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Acta Portuguesa de Nutrição
versão On-line ISSN 2183-5985
Acta Port Nutr no.19 Porto out. 2019
https://doi.org/10.21011/apn.2019.1903
ARTIGO ORIGINAL
Impacto da prova cega na aceitação de frutas e produtos hortícolas por crianças em idade escolar
Impact of blind taste on fruits and vegetables acceptance in school children
Carolina Marques1*; Ana Faria2; Helena Loureiro2; Margarida Pocinho3
1 Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra - IPC, Rua 5 de Outubro - São Martinho do Bispo, Apartado 7006, 3046-854 Coimbra, Portugal
2 Departamento de Dietética e Nutrição, Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra - IPC, Rua 5 de Outubro - São Martinho do Bispo, Apartado 7006, 3046-854 Coimbra, Portugal
3 Departamento de Ciências Complementares, Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra - IPC, Rua 5 de Outubro - São Martinho do Bispo, Apartado 7006, 3046-854 Coimbra, Portugal
Endereço para correspondência
RESUMO
Introdução: Atualmente, assistimos ao baixo consumo de frutas e produtos hortícolas pelas crianças que, muitas vezes, rejeitam sequer prová-los. As atividades sensoriais surgem como alternativa de incentivo ao consumo destes alimentos, estimulando o contacto com as suas diferentes dimensões – aspeto, odor, sabor e texturas.
Objetivos: Avaliar se a prova cega afetou a aceitação de frutas e produtos hortícolas pelas crianças.
Metodologia: A amostra incluiu 47 crianças dos 9 aos 11 anos de uma Escola Básica do Centro de Portugal. A opinião dos pais sobre os gostos dos filhos foi recolhida através de um questionário. As preferências das crianças foram avaliadas através do preenchimento de uma escala após a exposição visual a 20 alimentos e após a prova cega a 3 frutas e 3 produtos hortícolas. Foram comparadas as classificações da prova visual e da prova cega e ainda as respostas dos pais com as classificações de cada prova.
Resultados: A prova cega levou a mudanças das classificações aos alimentos testados, maioritariamente no sentido positivo. Em 4 alimentos, foram mais os que melhoraram a opinião dos que pioraram, sendo essa diferença mais expressiva para a pera e laranja (p<0,05). Em todos os alimentos houve passagem de classificações “não preferenciais” para “preferenciais”, principalmente na cenoura, pera e laranja. Comparando as respostas dos pais e das crianças, percebemos que as classificações na prova visual vão de encontro ao reportado previamente pelos pais. Pelo contrário, na prova cega, houve diferenças interessantes entre pais e filhos. A maioria das crianças deu uma resposta diferente à dos pais em 4 dos alimentos em teste - a classificação das crianças foi, regra geral, melhor do que a dos pais.
Conclusões: A prova cega pareceu afetar positivamente a opinião das crianças sobre as frutas e produtos hortícolas, sendo necessários mais estudos para verificar esta tendência em amostras maiores e com mais alimentos.
Palavras-chave
Frutas, Produtos hortícolas, Prova cega, Sensorial
ABSTRACT
Introduction: Nowadays, we observe a low fruit and vegetables consumption for children who commonly reject to even taste it. Sensorial activities emerge as alternatives to promote the consumption and stimulate the contact of its’ many dimensions – looks, odor, taste and textures.
Objetives: To evaluate if the blind tasting of food influenced the children’ acceptance of fruit and vegetables.
Methodology: The sample included 47 children between 9 and 11 years old from a basic school in the central region of Portugal. Parents’ opinion about his children’s food preferences was collected in a questionnaire. Children’s preferences were measured by a scale after visual exposure of 20 different foods and after blind taste of 3 fruits and 3 vegetables. The scores of the two scales were compared, as well as the relation between parents’ opinion and children’s ratings in each scale.
