INTRODUÇÃO
A alimentação / nutrição afeta a saúde materna e das gerações futuras. São vários os estudos que reportam um inadequado aporte nutricional antes da conceção e durante a gestação (1-8). Da mesma forma é recomendado adequar a evolução ponderal das gestantes, tendo em conta o índice de massa corporal (IMC) anterior à gravidez e o número de fetos (9). Existe uma elevada percentagem de grávidas com um aumento ponderal desadequado (10-13). Um estudo realizado a nível nacional, com 88 grávidas, aferiu que mais de metade das grávidas normoponderais, 70% das gestantes com pré-obesidade e 46% das grávidas com obesidade prévia à conceção tiveram um inadequado aumento ponderal, quer por defeito quer por excesso (12).
O reduzido aumento de peso, para além de aumentar o risco de bebés com menor tamanho para a idade gestacional, também pode estar associado a parto prematuro (14, 15), baixo peso à nascença e restrição do crescimento fetal, três situações que podem igualmente estar relacionadas com a obesidade, disfunção metabólica e outras doenças crónicas numa fase mais tardia da vida da criança (16).
Por outro lado, o aumento ponderal excessivo pode originar consequências negativas para o feto, como a macrossomia fetal, independentemente do estado nutricional prévio à conceção (10,
17) e maior tamanho para a idade gestacional (15) mas também afeta a saúde da mãe por aumentar o risco de diabetes gestacional, pré-eclampsia, depressão pós-parto (18) e a necessidade de realizar o parto por cesariana (15, 18).
Alterações nos estilos de vida têm demonstrado resultados positivos na redução do ganho de peso na gestação e as intervenções alimentares parecem ser mais eficientes do que intervenções baseadas apenas na atividade física (19). Isto pode ser consequência de uma maior preocupação das grávidas com os seus hábitos alimentares, verificando-se contudo que nem sempre recorrem às fontes de informação mais seguras (20).
Para além do aumento de peso na gestação, o estado ponderal das grávidas antes da conceção também está associado a riscos para a saúde materna e infantil (21-23). Um índice de massa corporal (IMC) pré-gestacional superior ao desejável está associado a maiores níveis de pressão arterial nas crianças desde nascença nascimento (24) e poderá predizer o estado ponderal da mulher no pós-parto (25). O baixo peso antes da gravidez também pode ter consequências negativas, visto que aumenta o risco de parto prematuro e do feto ser pequeno para a idade gestacional (26).
Assim, é importante promover um adequado estado ponderal das grávidas, desejavelmente antes da conceção, para a promoção da saúde das populações (23).
OBJETIVOS
Este trabalho teve como objetivo avaliar o estado nutricional de mulheres do Faial antes da conceção e o seu aumento ponderal durante a gestação.
METODOLOGIA
A amostra deste estudo é composta por grávidas que completaram a sua gestação entre maio de 2018 e junho de 2019. Foram critérios de inclusão: idade igual ou superior a dezoito anos, idade gestacional inferior a doze semanas, ausência de comorbilidades (exceto obesidade), ser residente na ilha do Faial e estar inscrita na Unidade de Saúde dessa ilha. As mulheres com história de abortos espontâneos, morte fetal, partos prematuros (inferior a trinta e duas semanas de gestação), tenham sido submetidas a cirurgia bariátrica ou com qualquer condição que condicionasse a participação livre e informada no estudo foram excluídas.
Um total de 48 grávidas foram convidadas a participar no estudo, seis (12,5%) das quais recusaram. Foram posteriormente excluídos os dados de seis participantes: três sofreram de aborto espontâneo, uma com parto prematuro (inferior a trinta e duas semanas de gestação) e duas com diagnóstico de diabetes gestacional. Outras duas participantes desistiram do estudo antes do seu término, pelo que foram analisados os dados de 34 mulheres.
Foi aplicado um questionário no final do terceiro trimestre de gestação, sobre informações sociodemográficas (idade quando engravidou, escolaridade, freguesia de residência, estado civil, situação profissional e rendimentos económicos) e dados antropométricos (peso pré-gestacional, altura e aumento ponderal na gravidez). Para o cálculo do IMC pré-gestacional foram considerados os registos presentes no boletim de saúde da grávida e este índice foi classificado segundo os critérios da Organização Mundial da Saúde (27). Para determinar o aumento ponderal durante a gestação foi medido o peso, seguindo os procedimentos da orientação n.º 017/2013 da Direção-Geral da Saúde (28), em todas as consultas de acompanhamento e foi avaliada a sua adequação tendo em conta as recomendações do Institute of Medicine (9).
A análise estatística foi realizada no programa IBM SPSS versão 24.0 para Windows. Utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov para avaliar a normalidade das variáveis cardinais. A estatística descritiva consistiu no cálculo de frequências absolutas (n) e relativas (%), médias e desvios-padrão (dp) e de medianas e percentis (P25; P75). O teste de Wilcoxon foi usado para comparar ordens médias de amostras emparelhadas. Rejeitou-se a hipótese nula quando p < 0,05.
