultando a interpretação dos estudos clínicos nesta temática (12, 15, 17).
Muitas das espécies apontadas já foram descritas noutras doenças reumáticas inflamatórias: o predomínio de Prevotella é descrito na doença de Crohn e artrite reumatóide; a diminuição Ruminoccocus é encontrada na doença inflamatória intestinal e artrite psoriática (17).
No contexto das SpA’s, na artrite reativa as bactérias intestinais assumem grande relevância na medida em que o quadro articular se desenvolve tipicamente 1-3 semanas após uma infeção no trato gastrointestinal ou genito-urinário. As bactérias intestinais mais frequentemente associadas à artrite reativa são a Salmonella spp., Shigella spp., Campylobacter spp. e Yersinia spp. (8, 14). Cerca de 20% destes doentes desenvolvem EA em 10-20 anos (12). Aqui há evidência clara da importância destes agentes no desencadear da sintomatologia.
Noutra forma de SpA, a artrite psoriática, têm vindo a ser descritas alterações na composição da microbiota. Aparentemente os doentes apresentam menor diversidade bacteriana e menor abundância de Coprococcus, Akkermansia, Ruminococcus e Pseudobutyrivibrio (16).
Mecanismos subjacentes à interação microbiota - espondiloartrite
Apesar de se referir o papel que a microbiota terá na patogénese e progressão das SpA’s, os mecanismos exatos subjacentes são ainda desconhecidos, pelo que se têm levantado várias hipóteses, das quais se salientam:
(i) Alteração da permeabilidade da barreira intestinal
A barreira intestinal constitui uma proteção do nosso organismo, física, dado a existência do epitélio intestinal com “tight junctions”, química e imunológica, dado a presença do muco, peptídeos antimicrobianos e imunoglobulina A (IgA) (12). Esta barreira permite, no entanto, a interação entre a microbiota e o hospedeiro, garantindo a homeostasia tecidular (3).
As bactérias intestinais e os seus metabolitos influenciam a permeabilidade intestinal ao participarem em processos de exclusão, competição, produção de bio-surfactante, proliferação e diferenciação epitelial, expressão de moléculas de adesão e proteínas das “tight junctions” (14, 16). O comprometimento da barreira intestinal é um mecanismo inerente à ocorrência de doença, verificado nos estadios iniciais dos pacientes com EA e em modelos animais (3).
Por exemplo, a diminuição dos níveis de F. prausnitzii, anteriormente descrita, potencia a menor síntese de butirato, comprometendo a integridade da barreira intestinal, pois este ácido gordo de cadeia curta constitui um substrato energético importante para o enterócito (11). Mais, o butirato tem um potencial efeito anti-inflamatório e capacidade de aumentar as reserva de células T reguladoras e a produção de FoxP3 (11). As bactérias redutoras de sulfato, muito presentes nas fezes dos doentes com EA, ao produzir hidróxido de sulfito, degradam a mucina 2 (12, 15), degradação que também ocorre na presença de espécies de Bacteroides (11).
No modelo animal, Rato knock-out para o HLA-B27A, o défice de produção mucina 2 está associado ao desenvolvimento de um fenótipo espontâneo de colite (12). O estado de disbiose, ao alterar a barreira intestinal, permitirá a translocação bacteriana, importante para o desenvolvimento e ocorrência da doença (3, 21). Verificou-se que o líquido sinovial dos pacientes com ReA, nas semanas após a infeção inicial, que se poderia pensar estéril, tinha DNA bacteriano, proteínas antigénicas e LPS (8).
Os produtos bacterianos, com o aumento da permeabilidade intestinal que favorece o seu transporte pela corrente sanguínea, podem vir a depositar-se na membrana sinovial e desencadear uma resposta imunitária, pelo que são denominados de artritogénicos (11, 22). Na fase ativa das SpA’s, os níveis plasmáticos de IgA encontram-se elevados, potencial indicador de translocação bacteriana e perda da função da barreira intestinal (3).
Por sua vez, a alteração da resposta imunitária pode modificar a permeabilidade intestinal e a composição da microbiota (22). Contudo não se sabe qual o acontecimento inicial, o que demonstra a complexidade na identificação do fator causal.