Results: The blind taste led to changes in scores given to the tested foods, mostly positive changes. There has been more positive than negative changes in the ratings of 4 tested foods, with a stronger difference in pear and orange (p< 0.05). There were changes from “non preferential” to “preferential” ratings in all foods tested, specially in carrot, pear and orange. Comparing parents’ and children’s scores, we noticed that scores after visual exposure are similar to parents’ opinion. On the contrary, after blind taste there were interesting changes. The majority of children gave different scores than their parents in 4 tested foods – kids’ scores where mostly higher.
Conclusions: Blind taste seemed to affect positively children’s opinion about fruits and vegetables, but more interventions are needed to verify this in bigger groups and with more foods.
Keywords
Fruits, Vegetables, Blind taste, Sensorial
INTRODUÇÃO
Nos dias de hoje, uma das grandes dificuldades dos pais é conseguir que as crianças incluam frutas e produtos hortícolas na sua rotina. Para além de não os consumirem frequentemente, é comum que também rejeitem prová-los. Segundo o projeto Pro Children, Portugal tem um dos maiores consumos de fruta e produtos hortícolas, com 264 g/dia (1), ainda assim abaixo das recomendações da Organização Mundial da Saúde (≥400g / dia) (2). Neste projeto, foi considerado o consumo dos produtos hortícolas em sopas e não em separado – crus ou cozinhados (1). A sopa é muitas vezes a única forma de garantir a aceitação e o consumo dos produtos hortícolas pelas crianças. No COSI Portugal 2016, confirmou-se o consumo preferencial de sopa em detrimento dos produtos hortícolas em si. O consumo diário de fruta fresca foi superior - 63,3% das crianças consome todos os dias (3). O Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física aponta igualmente para um elevado consumo de sopas por parte das crianças (247 g/dia), em comparação com os outros grupos etários. No entanto, de acordo com este inquérito, as crianças são dos que menos consomem fruta fresca e hortícolas, tal como os adolescentes (4). A ingestão de frutas e produtos hortícolas tem um papel essencial na prevenção de várias doenças crónicas, como as doenças cardiovasculares (5) e a diabetes tipo II (6). No trabalho de Barbalho et al. o baixo consumo de fruta e produtos hortícolas por crianças dos 6 aos 10 anos pareceu estar associado a um perfil lipídico menos favorável, com valores mais elevados de triglicerídeos e de colesterol LDL (o último apenas encontrado para o baixo consumo de produtos hortícolas). Pelo contrário, o consumo frequente de fruta e produtos hortícolas esteve associado a melhores níveis de colesterol HDL nestas crianças (7). O estudo de coorte Boyd Orr fez o follow up de 37 anos a uma amostra de crianças britânicas e encontrou menores taxas de mortalidade cardiovascular nos indivíduos com maior consumo de produtos hortícolas na infância (8). O consumo destes alimentos parece ainda influenciar o desenvolvimento, com o baixo consumo associado a baixa estatura para a idade (< p5) (9).
Por todos os benefícios destes alimentos, é essencial promover a sua aceitação desde cedo, em crianças e jovens. O desenvolvimento do paladar é afetado pelas diversas experiências com sabores, cheiros e texturas nos primeiros anos de vida. Durante a gestação, o feto contacta com vários sabores através do líquido amniótico (afetado pela alimentação materna), o que pode levar à apetência inata por doces e salgados e à aversão pelo amargo. Essa tendência pode ser afetada por outras experiências ao longo da infância, em que os alimentos disponibilizados pelos pais vão modelar os hábitos alimentares da criança (10). Sendo o paladar importante na aceitação dos alimentos, as atividades sensoriais têm vindo a ser estudadas como estratégias de promoção do consumo de produtos hortícolas e frutas, numa tentativa de evitar a influência do pré-conceito que as crianças têm sobre estes alimentos. Para elas, a decisão de provar um alimento parece ser baseada principalmente no seu aspeto visual (11). Nesse sentido, existem programas sensoriais como o método SAPERE ou “Classes du Goût”, que visa ensinar às crianças a importância do cheiro, texturas e sabores dos alimentos e as incentiva a cozinhar e a provar alimentos desconhecidos (12). Em crianças dos 7 aos 11 anos, este programa melhorou tanto a descrição de alimentos como a identificação de sabores e odores (13). Este método parece ter mais impacto a médio-longo prazo nas preferências alimentares e não tanto a curto prazo (12). Em outro estudo, as crianças foram divididas em dois grupos – um em que utilizavam frutas e produtos hortícolas para criar uma imagem e outro em que apenas viam os alimentos. Quando questionadas sobre a vontade de provar alguns alimentos, percebeu-se que as crianças que mexeram nos alimentos estavam mais recetivas a isso. Mais do que a exposição visual repetida, o contacto direto e prolongado com os alimentos parece promover o seu consumo (14). No presente trabalho foi testado outro método de intervenção sensorial – a prova cega de alimentos.