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde da Unidade de Saúde da Ilha do Faial, pelo parecer número 4.2018, a 3 de maio de 2018. Todos os participantes deram o seu consentimento informado por escrito e foi-lhes atribuído individualmente um código para assegurar a sua confidencialidade.
RESULTADOS
A idade média das participantes foi de 31 anos (dp = 4), 50% apresentava o ensino superior, 64,7% estava casada ou em união de facto, a maioria (91,2%) estava empregada e 79,4% considerou os seus rendimentos económicos suficientes para os seus gastos (Tabela 1).
Metade da amostra era normoponderal antes da conceção e as restantes participantes apresentavam excesso de peso. A percentagem de mulheres com pré-obesidade antes da conceção foi ligeiramente superior (26,5%) comparativamente às mulheres obesas antes da gravidez (23,5%).
Verificou-se que o aumento médio de peso na gestação foi de 9,3 kg (dp = 3,6). É de salientar que 64,7% da amostra não cumpriu as recomendações de aumento de peso na gestação, maioritariamente por défice (défice (n = 15) vs. excesso (n = 7)). Analisando o inadequado aumento ponderal por classes de IMC pré-gestacional verificamos que todas as mulheres normoponderais (n = 11) tiveram um reduzido aumento de peso e que 75,0% das obesas (n = 3) tiveram um excessivo aumento ponderal. Relativamente às mulheres com pré-obesidade (n = 9), 77,8% tiveram um inadequado aumento ponderal, em que 33,3% foi por defeito e 44,5% por excesso (Tabela 2).
Não se verificaram diferenças significativas no IMC pré-gravidez entre as três classes de IMC analisadas, embora se verifique uma tendência para maior IMC pré-gestacional nos casos de inadequação por excesso e o oposto para os de inadequação por defeito (Tabela 3).
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
São vários os estudos que apresentam uma proporção de mulheres normoponderais ou com pré-obesidade antes da gravidez próxima da encontrada no presente estudo (5, 8, 17, 20, 29), mas a percentagem de mulheres obesas neste mesmo período foi superior comparativamente com outros estudos (1, 2, 8, 17, 20, 29, 30).
Tendo em conta a elevada percentagem de mulheres com excesso de peso antes da conceção recomenda-se um maior foco na educação para a saúde sobre a adoção de estilos de vida saudáveis, nomeadamente prática regular de atividade física e melhoria dos hábitos alimentares, a realizar nas consultas de planeamento familiar. Considerando o carácter preventivo dos cuidados de saúde primários, deve ser feita, sempre que possível, a referenciação ao nutricionista nos casos em que se verifique esta condição.
A inadequação do aumento de peso das participantes que eram normoponderais antes da conceção foi superior à encontrada em vários estudos (12, 31, 32). Nas mulheres que antes da gravidez apresentavam pré-obesidade há estudos que apresentam valores percentuais de inadequação inferiores (12, 31) e outros superiores (32, 33). O aumento ponderal na gravidez das participantes com obesidade antes da gestação foi semelhante aos resultados do estudo de Gomes et al. (12), mas outros estudos apontam para percentagens superiores (31-33). Não tendo sido objetivo do presente estudo explorar os motivos conducentes à (in)adequação do aumento ponderal, sugere-se que em trabalhos futuros tal seja avaliado, nomeadamente distinguindo fatores intencionais de não intencionais.
Tendo em conta a reduzida adequação do aumento ponderal na gestação (35,3%), consideramos que a evolução ponderal deverá ser monitorizada com maior frequência, de modo facilitar o cumprimento das recomendações e visto que estas têm em conta o IMC prévio, e dada a elevada prevalência de excesso de peso encontrada, esta monitorização deve prolongar-se no período pós-parto.
Este trabalho apresenta limitações, nomeadamente ter sido foi realizado em mulheres com um elevado nível de literacia e que residem apenas na ilha do Faial, pelo que os seus resultados não devem ser extrapolados para a população em geral. Para além disso, os valores apresentados podem estar subestimados possivelmente consequência da metodologia utilizada, visto que a última pesagem foi feita antes do final da gestação.
Foi avaliada a mesma amostra antes da conceção e na gestação, o que minimizou o viés associado às características das participantes. Salienta-se que este é o primeiro estudo, sobre esta temática, realizado na Região Autónoma dos Açores e apenas o segundo feito a nível nacional, que analisa simultaneamente o estado nutricional antes da conceção e a evolução ponderal durante a gravidez, o que reforça a sua pertinência.
CONCLUSÕES
A elevada prevalência de mulheres que tinham excesso de peso ao engravidar revela a importância da educação para a saúde antes da conceção. A reduzida adequação do aumento de peso na gestação espelham a necessidade de elaborar recomendações mais adequadas a esta população, nomeadamente as que apresentam excesso de peso porque possivelmente não necessitam de aumentar tanto o seu peso. A modificação dos hábitos alimentares tem efeitos positivos que se prolongam ao longo do ciclo de vida da mulher, da criança e de todo o agregado familiar, por isso é essencial a intervenção do nutricionista.