(ii) Via Interleucina 23/Células T auxiliares 17
A IL 23, libertada dos macrófagos ativados pelos produtos microbianos, e as citocinas pró-inflamatórias TGF-β e IL-6, são responsáveis pela polarização das células CD4 e consequente diferenciação em célula Th 17, associadas ao aumento de produção das IL-22 e IL-17 (3), citocinas que constituem o eixo de inflamação preferencial envolvendo o intestino e articulações (8). A via IL-23/Th17 tem um papel importante na fisiopatologia das SpA’s (14), cujo desequilíbrio pode levar a inflamação crónica (3, 8).
Nos doentes com SpA’s verifica-se um aumento da expressão das das IL-23 e IL-17 na corrente sanguínea periférica, intestino e tecido ósseo (3).
Estas interleucinas podem ser produzidas no intestino, contudo o modo como a microbiota interfere nesta produção é desconhecido, requerendo mais investigação (3, 16).
A IL-23 tem papel central no controlo da resposta imunológica, inata e adaptativa, dos doentes com EA (3, 8). Com a administração de curdlan, uma beta-(1→3)-glicana principal componente da membrana bacteriana e de leveduras, num modelo genético animal para o estudo da artrite reumatóide, a IL-23 pode originar artrite, entesite e ileíte (3). Nos doentes com SpA’s, as células linfóides inatas, que expressam o recetor da IL-23, parecem ter capacidade de atravessar a barreira intestinal, e através da circulação periférica, atingir a medula óssea e articulações (3), reforçando o papel desta interleucina em termos fisiopatológicos.
Metabolitos derivados da microbiota, como a trifosfato adenosina, ou pathogen- associated molecular patterns, como LPS e a flagelina, promovem a libertação de IL-1b, IL-6 e IL-23, citocinas pró-inflamatórias que favorecem a diferenciação das células Th17, desencadeando uma resposta particularmente acentuada aquando da infeção por determinados microrganismos patogénicos (12). Foi demonstrado que a Chlamydia trachomatis, associada a formas de artrite reativa, potencia a produção de IL-23, e que a Salmonella enteritidis induz uma resposta local das células Th17 em modelos animais de artrite reumatóide (3, 19).
Neste contexto, a microbiota intestinal surge como um potencial fator promotor da resposta pró-inflamatória inicial dependente da IL-23, à qual parece seguir-se uma resposta sistémica traduzida por entesite, artrite e eventual osteoproliferação axial (8).
A IL-17 caracteriza-se pelas suas propriedades pró-inflamatórias, potencia a osteoclastogénese e perda óssea, estando associada à entesite (3). A IL-23 promove a sua expressão em várias células T e a sua libertação depende das células T gama-delta, células T natural killer, células T invariantes associadas à mucosa (MAIT) e células LTi-like (lymphoid tissue inducer-like), ao nível da mucosa intestinal (10). Os doentes com EA tem níveis elevados de IL-17, e uma maior expressão das células MAIT ao nível do líquido sinovial (3).
A IL-22 pode induzir alterações de periostite em doentes com EA e, simultaneamente exercer um efeito protetor no íleo (3), pois esta interleucina participa no recrutamento de neutrófilos e estimula a produção de péptidos antimicrobianos e mucina (10). Dado que se verifica a associação entre a diminuição da produção de IL-22 e o aumento do filo Proteobacterias e diminuição da ordem Clostridiales, conclui-se que a microbiota poderá influenciar a sua produção (10).
(iii) HLA-B27 e mimetismo molecular
Ratos knock-out para o HLA-B27 criados em condições germ free não desenvolvem doença inflamatória periférica ou intestinal (3). Nestes, o desenvolvimento de SpA’s, traduzido pela presença de colite e artrite, só acontece se forem colonizados (10, 16, 18) com seis bactérias comensais, incluindo a Bacteroides vulgatus (3). Assim, verificamos que a alteração da microbiota intestinal está relacionada com o HLA-B27, e que esta alteração tem um papel preponderante no desenvolvimento da inflamação intestinal crónica (3).