OBJETIVOS
Avaliar se a prova cega afeta a aceitação de frutas e produtos hortícolas pelas crianças;
Comparar a opinião dos pais sobre os gostos dos seus filhos com a opinião das crianças sobre os alimentos em teste, na prova visual e na prova cega.
METODOLOGIA
Estudo observacional, com uma amostra não probabilística de alunos de uma Escola Básica do Centro de Portugal. Os critérios de exclusão foram a existência de alergia a algum dos alimentos considerados ou o preenchimento incorreto de algum dos instrumentos de recolha de dados. Este trabalho foi autorizado pela Comissão de Ética do Instituto Politécnico de Coimbra. O agrupamento escolar também autorizou a aplicação do trabalho na escola. Todos os inquiridos foram devidamente autorizados pelos encarregados de educação a participar, com preenchimento do consentimento informado livre e esclarecido. Foi garantida a confidencialidade dos dados recolhidos, bem como o princípio da não maleficiência a todas as crianças incluídas na amostra.
Este estudo incluiu 51 indivíduos. Destes, foram excluídos 4 indivíduos por falhas no preenchimento do questionário entregue aos seus pais, resultando uma amostra de 47 crianças, 19 meninas e 28 meninos com idades compreendidas entre os 9 e os 11 anos (idade média 9,53±0,72 anos).
Os pais ou encarregados de educação (adiante designados por “pais”) responderam a um questionário de classificação de 40 alimentos (20 frutas e 20 produtos hortícolas, selecionados com base na Tabela de Composição de Alimentos do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge) de acordo com a sua perceção sobre os gostos das crianças, usando uma escala de 1 a 5 (em que 1 corresponde a “não gosta nada” e 5 a “gosta muito”). Destes 40 alimentos, foram selecionados aleatoriamente 20 para uma apresentação de imagens para as crianças – prova visual. Após a visualização da imagem de cada alimento foi pedido às crianças que classificassem com a mesma escala (1 a 5) de acordo com os seus gostos pessoais. Os alunos foram depois submetidos à prova cega individual de 6 dos alimentos incluídos na prova visual – 3 frutas e 3 produtos hortícolas escolhidos de forma aleatória, com classificação pela mesma escala (1 a 5). As frutas (pera, framboesa e laranja) foram consumidas cruas, enquanto os produtos hortícolas (brócolos, beterraba e cenoura) foram cozidos em água - cozedura média, apenas para garantir maior facilidade na mastigação, ainda oferecendo alguma resistência (5 minutos para os brócolos, 20 minutos para a beterraba e 10 minutos para a cenoura). Para garantir a segurança dos participantes e a resposta imediata face a uma reação alérgica ou outra emergência, a prova cega foi acompanhada por uma enfermeira especialista em saúde infantil. Todos os participantes tinham conhecimento do procedimento, ainda que desconhecendo os alimentos incluídos na prova cega. Essa informação foi disponibilizada no final da intervenção.
Os dados recolhidos foram analisados para perceber a relação entre a classificação na prova visual e na prova cega. Para avaliar as mudanças de opinião sobre os alimentos, as classificações atribuídas foram agrupadas em “não preferencial” (1 a 3) e “preferencial” (4 a 5) em um dos testes efetuados. Foi também estudada a relação entre os gostos das crianças percecionados pelos pais e os reportados pelas próprias, quer na prova visual quer na prova cega. A análise estatística foi feita através do software IBM IPSS versão 23. A estatística descritiva incluiu o cálculo das frequências, médias e desvio-padrão das idades. Para a restante análise estatística utilizaram-se os testes emparelhados Wilcoxon e McNemar.