O grupo alélico HLA-B27, do complexo major de histocompatibilidade, é referido como um fator de suscetibilidade para a SpA (10, 23). Nos doentes com EA a associação com a presença do HLA-B27 pode atingir 95%, dependendo da população, sendo que na caucasiana a frequência é inferior a 10% (24).
A administração de extratos de antigénios de Klebsiella, Enterobacter, Salmonella, Shigella e Yersinia a coelhos imunizados com linfócitos positivos para HLA-B27 revelou a ocorrência de reações cruzadas (3, 24, 25).
Produtos da parede celular da Klebesiella possuem vários antigénios com semelhança molecular com o HLA-B27 podendo originar reações cruzadas (3, 10, 16). Este fenómeno foi designado por mimetismo molecular. Encontrou-se homologia entre aminoácidos do antigénio HLA-B27 e as enzimas, nitrogenase (3, 12, 24, 25), e pululanase D (dextrinase limite) da Klebsiella pneumoniae (3, 24, 25). Os mecanismos associados ao mimetismo molecular são responsáveis pela ligação de anticorpos específicos dirigidos aos microrganismos patogénicos mas também a antigénios do hospedeiro potenciando a inflamação e destruição tecidular (3). O mimetismo molecular evidenciado pela pululanase e as sequências de aminoácidos dos colagénios do tipo I, III e IV que se encontram na coluna vertebral (3, 24, 25) poderão explicar as lesões encontradas a este nível nos doentes com EA (3).
Intervenções alimentares
O restabelecimento do equilíbrio da microbiota intestinal através de modificações alimentares poderá ser uma estratégia com impacto na evolução das SpA’s (Figura 1).
Próbioticos
Os efeitos benéficos dos probióticos passam pela inibição da colonização por patogénicos, promoção de um efeito trófico ao nível das células epiteliais e estimulação do sistema imunitário (21,26). Está demonstrado que probióticos como os Lactobacillus spp. atenuam a inflamação em modelos animais de artrite (10). Amdekar et al. evidenciaram o efeito anti-inflamatório e anti-artrite da espécie L. casei(27). A sua administração no leite fermentado parece prevenir a inflamação intestinal e articular desencadeada pela Salmonella, sendo este efeito mediado pela redução de citocinas pró-inflamatórias como a IL-23 e IL-17 (10). Por sua vez, num estudo de intervenção no Rato knock-out para o HLA-B27 com L. rhamnosus GG verificou-se uma menor reincidência de colite (26).
Porém, na generalidade dos ensaios clínicos não se conseguiu replicar os resultados acima descritos (26, 28, 29). Apenas num estudo piloto, em doentes com colite ulcerosa na forma de SpA, a administração de L. acidophilus e L. salivarius, durante 4 semanas, pareceu contribuir para a diminuição no índice de atividade da doença através da redução do Bath Ankylose Spondylitis Disease Activity Index (BASDAI), da avaliação na escala visual analógica e da reincidência de colite ulcerosa (10).
A discrepância entre os estudos em modelos animais e humanos pode ser explicada por vários fatores entre os quais a duração curta dos ensaios, a fase da doença em que ocorre a intervenção - o efeito dos probióticos poder ser exclusivo das fases precoces; pelas doses ou composição dos produtos administrados ou ainda pelas diferenças inter-individuais na colonização por parte das bactérias administradas (3).
Modificações alimentares
É evidente o papel que a alimentação desempenha enquanto fator modulador da composição da microbiota, quer a longo, quer a curto prazo (12).
Num estudo com Ratos knock-out para o HLA-B27 alimentados com maçãs, alimento rico em polifenóis, foi observada uma diminuição de marcadores inflamatórios e de B. fragilis (12). Num ensaio com 165 doentes suecos com EA, não se encontrou, porém, qualquer correlação entre a alimentação e o índice de atividade/função da doença avaliados pelo BASDAI e Bath Ankylose Spondylitis Disease Function Index, respetivamente. Outro estudo, na mesma população, avaliou o efeito da suplementação com diferentes teores de ácidos gordos ómega 3 e verificou que nos 9 doentes com EA sujeitos à dose mais elevada houve uma diminuição significativa no índice de BASDAI; apesar da pequena dimensão do estudo poderemos especular acerca do interesse deste tipo de suplementação na inflamação intestinal e sistémica, dado o efeito anti-inflamatório destes ácidos gordos (26).
Está descrito que o consumo elevado de glícidos pode estimular o crescimento de Bifidobacterium spp., Klebsiella spp., Clostridium spp., e Escherichia coli no cólon exercendo um efeito negativo na atividade da doença (3). Neste contexto, vários estudos apontam para que a alimentação com reduzida quantidade de amido poderá ser benéfica para os doentes com EA (3), atribuindo-se esse efeito à diminuição do crescimento da Klebsiella e de outros microrganismos (24). Um estudo que seguiu 36 doentes com EA, sujeitos a uma dieta com baixo teor de amido durante 9 meses, uma redução significativa da velocidade de sedimentação da IgA sérica total, e uma redução do consumo de anti-inflamatórios (30). Existem ainda relatos, pontuais, que apontam para melhorias associadas ao jejum ou à adoção de dieta vegan (26).
ANÁLISE CRÍTICA
A relação entre a microbiota e SpA’s parece ser plausível e relevante, no entanto, esta é uma área em que a investigação clínica continua a ser necessária para contribuir para o avanço do conhecimento sobre os mecanismos subjacentes. Como foi sendo apontado nesta revisão, os vários mecanismos que têm vindo a ser sugeridos, não parecem conseguir, de forma isolada, explicar o desencadear da doença.
Note-se que um dos aspetos mais relevantes foi a constatação da relevância da via da IL-23/Th17 nas SpA’s o que veio a motivar a introdução de vários agentes biotecnológicos com significativo sucesso terapêutico. Será muito interessante avaliar em que medida a introdução destes produtos afeta a microbiota intestinal e em que medida a constituição da microbiota influencia a resposta à terapêutica.
Outro aspeto de enorme relevância prende-se com o efeito da disbiose na patogénese das SpA’s. Aparentemente não parece existir apenas um único agente bacteriano envolvido mas um conjunto de agentes. São escassos os estudos realizados em humanos nesta área pelo que o aprofundar da investigação nesta área se assume como um tópico de maior interesse, assumindo-se eventualmente como novos alvos terapêuticos. Espécies de Lactobacillus parecem ter um papel promissor enquanto probiótico com potencial efeito terapêutico.
Estudos indicam que na patologia da obesidade o microbiota está alterado, de facto uma dieta rica em gordura para além de promover a disbiose conduz à alteração da permeabilidade intestinal, o que contribui para a inflamação crónica de baixo grau subjacente à patologia e comorbilidades a ela associadas (31, 32). A disbiose, ao proporcionar o aumento dos níveis de LPS e o comprometimento das células T reguladoras, promove a inflamação, elemento comum à obesidade e às SpA’s (36). Por isto, é plausível associar à obesidade uma maior suscetibilidade para as SpA’s. A literatura é ainda escassa, mas resultados de duas coortes apontam, de facto, para uma maior prevalência de obesidade nos doentes com SpA’s, comparando com a população sem SpA’s, condição também associada a piores outcomes clínicos (34, 35).
Assim, e apesar da evidência científica ser parca, é relevante avaliar o papel das intervenções alimentares específicas na atividade das SpA’s (12). Há porém alguma evidência de que as dietas pobres em amido sejam benéficas nos doentes com EA; os polifenóis e os ácidos gordos ómega 3 deverão ser alvo de investigação clínica adicional.
Em suma, o grande desafio atualmente é confirmar qual o papel da microbiota nas SpA’s, explorando os mecanismos envolvidos na sua interação com a suscetibilidade genética e impacto nas respostas, imunológica e inflamatória. É essencial a existência de estudos longitudinais com estes doentes, que possam ajudar a identificar os agentes associados à progressão da doença e qual o papel específico da sua modulação. Será importante ainda esclarecer o efeito da alteração dos hábitos alimentares enquanto medida terapêutica, desenvolvendo estudos clínicos de intervenção.
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Conceição Calhau
Nutrição e Metabolismo, NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, Campo Mártires da Pátria, n.º 130, 1169-056 Lisboa, Portugal
calhau@nms.unl.pt
Recebido a 28 de novembro de 2017
Aceite a 21 de junho de 2018