RESULTADOS
Opinião dos Pais sobre os Gostos das Crianças
A classificação atribuída pelos pais no questionário (1 a 5 onde a maior pontuação corresponde a maior preferência) acerca dos gostos das crianças pode ser vista na Tabela 1 (produtos hortícolas e frutas).
Classificação Atribuída pelas Crianças (Prova Visual)
Na Tabela 2, encontra-se a distribuição de respostas na prova visual aos produtos hortícolas. Os produtos hortícolas com melhores classificações foram o feijão-verde (51,1% com classificação máxima), o pepino (48,9%), os espinafres (46,8%) e os brócolos (42,6%). Os produtos hortícolas com mais opiniões negativas foram a couve de bruxelas e na beterraba, com 44,7% e 36,2% (respetivamente) a classificarem com a pior pontuação possível. Tal como nos questionários aos pais, em alguns alimentos as classificações dividiram-se de forma idêntica nos pontos extremos da escala.
Nas frutas (Tabela 2), em 9 das 10 testadas foram mais as respostas no nível 5 do que para os restantes níveis da escala, com 51,1% ou mais crianças a dar a pontuação máxima. Exceção no figo, o alimento com menos respostas na pontuação máxima (48,9%), tal como já tinha acontecido nas respostas dos pais ao questionário.
Classificação Atribuída pelas Crianças (Prova Cega)
Analisando as classificações das duas provas (Tabela 3), percebemos que a prova cega levou a algumas mudanças. Para a cenoura e beterraba foram mais as crianças que alteraram a sua resposta na prova cega do que os que mantiveram a classificação dada previamente na prova visual – apenas 43% (para a cenoura) e 36% (beterraba) mantiveram a pontuação em ambas as provas. Em 4 alimentos (beterraba, pera, framboesa e laranja) foram mais as crianças a melhorar a classificação do que a piorar, sendo estatisticamente significativo para a pera e laranja (p<0,05). Já na cenoura e nos brócolos a prova cega não teve efeitos tão positivos, com mais alunos a piorar a classificação (32% e 28%, respetivamente) do que a melhorar (26% e 19%, respetivamente).
Na Tabela 4, agruparam-se as classificações como “não preferenciais” (1 a 3) e “preferenciais” (4 e 5) atribuídas tanto na prova visual como na prova cega. A maioria dos alunos que tinham dado classificação “preferencial” na prova visual mantiveram essa opinião na prova cega. No entanto, alguns dos que deram classificação “não preferencial” na prova visual melhoraram a sua opinião, alterando a classificação para “preferencial”. Em 3 dos 6 alimentos, o número de crianças a melhorar a sua opinião foi igual (cenoura – 50%) ou superior (pera – 66,7%; laranja – 71,4%) aos que mantiveram como não “preferencial”. Embora em menor expressão, nos outros alimentos também houve alterações para “preferencial” com a prova cega – em 10 alunos para a beterraba (31,3%), em 5 para os brócolos (21,7%) e em 8 para a framboesa (47,1%). As mudanças existentes não foram estatisticamente significativas.
Comparando as respostas dos pais sobre os gostos dos filhos e as respostas das crianças à prova visual (Tabela 5), existem algumas semelhanças. Em 5 dos 6 alimentos considerados, foram mais as crianças com resposta igual aos pais – beterraba (51%), brócolos (64%), pera (66%), framboesa (53%) e laranja (66%) - do que com resposta diferente. Já no caso da cenoura, só 19 crianças (40%) tiveram respostas concordantes com os pais, sendo que os restantes melhoraram essa classificação (36%) ou pioraram-na (23%). De uma forma geral, havendo diferenças entre as respostas de pais e crianças, esta foi positiva. Em todos os alimentos foram mais os que melhoraram na prova visual dos que pioraram a pontuação, sendo as alterações estatisticamente significativas na framboesa a favor do aumento de preferência deste fruto (p<0,05). Relacionando as respostas dos pais com as dos filhos na prova cega (Tabela 6), encontramos algumas mudanças importantes na forma como os responsáveis julgam ser as preferências das crianças e as suas respostas. Ao contrário da prova visual, em que em 5 alimentos foram mais as crianças com resposta igual aos pais do que os que deram respostas diferentes, na prova cega isso só aconteceu em 2 alimentos (pera – 60% e laranja – 62%). Nos restantes foram mais os que deram uma classificação diferente dos pais do que os que igualaram a resposta. A mudança foi maioritariamente positiva em todos os alimentos, com mais crianças a dar melhor classificação que os pais do que pior classificação. De realçar as melhorias da pontuação da prova cega (em relação à classificação dada pelos pais) à beterraba, pera, framboesa e laranja, em que as diferenças foram bastante expressivas e estatisticamente significativas (p<0,05).
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O consumo frequente de frutas e produtos hortícolas é um pilar da promoção da saúde e prevenção de múltiplas doenças. No entanto, assistimos a uma tendência global de baixa ingestão destes alimentos na população (2). Sabendo que grande parte dos hábitos alimentares dependem das experiências durante a infância e adolescência (15), é essencial promover a alimentação saudável desde cedo. Na prática isso é bastante difícil, devido à rejeição de vários alimentos pelas crianças, que antes de provar assumem que não gostam. Assim, a prova cega pode ser um método útil, porque as crianças provam alimentos que não estão a ver e focam-se apenas no seu paladar para avaliar se gostam ou não.
Pela realização deste trabalho obtivemos algumas conclusões interessantes.
Opinião dos Pais sobre os Gostos das Crianças
Através do questionário entregue aos pais, percebemos que, na sua opinião, as crianças gostam mais de frutas do que de produtos hortícolas.
Relação das Respostas dos Pais e das Crianças (Prova Visual)
Analisando a relação entre o que os pais percecionam acerca dos gostos dos filhos e como os próprios classificam os seus gostos (após a visualização de imagens dos alimentos – prova visual), vemos que as respostas foram iguais na maioria dos casos, mostrando que os pais conheciam a opinião dos seus filhos. Esta semelhança confirma a influência da família na alimentação das crianças. Tanto a aceitação como o consumo de frutas e produtos hortícolas parecem ser fortemente afetados pelo exemplo dos pais (16, 17) e pela disponibilidade destes alimentos em casa (17). Se os pais não gostam de um alimento, não o consomem nem o têm em casa, comprometendo a sua aceitação pelas crianças (18). Ainda assim, em alguns casos a classificação foi diferente na prova visual - alguns melhoraram a classificação, mostrando gostar mais dos alimentos do que os seus pais julgavam, o que pode dever-se à influência social nos hábitos alimentares. O efeito de grupo (ex.: turma, amigos) parece também influenciar a opinião sobre alimentos desconhecidos (19).
Relação das Respostas das Crianças em Ambas as Provas (Visual e Cega)
Encontrámos algumas diferenças nas classificações das duas provas aplicadas nas crianças (visual e cega). Embora alguns tenham piorado a classificação na prova cega, foram mais os que mantiveram ou melhoraram a sua opinião. Na cenoura e na beterraba foram mais os alunos que alteraram a sua opinião do que as que mantiveram. O impacto da prova cega foi positivo em 4 alimentos, principalmente na pera e laranja (p<0,05). Ao agrupar por classificação “não preferencial” (1 a 3) e “preferencial” (4 a 5) entendemos que os que já gostavam do alimento na prova visual (classificação preferencial) mantiveram essa opinião na prova cega, talvez por o terem reconhecido pelas suas características organoléticas. Já quando a classificação na prova visual foi “não preferencial”, houve mudanças para “preferencial” em todos os alimentos, o que só por si é importante do ponto de vista clínico. De destacar que na pera e na laranja, foram mais as crianças a mudar a sua opinião para “preferencial” na prova cega do que a manter como “não preferencial”. Na prática, qualquer caso em que consigamos promover o consumo de frutas e produtos hortícolas e contribuir para a sua maior aceitação é relevante. Se ao provar as crianças deram uma classificação “preferencial” a um alimento, acreditamos que a aceitação futura desse alimento será maior.
Importante apontar que estes resultados se devem a uma intervenção apenas, sem qualquer sessão de educação alimentar prévia. Serão estas sessões relevantes para a maior aceitação de frutas e produtos hortícolas pelas crianças? Em outro trabalho, a aplicação de atividades sensoriais prévia à classificação dos alimentos não pareceu afetar mais as opiniões que a exposição e degustação repetida dos mesmos, em crianças dos 8 aos 11 anos (12). Põe-se a hipótese de, mais do que a educação alimentar, o contacto direto com os alimentos parece melhorar a sua aceitação. O efeito das sessões na vontade de provar novos alimentos parece maior quanto mais novas forem as crianças, (20) reforçando que é essencial incluí-las precocemente. Outro estudo (Taste Lessons) não pareceu ter efeitos na vontade de provar produtos hortícolas desconhecidos, apenas nos já conhecidos pelas crianças (21). Nesse método, tal como no SAPERE, as crianças veem o alimento antes de decidirem prová-lo e dar a sua opinião. Sabendo que o aspeto visual dos alimentos afeta a decisão de consumo (22) e por isso contribui para a vontade de o provar (de forma positiva ou negativa), a prova cega pode ultrapassar essa barreira e incentivar o 1.º contacto. Reconhecendo o impacto positivo da prova cega, ainda que subtil, na melhoria da opinião sobre as frutas e produtos hortícolas encontrado neste trabalho, fica a hipótese de incluir este método nas atividades a aplicar pelo nutricionista em escolas.
Comparação entre as Respostas dos Pais e das Crianças (Prova Cega)
Considerando a relação entre as respostas dos pais e as da prova cega, detetaram-se alterações interessantes. Enquanto que na prova visual as crianças deram a mesma resposta que os seus pais em 5 alimentos, essa semelhança apenas existiu em 2 alimentos na prova cega. Nos outros alimentos considerados foram mais as crianças a melhorar a classificação dada pelos pais do que a igualar essa pontuação, mostrando gostar mais destes alimentos do que os seus pais acreditavam, principalmente na beterraba, pera, framboesa e laranja (p<0,05). Se a prova cega for um reflexo dos gostos reais, entendemos que as crianças mostram gostar dos alimentos (prova visual) de forma semelhante ao reportado pelos pais mas que, na realidade, melhoram a opinião quando não veem o alimento que estão a provar e a classificar.
Limitações
Seria importante investigar a relação entre a opinião na prova visual e na prova cega com mais alimentos e com uma amostra maior, de forma a contornar as limitações deste trabalho. Outra limitação terá sido o método de confeção utilizado para os produtos hortícolas (cozedura em água). Principalmente para a cenoura, o seu consumo em cru poderia melhorar a aceitação na prova cega.
CONCLUSÕES
Concluindo, a prova cega parece ser um instrumento interessante para promover o contacto com os alimentos e melhorar a opinião das crianças. Mesmo sem resultados estatisticamente significativos, cada uma das melhorias encontradas nos participantes é clinicamente relevante. Percebemos que os pais conhecem a opinião que os filhos reportam sobre os alimentos. No entanto, quando comparamos com a prova cega, percebemos que talvez os pais formulem um pré-conceito acerca dos gostos dos seus filhos que, apesar de ir de encontro ao que eles reportam, não se confirma quando provam os alimentos e os classificam.
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Carolina Marques
Rua Quinta de São Romão, n.º 350, lote 24, 2.º Direito, 2410-458 Leiria, Portugal
carolinacmarques.18@gmail.com
Recebido a 5 de setembro de 2019
Aceite a 30 de dezembro de 2019